Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1624/09.6T2AVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: PERÍCIA EM DOCUMENTO
LETRA
SUBSCRITOR JÁ FALECIDO
Data do Acordão: 07/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GRANDE INST. CÍVEL DE AVEIRO- JUIZ 3.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 584º DO CPC
Sumário: I – A circunstância de o autor ou subscritor aparente de determinado documento ter já falecido, não obsta a que, com base em documento já existente que, inequivocamente, haja sido por ele escrito e/ou assinado, se proceda à perícia à letra, nos termos da 1ª parte do artº 584º do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A)M…, intentou, em 2009, na Comarca do Baixo Vouga – Aveiro – Juízo de Grande Instância Cível, acção declarativa, de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra A… e P…, filhos e únicos herdeiros de C…, falecido a 21/12/08, com vista, designadamente, a ver reconhecidos os direitos resultantes de contrato que alegou ter firmado com este, contrato esse corporizado no documento escrito assinado por ambos, datado de 02/12/2008, cuja cópia juntou com a petição e que as partes denominaram de “Confissão de dívida e Contrato Promessa de Dação em Cumprimento ou pagamento”.

B) - Tendo a acção sido contestada, na réplica a Autora juntou o original do mencionado documento.

Foi proferido despacho saneador, foram fixados os factos que se consideravam já assentes e elaborou-se a base instrutória, desta constando, entre outros, o seguinte quesito, reportado ao mencionado documento escrito intitulado “Confissão de dívida e Contrato Promessa de Dação em Cumprimento ou pagamento”:

2.°) A assinatura manuscrita constante do documento referido em C) – C… - foi aposta pelo punho do pai dos RR.?

C) – Notificada para o efeito, veio a Autora indicar as suas provas, apresentando requerimento nos seguintes termos, desconsiderado o mais que ora não releva:

«Requer-se a realização de perícia à assinatura "C… aposta no documento "Confissão de Dívida e Contrato Promessa de Dação em cumprimento ou pagamento" datado de 02 de Dezembro de 2008 e junto aos autos com a Réplica a fls e cuja cópia fora já junta com a Petição Inicial sob doc. 1 a fls...., a realizar pelo Laboratório Nacional de Polícia Científica, organismo à qual deverá a perícia ser requisitada, através da comparação da assinatura "C…" constante do documento "Confissão de Dívida e Contrato Promessa de Dação em cumprimento ou pagamento" datado de 02 de Dezembro de 2008 e junto aos autos com a Réplica a fls.... e cuja cópia fora já junta com a Petição Inicial sob doc. 1 a fls...., com a assinatura de C… constante da pública forma do seu Bilhete de Identidade n.° … emitido em 16/06/2006 pelos SIC de Aveiro,

Para prova e tendo como objecto o facto 2) da Base Instrutória, e assim resposta à questão de facto de saber se:

A Assinatura manuscrita constante do documento referido em C) (documento "Confissão de Dívida e Contrato Promessa de Dação em cumprimento ou pagamento" datado de 02 de Dezembro de 2008 e junto aos autos com a Réplica a fls.... e cuja cópia fora já junta com a Petição Inicial sob doc. 1 a fls...) –C… - foi aposta pelo punho do pai dos RR., C…?

Para o efeito deverá, o que se requer, enviar-se, a título devolutivo, ao Laboratório Nacional de Polícia Científica:

- o documento "Confissão de Dívida e Contrato Promessa de Dação em cumprimento ou pagamento" datado de 02 de Dezembro de 2008 e junto aos autos com a Réplica a fls...

- a pública forma do Bilhete de Identidade, de C…, n.° … emitido em 16/06/2006 pelos SIC de Aveiro, que ora se junta.».

D) - Sobre este requerimento da A., recaiu o despacho de 30/09/2010, onde, para além do mais, se consignou o seguinte:

«(…) Não admito a perícia à letra (assinatura) porquanto faleceu já o suposto autor da assinatura não podendo existir recolha de autógrafos, sendo esta a variável de comparação na prova grafológica. (…)».

II - Deste despacho recorreu a Autora, que, nas alegações de recurso - que veio a ser recebido como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo -, apresentou as seguintes conclusões:

(…)

Terminou defendendo a revogação da decisão impugnada e a substituição dela por uma outra que deferisse a requerida perícia.

III - Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2, “ex vi” do art.º 713º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [2]).

Assim, a questão a solucionar resume-se a saber se deveria ter sido deferido o requerimento sobre o qual recaiu o despacho impugnado.

IV - A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir estão enunciados em I “supra”.

B) – Dispõe o nº 1 do art.º 584º do CPC: «Quando o exame para o reconhecimento de letra não puder ter por base a comparação com letra constante de escrito já existente e que se saiba pertencer à pessoa a quem é atribuída, é esta notificada para comparecer perante o perito designado, devendo escrever, na sua presença, as palavras que ele indicar.».

Conforme parece resultar claro do preceito transcrito, a recolha de autógrafos a que se reporta a sua segunda parte só tem lugar quando não houver escrito cuja letra possa servir de base idónea à comparação a fazer com a constante do documento a examinar.

É possível, pois, à luz deste preceito, havendo o tal “escrito já existente” que o mesmo exige, fazer-se o exame pericial à escrita de documento escrito cuja autoria e/ou assinatura se imputa a pessoa já falecida, ou que esteja impossibilitada de escrever, em virtude de incapacidade psíquica ou física superveniente (v.g., resultante de acidente ou de doença).[3]

O bilhete de identidade (emitido em 16/06/2006), sendo documento autêntico anterior ao documento a examinar e de onde consta, inquestionavelmente, a assinatura do pai dos RR, é idóneo a servir de base à comparação, nos termos da 1ª parte do aludido artº 584º, da assinatura do respectivo titular com a constante do documento ora em causa.

Do exposto resulta evidente que a circunstância de o subscritor aparente do escrito a examinar ter falecido não obsta à perícia da respectiva assinatura, pelo que, “in casu”, o decidido indeferimento de tal perícia, fundado no facto de não ser possível a recolha de autógrafos ao pai dos RR, por o mesmo ter já falecido, foi ilegal e, consequentemente, não pode subsistir.

Em conclusão: O despacho impugnado traduz errada aplicação da lei, pelo que, na procedência da Apelação, terá o mesmo de ser revogado e ser substituído por um outro que, admitindo o que requerido foi pela Autora quanto à prova pericial, dê seguimento aos ulteriores termos que se revelem necessários à obtenção e produção de tal prova.

Em síntese, dir-se-á, pois:

A circunstância de o autor ou subscritor aparente de determinado documento ter já falecido, não obsta a que, com base em documento já existente que, inequivocamente, haja sido por ele escrito e/ou assinado, se proceda à perícia à letra, nos termos da 1ª parte do artº 584º do CPC.

V - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a Apelação e, revogando o despacho recorrido, determinar a respectiva substituição por um outro que, admitindo o que requerido foi pela A. quanto à prova pericial, dê seguimento aos ulteriores termos que se revelem necessários à obtenção e produção de tal prova.

Custas pela parte vencida a final.

Coimbra,


(Falcão de Magalhães)

(Regina Rosa)

(Jaime Ferreira)



[1] Os preceitos que deste Código forem citados, reportam-se, salvo indicação em contrário, à redacção introduzida pela Lei nº 52/2008 de 28/08.
[2] Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.
[3] Cfr., a título de exemplo, a situação sobre que versou o Acórdão da Relação de Lisboa de 01 de Abril de 2009 (Apelação nº 3431.03.OTBOER-A.L1-6), consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase”.