Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE DIAS | ||
Descritores: | JUIZ DE INSTRUÇÃO CRIMINAL INQUÉRITO PRELIMINAR | ||
Data do Acordão: | 12/12/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | ALCOBAÇA – 3º J | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 268.269 DO CPP | ||
Sumário: | Não compete ao JIC pronunciar-se sobre a legalidade ou ilegalidade de diligências no inquérito, fora das situações previstas nos arts. 268 e 269 do CPP (ou expressas em outros preceitos) nomeadamente na recolha de autógrafos. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra. No processo supra identificado: Historiando os factos refere o Mº Pº no seu recurso: 1°- O presente inquérito teve início com o Auto de Notícia de fls. l e ss. elaborado pela Conservatória do Registo Predial Comercial de Alcobaça, no qual se imputava ao arguido A... a prática de do crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255°, al. a) e 256°, n° 1, al. a) e n° 3, ambos do Código Penal. 2°- Instruído o inquérito, com as diligências dele constantes veio a apurar-se que a autoria da falsificação poderia ser imputada à denunciada B..., tendo o arguido A... desejado procedimento criminal contra aquela, não só porque, segundo o mesmo e demais indícios carreados nos Autos, não foi ele o autor dos ditos factos, mas também pelo facto de ter sido enganado por aquela, tendo sofrido o correspondente prejuízo patrimonial, factos esses que seriam susceptíveis de integrar a prática, por aquela, de um crime de burla, p. e p. pelo artigo 217°, n° 1, todos do Código Penal -cfr. fls. 29 a 31. 3°- Por despacho de fls. 61, n° 4 foi determinado se procedesse à constituição e interrogatório da denunciada B... na qualidade de arguida -cfr. fls. 101 e 102. 4°- Por despacho de fls. 108, foi determinado se procedesse à recolha de autógrafos à arguida, nos termos constantes da Carta Precatória expedida para o efeito, relativamente aos dizeres constantes de fls. 121. 5°- A fls. 113 e 115 e expressamente a fls. 124, veio a arguida B... dizer, em suma que se recusa a ser sujeita à recolha de autógrafos, recusa essa que é efectuada com fundamento do direito que lhe assiste de não prestar declarações. 6°- Tendo a arguida requerido ao Mmº. Juiz de Instrução Criminal que fosse verificada a legalidade da recolha de autógrafos à arguida por parte do Ministério Público. 7°- A fls. 133 a 135 requereu o Ministério Público ao Mmº. Juiz de Instrução Criminal, nos termos e com os fundamentos ali exarados, que: a) Fosse declarada ilegal a recusa da arguida B... em sujeitar-se ao exame de recolha de autógrafos nos precisos termos determinados pelo Ministério Público no despacho de fls. 108; b) E, em consequência, se ordenasse o desentranhamento da Carta Precatória de fls. 118 a 132 (da qual se deverá deixar cópia nos Autos) e a sua remessa aos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, para cumprimento, à qual deverá ser junta certidão do douto despacho que vier a ser proferido sobre a promoção então exarada nos Autos. 8°- A fls. 138 dos Autos, foi proferido o douto despacho, ora recorrido. *** Pela Meritíssima Juiz de Instrução foi proferido o despacho recorrido e que é do seguinte teor:Fls. 128 e ss –O pedido formulado pela arguida não se insere em quaisquer das situações previstas nos arts. 268 ou 269 do CPP, não competindo ao juiz de instrução, durante o inquérito, pronunciar-se sobre a (i)legalidade de quaisquer diligências que não lhe compete ordenar ou autorizar. Notifique e remeta os autos ao Mº Pº. *** Inconformada, veio a Magistrada do Mº Pº interpor recurso, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objecto do mesmo:1. -Vem o presente recurso interposto do douto despacho de fls. 138, proferido pela Mmª. Juiz de Instrução que, indeferindo o promovido a fls. 133 a 135, entendeu e considerou "não ser da sua pronunciar-se sobre a (i)legalidade da quaisquer diligências que não lhe compete ordenar ou autorizar"; 2. -É da competência dos Tribunais e, no caso sub judice compete exclusivamente ao Juiz de Instrução Criminal salvaguardar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e, quando expressamente requerido, quer pela arguida, quer pelo Ministério Público, apreciar a legalidade do meio de obtenção de prova de sujeição a exame por parte daquela, mediante a recolha de autógrafos; 3. -A recusa da arguida da arguida em sujeitar-se a tal exame é ilegal, a qual deve, por conseguinte, ser expressamente declarada pela Mmª. Juiz de Instrução Criminal, por ser da sua exclusiva competência apreciar o requerido; 4. -Tal recusa não deve ser e não poder ser confundida com o direito que assiste à arguida, em processo penal de não prestar declarações, do artigo 61, n° 1, al. c), do Código de Processo Penal, ex vi do disposto no artigo 32, n° 1, da Constituição da República Portuguesa, com o dever de a mesma se “sujeitar a diligências de prova ... especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente", nos termos do artigo 61, n° 2, al. d), do Código de Processo Penal, com igual assento Constitucional; 5. -Nem decorre do princípio/direito de não se auto-incriminar (nem tenetur se ipsum acusare), com aquele dever de se sujeitar àquela diligência de prova, enunciada no artigo 172°, n° 1, do Código de Processo Penal, desde que essa sujeição a exame não seja obtida mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa à integridade física ou moral das pessoas, nos termos do disposto no artigo 126°, n° 1, do mesmo Código, o que, no caso sub judice, não é manifestamente o caso; 6. -Ao decidir-se como se decidiu, violou o douto despacho a quo o disposto artigos 1, l8, n° 2, 25, nºs. 1 e 2 “a contrario sensu", 26 e 32, n° 4 (2ª parte, “a contrario sensu"), todos da Constituição da República Portuguesa, 61, n° 3, al. a), 126, nº, 1 e 2, als. a) e c) e n° 3, 172, n° 1 e 269, n° 1, al. d), todos do Código de Processo Penal. 7. -Pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente, porque provado, devendo Vª. Exªs. ordenar à Mmª. Juiz a quo que substitua o despacho recorrido por outro, no qual: a) Se declare competente para apreciar o requerimento apresentado pela arguida, quer pelo Ministério Público, no sentido de: b) Ser declarada ilegal a recusa da arguida B... em sujeitar-se ao exame se recolha de autógrafos, nos precisos termos determinados pelo Ministério Público no despacho de fls. 108; c) E, em consequência, se ordene à mesma que se sujeite e/ou submeta ao referido exame. Foi apresentada resposta, pela arguida B..., que conclui: 1. Concorda a arguida que o JIC não pode abster-se de tomar posição quanto aos requerimentos que lhe foram apresentados, seja pela arguida, seja pelo próprio MP (ainda que isso possa ser em seu desfavor). 2. O direito ao silêncio é o princípio basilar dos direitos dos arguidos que assenta no direito/princípio de não poder o arguido auto-incriminar-se. 3. O direito ao silêncio é assim equivalente ao direito a não praticar actos que de algum modo possam levar à auto-incriminação. 4. A recolha de autógrafos é, em última análise e num processo em que se investiga a prática de um crime de falsificação de documento, o equivalente à tomada de declarações num qualquer outro processo. 5. Os deveres que sobre o arguido impendem não podem prevalecer aos seus direitos. 6. O dever de se sujeitar a diligências de prova não pode de modo algum colidir com o direito do arguido se defender e não prestar declarações ou praticar actos que de algum modo levem à sua incriminação. 7. Poderá este tribunal revogar o douto despacho do Mm. Juiz sem que com isso possa de algum modo violar o direito da arguida em se remeter ao "silêncio" no que diz respeito à recolha de autógrafos. 8. Podendo ter o Mm. Juiz violado as disposições referidas pelo Ministério Público nas suas doutas alegaçÕes, a revogação só despacho que possa vincular a arguida a prestar efectuar a recolha de autógrafos violará de forma grosseira o disposto ml artigo 61, nº 1, al.) c) do CPP e 21 da CRP, sendo que qualquer decisão que possa obrigar a arguida a efectuar a recolha de autógrafos não poderá deixar de ser considerada como inconstitucional. 9. Podendo revogar o douto despacho mas sem que seja declarada ilegal a recusa da arguida a sujeitar-se a recolha de autógrafos. *** O senhor juiz “a quo” proferiu despacho tabelar de sustentação da decisão recorrida.Nesta instância o Ex.mo Procurador Geral Adjunto, emite parecer no sentido da procedência do recurso. Não foi apresentada resposta. Foram colhidos os vistos legais. * Conhecendo:
O despacho recorrido incide sobre requerimento da arguida no qual esta solicitava que fosse verificada a (i)legalidade da recolha de autógrafos à arguida por parte do Mº Pº. Por isso, o despacho recorrido se limita a dizer que não compete ao JIC pronunciar-se sobre a legalidade, ou não, de diligências que não lhe compete ordenar ou autorizar, (a diligência em causa fora ordenada pelo Mº Pº). Quem recorre é o Mº Pº. Apesar de parecer que o despacho recorrido pelo Mº Pº também incide e decide, embora parcialmente, sobre o requerimento do Mº Pº na parte em que promovia/requeria que o JIC declarasse ilegal a recusa em a arguida se sujeitar à recolha de autógrafos e respectivo exame, a verdade é que não decide de tal matéria. Limita-se no despacho e, como se disse, a referir que não compete ao JIC pronunciar-se sobre diligência que não ordenou. Assim, não se compreende o recurso nem a conclusão 7 onde o Mº Pº recorrente pede que se decida, nesta Instância, no sentido de ordenar que o JIC se declare competente e aprecie o seu requerimento bem como o apresentado pela arguida. O despacho recorrido não se pronuncia sobre o requerimento do Mº Pº, porque a finalidade deste é o requerido sob a alínea b), ordenar o desentranhamento e remessa da carta precatória para cumprimento (sendo que para o efeito, implícita ou expressamente teria de se pronunciar sobre a legalidade da diligência para eventualmente a ordenar de forma compulsiva). O Mº Pº pretende se obrigue coercivamente a arguida. *** Assim, as questões suscitadas no recurso extravasam o decidido no despacho recorrido. E, o Mº Pº teria era de requerer pronúncia que incidisse sobre o seu requerimento (sendo certo que não se vislumbra como se possa ordenar compulsivamente alguém a efectuar autógrafos – pega-se-lhe no braço e faz-se mover a mão?). Temos é como mais correcto que tendo em conta as regras da apreciação da prova, art. 127 do CPP, segundo as regras da experiência, se interprete a recusa da arguida. Analisando a questão da competência, qual o órgão competente para ordenar/presidir/autorizar à diligência em causa, recolha de autógrafos, temos que essa competência é do Mº Pº. Nos termos do art. 263 do CPP, a direcção do inquérito cabe ao Ministério Público. A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal - artigo 263º, n.º 1 do CPP - o qual pratica os actos e assegura os meios de prova necessários à realização do inquérito - artigo 267º - com as restrições do artigo 268º e seguintes do CPP. Como salienta o prof. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol.III, pág. 79, “competindo a direcção do inquérito ao Mº Pº, não é curial que o juiz possa intrometer-se na actividade de investigação e recolha de provas, salvo se se tratar de actos necessários à salvaguarda de direitos fundamentais”, e nesses termos é dado cumprimento ao preceito constitucional do art. 32 nº 4 da Constituição. Não se trata de perícia sobre características físicas ou psíquicas de pessoa (redacção actual da al. a) do art. 269 do CPP). Não se trata de exame susceptível de ofender o pudor das pessoas (redacção actual da al. b) do art. 269 do CPP). Não cabe, por isso, nos actos cuja competência é deferida ao Juiz de instrução -arts. 268.º, 269.º do CPP. Não encontramos qualquer norma legal que, nessa fase processual (inquérito), atribua a competência ao juiz de instrução criminal para ordenar/autorizar a diligência. Essa competência não lhe é atribuída pelos artigos 268º e 269º do Código de Processo Penal, nem resulta de nenhuma das normas que regulam a prova pericial –art. 154, nem os meios de obtenção de prova, nomeadamente por exame –art. 172, ambos do CPP. A autoridade judiciária competente é que deve decidir da legalidade e ordenar a realização do exame. Por isso o despacho recorrido e sendo que apenas se pronuncia sobre o requerimento da arguida, se limita a dizer que não tem de se pronunciar sobre a legalidade das diligências que não lhe compete ordenar ou autorizar. De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 1º do Código de Processo Penal, autoridade judiciária tanto é o juiz, como o juiz de instrução, como o Ministério Público, cada um relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência. Assim, e como se refere no Ac. da Rel. Lx. de 11-10-2006, proc. 8075/06 da 3ª Secção, “competindo a direcção do inquérito ao Ministério Público (artigo 263º), é a este que cabe, durante o inquérito, decidir quanto às diligências a efectuar, entre as quais se incluem as necessárias para a afirmação da culpa do arguido”. E, no mesmo sentido o Ac. da Rel. Porto de 13-11-1996, in BMJ 461, 524, “competindo ao Mº Pº dirigir o inquérito, a intervenção do juiz de instrução nesta fase processual está limitada, em conformidade com os arts. 267 a 269 do CPP”. Como salienta o prof. Germano Marques da Silva em ob. cit. pág. 81, “se a lei confia ao Mº Pº a direcção da investigação, permitindo-lhe dispor quais os actos que entenda necessários à realização da finalidade do inquérito, não se compreenderia que depois submetesse a actividade desenvolvida a fiscalização judicial”. Assim que tenhamos como correcta a posição do JIC ao decidir não lhe competir pronunciar-se sobre a legalidade ou ilegalidade de diligências no inquérito, fora das situações previstas nos arts. 268 e 269 do CPP (ou expressas em outros preceitos). A diligência de investigação em causa não se enquadra nesses preceitos, nem em quaisquer outros dispersos no CPP e que atribuem competência ao JIC. Questão diferente é a suscitada pelo Mº Pº no requerimento (não apreciado no despacho recorrido), no sentido de a arguida ser obrigada compulsivamente a apresentar-se para a recolha de autógrafos (por não ter comparecido voluntariamente). Sobre a eventual (não) eficácia do resultado da diligência, já supra nos referimos (como se obriga a autografar?). Nos termos do art. 273 do CPP, o Mº Pº (entidade competente) emitirá mandados para comparência, e no caso de não comparência poderá considerar a falta como injustificada (no caso vertente há recusa em comparecer e efectuar a diligência) e lançar mão do expediente previsto no nº 4 do preceito (redacção da lei 48/07) e requerer ao JIC que ordene através dos meios previstos no art. 116 do nº 2 a comparência efectiva. Ao JIC compete ordenar as medidas compulsivas com vista à realização da diligência. Implícito está que se trate de diligência legal. Para aplicar a sanção, tem de o aplicador da sanção (comparência compulsiva), JIC previamente justificar a aplicação através da falta não justificada e legalidade da diligência. Refere o prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, pág. 67, “Advirta-se que qualquer das sanções é aplicada exclusivamente pelo juiz. Se a falta se der em acto de inquérito da competência do MP ou delegado em órgão de polícia criminal, o MP promoverá a aplicação da sanção por parte do juiz de instrução” (art. 273, nº 3 – nº 4 após a alteração pela lei 48/07). Sobre a competência para fazer comparecer, essa pertence ao JIC (mas sobre esta matéria não há pronuncia). Face ao exposto, porque o recurso incide sobre matéria não decidida no despacho recorrido, entendemos que improcedem as conclusões do recurso, devendo ser o mesmo julgado improcedente. Decisão: Pelo que exposto ficou, acordam em: Julgar o recurso improcedente e em consequência manter o despacho recorrido, devendo o Mº Pº requerer pronuncia sobre a totalidade do seu requerimento. Sem custas. Coimbra, 2007-12-12 |