Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
233/04.TBSAT-.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SILVA FREITAS
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
PRAZO DE CADUCIDADE
PENHORA
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
Data do Acordão: 10/23/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SÁTÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGOS 601.º; 817.º DO CÓDIGO CIVIL; 351.º; 353.º, N.º 2 E 354.º; 871.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Constitui acto ofensivo de posse, como pressuposto de embargos de terceiro, a penhora, mesmo que sustada nos termos do artigo 871.º do Código de Processo Civil.
2. No regime actual (Código de Processo Civil, na versão do Dec.Lei n.º 329-A/95, de 12/12), por força do disposto no artigo 354.º, a petição de embargos de terceiro deve ser liminarmente indeferida se não for apresentada em tempo, pelo que a excepção da caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso se os factos respectivos resultarem da petição inicial, configurando-se, assim, neste procedimento, mais uma excepção à regra constante do n.º 2 do artigo 333.º do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra



A..., com sede na Rua Áurea, 219 a 241, em Lisboa, deduziu embargos de terceiro contra B.., exequente nos autos, em que é executada C... pelos fundamentos seguintes:
A ora emargante face ao despacho de fls. 88, proferido em 11/10/2006, tomou conhecimento da confirmação da existência e susistência da penhora registada pela Ap. 04/20012006 incidente sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Paiva sob o nº 000266 da freguesia de Vila Nova de Paiva e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 942º.
A CEMG, no âmbito da acção executiva que corre termos pelo Tribunal Judicial da Guarda, 3º Juízo, processo nº 1945/03.1, em que é exequente J. Soares Correia – Armazéns de Ferro, SA e executada C... adquiriu, em 13 de Dezembro de 2005, o acima identificado imóvel através de venda por propostas em carta fechada.
A CEMG adquiriu o acima identificado imóvel em 13 de Dezembro de 2005 e, a partir daquela data, é sua dona e possuidora.
Uma vez que a CEMG adquiriu o imóvel em 13/12/2005, a manutenção da penhora ordenada nos presentes autos, e registada que incide sobre o referido imóvel ofende a posse da CEMG, dona e possuidora do referido prédio urbano anteriormente adquirido, ou seja, desde a data da aquisição.
A embargante é terceiro, não é parte na presente acção executiva, nem no acto jurídico de que emanou a diligência judicial, nem representa o executado, nem é responsável pelo pagamento da quantia exequenda.
Nos termos dos artigos 601º, 817º, ambos do Código Civil, só os bens do devedor, só o seu património responde pelo cumprimento das suas obrigações.
Pelas razões expostas, A... pediu que os embargos fossem recebidos e, a final, julgados procedentes e provados, ordenando-se o levantamento da penhora ordenada nos presentes autos e registada, incidente sobre o mencionado imóvel, bem como o cancelamento do seu registo na respectiva Conservatória do Registo Predial.
****
Foi proferida decisão pela Meritíssima Juiz em que se considerou que, pelo menos desde 6 de Outubro de 2006 a embargante tem conhecimento da existência da penhora nos autos principais, uma vez que essa é data de apresentação em juízo de um requerimento por si subscrito no qual faz expressa referência à mesma.
Acresce que, na petição ora apresentada a própria embargante refere que tomou conhecimento da confirmação da existência e subsistência da penhora em causa por despacho proferido a 11 de Outubro de 2006.
Assim, uma vez que a petição inicial de embargos deu entrada no Tribunal a 8 de Janeiro de 2007, obrigatório se tornava concluir que os presentes embargos foram apresentados muito após os 30 dias referidos no artigo 353.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ou seja, decorridos mais de 30 dias do conhecimento do acto ofensivo do direito da embargante.
Pelo que, decidiu a Ex.ma Juiz não admitir liminarmente os embargos, por extemporâneos, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 353.º, n.º 2 e 354.º do Código de Processo Civil, absolvendo os embargados da instância, com custas pela embargante.
****
A... (CEMG), tendo sido notificada da decisão proferida, interpôs recurso da mesma decisão.
O recurso foi devidamente admitido como recurso de agravo, com subida imediata e nos próprios autos do incidente, pelo despacho proferido a fls. 25 dos autos.
****
Em doutas alegações que foram apresentadas, a Recorrente formulou as seguintes Conclusões:
I – Pelo despacho de 13/03/2006, proferido no procº. 1945/03.1TBGRD, foi ordenado o cancelamento da penhora dos presentes autos (Ap. 04/20012006), nos termos dos artigos 824º, nº 2 do C. Civil e 888º do CPC.
II – Tal cancelamento conduz à inutilidade superveniente da lide na última acção executiva sobre o imóvel penhorado e à extinção da mesma.
III – O requerimento da recorrente de 06/10/2006 pretendeu informar da inutilidade superveniente da lide quanto ao imóvel penhorado, por força daquele despacho de 13/03/2006, ordenando o cancelamento dos registos.
IV – É legítimo entender que até à prolação do despacho de fls. 88, em 11/10/2006, sobre o requerimento da recorrente, de fls. 82, não é de considerar efectiva a ofensa da posse pela penhora dos autos.
V – Porque se está perante uma patente inutilidade superveniente da lide que leva à extinção da instância executiva.
VI – Só a partir do despacho de fls. 88 de 11/10/2006, de que a recorrente foi notificada em 07/12/2006 é que a recorrente podia e devia reagir por embargos de terceiro, pois, o Tribunal admitiu que tal penhora produz efeitos.
VII – A recorrente recebeu a notificação de 07/12/2006 em 11/12/2006.
VIII – Os embargos enviados por fax datado de 05/01/2007 e subsequente carta registada e com chancela de entrada de 10/01/2007 foram tempestivos.
IX – Os embargos não sendo extemporâneos não deviam ter sido rejeitados.
X – Foi dado cumprimento pela recorrente ao disposto nos artigos 351º, nº 1 e 353º, nº 2, ambos do CPC.
XI – Na sentença recorrida foram violados, entre outros, os preceitos contidos no artigo 824º, nº 2 do C. Civil e nos artigos 351º, nº 1, 353º, nº 2 e 888º, todos do CPC que deviam ter sido interpretados e aplicados no sentido de que os embargos de terceiro deviam ser admitidos.
XII – Deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que admita os embargos.
Termos em que, para a eventualidade de não ser reparado, como se espera, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o despacho recorrido e substituído por outro que admita os embargos de terceiro deduzidos pela recorrente, assim se fazendo Justiça.
****
Não foram apresentadas contra-alegações.
****
Foi proferido despacho a manter nos seus precisos termos a decisão recorrida e a ordenar a subida dos autos a este Tribunal da Relação.
****
Neste Tribunal, foi proferido despacho pelo relator a alterar o efeito atribuído ao presente recurso de agravo, de devolutivo para suspensivo do processo, nos termos do artigo 740.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Tal despacho foi devidamente notificado e não foi objecto de reclamação.
****
Colhidos os vistos dos Ex.mos Juízes-Adjuntos, cumpre-nos decidir.
****
Pelo exame dos autos, podem atender-se aos seguintes elementos com relevância para a decisão do objecto do recurso:
A)
Em 13 de Dezembro de 2005, no Tribunal Judicial de Sátão, nos autos de carta precatória que foi extraída dos autos de Execução Ordinária, (Processo nº 1945/03.1TBGRD), do Tribunal Judicial da Guarda, em que é exequente J. Soares Correia – Armazéns de Ferro, SA, e executada Construções Azur – Soc. Unipessoal, Ldª, foi lavrado o Auto de Abertura de Propostas em que a única proposta apresentada foi a de Caixa Económica Montepio Geral, a qual foi aceite para a compra do imóvel penhorado com a seguinte descrição:
“Imóvel de natureza urbana inscrito sob o artº 942, da matriz urbana da freguesia e Município de Vila Nova de Paiva, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Paiva sob a descrição nº 00266/890413”.
B)
Por requerimento de 23 de Dezembro de 2005, A... formulou o pedido nos autos de carta precatória (Proc.386/05.OTBSAT), nomeadamente, de dispensa do depósito do preço.
C)
Por ofício do Tribunal Judicial de Sátão de 20/02/2006, na sequência do despacho desse mesmo Tribunal de 10/01/2006 e do ofício do Tribunal Judicial da Guarda de 07/02/2006, a Recorrente foi notificada para fazer o depósito de 861,73 €, valor a título de custas prováveis.
D)
A Recorrente efectuou esse depósito em 23/02/2006, conforme fotocópias do seu requerimento de 01/03/2006 e do comprovativo do pagamento do depósito autónomo para custas prováveis.
E)
Por despacho de 13/03/2006, proferido no Tribunal Judicial da Guarda, foi adjudicado o bem em causa, ordenando-se o cumprimento do disposto no artigo 900º, nº 2, do Código de Processo Civil, e determinou-se o cancelamento de todos os registos dos direitos reais, nos termos do artigo 888º, do Código de Processo Civil, por referência ao artigo 824.º, n.º 2, do Código Civil.
F)
Com data de entrada no Tribunal em 6 de Outubro de 2006, a Recorrente apresentou um requerimento nos autos em que é exequente Serra da Nave Construções e Imobiliária, Lda., e executada Construções Azur – Sociedade Unipessoal, Lda., em que expôs o seguinte:
“A ora requerente é, de facto, credora hipotecária da executada nos presentes autos.
O imóvel hipotecado é o que se mostra aqui penhorado através da inscrição F-3 (Ap. 04/20012006).
Trata-se do lote de terreno para construção urbana sito ao Campo, na freguesia e concelho de Vila Nova de Paiva, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Paiva sob o nº 266/890413.
Crê, porém, não haver motivo para reclamar créditos ao abrigo do disposto no artigo 865º do CPC, dada a existência de penhora com data anterior à que emerge dos presentes autos e ao estatuído no artigo 871º do CPC.
Neste sentido, a ora requerente, citada para o efeito, reclamou créditos em execução movida por J. Soares Correia – Armazéns de Ferro, S.A., com inscrição de penhora anterior – F-2 (Ap. 03/05012005).
E, no decurso daquela acção, no dia 13Dez05, veio aquele imóvel a ser vendido por meio de propostas em carta fechada e adquirido pela ora requerente CEMG, conforme cópia do Título de Transmissão que junta – doc 1. O imóvel sobre o qual incide a penhora F-3 (Ap. 04/20012000) emergente da presente execução foi, pois, vendido judicialmente em processo cujos termos correm pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda – proc. nº 1945/03.1TBGRD, mostrando-se a inscrição de aquisição já efectuada a favor da adquirente CEMG, conforme cópia de certidão predial que junta – doc. 2.
Assim, atento o exposto, vem pedir a V. Exa. se digne ordenar a sustação da presente execução quanto ao imóvel acima descrito bem como o levantamento da penhora aqui ordenada quanto ao mesmo bem”.
G)
Com data de 11 de Outubro de 2006, e sobre o requerimento a que se refere a alínea antecedente, foi proferido o seguinte despacho:
“Compulsados os autos verifico que sobre o imóvel penhorado, recai já uma penhora anterior.
Assim, nos termos do artigo 871.º do CPC susto a presente execução quanto ao imóvel referido.
Notifique.
Oportunamente, abra conclusão no apenso de reclamação de créditos”.
H)
A Recorrente foi notificada do despacho referido na alínea G), por notificação do Tribunal de 07-12-2006, conforme fotocópia de fls. 52 dos autos.
I)
Essa notificação foi recebida pela Recorrente em 11-12-2006, de harmonia com o documento de pesquisa dos CTT que constitui o documento junto a fls. 56.
****
A questão que constitui objecto do presente recurso tem a ver com a dedução de embargos de terceiro.
A... veio apresentar embargos de terceiro contra Serra Nave Construções e Imobiliária, SA, exequente nos autos principais em que é executada Construções Azur – Sociedade Unipessoal, Lda.
Para tanto, alegou, em síntese, que por despacho de 11 de Outubro de 2006, tomou conhecimento da existência e subsistência de penhora registada pela Ap. 04/20012006 incidente sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Paiva sob o nº 000266 da freguesia de Vila Nova de Paiva e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 942º.
E esclareceu a embargante que adquiriu o imóvel supra descrito no âmbito do Processo 1945/03.1, que corre termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, em 13 de Dezembro de 2005.
Mais referiu que tomou posse do dito imóvel na mesma data e que a manutenção da penhora a favor da exequente constitui acto ofensivo da mesma.
****
A Meritíssima Juiz decidiu esta questão com os seguintes fundamentos:
“Dispõe o artigo 351º, nº 1 do Código de Processo Civil que «Se a penhora, ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro».
Por seu turno, nos termos do disposto no artigo 353º, nº 2 do mesmo diploma legal «O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas».
Por fim, neste breve enquadramento legal, importa fazer referência ao preceituado no artigo 354º: «Sendo apresentada em tempo e não havendo razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante».
In casu o acto ofensivo do direito de propriedade invocado pela ora embargante consiste na penhora efectuada nos autos de execução aos quais os presentes embargos foram apensados.
Ora, compulsados os autos principais, verificamos que a execução se encontra sustada no que ao bem imóvel supra identificado concerne, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 871º do Código de Processo Civil (cfr. despacho de fls. 88).
Tal facto, poderia levantar dúvidas no que concerne à admissibilidade dos presentes embargos, sendo certo que existe entendimento segundo o qual a ofensa do direito do embargante deixaria de existir em virtude da sustação da execução no que ao bem por ele arrogado concerne.
Não é esse o entendimento deste tribunal, defendendo-se que a execução que se encontra sustada, por não se encontrar extinta poderá prosseguir, facto que conduz à manutenção do interesse de terceiro que se arroga proprietário do bem penhorado em deduzir os competentes embargos.
Neste sentido tem ido a jurisprudência recente. Com efeito, e porque extremamente claro e elucidativo, cita-se o Acórdão da Relação do Porto, de 14 de Dezembro de 2006 (in www.dgsi.pt, relator Deolinda Varão) ao esclarecer que do «artigo 871º resulta claramente que a penhora efectuada em segundo lugar (na execução sustada) se mantém até que ocorra uma das seguintes situações: a) desistência da penhora pelo exequente nos termos do nº 3; b) cancelamento da penhora nos termos dos artigos 888º do CPC, 824º, nº 2 do CC por o bem ter sido vendido na execução onde estava penhorado em primeiro lugar. No último caso, o exequente pode ter obtido a satisfação integral do seu crédito na execução que tem a penhora anterior, pelo que a execução que foi sustada ao abrigo do artigo 871º, nº 1 será declarada extinta. Àquelas situações acresce ainda a extinção da execução pelo pagamento voluntário do executado, que pode ocorrer em qualquer altura (artigo 916º, nº 1 do CPC).
Enquanto não se verificar nenhuma das referidas situações, a penhora subsiste, o que significa que subsiste o acto ofensivo do direito de que se arroga o terceiro que embargou.» (sublinhado nosso).
Pelo exposto, não será este um fundamento para indeferimento liminar dos presentes embargos.
Sucede porém que, nesta fase processual de recebimento dos presentes embargos, um outro juízo impende sobre o julgador, prendendo-se com a tempestividade da sua apresentação.
Assim, de acordo com o supra citado artigo 353º, nº 2 do Código de Processo Civil, no que ora nos importa, a petição de embargos deve ser apresentada «(…) nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa (…)».
Na verdade, é entendimento unânime da nossa doutrina e jurisprudência que «Na fase introdutória dos embargos de terceiro o juiz pode conhecer, oficiosamente, da tempestividade da sua apresentação em juízo, devendo rejeitá-los, por extemporâneos, se analisada a prova, se convencer que foram deduzidos mais de 30 dias após o conhecimento, pelo embargante, do acto que este considera ofensivo do seu direito» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Dezembro de 2004, in www.dgsi.pt, relator Pinto Ferreira).
Citando Salvador da Costa, in Incidentes da Instância, pág. 195, prossegue o referido aresto esclarecendo que «a petição de embargos deve ser liminarmente indeferida se não for apresentada em tempo, sendo o seu conhecimento oficioso, dado que se está perante uma excepção do direito de acção, constituindo uma excepção à regra do nº 2 do artigo 330º do CC».
Ora resulta claramente dos autos que, pelo menos desde 6 de Outubro de 2006 a embargante tem conhecimento da existência da penhora nos autos principais, uma vez que essa é data de apresentação em juízo de um requerimento por si subscrito no qual faz expressa referência à mesma. Acresce que, na petição ora apresentada a própria embargante refere que tomou conhecimento da confirmação da existência e subsistência da penhora em causa por despacho proferido a 11 de Outubro de 2006.
Assim, uma vez que a petição inicial de embargos deu entrada neste tribunal a 8 de Janeiro de 2007, obrigatório se torna concluir que os presentes embargos foram apresentados muito após os 30 dias referidos no artigo 353º, nº 2 do Código de Processo Civil, ou seja, decorridos mais de 30 dias do conhecimento do acto ofensivo do direito da embargante.
Pelo exposto, atendendo ao raciocínio expendido e normas legais citadas, rejeitam-se liminarmente os presentes embargos, por extemporâneos, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 353º, nº 2 e 354º do Código de Processo Civil, absolvendo-se os embargados da instância.” (…).
****
O artigo 351.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, dispõe que:
“Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.
O artigo 353.º, do mesmo Diploma Legal, prescreve o seguinte:
“1. Os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o acto ofensivo do direito do embargante.
2. O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas”.
O artigo 354.º, também do mesmo Código, estabelece que:
“Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos os rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”.
Com a revisão do Código, o art. 351.º, n.º 1, veio alargar a legitimidade activa para os embargos de terceiro: por um lado, desvinculou-a da posse, ao admitir que os embargos se fundem em direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência; por outro lado, conferiu-a a todo o possuidor ( em nome próprio ou alheio) cuja posse seja incompatível com essa realização ou esse âmbito – (cf. Prof. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva depois da Reforma, 4.ª edição, pág. 288).
Anteriormente os embargos de terceiro eram tratados como uma acção (possessória) e, após a revisão do Código, como um incidente (de intervenção de terceiros) da instância executiva.
Os embargos de terceiro constituem uma tramitação dependente do processo executivo e que corre por apenso a este.
Devem ser deduzidos no prazo de 30 dias subsequente à penhora, ou ao posterior conhecimento desta pelo embargante (art. 353.º, n.º 2), podendo, no entanto, sê-lo ainda antes da penhora, desde que depois do despacho que a ordena (art. 359.º). Mas nunca depois da venda ou adjudicação dos bens (art. 353.º, n.º 2).
Devem ser deduzidos contra o exequente e o executado (art. 357.º, n.º 1).
Têm a particularidade de se desdobrarem em duas fases:
- Uma fase introdutória, que tem por finalidade a emissão, pelo tribunal, de um juízo de admissibilidade. O embargante deve, na petição inicial, oferecer prova sumária dos factos em que funda a sua pretensão (art. 353.º, n.º 2), bem como da data em que teve conhecimento da penhora, se sobre ela já tiverem decorrido 30 dias. Proferido despacho liminar, logo se entra na fase da produção de prova, seguida do recebimento ou rejeição dos embargos (art. 354.º).
- Uma fase contraditória, que tem início com a notificação dos embargados para contestar e, com aplicação subsidiária das disposições do processo declarativo comum, sumário ou ordinário conforme o valor (art. 357.º, n.º 1), e que tem a única especialidade indicada no art. 357.º, n.º 2 – (cf. Prof. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva depois da Reforma, 4.ª edição, págs. 294-295).
****
No regime processual anterior, entendia-se que a caducidade do direito de embargar não podia ser conhecida oficiosamente e que a não expiração do prazo não era um elemento constitutivo do direito do embargante, que apenas se traduzia na inexistência de uma causa extintiva dele, e que cabia ao embargado a alegação e a prova do seu decurso – (cf. Cons. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 3.ª edição, pág. 207).
De facto, segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Julho de 1988, o prazo fixado no artigo 1039.º do Código de Processo Civil para dedução de embargos de terceiro é extintivo do respectivo direito potestativo de acção, o que significa tratar-se de um prazo de caducidade.
Como tal, devia observar-se o princípio geral consignado no n.º 2 do artigo 343.º do Código Civil por força do qual cabe ao embargado a prova de os embargantes saberem há mais de vinte dias da penhora ofensiva da sua posse, e não a estes demonstrar a sua alegação de que tinham tido conhecimento dessa diligência há menos de vinte dias – (cf. Bol. Min. da Justiça, n.º 379, págs. 561-565).
E no Acórdão da Relação do Porto, de 28 de Maio de 1987, também se decidiu:
- O prazo para a dedução de embargos de terceiro conta-se a partir da data em que o embargante teve conhecimento do acto ofensivo da sua posse e não a partir da inscrição desse acto no registo predial ou da publicidade em editais ou anúncios.
- A não consumação do prazo não é um elemento constitutivo do direito mas apenas a ausência de uma causa extintiva dele.
- É a cargo do embargado que tem de ficar a prova de que os embargos foram deduzidos fora do prazo legal – (cf. Col. Jur., Ano XII, 1987, tomo 3, págs. 175-177).
No entanto, no regime actual, por força do disposto no artigo 354.º, a petição de embargos de terceiro deve ser liminarmente indeferida se não for apresentada em tempo, pelo que a excepção da caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso se os factos respectivos resultarem da petição inicial, configurando-se, assim, neste procedimento, mais uma excepção à regra constante do n.º 2 do artigo 333.º do Código Civil.
Trata-se de uma solução que se conforma com o disposto no artigo 496.º, do Código de Processo Civil, segundo o qual, o tribunal conhece oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado – (cf. Cons. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 3.ª edição, pág. 207).
O Prof. Lebre de Freitas refere também o seguinte:
«Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos…» (art. 354). Antes da revisão do Código, decidiu o STJ, em ac. de 13-7-88, BMJ, 379, p. 561: o embargante não tem de fazer a prova da tempestividade da dedução dos embargos, que, no entanto, lhe cabe alegar, ao embargado cabendo, na subsequente fase contraditória, provar o facto em que se funde a caducidade do direito de propor a acção, em conformidade com a norma geral do art. 343-2 CC. A imposição do ónus da alegação ao embargado deveria, porém, implicar a imposição do ónus da correspondente prova (cf. arts. 342-2 CC e 493-3). Os preceitos anteriores à revisão não impunham a conclusão do texto” – (cf. A Acção Executiva depois da Reforma, 4.ª edição, pág. 295, nota 44).
Neste sentido, a Dra. Augusta Ferreira Palma observa igualmente o seguinte:
“Nos termos do art. 353.º, n.º 2, “o embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos trinta dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa”, pelo que a tempestividade da dedução será objecto do despacho liminar, onde se considerará a generalidade dos pressupostos processuais, ou seja, as condições formais básicas, condicionantes da apreciação posterior do mérito da pretensão deduzida, bem como uma análise material perfunctória, qual indagação da “probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante” (art. 354.º, 2.ª parte)” – (cf. Embargos de Terceiro, Fevereiro 2001, págs. 78-80).
Pode, pois, dizer-se que, em face do regime actual, considerando a redacção do artigo 354.º, do Código de Processo Civil, a excepção de caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso se os factos respectivos resultarem da petição inicial.
****
Ora, neste condicionalismo, julgamos que devem merecer concordância os fundamentos da decisão que é objecto de recurso.
Devendo salientar-se que, nos termos do artigo 713.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, disposição que é também aplicável ao julgamento dos recursos de agravo, por força do disposto no artigo 749.º, do mesmo Diploma, “Quando a Relação confirmar inteiramente e sem qualquer declaração de voto o julgado em 1.ª instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, pode o acórdão limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada”.
Com efeito, parece-nos correcta, com o devido respeito pelo entendimento do Ilustre Advogado da Recorrente, a fundamentação exposta na decisão recorrida.
O artigo 353.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, diz claramente que “O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas”.
E o artigo 354.º dispõe que “Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”.
Dos autos resulta claramente que, pelo menos desde 6 de Outubro de 2006, a ora Recorrente tem conhecimento da existência da penhora nos autos principais, uma vez que é essa a data de apresentação em juízo de um requerimento por si subscrito e no qual faz expressa referência a essa penhora, requerendo a sustação da execução quanto ao imóvel descrito, bem como o levantamento da penhora quanto ao mesmo bem.
E esse requerimento foi objecto de um despacho proferido no Tribunal “a quo”.
Ora, se pelo menos desde 6 de Outubro de 2006, data da apresentação em juízo do mencionado requerimento, a ora Recorrente tinha conhecimento de que fora efectuada uma penhora sobre o bem em causa, quando os embargos de terceiro deram entrada no Tribunal Judicial de Sátão, ou seja, em 8 de Janeiro de 2007, já havia decorrido o prazo de trinta dias para que a embargante pudesse deduzir a sua pretensão, contados a partir da data de 6 de Outubro de 2006, como sendo a data em que se comprova que a ora Recorrente teve conhecimento da penhora efectuada, por aplicação do referido artigo 353.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Não revelam os autos se o despacho que recaiu sobre o requerimento subscrito pela ora Recorrente, de 6 de Outubro de 2006, mereceu por parte desta alguma forma de impugnação.
E pode entender-se que, se foi ordenado um acto de apreensão, ou outro, que limite ou possa, pretensamente, limitar o exercício do direito de um terceiro, estranho à lide, se este dele tomou conhecimento por qualquer forma e, nessa sequência, esse terceiro, por meio de simples requerimento, veio ao processo executivo protestar contra esse acto ofensivo do seu direito, pedindo que seja mandado anular o seu efeito e isso lhe foi indeferido, notificado o despacho e se vier a transitar em julgado, pode ser considerado precludido o direito de defesa, posteriormente, por meio de embargos de terceiro – (neste sentido, o Acórdão da Relação de Évora, de 22.6.2004, Proc. 616/04-3.dgsi.Net, citado por Dr. Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 19.ª edição, págs. 487-488, em anotação ao artigo 353.º).
Não deve também esquecer-se que a pretensão de embargos de terceiro não pode ser deduzida depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados (art. 353.º, n.º 2, parte final, do Código de Processo Civil).
Essencialmente, porém, parece-nos justificada a fundamentação da decisão recorrida e que, por isso, não deverá merecer qualquer alteração.
Com este sentido, julgamos improcedentes as conclusões das doutas alegações apresentadas pela Recorrente.
****
Pelas razões expostas, acordam nesta Relação em negar provimento ao recurso de agravo, e, em consequência, confirmam a douta decisão recorrida.
****
Custas pela Recorrente.