Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
12/10.6PACLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Data do Acordão: 04/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (J L CRIMINAL DE CALDAS DA RAINHA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 40.º, 50.º, 70.º E 71.º, DO CP; ART. 410.º DO CPP
Sumário: I - Os factores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida são aplicáveis à escolha das penas de substituição – nas quais se integra a suspensão da execução da pena de prisão.

II - O critério geral é o de que o tribunal deve dar preferência à pena não privativa da liberdade desde que, verificados os respectivos pressupostos formais de aplicação, ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ou seja, desde que assegure a realização das exigências de prevenção em cada caso, requeridas.

III - Os argumentos da existência de antecedentes criminais e da falta de reflexão do recorrente sobre a conduta praticada [resultante, cremos, da não assunção integral da prática dos factos, nos termos descritos na motivação de facto da sentença em crise] não constituem, face ao descrito circunstancialismo, suficiente fundamentação para a decidida não substituição da pena de prisão.

IV - Na sentença verifica-se a inexistência de qualquer referência, na matéria de facto provada, às condições de vida do recorrente durante o período que mediou entre Março de 2002 e Janeiro de 2009 e sobretudo, a partir de Maio de 2011 até à sua detenção, em Fevereiro de 2018, ao desconhecimento das razões determinantes da suposta revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada no processo comum colectivo nº 8/10.8GEACB.

V - A ausência de qualquer referência nos factos provados a matéria susceptível de qualificar os traços de personalidade do recorrente tem relevo para a questão de que cuidamos e a eliminação desta deficiência passa pela necessidade de investigar matéria de facto ignorada o que significa que a sentença recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP.

Decisão Texto Integral:




Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

            No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos arts. 69º, nº 1, a) e 291º, nº 1, b), ambos do C. Penal, e de uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 11º, nº 2 do C. da Estrada.

            Por sentença de 29 de Junho de 2018, foi declarado extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional e foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de seis meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de doze meses.


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            Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

               I – A douta Sentença omite o modo de vida do arguido, limitando-se a referir que se encontra detido a cumprir pena no EPR de (...) , pelo que não pode afirmar que a pena de prisão suspensa não se mostra adequada.

II – Assim como não podia concluir que o arguido não era merecedor de um juízo de prognose favorável de adequação dos seus comportamentos à vida em sociedade e à lei.

III – Dada a ausência de fatos que indicam que o arguido tem como modo de vida a criminalidade e que o mesmo não se encontra socialmente inserido, impunha-se que o Douto Tribunal a quo aplicasse uma pena suspensa na sua execução, mediante o acompanhamento pelas entidades competentes.

IV – O acompanhamento do arguido pelas entidades competentes, nomeadamente a DGRS, permitiria estabelecer um acompanhamento orientado para as necessidades de reinserção social, designadamente para a qualificação escolar, para a inserção formativa/profissional, integrando ações de formação profissional ou obtendo uma colocação laboral, e para a reavaliação noutras áreas do comportamento do arguido. Tal atuação permitiria avaliar a ressocialização do arguido.

V – Importava ao Tribunal apurar as condições pessoais do arguido, pois não se deveria conformar com o facto de que por estar a cumprir uma pena de prisão por factos praticados há mais de 8 anos, fosse impeditivo da suspensão da pena.

VI – Todos estes factos, aliados à idade do arguido, tanto à data da prática dos mesmos como da douta sentença, impunham a suspensão da execução da pena de prisão, que seria fulcral para a sua ressocialização, caso a mesma não existisse.

VII – Entende o arguido que, o Tribunal a quo poderia ter optado por fazer um juízo de prognose favorável, de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastariam para o afastar da criminalidade e para satisfazer de forma adequada e suficiente as necessidades de reprovação e prevenção do crime pelo qual foi condenado.

VIII – Assim, o Douto tribunal a quo ao não decidir suspender a pena de prisão em que o arguido foi condenado, violou o disposto nos artigos 50º e seguintes do Código Penal.

IX – O arguido, antes de ser detido para o cumprimento da pena de prisão por factos cometidos em 2010, encontrava-se inserido no meio social em que estava a viver em França, lugar onde trabalhava e onde criou a dinâmica da sua vida diária, com ausência total da prática de ilícitos.

Nestes termos e sem prescindir do douto Suprimento de V. Exas., deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, deverá a pena aplicada ao Arguido ser suspensa na sua execução, por igual período de tempo, ainda que sujeita a regime de prova.

Vossas Excelências, porém, farão como for de Justiça!


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            1 – A sentença recorrida não omite o modo de vida do arguido, que efetivamente se encontra detido a cumprir pena no EPR de (...) .

2 – O tribunal deve atender às condições do arguido no momento da prolação da decisão e foi assim que procedeu.

3 – A favor da suspensão da execução da pena de prisão encontra-se somente preenchido o pressuposto formal.

4 – O tribunal a quo não violou o disposto no artigo 50.º e seguintes do Código Penal.

5 – Face à conduta que o arguido tem adotado não é possível um juízo de prognose favorável.

Pelo que Deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se na íntegra a douta sentença recorrida.


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            Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a argumentação da resposta do Ministério Público, reafirmando a impossibilidade de formulação de uma prognose favorável, e concluiu pelo não provimento do recurso.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.


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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se a pena de prisão deve ou não ser substituída pela pena de suspensão da respectiva execução.


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            Para a resolução desta questão, importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

               1. No dia 16 de Outubro de 2010, sábado, pelas 00h30m, o arguido … encontrava-se ao volante do veículo ligeiro de passageiros Honda CRX, com a matricula … parado junto à Praça 5 de Outubro, em (...) .

2. A referida Praça é limitada a Sul pela Rua da Feira e a Norte pela Rua Sebastião de Lima, ambas com circulação rodoviária de sentido único de Oeste para Este. As extremidades da praça estão limitadas por edifícios de hotelaria e comerciais a Oeste e Este, com esplanadas no tabuleiro da praça, e por cones metálicos e de betão nas extremidades Norte e Sul.

3. No dia e hora indicados supra, na mencionada Praça estavam cerca de 200 pessoas, sentadas nas esplanadas e circulando junto aos estabelecimentos comerciais aí situados.

4. Foi nessa altura que, apercebendo-se da presença de elementos policiais, trajando à civil, o arguido … ao volante da viatura indicada encetou a fuga, entrando com o veículo para o tabuleiro da praça, ignorando o sinal de Trânsito Proibido e, com fortes acelerações iniciou a marcha entre os estabelecimentos comerciais e as respectivas esplanadas, conduzindo entre os peões que circulavam entre o Café (...) e o bar (...) .

5. Ao longo de todo o trajeto, os peões desviavam-se da trajetória do veículo, correndo em sentido aleatório e desgovernadamente e só não foram atingidos por mera casualidade.

6. Mesmo assim, o arguido manteve-se sempre em marcha acelerada, atravessando toda a Praça em direção à Rua Sebastião de Lima, onde deixou de ser avistado.

7. O arguido … sabia que devia respeitar o sinal de trânsito proibido e que não podia circular em via reservada a peões. No entanto agiu consciente e livremente e com a intenção de, conduzindo da forma descrita evitar ser abordado pelos elementos policiais, querendo desrespeitar as regras de trânsito relativas ao condicionamento e proibição de circulação de veículos rodoviários.

8. Sabia que a sua conduta era suscetível de criar, como criou, perigo para a integridade física das pessoas que circulavam naquela via e que estavam nas esplanadas dos estabelecimentos.

9. O arguido … sabia, ainda, que essa conduta era violadora de normas do Código da Estrada, disciplinadoras do trânsito e que, agindo da forma descrita, incorria em responsabilidade criminal e contraordenacional.

10. O arguido tem averbada ao seu Certificado de Registo Criminal a prática das seguintes infrações: um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 16.03.2002, pelo qual foi julgado no âmbito do processo n.º 237/02.8 PBCLD, que correu termos pelo extinto 3.º juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha; um crime de furto qualificado, praticado em 12.02.2009, pelo qual foi julgado no âmbito do processo n.º 63/09.3 GAACB, que correu termos pelo extinto 1.º juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça; um crime de detenção de arma proibida, praticado em 31.01.2009, pelo qual foi julgado no âmbito do processo n.º 4/09.8 PACLD, que correu termos pelo juízo criminal local de Caldas da Rainha; um crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 18.03.2010, pelo qual foi julgado no âmbito do processo n.º 19/10.3 PTCLD, que correu termos pelo extinto 3.º juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha; um crime de furto qualificado, praticado em 8.01.2010, pelo qual foi julgado no âmbito do processo n.º 8/10.8 GEACB, que correu termos pelo extinto 3.º juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça e um crime de coação agravada, praticado em 24.05.2011, pelo qual foi julgado no âmbito do processo n.º 154/11.0 GACTX, que correu termos pelo juízo de competência genérica do Cartaxo.

11. O arguido encontra-se detido, em cumprimento da pena de prisão de 3 anos, no EPR de (...) , estando detido há 5 meses.

12. Tem o 4.º ano de escolaridade.

13. Não desenvolve qualquer atividade no EP, estando a aguardar a sua inserção em formação na área de pintura.

(…)”.

B) Inexistem factos não provados e da sentença consta a seguinte fundamentação quanto à escolha, medida e substituição da pena principal:

            “ (…).

               O crime de condução perigosa é punível, em abstrato, com pena de prisão até 3 anos ou multa (art.º 291.º, n.º 1, do Código Penal).

Segundo o critério de escolha da pena estabelecido no art. 70.º, quando ao crime sejam aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, deve ser dada preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No caso sub judice, entendemos que, na ponderação da escolha do tipo de pena a aplicar ao arguido, terá de ser analisada, globalmente, a conduta que o mesmo assumiu nos autos, sem esquecer os antecedentes criminais que se encontram vertidos no seu Certificado de Registo Criminal.

Na realidade, se o legislador manda que, sempre que tal seja possível para a conformação do agente com as regras do Direito e da sociedade, opte o julgador pela aplicação de pena de multa, no caso concreto, esta ponderação impõe-se, porquanto o crime em apreciação nos autos admite a aplicação de pena privativa ou não privativa da liberdade.

Analisado o Certificado de Registo Criminal do arguido constata-se que o mesmo conta já com o averbamento pela prática de vários crimes, entre os quais crimes estradais pelo que se tem de ter em consideração aqui a ocorrência de uma situação de reincidência.

Por outro lado, há que ter em conta a elevadíssima gravidade e censurabilidade dos factos, sendo que apenas não decorreu deste comportamento altamente temerário do arguido efetiva violação da vida ou integridade física dos ocupantes pedonais do local por circunstâncias a que o mesmo é totalmente alheio.

Os factos em apreciação são graves e a sua perigosidade assume níveis elevados, atentos os factos provados, o comportamento assumido pelo arguido aquando dos mesmos e a incapacidade de autocensura manifestada em julgamento pela negação dos mesmos na sua essência. Assim, entende o tribunal que a censura do facto apenas se pode satisfazer com a aplicação de pena de prisão.


*

Atendendo ao critério definido no art. 71.º (“ex vi” art. 47.º, n.º 1, do Código Penal), a determinação da medida da pena faz-se em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.

Assim, a culpa do agente é elevada, tendo em conta, não só a sua gravidade e censurabilidade mas, igualmente, o indubitável dolo direto com que praticou os seus atos.

As exigências de prevenção geral são elevadas atenta a elevada sinistralidade rodoviária que temos no nosso país.

As exigências de prevenção especial são também expressivas, atentos os antecedentes criminais já averbados ao Certificado de Registo Criminal do arguido.

Assim, tendo em consideração todos os factos, entende-se ser justa e adequada dentro da moldura abstrata da pena aplicável ao ilícito em causa e atentas as particularidades dos factos em apreciação e a gravidade objetiva dos mesmos, fixar a pena em 6 (seis) meses de prisão.

No que respeita à eventualidade da sua substituição por pena não privativa da liberdade, há que ter em conta que o arguido se encontra presentemente detido em cumprimento de uma pena de 3 anos de prisão, dos quais apenas cumpriu 5 meses. Assim, não é adequada, atenta a ausência de rendimentos do arguido, substituir esta pena curta de prisão por multa. Do mesmo modo, a mesma não pode ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, atenta a impossibilidade de concretização do mesmo em meio de reclusão.

Resta, por isso, avaliar da possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.

Tal suspensão está, porém, condicionada à avaliação de um juízo de prognose favorável quanto à integração na sociedade, de acordo com as normas jurídicas. E, no caso dos presentes autos, tal juízo de prognose é inexistente: na verdade, não só o arguido conta com vários ilícitos criminais cometidos e averbados ao seu Certificado de Registo Criminal, alguns dos quais com gravidade, como não revelou que a passagem do tempo, o aumento da idade cronológica e a alteração da fase da sua vida serviram para refletir nos seus comportamentos e ter capacidade para assumir os factos cometidos. Assim, entende-se que, atenta a gravidade objetiva dos factos em apreciação, por um lado e a incapacidade de conformação do arguido com as regras do Direito e assunção dos factos em causa, a punição dos mesmos apenas se satisfaz com a aplicação de uma pena efetiva de prisão.

 (…)”.


*

            Da substituição da pena de prisão pela pena de suspensão da respectiva execução

            1. Alega o recorrente – conclusões I a III e V a IX – que a sentença recorrida omitiu o seu modo de vida, não apurando as suas condições pessoais, sendo certo que, antes de detido pela prática de factos de 2010, se encontrava inserido no meio social, em França, onde trabalhava e alheio à prática de factos ilícitos, circunstâncias que, conjugadas com a sua idade, à data dos factos e à data da sentença, eram susceptíveis de fundar uma prognose favorável pelo que, ao não ser decretada a suspensão da execução da pena de prisão, o tribunal a quo violou o art. 50º do C. Penal. 

            Vejamos.

Como é sabido, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1 do C. Penal). Porém, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do mesmo artigo). Concordantemente, estabelece o art. 71º, nº 1 do mesmo código que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Prevenção e culpa são, assim, os factores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime e à sua dignidade enquanto pessoa, o limite inultrapassável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.).

A pena tem como fim principal a protecção de bens jurídicos e, sempre que possível, a ressocialização do agente, constituindo a defesa da ordem jurídica e da paz social – conteúdo mínimo da prevenção geral positiva – o limite às exigências de prevenção especial de socialização, e constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.

Podemos pois dizer que toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).

Estas considerações são aplicáveis à escolha das penas de substituição – nas quais se integra a suspensão da execução da pena de prisão – pois que, como resulta das disposições conjugadas dos arts. 45º, nº 1, 50º, nº 1, 46º, nº 1 e 58º, nº 1, todos do C. Penal, o critério geral que através delas se identifica é o de que o tribunal deve dar preferência à pena não privativa da liberdade desde que, verificados os respectivos pressupostos formais de aplicação, ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ou seja, desde que assegure a realização das exigências de prevenção em cada caso, requeridas.   

Pois bem.

A pena de prisão não superior a cinco anos, deve ser suspensa na respectiva execução se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção (art. 50º, nº 1 do C. Penal).

Pressuposto formal da suspensão da execução da pena de prisão – pena de substituição em sentido próprio – é que a medida da pena de prisão a substituir não seja superior a cinco anos.

Pressuposto material desta pena de substituição é a possibilidade de formulação pelo tribunal de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, considerando a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (art. 50º, nºs 1 e 2, do C. Penal).

O objectivo de política criminal visado por esta pena de substituição é “(…) o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (…). Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 343).

Dito isto.

2. A 1ª instância aplicou ao recorrente uma pena de seis meses de prisão pelo que, está verificado o pressuposto formal desta pena de substituição.

Atentemos agora no pressuposto material.

No que respeita à conduta anterior e posterior ao crime, há que desde logo considerar as condenações que o recorrente já regista e que são as seguintes: 

ProcessoCrimeData SentençaTrânsitoPenaoutros
PCS 237/02.8PBCLDCondução sem habilitação18/03/200218/03/200511/04/200550 dias de multaExtinta
PS 63/09.3GAACBFurto qualificado12/02/200911/03/200931/03/20091 ano de prisão suspensaExtinta por prescrição
PCS 4/09.8PACLDDetenção arma proibida31/01/200925/01/201308/03/2018300 dias de multa   
PS 19/10.3PTCLDCond. veí. est. emb.18/03/201025/03/201003/05/201050 dias de multa e pen. ac.Extinta
PCC 8/10.8GEACBFurto qualificado08/01/201017/11/201017/12/20103 anos prisão suspensa Revogada e em execução
PCS 154/11.0GACTXCoacção agravada24/05/201108/02/201609/03/20181 ano e 6 meses prisão suspensa

Assim, verificamos que tendo o primeiro contacto com o sistema judicial ocorrido por factos praticados em 18 de Março de 2002, sancionados com pena de multa, por sentença de 18 de Março de 2005, transitada a 11 de Abril do mesmo ano, pela prática de crime integrante da pequena criminalidade [condução de veículo sem habilitação legal], o recorrente só voltou a praticar novos factos típicos em Janeiro e Fevereiro de 2009, sancionados com pena de multa e com pena de prisão suspensa na respectiva execução, já extintas, e em Janeiro e Março de 2010, sancionados com pena de prisão suspensa na respectiva execução, actualmente em execução, e pena de multa e pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor. E tendo os factos objecto dos autos ocorrido a 16 de Outubro de 2010, verificamos que apenas a condenação proferida no processo comum singular nº 154/11.0GACTX tem por objecto factos cometidos posteriormente [24 de Maio de 2011]. 

Como se vê, entre a prática dos primeiros factos típicos [Março de 2002] e a data do início da prática do grande núcleo factos típicos praticados [Janeiro de 2009] mediaram cerca de sete anos, o que não deixa de ser significativo. Por outro lado, se entre Janeiro de 2009 e Maio de 2011 o recorrente acumulou a prática de cinco distintas condutas típicas, entre as quais a que integra o objecto dos autos, a partir de Maio de 2011, não existe qualquer registo da prática de novos factos típicos, sendo certo que a sentença recorrida foi proferida mais de sete anos depois.

Acresce que o recorrente nunca foi condenado em prisão efectiva nas sentenças transitadas pois que, cumprindo actualmente uma pena de três anos de prisão, cremos que ela se refere à pena aplicada no processo comum colectivo nº 8/10.8GEACB, cuja substituição da pena de três anos de prisão pela suspensão da respectiva execução terá sido revogada [a revogação não consta do CRC de fls. 313 a 317, emitido em 24 de Maio de 2018, mas a pena principal a que respeita mostra-se referida na Pesquisa de Recluso de fls. 288 e verso, com a identificação do processo e a data de 7 de Fevereiro de 2018 como sendo a do início do cumprimento da pena].

Pois bem.

A circunstância de o recorrente ter 26 anos de idade na data da prática dos factos e 33 na data da prolação da sentença recorrida [consta do Relatório da mesma ter nascido a 3 de Outubro de 1984] contrariamente ao que parece ser o seu entendimento, não tem relevo para a questão de que cuidamos.

Já não assim quanto à inexistência de qualquer referência, na matéria de facto provada, às condições de vida do recorrente durante o período que mediou entre Março de 2002 e Janeiro de 2009 e sobretudo, a partir de Maio de 2011 até à sua detenção, em Fevereiro de 2018, ao desconhecimento das razões determinantes da suposta revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada no processo comum colectivo nº 8/10.8GEACB, e à ausência de qualquer referência nos factos provados a matéria susceptível de qualificar os traços de personalidade do recorrente [já que o tribunal a quo se limitou à breve referência, na fundamentação da não substituição da pena de prisão da sentença recorrida, a que o recorrente não revelou que a passagem do tempo, o aumento da idade cronológica e a alteração da fase da sua vida serviram para reflectir nos seus comportamentos e ter capacidade para assumir os factos cometidos.].   

Com efeito, desvalorizando a primeira conduta que, porque ocorrida em Março de 2002, poderá ter ficado a dever-se à juventude do recorrente [tinha então 17 anos de idade], as circunstâncias da sua vida que acompanharam o período compreendido entre Janeiro de 2009 e até Fevereiro de 2018, muito particularmente, as presentes entre Maio de 2011 e Fevereiro de 2018, têm, seguramente, grande interesse para a densificação da juízo de prognose e, no entanto, são completamente desconhecidas tanto mais que não descortinámos nos autos qualquer relatório social, designadamente, o previsto no art. 370º do C. Processo Penal.

Também as razões determinantes da revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada no processo nº 8/10.8GEACB contribuiriam para a clarificação desta problemática, sendo certo que, conforme já referido, excepcionando as penas de multa aplicadas, o recorrente foi sempre sancionado com penas de prisão suspensas na respectiva execução, por factos temporalmente próximos dos que integram o objecto dos autos.

E todos estes elementos poderiam, per se e por isso, independentemente da averiguação de novos factos, contribuir decisivamente para a concretização dos traços de personalidade do recorrente.

Deste modo, consideramos que os argumentos da existência de antecedentes criminais e da falta de reflexão do recorrente sobre a conduta praticada [resultante, cremos, da não assunção integral da prática dos factos, nos termos descritos na motivação de facto da sentença em crise] não constituem, face ao descrito circunstancialismo, suficiente fundamentação para a decidida não substituição da pena de prisão. 

Por outro lado, e como decorre do que se deixou exposto, a eliminação desta deficiência passa pela necessidade de investigar matéria de facto ignorada o que significa que a sentença recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do nº 1 do art. 410º do C. Processo Penal vício que é de conhecimento oficioso (Acórdão nº 7/95, de 19 de Outubro, DR, I-A, de 28 de Dezembro de 1995).

O vício em análise, face aos elementos disponíveis, não é susceptível de sanação pelo tribunal ad quem o que, impossibilitando a decisão da causa, impõe que, nos termos do disposto no art. 426º, nº 1 do C. Processo Penal, seja determinado o reenvio do processo para novo julgamento, relativamente à questão concretamente identificada isto é, a averiguação das condições da vida do recorrente e dos traços da sua personalidade.    


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            A decisão de reenvio parcial prejudica o conhecimento da questão colocada no recurso.

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DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação, se bem que por distintas razões, em conceder parcial provimento ao recurso.

Em consequência, determinam o reenvio [parcial] do processo para novo julgamento, quanto à questão que, supra, se deixou concretamente identificada.



Recurso sem tributação, atenta a procedência parcial (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal).


Coimbra, 24 de Abril de 2019


Acórdão integralmente revisto por Vasques Osório – relator – e Helena Bolieiro – adjunta.