Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
51/06.1GAMGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: ACTO PROCESSUAL
APRESENTAÇÃO POR CORREIO ELECTRÓNICO
PRAZO
PRORROGAÇÃO
Data do Acordão: 01/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE MANGUALDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 150º CPC,103º, 104 CPP, 2º D.L. 114/08-6/2
Sumário: 1. Estando em vigor, para o processo penal, a Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, e sendo o correio electrónico uma forma de remessa a juízo de peças processuais, é legalmente permitido remeter por correio electrónico, um requerimento e respectivos documentos.
2. Não se tendo comprovado o envio da mensagem por correio electrónico e que a sua não recepção pelo Tribunal não lhe é imputável, não se pode ter a mesma como enviada.
3. O indeferimento do requerimento de prorrogação de prazo não suspende o prazo em curso.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório

Por despacho de 23 de Setembro de 2010 o Ex.mo Juiz do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde indeferiu a reclamação apresentada a folhas 683 pela Ex.ma Defensora Oficiosa do arguido R..., em que esta solicitava que o despacho de folhas 678, de indeferimento do pedido de prorrogação do prazo de recurso do acórdão final, fosse “revisto” após apreciação de um requerimento e documentos enviados por correio electrónico em 15 de Junho de 2010 e que não haviam sido tido em consideração por não se mostrarem juntos aos autos.

Inconformado com o despacho de 23 de Setembro de 2010, dele interpôs recurso o arguido R..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1. Deverá a reclamação a folhas 683 ser deferida, com os fundamentos aí invocados, já que o envio por correio electrónico em processo penal é um meio legalmente admissível de envio de qualquer peça processual, sendo o comprovativo do envio junto à reclamação ser considerado válido e meio de prova suficiente.
2. O indeferimento de prorrogação de prazo suspende o prazo em curso.
3. Devendo ser concedido um prazo de 30 dias para apresentação de recurso.
Nestes termos e nos mais de direito, que mui doutamente serão supridos, deverá ser revogado o douto despacho nas partes consideradas.

O Ministério Público na Comarca de Mangualde respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela negação de provimento ao recurso e manutenção do indeferimento da pretensão do recorrente.

O Ex.mo Procurador-geral-adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Cumpre apreciar e decidir.

Fundamentação

A tramitação processual com interesse para a compreensão da decisão recorrida e a decisão recorrida é a seguinte:

Em 5 de Maio de 2010, foi proferido, nos presentes autos, acórdão condenatório do arguido R....

Por requerimento de 4 de Junho de 2010, enviado por correio electrónico às 22:36, para o Tribunal Judicial de Mangualde, e constante de folhas 673, a Ex.ma Defensora Oficiosa do arguido R... requereu “ …a prorrogação do prazo de interposição de recurso cujo terminus se verifica hoje, dia 4 de Junho de 2010. Porquanto por motivo de maternidade esteve internada desde 19/05/2010 até 24/05/2010, por ter sido sujeita a cesariana, não se encontrando ainda em condições físicas para elaborar devidamente o articulado em questão, sendo necessário a audição e transcrição da gravação de audiência de julgamento.”

Por despacho de 8 de Junho de 2010, constante de folhas 675, foi a requerente de folhas 673 convidada “…a, no prazo de três dias, indicar os preceitos legais em que fundamenta a prorrogação de prazo e juntar todos os meios de prova em abono do motivo invocado para tal prorrogação.”.

Em 29 de Junho de 2010, foi proferido a folhas 678 o seguinte despacho:
Fls 673: - apesar de convidada a indicar o preceito legal que fundamenta o seu pedido e juntar os meios de prova do motivo invocado para a prorrogação do prazo de interposição de recurso, a ilustre defensora do arguido nada disse;
- o regime previsto nos arts. 1.º e 2.º do DL n.º 131/2009, de 1 de Junho, não é aplicável aos prazos processuais, mas apenas ao adiamento de diligências processuais em que os Srs. Advogados devam intervir; assim sendo, esse regime não é aplicável ao caso vertente de apresentação de recurso;
- por outro lado, o regime apertado do justo impedimento previsto no art.146.º do CPC, aplicável “ex-vi” do art.4.º do CPP, não está devidamente satisfeito ( apesar do nosso convite ao aperfeiçoamento) porque não se indicou a data em que terá cessado o justo impedimento.
Assim, nos termos expostos, por ausência de fundamento legal, indefiro o requerimento de prorrogação do prazo de recurso do acórdão final.”.

Por requerimento de 2 de Setembro de 2010, constante de folhas 683, a Ex.ma Defensora Oficiosa do arguido R... veio reclamar do despacho de folhas 678, “ Porquanto, em 15 de Junho de 2010, foi remetido por correio electrónico, conforme comprovativo de envio que se junta, o requerimento e os documentos que também se juntam, respondendo ao despacho que solicitou a indicação dos preceitos legais em que fundamentava a prorrogação do prazo e a junção aos autos de todos os meios de prova. Contudo, em resultado do despacho do qual a declarante foi ora notificada, a mesma teve conhecimento que tal requerimento e documentos não foram juntos aos autos, desconhecendo o motivo que originou tal situação.
Assim sendo, deverá o presente despacho ser revisto no sentido de, após apreciados o requerimento e documentos enviados por correio electrónico em 15/06/2010, deferir a prorrogação de prazo solicitada.”.

Tendo sido notificada a Ex.ma Defensora Oficiosa do arguido para juntar aos autos os comprovativos documentais do envio ao Tribunal, por correio electrónico, do requerimento de 15-06-2010, foi de seguida junto pela mesma o documento que consta de folhas 692.

Do extracto de correio electrónico do Tribunal de Mangualde, reportado ao dia 15 de Junho de 2010, junto a folhas 694, resulta que nenhum requerimento do arguido ou da sua Ex.ma Defensora Oficiosa foi recebido no Tribunal em 15-06-2010 .

O despacho recorrido, de 23 de Setembro de 2010, tem o seguinte teor:
« A fls. 683 dos autos a ilustre defensora do arguido veio reclamar do despacho de fls. 678 que indeferiu a prorrogação do prazo de recurso do acórdão final condenatório.
Sustenta para o efeito que enviou ao tribunal, por correio electrónico, um requerimento e documentos que não foram tidos em conta na prolação daquele despacho de fls. 678, até porque tal requerimento e documentos não se mostravam então juntos aos autos.
Cumpre decidir.
É certo que o requerimento e documentos a que a ilustre defensora se refere não constavam do processo à data da prolação do despacho de fls. 678. Tal expediente apenas foi junto a fls. 684, 685 e 686, juntamente com o requerimento da ilustre defensora de fls. 683.
A fls. 692 a ilustre causídica juntou um documento que diz ser comprovativo do envio por correio electrónico, em 15 de Junho de 2010, do aludido requerimento e documentos que se encontram a fls. 684 a 686.
Todavia, no extracto de correio electrónico do tribunal reportado ao dia 15 de Junho de 2010 não se encontra o dito requerimento (ver fls. 694), concluindo-se que o mesmo não chegou a este tribunal.
Mesmo que o requerimento tivesse chegado a este tribunal, lembro que em processo penal os actos dos sujeitos processuais não podem ser praticados por transmissão electrónica de dados para o endereço electrónico do tribunal. Na medida em que o Código de Processo Penal não dispõe especificamente sobre a forma de apresentação de actos pelos sujeitos processuais aplica-se ao caso o disposto no art. 150.º do Código de Processo Civil (ex-vi art.4.º do Código de Processo Penal).
O art. 150.º do CPC foi modificado pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto de 2007 e, a partir da entrada em vigor da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro (que regula a plataforma electrónica CITIUS), a única forma de prática de actos das partes por transmissão electrónica de dados é, desde o ano 2008, através do sistema informático CITIUS.
Isto é, a redacção do art. 150.º do CPC, introduzida pelo DL n.º 303/2007, prevê como única forma de apresentação electrónica de actos processuais a prevista na referida portaria. Por sua vez, esta portaria exclui do âmbito da sua aplicação os processos-crime (ver art.2.º da portaria). Assim sendo, conclui-se que em processo penal não é possível aos sujeitos a prática de actos através de transmissão electrónica de dados. Foi intenção do legislador experimentar o sistema CITIUS no processo civil antes de avançar com qualquer sistema informático próprio para o processo penal. Por outro lado, arredou a hipótese de prática de actos através de qualquer outra forma de transmissão electrónica de dados. Parece-nos que andou bem. Com efeito, é sabido que os endereços electrónicos são inundados de mensagens que constituem lixo electrónico, sem qualquer utilidade para o destinatário. Mau seria se fosse possível misturar com isso os actos das partes.
Claro está que em processo penal os sujeitos continuam a poder apresentar os actos processuais mediante entrega na própria secretaria do tribunal, remessa ao tribunal através do correio clássico ou por telecópia (vulgo fax), como decorre do art.150.º, n.º 2, als. a), b) e c) do CPC.
Tudo isto para concluir que, mesmo que a ilustre defensora tivesse enviado a este tribunal o requerimento no dia 15 de Junho de 2010 através de correio electrónico, sempre seria uma forma inválida de apresentação de acto processual.
Finalmente, quanto ao fundo da questão (prorrogação do prazo de recurso por aplicação do disposto no art. 486.º, n.º 5 do CPC), deve assinalar-se que aquela norma prevê a prorrogação do prazo de contestação de uma acção e não de um prazo de recurso, sendo inaplicável ao caso dos autos. Mesmo que fosse de conceder a prorrogação de prazo, o que só poderia ser feito até ao limite máximo de 30 dias, sempre estaria o prazo neste momento esgotado pois a apresentação do requerimento de prorrogação não suspende o prazo em curso (art. 486.º, n.º 6 do CPC). Ou seja, os 30 dias de recurso terminaram em 4 de Junho de 2010, o que acrescido de eventual prorrogação por mais 30 dias teria terminado no princípio de Julho de 2010.
Atento o exposto, indefere-se a reclamação apresentada a fls. 683 pela ilustre defensora do arguido.
Notifique.»

*


O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente as questões a decidir são as seguintes:
- se o envio por correio electrónico em processo penal é um meio legalmente admissível de envio de qualquer peça processual e o comprovativo do envio por correio electrónico junto à reclamação deve ser considerado válido e meio de prova suficiente; e
- se o indeferimento de prorrogação de prazo suspende o prazo em curso, devendo ser concedido um prazo de 30 dias para apresentação de recurso.
Passemos ao conhecimento da primeira questão.
Embora o recorrente não mencione nas conclusões da motivação as normas jurídicas violadas na decisão recorrida, elas constam da motivação do recurso. Assim, mesmo sem convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação, por uma razão de economia processual, vamos conhecer da questão.
O recorrente defende, na motivação do recurso, que a Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro (que regula a plataforma electrónica CITIUS), é aplicável apenas ao domínio das acções cíveis e providências cautelares previstas no seu art.2.º, mantendo-se em vigor para as restantes situações de envio de correio electrónico, designadamente em processo penal, a Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, pelo que não é correcta a afirmação constante da decisão recorrida, de que a partir da entrada em vigor da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro a única forma de prática de actos das partes por transmissão electrónica de dados é através do sistema informático CITIUS.
Vejamos.
Os artigos 103.º e 104.º do Código de Processo Penal, regulam, respectivamente, “ Quando se praticam os actos” processuais e a “ Contagem dos prazos para a prática de actos processuais”, mas são omissos sobre a apresentação a juízo dos actos processuais reduzidos a escrito por remessa para as secretarias judiciais.
O “Assento n.º 2/2000”, de 9-12-1999 ( DR., I Série -A, de 7 de Fevereiro de 2000), reconhecendo que o Código de Processo Penal contém omissão quanto à possibilidade de os actos processuais reduzidos a escrito serem praticados por remessa para a secretaria judicial, pelo correio, sob registo, fixou jurisprudência no sentido de que « O n.º1 do artigo 150.º do Código de Processo Civil é aplicável em processo penal, por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal.».
O n.º1 do artigo 150.º do Código de Processo Civil, na redacção então vigente, introduzida pelo DL n.º 329-A/95, estabelecia que « Os articulados, requerimentos, respostas e as peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo podem ser entregues na secretaria judicial ou a esta remetidos pelo correio, sob registo, acompanhados dos documentos e duplicados necessários, (…).».
Aquando da prolação do “Assento n.º 2/2000” era admitida no n.º 3 do art. 150.º do C.PC. ( redacção do DL 180/96) , a prática de actos processuais através de telecópia ou por meios telemáticos “nos termos previstos em diploma regulamentar”, sendo que nessa altura estava apenas regulamentado o uso da telecópia, através do DL n.º 28/92, de 27 de Fevereiro.
Por aplicação do artigo 4.º do Código de Processo Penal entendemos que o n.º 3 do artigo 150.º do Código de Processo Civil era aplicável, nessa altura, também em processo penal, podendo os actos processuais reduzidos a escrito serem remetidos à secretaria judicial através de telecópia, nos termos do DL n.º 28/92, de 27 de Fevereiro.
Com o DL n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, o art.150.º do Código de Processo Civil foi alterado, passando a consignar-se na alínea d), n.º1, que os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo, designadamente, por « Envio através de correio electrónico, com aposição de assinatura electrónica avançada, valendo como data da prática do acto processual a da expedição, devidamente certificada; ».
Ao abrigo do disposto no n.º2 do art.150.º do Código de Processo Civil, na redacção do DL n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que estabelecia que « Os termos a que deve obedecer o envio através dos meios previstos nas alíneas d) e e) do número anterior são definidos por portaria do Ministro da Justiça.», foi publicada a Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho.
Nos termos do art.3.º, n.º1, da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho – que revogou a Portaria n.º 337-A/2004, de 31 de Março, que regulava a mesma matéria - « O envio de peças processuais por correio electrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada.».
Na vigência da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, a apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico, nos termos da citada alínea d), n.º1, do art.150.º do C.P.C., aplicava-se ao processo civil e, por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal, ainda ao processo penal.
O art.150.º, n.º1, do Código de Processo Civil, veio a ser objecto de nova alteração através do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, passando a ter a seguinte redacção:
« 1. Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º1 do artigo 138-A, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição.».
A remessa a juízo de peças processuais por envio através de “correio electrónico” deixou de figurar entre as várias formas de apresentação mencionadas no n.º2 do art.150.º do Código de Processo Civil.
A produção de efeitos da nova redacção do art.150.º do C.P.C. ficou dependente da entrada em vigor da portaria prevista no n.º1 do artigo 138-A do mesmo código ( art.11.º , n.º2 do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto).
Com a publicação da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, veio a entrar em vigor o art.150.º do C.P.C., na redacção do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
Esta Portaria n.º 114/2008 estabeleceu no art.4.º, n.º1, que « A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados é efectuada através do sistema electrónico CITIUS, no endereço electrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções daí constantes.».
A Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro – que sofreu já quatro alterações, a última das quais através da Portaria n.º 471/2010, de 8 de Julho –, consigna hoje no art.2.º, que ela se aplica à tramitação electrónica:
a) Das acções declarativas cíveis, procedimentos cautelares e notificações judiciais avulsas, com excepção dos processos de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo e dos pedidos de indemnização ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal;
b) Das acções executivas cíveis e de todos os incidentes que corram por apenso à execução, tendo em consideração que só deve haver lugar à autuação do processo executivo, com a impressão dos documentos considerados essenciais nos termos do art.23.º, após a recepção, pelo tribunal, de um requerimento ou informação que suscite a intervenção do juiz;
c) Dos processos da competência dos tribunais ou juízos de execução das penas.».
O art.27.º da Portaria n.º 114/2008, estabeleceu que “No que diz respeito às acções previstas no artigo 2.º” é revogada:« a) A Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho;».
O legislador, ao restringir às acções previstas no art.2.º o âmbito de aplicação da Portaria n.º 114/2008 e respectivo art.150.º do C.P.C., na redacção dada pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto e, por outro lado, ao só revogar a Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, relativamente “às acções previstas no art.2.º”, deixou incólume a aplicação da Portaria n.º 642/2004, às acções penais e, assim, a possibilidade no âmbito do processo penal de “ apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico” ( art.1.º).
Estando em vigor, para o processo penal, a Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, e sendo o correio electrónico uma forma de remessa a juízo de peças processuais, era legalmente permitido à Ex.ma Defensora Oficiosa do arguido remeter ao presente processo, por correio electrónico, um requerimento e respectivos documentos, na sequência do despacho de 8 de Junho de 2010, constante de folhas 675.
Se o “comprovativo do envio por correio electrónico junto à reclamação deve ser considerado válido e meio de prova suficiente” é o que importa agora averiguar.
A propósito do envio de peças processuais por correio electrónico, o art.3.º, n.º 2 da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, estabelece que « …a comunicação deve assegurar:
a) O não repúdio e a integridade dos seguintes elementos da mensagem garantidos pela aposição de assinatura electrónica por terceira entidade idónea ao conjunto formado pela mensagem original e pela validação cronológica do acto de expedição:
i) A data e hora de expedição;
ii) O remetente;
iii) O destinatário;
iv) O assunto;
v) O corpo da mensagem;
vi) Os ficheiros anexos, quando existam;
b) A entrega ao remetente de cópia da mensagem original e validação cronológica do respectivo acto de expedição, cópia essa que é assinada electronicamente por terceira entidade idónea;
c) A entrega ao remetente de uma mensagem assinada electronicamente pela terceira entidade idónea, nos casos em que não seja possível a recepção, informando da impossibilidade de entrega da mensagem original no endereço do correio electrónico do destinatário, no prazo máximo de cinco dias após a validação cronológica da respectiva expedição;
d) A verificação, por qualquer entidade a quem o remetente ou o destinatário facultem o acesso, da validação de todos os elementos referidos na alínea a).
O n.º 3 deste art.3.º da Portaria n.º 642/2004, acrescenta que « A expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.».
Comprovada a validação cronológica da mensagem ( declaração de entidade certificadora que atesta a data e hora da criação, expedição ou recepção de um documento electrónico), à parte compete demonstrar apenas o envio do correio electrónico.
A solução é diversa se faltar a validação cronológica do acto de expedição.
Nos termos do art.10.º da Portaria n.º 642/2004 « À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia.».
Do preâmbulo do DL n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, que regulamenta o uso da telecópia, consta que “ Alguma complexidade podem apresentar questões relacionadas com a possível desconformidade entre a telecópia e os originais, a impossibilidade de transmitir a totalidade do documento, a ilegibilidade da telecópia recebida e, em geral, todos os incidentes de fiabilidade do sistema. Crê-se, todavia, que a solução das questões daí decorrentes deverá, por agora, encontrar-se por recurso às normas civis e processuais vigentes, nomeadamente as relativas ao erro, à culpa e ao justo impedimento.”.
A jurisprudência entende que o legislador parte do princípio que os equipamentos de telecópia são fiáveis e asseguram a completa recepção das peças processuais e documentos; quando tal não acontece incumbe ao apresentante demonstrar que o acto não foi atempadamente praticado por razões que não lhe são imputáveis Acordãos da Relação do Porto, de 13-1-2009, proc. n.º 0827288, rel. Desem. Cândido Lemos, e de 4-11-2009, proc. n.º 129/05.FAVNG-A.P1, rel. Desem. Artur Oliveira, in www.dgsi.pt/jtrp. .
No caso em apreciação, está demonstrado, pelo extracto de correio electrónico do Tribunal de Mangualde, reportado ao dia 15 de Junho de 2010, junto a folhas 694, que o requerimento de 15-06-2010 e documentos que a Ex.ma Defensora Oficiosa do arguido declara ter remetido por correio electrónico tendo em vista o deferimento do justo impedimento e prorrogação do prazo de recurso, não foi recebido na secretaria do Tribunal.
A Ex.ma Defensora Oficiosa do arguido descurou o facto de não ter recebido a “mensagem de confirmação da recepção” do correio electrónico pelo Tribunal, a que alude o art.7.º, n.º 3 da Portaria n.º 642/2004 e o documento junto aos autos em 17 de Setembro de 2010, a folhas 692, com que pretende provar o envio do correio electrónico em 15 de Junho de 2010, é um simples documento da Ex.ma Defensora Oficiosa do arguido, mencionando que em 15 de Junho de 2010, pelas 18:21, remeteu para o presente processo, em anexos, um requerimento e dois documentos.
A Ex.ma Defensora Oficiosa do arguido não juntou aos autos, em momento algum, a validação cronológica, por entidade certificadora terceira, da expedição da mensagem de correio electrónico, atestando a data e hora da criação e expedição, mediante a aposição de selo temporal, como o exige o art.3.º, n.º3 da Portaria 642/2004.
Perante a falta de validação cronológica da expedição da mensagem por correio electrónico era sobre a Ex.ma Defensora Oficiosa do arguido, como apresentante, que recaía o ónus de provar que a não recepção, pelo Tribunal, da peça processual, não lhe é imputável.
Não tendo a Ex.ma Defensora Oficiosa do arguido comprovado o envio da mensagem por correio electrónico no dia 15 de Junho de 2010, e que a sua não recepção pelo Tribunal não lhe é imputável, não se pode ter a mesma como enviada nem, consequentemente, como oportunamente cumprido o despacho de 8 de Junho de 2010, constante de folhas 675.
Assim, o despacho de 29 de Junho de 2010, de indeferimento do pedido de prorrogação do prazo de recurso do acórdão final, que o recorrente pretendeu que fosse “revisto” pelo Tribunal quo, não merece censura.
A última questão é se o indeferimento de prorrogação de prazo suspende o prazo em curso, devendo ser concedido ao arguido um prazo de 30 dias para apresentação de recurso.
Antes do mais importa realçar que versando a presente questão matéria de direito, incumbe ao recorrente, nos termos do art.412.º, n.º2 do Código de Processo Penal, indicar nas conclusões:
« a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.».
Se das conclusões da motivação não for possível deduzir, total ou parcialmente, as indicações previstas no n.º2 do art.412.º do C.P.P., o art.417.º, n.º 3, do mesmo Código, estabelece que o Tribunal de recurso deve convidar o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não conhecido na parte afectada.
Porém, se a falta ou insuficiência das indicações previstas no n.º2 do art.412.º do C.P.P. afecta não só as conclusões da motivação, mas ainda a própria motivação, o relator não deve convidar o recorrente a aperfeiçoar as conclusões da motivação, pois estas são um resumo dos fundamentos pelos quais se pede a procedência do recurso.
No caso em apreciação o recorrente não indica, nem nas conclusões da motivação, nem na motivação, qual a norma ou normas jurídicas que determinam que o indeferimento de prorrogação de prazo suspende o prazo em curso, bem como a norma que lhe concederia o prazo de 30 dias para apresentação de recurso.
Assim, existe motivo de rejeição do recurso nesta parte.
Sem prejuízo da existência de motivo de rejeição do recurso nesta parte, não deixamos de referir que não existe qualquer preceito legal, seja no processo penal, seja no processo cível, que estabeleça que o indeferimento de prorrogação de um prazo suspende o prazo em curso, designadamente o prazo de recurso de uma decisão.
Se o indeferimento de prorrogação de um prazo fosse causa de suspensão do prazo em curso a lei para além de ter de a estabelecer teria ainda de determinar a partir de quando cessaria a causa da suspensão, permitindo que se juntasse ao tempo decorrido antes da suspensão o tempo que decorre após essa cessação. O que não acontece.
Por fim diremos que, tendo sido indeferido por despacho de 29 de Junho de 2010, o pedido de prorrogação de prazo de interposição de recurso apresentado pela Ex.ma Defensora do arguido no último dia do prazo - por ela não haver comprovado o justo impedimento na prática atempada do acto -, não seria racional que a Ex.ma Defensora do arguido, e o recorrente, ainda beneficiasse da suspensão do prazo do recurso que terminou no dia 4 de Junho de 2010 , acrescida de um prazo de 30 dias para apresentação de recurso, obtendo deste modo a prorrogação do prazo que lhe foi indeferida pelo dito despacho e que o despacho recorrido decidiu manter no âmbito da “reclamação apresentada a folhas 683.
Assim, embora não exactamente pelos mesmos fundamentos, deve subsistir a decisão recorrida.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido R... e manter o despacho recorrido de indeferimento do pedido de prorrogação do prazo de interposição de recurso do acórdão final.
Custas pelo recorrente, fixando em 3 Ucs a taxa de justiça.

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ORLANDO GONÇALVES (RELATOR)
ALICE SANTOS