Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1374/17.0T8PBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: EXECUÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO
MÚTUO
PRESTAÇÕES
EXIGIBILIDADE
LIQUIDEZ
JUROS
Data do Acordão: 07/05/2019
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - ANSIÃO - JUÍZO DE EXECUÇÃO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.640 Nº1 C), 716 CPC, 781 CC
Sumário: 1. - Visando o recorrente impugnar a decisão da matéria de facto, mas não especificando a decisão que pretenda que seja proferida nesse âmbito, a impugnação respetiva deve ser rejeitada, como previsto no art.º 640.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv..

2. - Se dos factos provados resulta a modalidade prestacional de pagamento do mútuo de que os embargantes se constituíram devedores – número de prestações, respetivos montantes e datas de vencimento – e ficou apurada a data em que estes deixaram de proceder ao pagamento respetivo, bem como a interpelação para o pagamento, de acordo com o disposto no art.º 781.º do CCiv., tendo a exequente procedido, no requerimento executivo, à liquidação da obrigação quanto ao capital em dívida à data da instauração da execução, esta surge como líquida, por depender de simples cálculo aritmético.

3. - Tendo, assim, ocorrido o vencimento de todas as prestações por satisfazer, a obrigação dos mutuários tornou-se exigível quanto a todo o capital não pago.

4. - Tratando-se de dívida com pagamento em prestações, estas com vencimento em data certa, e sabido a partir de quando se deu a falta de pagamento, ocorre mora nessa parte desde o vencimento de cada prestação não paga até à data da efetivação da interpelação/resolução do contrato, altura em que, por sua vez, ocorreu o vencimento de todo o remanescente não pago.

5. - Entre a data da cessação de pagamento e a da operância da resolução/interpelação os juros moratórios incidem apenas sobre cada prestação mensal sucessivamente vencida e não paga, e não sobre a totalidade da dívida subsistente, ao contrário do tempo posterior a tal operância, em que esses juros incidem sobre o todo ainda devido.

6. - Tendo a exequente procedido à mera liquidação/indicação de juros vencidos no montante de € 20.041,60, sem destrinça quanto àqueles dois períodos temporais e sem explicitação das operações de cálculo que permitam confirmá-la, não correspondeu aquela ao seu ónus de liquidação da obrigação quanto a juros moratórios, faltando a especificação dos valores compreendidos na prestação devida (art.º 716.º, n.º 1, do NCPCiv.).

7. - Somente quanto aos juros que continuem a vencer-se a liquidação é feita a final, pelo agente de execução, nos termos do n.º 2 do art.º 716.º do NCPCiv., o que vale para os juros de mora vincendos (a partir da data da instauração da execução), mas não para os já vencidos.

8. - Resultando afastada ainda a aplicação do disposto nos n.ºs 4, 8 e 9 daquele art.º 716.º, ocorre iliquidez da obrigação exequenda quanto a juros moratórios vencidos, determinando a extinção da execução nessa parte.

Decisão Texto Integral:

                                                            ***

            Recurso próprio, nada obstando ao seu conhecimento.

                                                            ***    

Ao abrigo do disposto no art.º 656.º do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, segue decisão sumária, face à simplicidade da questão a decidir.

                                                 ***

I – Relatório

Por apenso a autos de execução para pagamento de quantia certa que lhes move o “H (…) S. A.”, com os sinais dos autos,

vieram os Executados (e ora Embargantes) A (…) e L (…) também com os sinais dos autos,

deduzir oposição – mediante embargos de executado – a tal execução, alegando, em síntese:

- a iliquidez e inexigibilidade da obrigação exequenda;

- o pagamento da quantia total de € 10.300,00, que não foi deduzida à quantia exequenda;

- não esclarecer a Exequente como calcula os juros pretendidos.

Concluíram pela extinção da execução.

Liminarmente admitidos os embargos, a Exequente contestou, pugnando pela improcedência dos argumentos invocados e concluindo pela total improcedência de tal oposição.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com indicação do objeto do litígio e dos temas da prova, estes últimos sujeitos a posterior aditamento, mediante reclamação dos Embargantes.

Procedeu-se à audiência final – sem produção de provas, apenas tendo sido oferecida nos autos prova documental –, seguida da prolação de sentença, com o seguinte dispositivo:

«(…) decide-se julgar parcialmente procedente o incidente de oposição à execução mediante embargos de executado deduzido pelos executados/embargantes (…), e, em consequência, deduzir a quantia de € 3.000,00 à quantia exequenda (…) com a consequente redução nesses precisos termos e a extinção parcial da execução quanto àquela quantia (…)».

Inconformados, os Embargantes recorrem do assim decidido, apresentando alegação, onde formulam as seguintes

Conclusões ([1]):

«(…)

(…)

A parte Recorrida não apresentou contra-alegação de recurso.

Este foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos (de embargos) e efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem (com manutenção aqui de tal regime e efeito fixados).

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado nos articulados das partes – nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, estão em causa na presente apelação as seguintes questões:

a) Nulidade da sentença, por oposição entre fundamentos e decisão (ante a invocação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv.);

b) Admissibilidade e procedência da impugnação da decisão da matéria de facto com base em prova exclusivamente documental;

c) Iliquidez e inexigibilidade da obrigação exequenda.

III – Fundamentação

A) Nulidade da sentença

Da contradição entre fundamentos e decisão

Invocam os Apelantes ocorrer causa de nulidade da sentença prevista no art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv. [cfr. a conclusão XLVIII e, em termos semelhantes, a al.ª rr) da antecedente alegação].

Cabia à parte Apelante, não se tratando de matéria de conhecimento oficioso, mostrar onde se consubstancia tal causa de invalidade da sentença, isto é, onde entrou o Tribunal a quo em tal contradição (oposição) entre fundamentos que enunciou e a decisão que adotou.

Efetivamente, resulta do art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível).

Ora, os Apelantes limitam-se a invocar, em termos conclusivos, violação daquele normativo legal [art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv.], sem, todavia, mostrar onde se encontra consubstanciado o vício invocado, isto é, onde está patente, no corpo da sentença proferida, a alegada contradição, ambiguidade ou obscuridade.

Assim, apenas invocam uma causa de nulidade da sentença (por mera remissão para um normativo legal), sem, contudo, a demonstrarem, visto não mostrarem que ela existe, não esclarecendo onde se encontra qualquer contradição, ambiguidade ou obscuridade.

Por isso, tal invocação é infundamentada e, assim, inconsequente, posto os Recorrentes não mostrarem onde se encontra consubstanciado o vício.

Improcede, pois, a argumentação em contrário dos Recorrentes.

B) Impugnação da decisão da matéria de facto

Da (in)admissibilidade da impugnação

1. - Os Recorrentes invocam “erro notório na apreciação da prova” (cfr. conclusões XLVIII e segs.), sendo que já antes haviam afirmado que não podia o Tribunal a quo concluir que foi celebrado um “acordo”, posto ter sido celebrado, isso sim, um “contrato” (conclusão VIII), nem concluir “que a C(..) emprestou aos embargantes a quantia de 85.000,00€” (conclusão XI), nem sequer concluir quanto ao estipulado “pagamento do referido mútuo” em “264 prestações, mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros, no montante de €455,49” (conclusões XII a XIV) ou que os Embargantes “faltaram ao pagamento das prestações em 29 de Janeiro de 2013 e que foram interpelados, por diversas vezes, para o pagamento” (conclusão XX).

Podendo, de algum modo, depreender-se da respetiva argumentação quais os factos a que os Apelantes se reportam, em termos impugnatórios ([2]), já, porém, excetuando a pretendida substituição do termo “acordo” por “contrato” (ponto 4.1.1. do elenco dado com provado), não especificam, em momento algum, qual o sentido decisório pretendido para cada um dos pontos de facto com que não concordam, isto é, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. o ónus previsto no art.º 640.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv.].

Ao referirem que o Tribunal não podia “concluir como concluiu” (cfr. conclusões XI XIV), não especificam qual a alteração pretendida no plano fáctico – salvo quanto à dita substituição do termo “acordo” pelo termo “contrato” –, designadamente se os factos implicados deveriam ter sido julgados como não provados (ou, em sentido inverso, se a algum dos dados como não provados deveria caber resposta afirmativa) ou simplesmente alterados no seu sentido e, neste caso, em que termos.

Em suma, fica sem se saber quais as alterações pretendidas, qual o concreto sentido decisório por que se bate a parte recorrente, qual a decisão a dever ser proferida em vez da adotada, no plano fáctico, pela 1.ª instância.

Ora, aquele art.º 640.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., é muito claro no sentido de a parte recorrente ter obrigatoriamente de especificar, sob pena de rejeição, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Assim, esperava-se que os Apelantes esclarecessem devidamente – especificando-os –, não só quais os factos que, na sua ótica, foram julgados erradamente, como ainda, para além das concretas provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adotada, o sentido decisório pretendido (a decisão que, a seu ver, deve ser proferida sobre cada uma das questões de facto impugnadas, como tudo resulta do disposto no art.º 640.º do NCPCiv., que dispõe quanto aos obrigatórios ónus a cargo do recorrente impugnante da decisão de facto).

É que, em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve acesso, tratando-se, assim, da verificação quanto a um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas (formação e fundamentação da convicção), aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.

Para tanto, se o Tribunal de 2.ª instância é chamado a fazer o seu julgamento dessa específica matéria de facto, o mesmo é comummente restrito a pontos concretos questionados – os objeto de recurso, no mesmo delimitados, necessariamente no plano conclusivo –, procedendo-se a reapreciação com base em determinados elementos de prova, concretamente elencados.

Como bem explicita Abrantes Geraldes ([3]):

“(…) a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;

(…) d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)”.

Para depois concluir que a rejeição do recurso quanto à decisão de facto deve verificar-se, para além do mais, nas situações de falta “de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, tal como de falta “de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, constituindo, aliás, exigências que “devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida …” ([4]).

Ante este quadro referencial, parece notório – salvo o devido respeito por diverso entendimento – que os Apelantes não observaram o ónus, a seu cargo, estabelecido pelo art.º 640.º do NCPCiv., na al.ª c) do respetivo n.º 1 – em conjugação com o art.º 639.º do mesmo Cód. –, pois que omitiram, nas conclusões oferecidas (e também na antecedente alegação), a necessária indicação da concreta decisão a dever ser proferida sobre as questões de facto que identificassem como impugnadas.

Na verdade, deve a parte recorrente apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão (art.º 639º, n.º 1, do NCPCiv.), donde que, ao ónus de alegar, sempre acresça o ónus de concluir – sendo as conclusões que definem o objeto e delimitam o âmbito recursivo ([5]) –, com os fundamentos a terem de ser, primeiramente, expostos e desenvolvidos no corpo da alegação, para, depois, serem enunciados e resumidos, em jeito conclusivo, de molde a fundamentar a pretensão recursória (de alteração ou a anulação da decisão).

            Assim, como vem sendo entendido ([6]), o Tribunal ad quem tem de cingir-se às conclusões recursórias para determinar o objeto do recurso: só deve conhecer das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, pouco importando a extensão objetiva dada ao recurso no antecedente corpo alegatório, sendo que tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada no corpo alegatório prévio.

Em suma, salvo quanto à pretendida substituição do termo “acordo”, do ponto 4.1.1. dos factos provados, pelo termo “contrato” – substituição/alteração a que se procederá, por requerida e adequada, o que se mostra isento de dúvidas –, por falta, no mais, de observância do dito ónus do art.º 640.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., a impugnação de facto não pode, salvo o devido respeito, ser admitida, posto o vício determinar a imediata rejeição do recurso na respetiva parte ([7]) ([8]).

2. - Ainda que assim não se entendesse, a impugnação (na parte agora rejeitada) teria de improceder.

Com efeito, a quantia mutuada – de € 85.000,00 – resulta expressamente da cláusula primeira do denominado “MÚTUO COM HIPOTECA E MANDATO”, onde pode ler-se que «Os SEGUNDOS OUTORGANTES [aqui Embargantes/Apelantes] confessam-se solidariamente devedores à C (…) da quantia de OITENTA E CINCO MIL EUROS, que neste acto dela recebem a título de empréstimo para construção de um fogo (…)» ([9]).

É certo que após tal confissão de dívida de empréstimo no montante preciso de € 85.000,00, a mesma cláusula contempla diversos números (2 a 4), aludindo a condicionamento quanto à utilização da quantia mutuada.

Mas, como as palavras logo indicam, trata-se apenas de condicionamento de utilização do capital mutuado, sem prejuízo, pois, da dita confissão, seja da dívida, do montante, do recebimento ou da respetiva causa contratual: “confessam-se solidariamente devedores à C (…) da quantia de OITENTA E CINCO MIL EUROS, que neste acto dela recebem a título de empréstimo”.

Assim, bem sabem os Embargantes/Recorrentes, como partes no contrato celebrado, que a quantia mutuada foi de € 85.000,00 e que as condições do mútuo são as clausuladas nesse contrato e respetivo documento complementar, tudo como dado por provado – em conjugação com a certidão registal constante de fls. 69 e seg. do processo físico (referente à constituição de hipoteca a favor da C(…) no montante/capital de € 85.000,00, sendo sujeitos inscritos como titulares do imóvel hipotecado aqueles Embargantes/Recorrentes) – sob os pontos 4.1.1. a 4.1.4 ([10]) ([11]).

Já relativamente ao ponto 4.1.5. (com o teor também explicitado infra), exarou o Tribunal a quo a seguinte fundamentação da convicção:

«No que respeita ao incumprimento do contrato – facto descrito em 4.1.5. – os executados/embargantes não o impugnam expressamente, sendo que não alegaram expressa e inequivocamente que deixaram de pagar as prestações numa data diversa daquela que foi indicada pela exequente/embargante, sendo que era seu ónus provar o cumprimento e o pagamento (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).».

Ora, visto o teor da petição de embargos, só pode concordar-se com aquele Tribunal quanto à falta de impugnação expressa do facto alegado no requerimento executivo, no sentido do momento temporal da “falta ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante, em 29/01/2013” (cfr. 58 e v.º do processo físico).

Com efeito, os Embargantes assumiram, nesta parte, uma defesa sem impugnação expressa ([12]), apenas ripostando com a citação de segmentos escolhidos do clausulado contratual, que não afasta o demais clausulado já mencionado e não nega, sem mais, aquela data alegada pela Exequente como a da verificação da falta de pagamento prestacional.

Por outro lado, é certo que os Embargantes tinham o ónus de invocação dos meios de defesa contra a execução, aliás, de forma concentrada na petição de embargos – sob pena de preclusão –, cabendo-lhes o ónus da prova dos factos integrantes da matéria de exceção que deduzissem, como o pagamento, podendo, assim, dizer-se, como na decisão em crise, que “era seu ónus provar o cumprimento e o pagamento (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil)”.

Na verdade, contrariamente ao defendido pelos Apelantes, também em sede de embargos de executado há regras sobre a distribuição do ónus probatório, cabendo aos embargantes, logicamente, o ónus da prova dos fundamentos de defesa/exceção que invoquem, como o pagamento, que não se presume (antes se sujeita ao disposto no aludido art.º 342.º, n.º 2, do CCiv., preceito aplicável neste âmbito de defesa, em moldes declarativos, contra a pretensão executiva).

Refere o Tribunal a quo, já quanto ao ponto fáctico 4.1.6. (enunciado infra), que “As interpelações resultam das cartas juntas a fls. 23 a 26 da contestação, não impugnadas pelos executados/embargantes”.

Contrapõem os Apelantes que essas cartas são anteriores a janeiro de 2013, pelo que, à luz da lógica da decisão em crise, “os executados teriam sido interpelados antes mesmo de entrarem em incumprimento” (conclusão XXII).

Porém, se os Recorrentes têm razão quanto às datas de algumas de tais cartas (as de fls. 23 a 25 v.º, ainda emitidas pela C(…)), também é certo que, vistas as mesmas, elas contêm de facto já denotada intenção interpelativa para o pagamento, não quanto ao montante exequendo, mas quanto ao considerado devido ao tempo (€ 1.226,28 em 09/10/2007, enquanto que nas missivas datadas de 06/08/2011 se alude ao “incumprimento” sem referência ao respetivo montante, e € 1.386,39 em 30/04/2012).

Esquecem-se, no entanto, os Apelantes das – também aludidas – missivas de fls. 26 e v.º, já emitidas pela ora Exequente/Apelada, datadas de 30/05/2016 (por isso, bastante posteriores àquela considerada data de “entrada em incumprimento”), em que esta dá conhecimento àqueles da “cessão de crédito” e vem “interpelar” para o “pagamento da quantia total em dívida de € 97.617,28 (…), correspondente ao não pagamento das prestações relativas ao crédito supra referido, já vencidas e não pagas”.

Assim, dúvidas não restam, à luz destes documentos, quanto à questionada “interpelação”, mormente pela própria ora Exequente e já em maio de 2016 (muito depois, então, daquela data da mencionada “entrada em incumprimento”).

Por fim, quanto aos pontos 4.1.7. (considerado provado) e 4.2.2. (considerado não provado), referentes aos alegados pagamentos, cabe dizer, novamente, que o invocado pagamento (matéria de exceção ou meio de defesa contra a execução) está sujeito, realmente, às regras do ónus da prova.

Se são, naturalmente, os Embargantes que alegam o pagamento, para neutralizarem a pretensão executiva, trata-se de matéria que lhes é favorável (e desfavorece a contraparte), pelo que é a eles (Embargantes), não se presumindo o pagamento, que cabe demonstrá-lo, através da prova dos pertinentes factos de suporte, a terem de resultar alegados, sob pena de preclusão, na petição de embargos, único articulado ao seu dispor (cfr. art.º 732.º, n.º 2, do NCPCiv.).

Donde, neste contexto, a aplicabilidade do disposto no art.º 342.º, n.º 2, do CCiv., cabendo à parte embargante, perante a contraparte munida já de título executivo, o ónus da prova quanto aos meios de defesa/matéria de exceção que invoque contra a execução.

Em suma, a impugnação, se fosse admissível, sempre estaria, salvo o devido respeito, votada ao malogro.   

C) Matéria de facto

É a seguinte a factualidade tida como assente:

«4.1.1. Em 29 de Agosto de 2008, no exercício da sua actividade, a C (….) celebrou com os executados/embargantes um contrato, no âmbito do qual emprestou aos mesmos a quantia de € 85.000,00, para construção de um fogo destinado a habitação própria e permanente (cfr. documento denominado “MÚTUO COM HIPOTECA E MANDATO” e documento complementar respectivo juntos com o requerimento executivo cujo teor que aqui se dá por integralmente reproduzido) [ALTERADO].

4.1.2. Para garantia das obrigações assumidas, foi constituída hipoteca voluntária sobre o prédio urbano sito (…), Monte Real, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número (...) 97, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de União das Freguesias de (...) e (...) sob o artigo (...) 53, hipoteca que foi registada na referida Conservatória do Registo Predial através da ap. n.º 1 de 05/08/2005.

4.1.3. As partes convencionaram, na cláusula terceira do documento complementar que o pagamento do referido mútuo seria efectuado em 264 prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros, no montante de €455,49.

4.1.4. Ficou estipulado que a primeira prestação vencer-se-ia trinta e sete meses após a data da escritura e as restantes em igual dia dos meses seguintes ou em data anterior, ou seja, no início do mês seguinte à data da conclusão da obra caso a construção viesse a ser concluída antes do prazo máximo concedido para a mesma (trinta e seis meses).

4.1.5. Os executados/embargantes faltaram ao pagamento das prestações em 29 de Janeiro de 2013.

4.1.6. Os executados/embargantes foram interpelados, por diversas vezes, para o pagamento da quantia em dívida, incluindo pela exequente/embargada.

4.1.7. Os executados/embargantes procederam ao pagamento da quantia total de €3.000,00 directamente à exequente/embargante nos seguintes termos: €600,00 em 1 de Dezembro de 2015, em 1 de Janeiro de 2015, em 1 de Janeiro de 2016, em 31 de Janeiro de 2016, em 5 de Março de 2016 e em 5 de Abril 2016.».

E foi julgado não provado:

«4.2.1. A quantia mencionada em 4.1.7. foi afecta à dívida pela exequente.

4.2.2. Os executados/embargantes, para além da quantia mencionada em 4.1.7., ainda pagaram a quantia de €7.300,00.».  

D) O Direito

1. - Da (i)liquidez e (in)exigibilidade da obrigação exequenda

O Tribunal a quo expressou-se assim em sede de fundamentação de direito:

«Entre as partes (diga-se entre os executados e a C (…)) foi celebrado um contrato de mútuo, através do qual o exequente/embargado emprestou aos executados/embargantes a quantia de € 85.000,00, sendo aquele definido, no artigo 1142.º, do Código Civil, como aquele em que “uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.

(…)

Por força do contrato celebrado entre as partes, era obrigação dos executados/embargantes pagar o valor das prestações mensais referente ao contrato nas datas dos seus vencimentos, enquanto a C (…) assumiu a obrigação de emprestar a quantia mutuada.

Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o respectivo cumprimento nos termos preceituados no artigo 817.º e ss. do Código Civil.

(…)

… os executados não cumpriram a sua obrigação de pagamento do capital mutuado nas datas dos vencimentos das prestações, o que implicou o vencimento de todas as prestações nos termos do artigo 781.º do Código Civil.

Os executados/embargantes apenas provaram que pagaram a quantia de € 3.000,00, não tendo ficado demonstrado que tal quantia foi abatida à quantia em dívida em consequência do incumprimento do contrato.

Desta forma, a quantia deve ser deduzida nos termos do artigo 785.º do Código Civil.».

Inalterada, no essencial, a factologia julgada provada – tal como a não provada –, não restam dúvidas, à luz do clausulado no contrato de mútuo bancário estabelecido (escritura de “mútuo com hipoteca e mandato”, datada de 29/08/2005, e respetivo “documento complementar”, juntos a fls. 70 v.º e segs.), de ter sido mutuada aos Embargantes/Apelantes a quantia de € 85.000,00, de que se confessaram devedores solidários e que declararam ter recebido a título de empréstimo (cfr. fls. 71 v.º).

Dos factos provados também resulta a modalidade prestacional de pagamento do mútuo de que os Embargantes se constituíram devedores – número de prestações ([13]), respetivos montantes e datas de vencimento, como expresso nos pontos 4.1.3. e 4.1.4..

Apurada se mantém ainda a data em que os devedores deixaram de proceder ao pagamento prestacional, como havia sido alegado no requerimento executivo, e, outrossim, a interpelação para o pagamento, mormente no que respeita à quantia total então considerada em dívida, interpelação esta já pela ora Exequente (cessionária), que, como consta de fls. 26 e v.º (missivas, datadas de 30/05/2016, que dirigiu aos Executados), na veste de credora, instou os mutuários ao pagamento do montante de € 97.617,28, no prazo de dez dias, sob cominação de ser considerado “resolvido o referido contrato e vencida e imediatamente exigível toda a dívida, nos termos previstos nos artigos 781.º e 1150.º do Código Civil, e ver-nos-emos forçados, sem necessidade de nova interpelação, a recorrer à via judicial para cobrança das quantias em dívida” (sic, fls. 26 e 26 v.º).

Neste quadro, tendo a Exequente afirmado proceder, no requerimento executivo, à liquidação da obrigação – onde alude a um “capital em dívida” de € 82.230,19 e a “juros” de € 20.041,60, perfazendo um “valor em dívida” à data da instauração da execução de € 102.271,79 –, esta surge, quanto ao capital, como líquida, posto que dependia de simples cálculo aritmético.

Declarada a resolução do contrato e acionado, mediante interpelação, o disposto no art.º 781.º do CCiv., ocorreu o vencimento de todas as prestações por satisfazer, pelo que a obrigação dos mutuários se tornou exigível quanto a todo o capital não pago, sabido o número de prestações mensais e sucessivas acordado e o respetivo montante unitário (ponto 4.1.3.), o plano de pagamento convencionado (ponto 4.1.4.) e o início da falta de pagamento (ponto 4.1.5.).

Alegaram os Embargantes, em sede de petição de embargos – onde, como dito, deviam concentrar todos os fundamentos de oposição à execução, sob pena de preclusão –, ser impossível apurar em que momento incorreram em mora (art.º 15.º do respetivo articulado).

Porém, tratando-se de dívida com pagamento em prestações, estas com vencimento em data certa, e sabido a partir de quando se deu a falta de pagamento das prestações, ocorre mora nessa parte – com a decorrente obrigação de juros – desde o vencimento de cada prestação não paga até à data da efetivação da resolução de contrato, altura em que, por sua vez, ocorreu o vencimento de todo o remanescente não pago (perda do benefício do prazo prestacional quanto a prestações vincendas), passando também nesta parte a serem devidos juros moratórios.

Mas os Opoentes invocaram ainda, já noutra vertente, quanto à liquidação de juros, que a Exequente não indicou “a que título os peticiona, a que taxa e sobre que valor são calculados ou quando iniciou e terminou o seu cálculo” (art.º 16.º do respetivo articulado e conclusão XLV da apelação).

Nesta parte, em intentado esclarecimento ao alegado no requerimento executivo quanto à liquidação da obrigação ([14]), a Exequente veio explicitar, sob o art.º 19.º da contestação aos embargos, qual a taxa de juro considerada aplicável (5,9409%, já incluindo a sobretaxa de mora de 3%), “a data do incumprimento (29/01/2013), e a data até à qual foram calculados os juros (06/04/2017)”, tendo em conta “o capital (82.230,19 €)”, perfazendo “os juros”, então, o montante de “20.041,60€”.

Porém, salvo o devido respeito, é seguro que, se em 29/01/2013 – data em que os mutuários deixaram de proceder ao pagamento das prestações mensais – apenas se encontrava paga uma pequena parte das 264 prestações mensais acordadas (correspondentes, assim, a um prazo de reembolso de 22 anos, com início em 29/09/2011, ponderando que a primeira prestação, salvo caso de antecipação dos devedores ([15]), se venceria 37 meses após a data da escritura, esta celebrada em 29/08/2008), também resulta dos autos (de acordo com a documentação, já referida, junta com a contestação aos embargos) que a resolução do contrato (só) foi declarada por carta(s) datada(s) de 30/05/2016, mas com eficácia somente dez dias após a respetiva receção, atento o prazo (de dez dias) ainda concedido para pagamento, e só com a efetivação da resolução ocorreu o vencimento imediato das prestações remanescentes/vincendas (só então operou a interpelação no âmbito do disposto no art.º 781.º do CCiv., com a perda pelos devedores do benefício do prazo).

Ora, até esse momento o contrato mantinha-se em vigor e apenas eram exigíveis as prestações já vencidas e não pagas, pelo que apenas sobre essas eram devidos juros moratórios.

Assim, entre 29/01/2013 e a efetivação da resolução/interpelação (a operar em junho de 2016) os juros moratórios incidem apenas sobre cada prestação mensal sucessivamente vencida e não paga, e já não, contrariamente ao que parece pretender a Exequente, sobre o total da dívida por pagar (aludido capital de “82.230,19 €”), por ainda não ter ocorrido o vencimento do todo.

Só a após tal efetivação/operância da resolução/interpelação são exigíveis juros moratórios sobre a totalidade do capital em dívida, aludindo, por seu lado – para o caso de incumprimento com recurso a juízo para recuperação creditícia –, a cláusula sexta do documento complementar (intitulada “Cláusula penal”) a “uma indemnização com natureza de cláusula penal no montante que resultar da aplicação da sobretaxa de quatro por cento ao ano, calculada sobre o capital em dívida desde a data da mora” (cfr. fls. 75 v.º do processo físico).

Assim sendo, a liquidação de “juros” no montante de € 20.041,60 não resulta clara, não estando explicitados os cálculos que permitam confirmá-la, dificultando aos Embargantes – e ao próprio Tribunal – a sua adequada verificação.

Ora, a Exequente tinha, por seu lado, o ónus de liquidação da obrigação quanto a juros, com alegação, em termos compreensíveis, da factualidade e das operações de cálculo que permitissem aos Executados, em sua defesa, a necessária verificação e ao Tribunal a adequada e cabal sindicância, tendo em conta até a dimensão do pedido de juros (valor consideravelmente elevado).

Com efeito, no requerimento executivo, a parte exequente está obrigada a expor, ainda que sucintamente, “os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo” [art.º 724.º, n.º 1, al.ª e), do NCPCiv.], cabendo-lhe ainda, sendo ilíquida a quantia em dívida quanto a juros moratórios, “especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido” (art.º 716.º, n.º 1 do mesmo Cód., com itálico aditado).

Sendo certo que, quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis (n.º 2 do mesmo art.º 716.º), o que vale para os peticionados juros de mora vincendos, a partir da data da instauração da execução, mas não para os já vencidos.

Quanto a estes últimos, a Exequente, aludindo vagamente ao montante de juros de € 20.041,60, não especificou – no requerimento executivo nem posteriormente – os montantes parcelares envolvidos, o modo concreto de contabilização adotado, mormente quanto às prestações sucessivamente vencidas e não pagas desde 29/01/2013, consabido ter de proceder-se a uma diversa/autónoma contabilização para os juros da dívida vencida antes da perda do benefício do prazo e a outra no respeitante à dívida remanescente, a resultante do vencimento de todas as demais prestações nos termos do disposto no art.º 781.º do CCiv..

Assim, não cumpriu adequadamente esse ónus a seu cargo – especificação dos valores parcelares que considera compreendidos na prestação devida de juros vencidos –, pelo que não se alcança como atingiu/fixou aquele elevado montante de € 20.041,60, sendo que também não lançou mão do disposto nos n.ºs 4, 8 e 9 do mesmo art.º 716.º.

Com o que deixou inviabilizada a verificação dos seus cálculos e o respetivo controlo judicial, ante a não alegação suficiente dos necessários factos de suporte e das operações de cálculo/contabilização a que procedeu para atingir a dita quantia de € 20.041,60.

O que determina a iliquidez da dívida quanto a juros moratórios vencidos, sendo, como é consabido, fundamento de oposição à execução baseada em título extrajudicial a iliquidez da obrigação exequenda, não suprida na fase introdutória da execução (cfr. art.ºs 731.º e 729.º, al.ª e), ambos do NCPCiv.).

Em suma, procedem os embargos quanto a juros moratórios vencidos (montante de € 20.041,60) por via da invocada e verificada iliquidez, nesta parte, da obrigação exequenda, não suprida na fase introdutória da execução, o que determina, como peticionado pelos Embargantes, a extinção da execução neste particular.

2. - Do invocado pagamento parcial

Quanto, finalmente, ao alegado pagamento parcial – para além do já reconhecido na sentença recorrida, onde foi determinada a extinção parcial, pelo pagamento, da execução no concernente ao montante de € 3.000,00 –, nada há a censurar à decisão em crise, atento o factualismo que resultou provado e o não provado.

Com efeito, decaindo os Apelantes neste âmbito na sua impugnação da decisão da matéria de facto, não resulta provado que tenham sido pagas outras quantias invocadas, mas apenas aquele valor de € 3.000,00, já considerado/deduzido na decisão da 1.ª instância (cfr. pontos 4.1.7. e 4.2.2.).

Donde a improcedência nesta parte da apelação.

***

IV – Concluindo (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Visando o recorrente impugnar a decisão da matéria de facto, mas não especificando a decisão que pretenda que seja proferida nesse âmbito, a impugnação respetiva deve ser rejeitada, como previsto no art.º 640.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv..

2. - Se dos factos provados resulta a modalidade prestacional de pagamento do mútuo de que os embargantes se constituíram devedores – número de prestações, respetivos montantes e datas de vencimento – e ficou apurada a data em que estes deixaram de proceder ao pagamento respetivo, bem como a interpelação para o pagamento, de acordo com o disposto no art.º 781.º do CCiv., tendo a exequente procedido, no requerimento executivo, à liquidação da obrigação quanto ao capital em dívida à data da instauração da execução, esta surge como líquida, por depender de simples cálculo aritmético.

3. - Tendo, assim, ocorrido o vencimento de todas as prestações por satisfazer, a obrigação dos mutuários tornou-se exigível quanto a todo o capital não pago.

4. - Tratando-se de dívida com pagamento em prestações, estas com vencimento em data certa, e sabido a partir de quando se deu a falta de pagamento, ocorre mora nessa parte desde o vencimento de cada prestação não paga até à data da efetivação da interpelação/resolução do contrato, altura em que, por sua vez, ocorreu o vencimento de todo o remanescente não pago.

5. - Entre a data da cessação de pagamento e a da operância da resolução/interpelação os juros moratórios incidem apenas sobre cada prestação mensal sucessivamente vencida e não paga, e não sobre a totalidade da dívida subsistente, ao contrário do tempo posterior a tal operância, em que esses juros incidem sobre o todo ainda devido.

6. - Tendo a exequente procedido à mera liquidação/indicação de juros vencidos no montante de € 20.041,60, sem destrinça quanto àqueles dois períodos temporais e sem explicitação das operações de cálculo que permitam confirmá-la, não correspondeu aquela ao seu ónus de liquidação da obrigação quanto a juros moratórios, faltando a especificação dos valores compreendidos na prestação devida (art.º 716.º, n.º 1, do NCPCiv.).

7. - Somente quanto aos juros que continuem a vencer-se a liquidação é feita a final, pelo agente de execução, nos termos do n.º 2 do art.º 716.º do NCPCiv., o que vale para os juros de mora vincendos (a partir da data da instauração da execução), mas não para os já vencidos.

8. - Resultando afastada ainda a aplicação do disposto nos n.ºs 4, 8 e 9 daquele art.º 716.º, ocorre iliquidez da obrigação exequenda quanto a juros moratórios vencidos, determinando a extinção da execução nessa parte.

                                                            ***    

V – Decisão

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação, com revogação parcial da decisão recorrida, termos em que:

a) Na procedência dos embargos quanto a juros moratórios vencidos, no montante de € 20.041,60, por iliquidez não suprida da respetiva obrigação exequenda, determina-se a extinção da execução neste particular;

b) Mantendo-se no mais o decidido em 1.ª instância.

Custas da apelação e na 1.ª instância a cargo dos Embargantes/Apelantes e da Embargada/Apelada na proporção do respetivo decaimento (dependente de simples cálculo aritmético).

Coimbra, 05/07/2019

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinatura eletrónica.

         

O Relator,

Vítor Amaral


([1]) Que se deixam transcritas na parte relevante.
([2]) Embora não especifiquem – e deveriam fazê-lo [cfr. o ónus previsto no art.º 640.º, n.º 1, al.ª a), do NCPCiv.] – quais os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, apesar de todos os factos se mostrarem devidamente numerados/demarcados na sentença.
([3]) Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 126 e seg., com negrito aditado.
([4]) Cfr. op. cit., ps. 128 e seg., com sublinhado aditado.
               ([5]) Vide, Abrantes Geraldes, op. cit., p. 118.
([6]) Cfr., inter alia, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 1984, ps. 308 e segs. e 358 e segs., e Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, p. 33.

([7]) Como vem entendendo a jurisprudência dominante do STJ, “no âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações” – cfr. Ac. STJ de 09/02/2012, Proc. 1858/06.5TBMFR.L1.S1 (Cons. Abrantes Geraldes), disponível em www.dgsi.pt, com itálico aditado, bem como demais jurisprudência ali citada. No mesmo sentido, à luz do NCPCiv., cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., ps. 127 e seg..
([8]) Especificamente sobre os ónus legais em causa e consequências da respetiva omissão, veja-se ainda o Ac. STJ de 19/02/2015, Proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1 (Cons. Tomé Gomes), disponível em www.dgsi.pt.
([9]) Cfr. documento junto a fls. 70 v.º e segs., mormente 71 v.º, com negrito aditado.
([10]) V. quadro fáctico enunciado infra.
([11]) Veja-se o que foi pactuado sob a cláusula terceira (mormente n.ºs 1 a 4) do documento complementar, onde se alude, designadamente, ao reembolso do empréstimo em 264 prestações mensais, constantes e sucessivas, incluindo capital e juros, sendo cada uma das prestações “do montante de € 455,49 (…), vencendo-se a primeira trinta e sete meses após a data da escritura e as restantes em igual dia dos meses seguintes, ou no último dia do respectivo mês se neste não houver dia correspondente (…)” – cfr. fls. 73 v.º e segs. do processo físico.
([12]) Ademais, escudando-se no desconhecimento dos factos (cfr. art.ºs 14.º e 15.º da petição de embargos), como se não se tratasse de factos do domínio da sua esfera pessoal de partes contratantes e, como tal, intervenientes/conhecedoras dos desenvolvimentos da relação contratual creditícia em que figuram como mutuários.
([13]) Atenta a correção operada na contestação aos embargos – cfr. art.º 4.º desse articulado, onde a Exequente/Embargada reconhece tratar-se de 264 prestações mensais, em vez das “300 prestações mensais” alegadas, certamente por lapso, no requerimento executivo – e face ao teor da prova documental junta, resulta apurado um plano prestacional acordado de “264 prestações mensais, sucessivas e constantes” (ponto 4.1.3.).
([14]) Em tal requerimento executivo (cfr. fls. 58 a 59 v.º do processo físico), alegou a Exequente, em termos fácticos e no agora relevante, o seguinte:
«No exercício da sua actividade creditícia a C (…)l, celebrou com o(s) Executado(s) (…) a Escritura que serve de título à presente Execução, no montante de 85.000,00 € e respectivo Documento Complementar, conforme Cópia de Escritura que ora se junta e que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
(…)
No Documento Complementar anexo às Escrituras supra mencionadas, ficou convencionado que o pagamento do(s) referido(s) mútuo(s) seria efectuado em 300 prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros, vencendo-se no 29 de cada mês [havendo lapso, entretanto corrigido, como visto, quanto ao alegado número de prestações mensais];
Ora, sucede que os Executados faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante, em 29/01/2013.
Apesar de instados para o respectivo pagamento, não o efectuaram.
O pagamento não se presume e a falta de pagamento de qualquer das prestações implica o vencimento de toda a dívida – cfr. artigos 781.º e 817.º do Código Civil.
Assim,
E tendo os Executados deixado de cumprir as obrigações emergentes do contrato supra referido, encontram-se em dívida, na presente data [06/04/2017], as seguintes quantias:
- Capital em dívida: 82.230,19 €
- Juros: 20.041,60 €
- Despesas: 0,00 €
Total: 102.271,79 €
Pelo que, na presente data, o valor total em dívida relativamente aos supra mencionados contratos é de 102.271,79 €
Valor a que acrescerão os respectivos juros de mora vincendos, desde a presente data até efectivo e integral pagamento, calculados sobre o capital em dívida à taxa de 5.9409%, onde se inclui a sobretaxa de mora, bem como o respectivo Imposto de Selo, nos termos legais aplicáveis.
O mencionado crédito encontra-se vencido e é exigível.
O crédito aqui peticionado, respectivos juros vencidos e vincendos está consubstanciado em título executivo, de harmonia com o disposto no Art.º 703.º do C.P.C e goza de garantia real sobre o bem imóvel, dado como garantia.».
([15]) Antecipação dos devedores no pagamento prestacional que estes não invocaram (não sendo crível que tivesse ocorrido e não fosse por eles invocada), posto apenas terem aludido a pagamentos posteriores omitidos pela contraparte (cfr. art.ºs 11.º e segs. da petição de embargos).