Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
912/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
PEDIDO DE APREENSÃO DE VEÍCULO
RESERVA DE PROPRIEDADE
FALTA DE REGISTO A FAVOR DO REQUERENTE
Data do Acordão: 04/26/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 5º, Nº 1, AL. B), E Nº 2, 15º E 16º DO DL Nº 54/75, DE 12/02 .
Sumário: I – Está sujeita a registo a reserva de propriedade estipulada em contratos de alienação de veículos automóveis .
II – O procedimento cautelar específíco decorrente dos artºs 15º e 16º do DL nº 54/75, depende da prova do vencimento e do não pagamento do crédito hipotecário ou do incumprimento de obrigações que originaram a reserva de propriedade e que permite ao titular do respectivo registo requerer em juízo a apreensão do veículo .

III – Na providência cautelar comum é necessário ao requerente, para conseguir o seu objectivo, alegar e provar que se verificam os vários requisitos a que alude o artº 381º, nº 1, do CPC .

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, A..., com sede na Estrada de Nelas, Km.1,2 Viseu, veio requerer, a presente providência cautelar não especificada, contra B...e mulher C..., residentes na Quinta das Abelheiras, Rua das Quintas, Santiago de Cassurães, Mangualde, pedindo a autorização para remoção do tractor, reboque, fresa e charrua que identifica e que se encontram na residência dos requeridos, com prévia apreensão desses bens pela G.N.R. ( para o que se deveria oficiar em conformidade ) e ainda se ordenasse aos requeridos que se abstivessem da prática de qualquer acto impeditivo dessa remoção e entrega.
Fundamenta este seu pedido, em síntese, no facto de ter vendido aos requeridos aqueles bens, tendo-se comprometido estes a pagarem-nos em prestações, sendo que não efectuaram os pagamentos a que se vincularam, apesar das muitas diligências que ela, requerente, fez nesse sentido. Os requeridos não têm procedido às revisões do equipamento, o que, juntamente com o deficiente manuseamento dele e pela sua utilização contínua, originará uma desvalorização patente do material e, consequentemente, a diminuição do seu valor comercial. Os requeridos não têm quaisquer outros bens, constando que têm crescentes dificuldades financeiras. Dos factos relatados, decorrem consequências irreparáveis ou de difícil reparação para si, requerente. Sustenta a não audiência dos requeridos, por essa audição colocar em causa o êxito da providência.
1-2- A Mª Juíza, recebido o requerimento inicial em tribunal, ordenou à requerente que comprovasse nos autos a realização do registo de reserva de propriedade do veículo, tendo a requerente vindo a informar não ter ainda, efectivado esse registo.
1-3- Por decisão judicial de 19-1-05, a M.ª Juíza indeferiu liminarmente o requerimento inicial, com o fundamento de que faltava um dos pressupostos necessários ao decretamento da providência ( registo da reserva de propriedade a favor da requerente ).
1-4- Não se conformando com esta decisão, dela veio recorrer a requerente, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
1-5- A recorrente alegou, tendo formulado as seguintes conclusões que se resumem:
1ª- Intentou a recorrente a presente providência cautelar não especificada por entender ser esta a adequada, face à ausência do registo de reserva de propriedade a seu favor, do veículo.
2ª- Uma vez que não existe esse registo, por facto não imputável à recorrente, não se verificam os condicionalismos do DL 54/75 de 12/2, pelo que outra alternativa não lhe resta do que recorrer à providência cautelar inominada.
3ª- Daí que a presente providência cautelar não especificada, deveria ter sido admitida pelo tribunal “a quo”, porquanto a petição continha os factos necessários à elaboração da respectiva decisão.
4ª- Foram violados os arts. 234º-A, 381º nºs 1, 2 e 3 e 384º nº 1 e 387º nº 1 do C.P.Civil.
1-6- Os recorridos não responderam a estas alegações.
1-7- A Mª Juíza sustentou a sua decisão.
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
II- Fundamentação:
2-1- Segundo a douta decisão recorrida e para o que aqui importa, os negócios jurídicos que tenham por objecto veículos automóveis, abrangem, salvo declaração em contrário, os aparelhos sobressalentes ou objectos acessórios existentes no veículo, sejam ou não indispensáveis ao seu funcionamento ( art. 2º nº 3 do DL 54/75 de 12/2 ). De acordo com o disposto no art. 5º nº 1 al. b) e nº 2 deste diploma legal, está sujeita a registo a reserva de propriedade estipulada em contratos de alienação de veículos automóveis. Acrescentou-se que se encontra previsto nos arts. 15º e segs. do mencionado diploma, um procedimento cautelar especial que permite a apreensão do veículo e dos seus documentos, quando esteja vencido e não sejam cumpridas as obrigações que originaram a reserva de propriedade, sob o impulso do titular dos respectivos registos. Como a providência requerida de apreensão do veículo, nos termos dos arts. 15º e 16º do diploma indicado, depende da comprovação da efectivação do registo de propriedade a favor do requerente da providência e como a própria requerente diz que tal registo se não encontra realizado, indeferiu-se liminarmente a petição.
Discordando desta posição, sustenta a agravante que, precisamente por não possuir o registo de reserva de propriedade a seu favor do veículo, não se verificando os condicionalismos do DL 54/75 de 12/2, levou a que intentasse a presente providência cautelar não especificada. Por isso, a providência deveria ter sido admitida pelo tribunal “a quo”, porquanto a petição continha os factos necessários à elaboração da respectiva decisão.
Quer dizer, a agravante, aceita que não possui registo da reserva de propriedade do veículo. Por isso é que não se verificando esse condicionalismo, optou, não por lançar mão da providência cautelar especial que permite a apreensão do veículo no âmbito do DL 54/75 de 12/2, mas sim da presente providência cautelar não especificada.
Portanto a questão que haverá a decidir será a de saber se a requerente poderia lançar mão deste procedimento cautelar e em caso afirmativo se o requerimento inicial está em condições de ser recebido.
E a nosso ver, a resposta à primeira questão não poderá ser positiva. É certo que através do procedimento cautelar especial de apreensão do veículo, a requerente conseguiria o seu objectivo de tomada do veículo para garantir o seu direito. Sucede porém que para que esse procedimento cautelar pudesse ter lugar, deveria, como bem se refere na decisão recorrida, ter sido feito, previamente, o registo de reserva de propriedade a favor da requerente ( arts. 15º e 16º do DL 54/75 de 12/2 ).
Trata-se este de um procedimento cautelar que depende tão só da prova do vencimento e não pagamento do crédito hipotecário ou incumprimento de obrigações que originaram a reserva de propriedade e que permite ao titular do respectivo registo, requerer em juízo a apreensão do veículo11 O art. 16º nº 1 do diploma ( DL 54/75 ) expressamente refere que “provados os registos e o vencimento do crédito ou, quando se trate de reserva de propriedade, o não cumprimento do contrato por parte do adquirente, o juiz ordenará a imediata apreensão do veículo” ( sublinhado nosso ).. Nenhum outro requisito é necessário ser observado, pelo que teremos que inferir que se trata de um procedimento “em que a lei sobrepôs de modo mais radical os interesses do requerente aos do requerido, correndo o risco de se provocarem na esfera jurídica do último prejuízos consideravelmente superiores aos que se pretendem evitar” ( in Tema de Reforma do Processo Civil, António Geraldes, Vol. III, 2ª edição, págs. 225 e 226 ). Já na providência cautelar não especificada ( procedimento cautelar comum ) será necessário ao requerente, para conseguir o seu objectivo, alegar e provar que se verificam os ( vários ) requisitos a que alude o art. 381º nº 1 do C.P.Civil.
Evidentemente que não possuindo o credor o registo de reserva de propriedade da viatura, não poderá usar do procedimento cautelar especial de apreensão da veículo, pelo que, para integrar os seus direitos, terá que lançar mão do ( mais complexo ) procedimento cautelar comum. Não nos parece aceitável que um credor que não tenha efectuado esse registo ( ou o registo hipotecário ), fique privado, por pretender a apreensão de um veículo, de usar do meio processual genérico que o direito adjectivo põe à disposição de qualquer credor ( com vista a acautelar um prejuízo que receia ), o procedimento cautelar comum.
Assim sendo, temos que concluir que o indeferimento liminar do requerimento pelo fundamento invocado, não se justificou.
Por outro lado, somos em crer que no requerimento inicial tem os necessários elementos factuais para que o procedimento requerido ( que recorde-se, foi a providência cautelar não especificada, a que se refere o mencionado art. 381º do C.P.Civil ) possa vir a ser deferido.
Nesta conformidade, o agravo deverá ser provido.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, dá-se provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que ordene o prosseguimento da providência.
Sem custas.