Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3974/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. SERAFIM ALEXANDRE
Descritores: PODERES DO JUIZ DE INSTRUÇÃO NO INQUÉRITO
Data do Acordão: 01/21/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ART.º 17.º, 32.º, 268.º, 269.º, 288.º N.º2 E 308.º N.º 3 DO CPP
Sumário:

O Juiz de Instrução, no inquérito, chamado a praticar qualquer dos actos para os quais a Lei lhe confere competência (artigos 17º, 268º e 269º do CPP) não pode declarar, por sua iniciativa, a incompetência territorial do Tribunal onde corre o mesmo Inquérito e ordenar a remessa dos autos a outro Tribunal.
Decisão Texto Integral:

Recurso n.º 3974/2003.
Comarca de A


Acordam na Secção Criminal da Relação de Coimbra:

Correm termos, no tribunal da comarca de A, os autos de Inquérito n.º 154/03, em que (tendo por base os elementos que constam nos presentes autos de Recurso em Separado) ocorre o seguinte:
- A Alfândega de Leixões comunicou ao departamento de Investigação Criminal da Polícia Judiciária de A factos relacionados com importação/exportação e viciação de veículos automóveis com informações de que (entre outras) os exportadores dos veículos residem na zona de A (fols. 20 e seguintes);
- Os autos foram remetidos ao M.º Público junto da comarca de A;
- Por este terão sido apresentados ao J. I. C. , em 24-9-03, que proferiu o despacho de folhas 19 e verso em que, apesar de não ser o territorialmente competente, apreciou as questões incidentais (retribuição de intervenientes) relativas ao interrogatório a que se refere o auto de fols. 511 a 521, realizado neste tribunal da comarca de A;
- Os autos foram de novo conclusos ao J. I. C. em 29-9-03 que proferiu o seguinte despacho:
“Como já mencionado no despacho de 24.09.2003, fls. 530, o Tribunal da comarca de A não é o competente para apreciar as questões jurisdicionais relativas a este inquérito, designadamente por carecer de competência territorial.
Nestes autos investiga-se a prática de crimes de furto e falsificação de veículos automóveis e de associação criminosa para a prática daqueles crimes e para o tráfico internacional ilegal dos veículos.
Resulta dos autos que os veículos em causa provêm de diversos países europeus (designadamente Holanda, Suíça. Espanha) e se destinam a Georgia, Turquia, Emiratos Árabes Unidos.
Os actos que desde já se indicia terem sido praticados em território português no âmbito da actividade criminosa em causa terão ocorrido em Leça da Palmeira (Leixões), em Matosinhos e na Maia (comarcas de Matosinhos e da Maia, ambas do círculo judicial de Matosinhos e do distrito judicial do Porto).
Não se indicia a prática de qualquer acto relativo à actividade criminosa em investigação na área da comarca de A.
É o que resulta, i. a., de fls. 1, 12, 112, 341 e 461, já referenciadas no despacho de 24.09.2003.
Assim sendo, à luz do disposto quer no Art.19º, n.º 2; quer no Art. 21º, n.º 1; quer no Art. 22º, n.º 1, 1ª parte, e n.º 2, todos do Cód. Proc. Penal, é territorialmente competente o Tribunal com jurisdição na área da comarca de Matosinhos, ou seja, o Tribunal de Instrução Criminal do Porto (cfr. mapa VI anexo ao Regulamento da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Dec.-Lei n.º 186-A/99, de 3 1.05).
Por outro lado, está em causa indiciada prática de infracções económicas de dimensão internacional pelo que, por força do disposto no Art. 80º, n.º 1 e 2, da L.O.F.T.J. (Lei n.º 3/99, de 13.0 1) e 47º, n.º 1, al. 1), do estatuto do Ministério Público (Lei n.º 60/98) e ainda do previsto no já referido “mapa VI”, também em razão da matéria é o Tribunal de Instrução Criminal do Porto o competente para a prática dos actos jurisdicionais relativos a este inquérito.
Pelo exposto e ao abrigo do disposto no Art. 32º, n.º 1, 1ª parte, e no Art 33º, n.ºs 1 e 3, ambos do Cód. Proc. Penal, declaro o Tribunal Judicial da comarca de A incompetente para a prática dos actos jurisdicionais relativos a este inquérito e ordeno a oportuna remessa do processo para o Tribunal de Instrução Criminal do Porto.
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Notifique-se (Ministério Público e arguidos - estes através dos seus Defensores).
Após trânsito, remeta-se ao TI. C. do Porto.
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Não obstante a declaração que antecede, por força do disposto no Art. 33º, n º 2, do Cód. Proc. Penal e no Art. 80º, n.º4, da L.O.F.T.J., aprecio o requerimento para interposição de recurso da decisão de sujeição do arguido VALERI a prisão preventiva.
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É deste despacho que recorre o M.º Público, concluindo:
1- A apreciação da competência em razão do território é questão que extravasa dos poderes do juiz de instrução na fase de inquérito, visto não constar do elenco de actos a praticar, a ordenar ou a autorizar por aquele, sendo certo que não está em causa a defesa de quaisquer direitos ou liberdades fundamentais das pessoas.
2- Territorialmente competente para conhecer dos presentes autos, pelo menos por ora, é o Tribunal Judicial de A, por ser na sua área que primeiro houve notícia do crime, sendo certo que não são ainda conhecidos o local da prática dos crimes, designadamente dos crimes mais graves – de furto qualificado – nem os agentes destes.
3- A decisão recorrida, declarando o Tribunal de A incompetente para a prática dos actos jurisdicionias relativos ao presente inquérito e a sua remessa ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto, mostra-se ferida de ilegalidade dos artigos 17º, 19º, 21º, 22º, 28º, 29º, 48º, 53º, 263º, 264º, 267º a 269º, todos do Código de Processo Penal, dos artigos 1º, 3º, n.º 1, alíneas c) e h), do Estatuto do Ministério Público e dos artigos 32º e 219º, da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso interposto, assim se fazendo como é de Justiça.
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O despacho foi mantido, nos termos do art.º 414º, n.º 4, do C. P. Penal.
Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emite douto parecer em que, em resumo, diz:
- que as regras da competência devem ser observadas quer pelo M.º P.º quer pelo Juiz de Instrução;
- que, face aos elementos dos autos, não será o tribunal de A o competente para investigar os factos;
- mas que aí devem ser praticados os actos urgentes;
- e que não caberá ao Juiz de Instrução, a quem foi solicitada a prática de determinados actos no Inquérito, determinar a remessa dos autos a um outro juiz de Instrução.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
São aduzidas (muito resumidamente), pelo recorrente, as seguintes razões na defesa do seu ponto de vista:
A-
- A titularidade e a direcção do Inquérito compete, em exclusivo ao M.º Público;
- Ao Juiz de Instrução competem apenas actos isolados, taxativamente elencados, que directamente se prendem com os direitos e liberdades fundamentais das pessoas;
- A apreciação da competência em razão do território extravasa estas competências;
B-
- No caso presente, não há ainda elementos suficientes para que se possa determinar o momento e local onde se consumaram os crimes.
Por sua vez, o Sr. Juiz de Instrução, invoca:
A-
- É ao Juiz de Instrução que compete (e deve) conhecer de quaisquer nulidades ou excepções dilatórias que possam constituir obstáculo a que se aprecie o mérito das pretensões que lhe são apresentadas;
- Entre estas inclui-se a da competência, nomeadamente a territorial;
- E o Juiz de Instrução não está sujeito à interpretação que o M.º Público faça da sua competência;
B-
- Que no caso dos autos não há nenhum elemento que permita confirmar a inicial informação de que os exportadores dos veículos residem na zona de A, sendo certo que os suspeitos já identificados foram encontrados em Matosinhos, Maia e Leça da Palmeira, transportando os veículos que terão sido furtados e falsificados e procedendo a actos tendo em vista o tráfico dos veículos para outros países.
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CONHECENDO:
Uma coisa nos parece certa: não compete a este tribunal, no presente recurso, discutir que tribunal é o territorialmente competente para investigar e ou julgar os factos.
Não é esse o objecto do recurso nem os autos nos fornecem elementos para tal decidir.
A questão que nos é colocada é apenas a de saber se o Juiz de Instrução, no Inquérito, chamado a praticar qualquer dos actos para os quais a lei lhe confere competência (artigos 17º, 268º e 269º do C. P. Penal) pode declarar, por sua iniciativa, a incompetência territorial do tribunal onde corre o mesmo Inquérito e ordenar a remessa dos autos a outro tribunal.
Desde já diremos que entendemos que não.
A competência material e funcional do Juiz de Instrução está contida no art.º 17º do C. P. Penal:
- procede à instrução e decide quanto à pronúncia;
- no Inquérito, exerce as funções jurisdicionais.
Na instrução, de que tem a direcção (art.º 288, n.º 1) pode e deve conhecer de todas as nulidades e excepções (artigos 288º, n.º 2 e 308º, n.º 3).
Mas no Inquérito é diferente. O titular do processo e a sua direcção compete ao M.º Público. O Inquérito é da competência do M.º Público a quem cabe exclusivamente a sua direcção. A competência territorial, no que respeita ao juiz de instrução, no Inquérito, está sujeita, previamente definida, à competência territorial do próprio processo. E a competência territorial no caso do Inquérito é de exclusiva competência de quem é seu titular, isto é, o M.º Público. Se é certo que este está sujeito às regras da mesma competência, certo é também que só a ele, em princípio, compete decidir sobre a mesma. Aliás, a lei (art.º 32º do C. P. Penal) não prevê a possibilidade de dedução ou declaração da incompetência territorial relativamente ao Inquérito. Prevê-a sim relativamente ao juiz de instrução (até ao debate, na instrução) e ao tribunal do julgamento.
Os actos que o juiz de instrução pratica no Inquérito não são actos de inquérito, são actos da competência do juiz a praticar no Inquérito. O juiz de instrução não pode intrometer-se na actividade da investigação, a não ser em actos necessários a salvaguardar os direitos fundamentais. Ora, a competência territorial para o Inquérito não implica, em princípio, com qualquer direito fundamental.
Poder-se-ia colocar a questão se tal incompetência fosse suscitada por qualquer interessado (M.º P.º, arguido ou assistente) Aí, sim, admitimos que ao juiz de instrução competisse tal decisão, por se poder tratar de um acto jurisdicional do Inquérito. Mas ser o juiz de instrução a tomar a iniciativa de suscitar a questão, não nos parece que o possa ser.
O argumento de que o juiz de instrução deve conhecer de quaisquer nulidades e excepções não releva no que ao Inquérito se refere. Na Instrução sim. Nem o apelo ao art.º 119º, al. e) e al. f), do n.º 1, do art.º 268º, justificam outra interpretação.
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Nestes termos, se decide, julgando o recurso por provido, revogar o despacho recorrido.
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Sem tributação.