Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
538/03.8TBTNV-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
MINISTÉRIO PÚBLICO
REQUERIMENTO
Data do Acordão: 05/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 3º Nº 1 DA LEI Nº 75/98, DE 19 DE NOVEMBRO
Sumário: 1) O termo «requer» ou «requerimento» mesmo quando utilizado pelo C. P. Civil, não tem um significado técnico preciso, aí se empregando para diversos fins e abrangendo actos processuais da mais variada natureza.

2) Do mesmo modo, o referido Código não fornece a definição de «promoção», apesar de a este acto processual se referir expressamente, designadamente no seu artº 160º.

3) Nesta conformidade teremos de concluir que "a promoção é também ela um «requerimento», normalmente sucinto e singelo, sem autonomia relativamente aos autos, da exclusiva lavra do Ministério Público e por este adoptado no exercício das suas funções legais de assistência e fiscalização, isto é, quando intervém co­mo parte acessória no processo".

4) Pelo exposto e porque também não importando, a forma empregada pelo Ministério Público uma diminuição de garantias do requerido (a ter sempre de ser notificado, repete-se) nem comprometendo o regular conhecimento do incidente, entendemos não se justifica o decretado indeferimento do mesmo.

Decisão Texto Integral:        1. RELATÓRIO.

     Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

     O Ministério Público da comarca de Torres Novas veio requerer a fixação de uma pensão de alimentos a favor do menor A.... no valor de € 100,00 a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores.                  

     Alegou para tanto que por sentença de 19/06/2008, proferida no âmbito do Apenso D, destes autos, foi regulado o exercício do poder paternal em relação ao menor A...., ficando decidido que o mesmo, ficava entregue à guarda dos respectivos avós maternos, e que o pai deveria contribuir mensalmente com a quantia de € 100,00 a título de alimentos para o filho.

     Sucede, que o Requerido B...., não procedeu ao pagamento voluntário das quantias devidas a título de pensão de alimentos. De facto, na sequência de requerimento apresentado foi proferida decisão em 12/01/2008 a confirmar a existência de incumprimento por parte do Requerido em relação ao pagamento das prestações de alimentos desde Junho de 2008, condenando-o ao pagamento das prestações em atraso, que àquela data perfaziam o valor total em dívida 700,00 € bem como as prestações que se fossem vencendo.

     Neste momento não é conhecida qualquer entidade patronal ao Requerido, apesar de algumas diligências efectuadas nesse sentido, como decorre dos autos, pelo que não poderá, com recurso aos meios previstos no artigo 189° da O.T.M. obter-se o pagamento daquela prestação alimentar.

     O menorA...nasceu a 26/11/2002, tendo actualmente 6 anos de idade e não tem qualquer fonte de rendimento. São os respectivos avós, que têm de suportar as despesas com a sua alimentação, vestuário, saúde e educação sendo certo que os mesmos recebem rendimentos em conjunto cujo valor total ascende a 837,00 €.

     O agregado familiar do menor é composto pelo menor e uma irmã, de 17 anos de idade, que está desempregada   e pelos avós maternos.

     O agregado suporta despesas fixas mensais com água, gás, electricidade e telefone além de suportar despesas de saúde.

     Assim, verifica-se que a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não é superior ao salário mínimo nacional.

     Constata-se de tal modo, que os avós do menor enfrentam dificuldades económicas para sozinhos fazer face a todas as despesas, designadamente, as despesas com o neto menor que está à sua guarda.

     Entende assim mostrarem-se preenchidos os pressupostos legalmente (Cfr. artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99 de 13 de Maio) exigidos para que seja atribuída em benefício do menor uma prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores.

     Por despacho de fls. 28 o Sr. Juiz indeferiu o pedido formulado pelo MP por entender que não foi utilizado o procedimento adequado à respectiva tramitação.

     Daí o presente recurso de agravo interposto pelo Ministério Público, o qual no termo da sua alegação pediu que se revogue o decidido e assim se ordene a substituição do despacho em crise por outro que conheça do mérito da promoção do Ministério público e julgue verificados os requisitos previstos na lei para accionamento do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores em relação ao menor A.....

     Foram para tanto apresentadas as seguintes,

     Conclusões.

     1) Nos termos do artigo 3º, nº 1 da Lei nº 75/98 de 19/11 «compete ao Ministério Público ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer nos respectivos autos de incumprimento que o tribunal fixe o montante que o estado, em substituição do devedor, deve prestar»;

     2) A expressão «requerer» usada pelo legislador, atenta a natureza do processo que está em causa (de jurisdição voluntária) e os interesses em Jogo, deve ser interpretada em sentido amplo, de forma a abranger também as promoções feitas pelo Ministério Público nas “vistas” que tem naquele tipo de processos.

     3) A interpretação de tal preceito no sentido de a lei reclamar a apresentação de requerimento específico, só será compreensível quando o processo onde tal requerimento é apresentado já se encontra findo ou arquivado – e não quando o processo está pendente e é aberta vista ao Ministério Público para se pronunciar especificamente sobre a questão do accionamento do FGADM (Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores);

     4) O entendimento plasmado no despacho recorrido é contrário à intenção legislativa expressa na exposição de motivos do Decreto-Lei nº 164/99 de 13/05, onde expressamente se consignou que a regulamentação visou assegurar a «plena eficácia e rapidez do procedimento» instituído.

     5) O accionamento do F.G.A.D.M. não depende do exercício do contraditório por parte do obrigado a prestar alimentos.

     6) Apesar do disposto no artigo 5º, nº 3 e nº 4 do Dec-Lei nº 164/99 autorizar que o devedor alegue e prove a manifesta e objectiva impossibilidade de pagamento, por insuficiência de recursos, ou por razões de saúde, este contraditório deve ser exercido não no âmbito do Processo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais ou Incidente de Incumprimento, mas antes no «procedimento administrativo que se inicia com a notificação do devedor para no prazo de 40 dias a contar da data do pagamento da primeira prestação efectuar o reembolso» (cf. Remédio Marques, in «Algumas Notas sobre Alimentos (Devidos a Menores)», p. 248-249.).

     7) Sempre se dirá que, mesmo que assim não se entendesse, a promoção do Ministério Público não inviabiliza o exercício do contraditório.

     8) De facto, nessa promoção, à semelhança de qualquer requerimento, estão devidamente enunciados os factos que fundamentam a pretensão do Ministério Público, as disposições legais aplicáveis e o pedido concreto formulado.

     9) O Tribunal a quo ao indeferir a promoção do Ministério Público apenas com o fundamento de não se tratar de um «requerimento especifico» interpretou erradamente a ratio legis subjacente ao regime do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, violando o disposto no artigo 3º, nº 1 da lei nº 75/98 de 19/11 e no artigo lº e 4º do Dec.-Lei nº 166/99 de 13/05,

     10) Ao não conhecer nem apreciar do mérito da promoção do Ministério Público, o Mto. juiz a quo não acautelou o superior interesse da menor, sobrepondo a tal interesse o mero formalismo processual (que in casu até foi cumprido).

     11) Assim haverá que dar-se provimento ao presente recurso e revogar-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que conheça do mérito da promoção do Ministério Público e julgue verificados os requisitos previstos na lei para accionamento do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, em relação ao menor A....

    

     Não houve contra-alegações.

     O Sr. Juiz sustentou o seu despacho.

     Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                           *

     2. FUNDAMENTOS.

     2.1. Os Factos.

     Os factos que interessam à decisão da causa cons­tam do despacho agravado.

     Assim, não tendo sido impugnada a matéria de facto nem havendo tão pouco qualquer alteração a fazer-lhe, nos termos do preceituado no artº 713º nº 6 do Código de Processo Civil, dá-se aqui a mesma por reproduzida.

                            +   

     2.2. O Direito.

     Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

    

     - O Ministério público está impedido de suscitar a intervenção do FGADM por simples requerimento?

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     2.2.1. O Ministério público está impedido de suscitar a intervenção do FGADM por simples requerimento?

     Discute-se nos autos se o simples facto do incidente de atribuição de prestações de alimentos a menor pelo FGADM, em substituição do incumpridor judicialmente obrigado ao seu pagamento, ter sido deduzido sob a forma de uma promoção, e não através de um requerimento independente, obsta ou não ao conhecimento do dito incidente, e se, consequentemente, é de manter ou não o despacho recorrido que indeferiu a promoção do Ministério Público com vista àquele fim.

     Estatui o artigo 3º nº 1 da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro que "Compete ao Ministério Público ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer nos respectivos autos de incumprimento que o tribunal fixe o montante que o Estado, em substituição devedor, deve prestar".

     Como bem se refere em recente Acórdão desta Relação que seguimos de muito perto e relatado pelo Exmo. Desembargador Adjunto Dr. Nunes Ribeiro, que subscreve de igual forma este aresto, "é sabido que o termo «requer» ou «requerimento» mesmo quando utilizado pelo C. P. Civil não tem um significado técnico preciso, aí se empregando para diversos fins e abrangendo actos processuais da mais variada natureza. E, do mesmo modo, o referido Código não fornece a definição de «promoção», apesar de a este acto processual se referir expressamente, designadamente no seu artº 160º.

     Nesta conformidade teremos de concluir que "a promoção é também ela um «requerimento», normalmente sucinto e singelo, sem autonomia relativamente aos autos, da exclusiva lavra do Ministério Público e por este adoptado no exercício das suas funções legais de assistência e fiscalização, isto é, quando intervém como parte acessória no processo".

     No caso em análise, em que o Ministério Público intervém, por força daquela citada norma da Lei nº 75/98, como parte principal, concordamos com o Sr. Juiz recorrido que o meio próprio e adequado à dedução do incidente seria antes um requerimento autónomo ou independente (se é isto que pretende dizer o Mto. Juiz recorrido quando fala em «requerimento específico»), conforme o previsto nos artsº 303º e segs do C. P. Civil.

     Todavia é também nosso entendimento que tal infracção às leis do processo é insusceptível de comprometer irremediavelmente o conhecimento do incidente, isto é, que seja absolutamente inaproveitável para o fim em vista a «promoção» de que se socorreu o Ministério Público, ou que isso, na terminologia do nº 1 do art.º 201º do referido C. P. Civil, possa, de algum modo, «influir no exame ou na decisão da causa». Desde logo, porque tendo assumido embora a dita forma de promoção, esta se mostra suficientemente fundamentada, de facto e de direito, ao longo das três páginas do processo em que se insere. Por outro lado, também diversamente do entendimento do Sr. Juiz recorrido, não descortinamos de que modo é que tal inviabiliza ou poderá inviabilizar o exercício do contraditório pelo progenitor incumpridor (a ter-se por necessária a sua notificação, como defende o Sr. Juiz recorrido, o que não temos por indiscutível, em face nomeadamente do estatuído no artº 4º nº 3 do Dec. Lei nº 164/99, de 13 de Maio, quando manda notificar a decisão de fixação das prestações a pagar pelo Fundo apenas ao Ministério Público, ao representante legal do menor ou à pessoa a cuja guarda se encontre e ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social). Acresce ainda que não é o facto da dita promoção se não fazer acompanhar das cópias respectivas, como é exigido por lei para os requerimentos (se é a isso que quer referir-se o Sr. Juiz recorrido), que tornará impossível a entrega de uma cópia ao requerido, aquando da sua eventual notificação, atento o disposto nos nsº 3 a 8 do artº 152º do C. P. Civil.

     Não importando, pois, a forma empregada pelo Ministério Público uma diminuição de garantias do requerido (a ter de ser notificado, repete-se) nem comprometendo o regular conhecimento do incidente, entendemos não se justificar o decretado indeferimento.

     A tudo isto acresce, como já se salienta no Acórdão atrás citado, que "uma das traves mestras da reforma processual de 95/96 é a prevalência do fundo sobre a forma, a prevalência das decisões de mérito sobre as decisões meramente formais, reduzindo ao mínimo possível as situações em que, por falta de pressupostos processuais ou qualquer outra razão relacionada com a relação jurídica processual, o tribunal seja colocado na necessidade de proferir uma decisão absolutória da instância".

     Nestes termos o agravo irá provido.

    

     Poderá assim assentar-se no seguinte à guisa de sumário e conclusões:

     1) O termo «requer» ou «requerimento» mesmo quando utilizado pelo C. P. Civil, não tem um significado técnico preciso, aí se empregando para diversos fins e abrangendo actos processuais da mais variada natureza.        2) Do mesmo modo, o referido Código não fornece a definição de «promoção», apesar de a este acto processual se referir expressamente, designadamente no seu artº 160º.

     3) Nesta conformidade teremos de concluir que "a promoção é também ela um «requerimento», normalmente sucinto e singelo, sem autonomia relativamente aos autos, da exclusiva lavra do Ministério Público e por este adoptado no exercício das suas funções legais de assistência e fiscalização, isto é, quando intervém co­mo parte acessória no processo".

     4) Pelo exposto e porque também não importando, a forma empregada pelo Ministério Público uma diminuição de garantias do requerido (a ter sempre de ser notificado, repete-se) nem comprometendo o regular conhecimento do incidente, entendemos não se justifica o decretado indeferimento do mesmo.

                           *

     3. DECISÃO.

    

     Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao agravo e revogar o despacho recorrido o qual, a não se verificar qualquer outra causa que obste ao conhecimento do mérito do incidente, deverá ser substituído por outro que assegure o seu prosseguimento.

     Sem custas, por não serem devidas.