Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
574/08.8TBCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
DIREITOS
Data do Acordão: 06/30/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES. ARTº 62º, Nº 2, DA C.R.P.
Sumário: I – A aquisição por expropriação (por utilidade pública) é uma aquisição originária.

II – Por via dessa forma de aquisição expropriativa o beneficiário da expropriação adquire (na sua esfera jurídica) um direito (real) totalmente novo e independente do direito e da posição que sobre ele tinha o anterior proprietário.

III – Aquisição essa que ocorre simultaneamente ou concomitantemente com a extinção do direito real que o anterior proprietário tinha sobre o bem expropriado, num momento que coincide com a consumação da expropriação.

IV – Com tal forma de aquisição e em tal momento, extingue-se não só o direito real do anterior proprietário sobre o bem expropriado, como todos os outros direitos (de natureza real ou outra), ónus e encargos que eventualmente incidam sobre esse mesmo bem (e ainda qualquer outra limitação ao fim público que desencadeou o processo expropriativo).

V – Nesses direitos extintos incluem-se ainda as chamadas situações especiais de propriedade, vulgarmente designadas por propriedades especiais, tais como aquelas que têm a ver com a propriedade horizontal.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. O autor, A... , instaurou (em 22/4/2008) contra o réu, Município da B... , propor a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, pedindo que o réu seja condenado: (1) a reconhecer que, como condómino das fracções do prédio urbano, que identifica na petição inicial, não tinha o direito de destruir o muro de suporte e as fracções correspondentes às garagens, sem prévia autorização da assembleia de condóminos aprovada por maioria de 2/3; (2) a reconstruir o muro de suporte e as fracções destinadas a garagens e correspondentes às letras A, C, D, E, F, H e I do prédio, nas condições em que as mesmas se encontravam antes de serem demolidas; e (3) a pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 1.500,00 diários por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação anteriormente referida.

Para o efeito, alegou, em síntese, o seguinte:

Na cidade da B..., existe um prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, e que se encontra melhor id. nos artºs 1º a 4º a p.i., que é formado por dois módulos: um constituído por fracções destinadas à habitação (sendo o autor proprietário de uma delas, a fracção “Q”) e outro, situado na parte sul do prédio, constituído por nove garagens e um logradouro comum.
No decurso do ano de 2007, o réu adquiriu, por contrato de compra e venda, as fracções B e G e, pelo mecanismo de expropriação por utilidade pública, as fracções A, C, D, E, F, H e I desse prédio, estas, tais como aquelas duas primeiras, constituindo o tal bloco destinado a garagens, passando, assim, o réu, a ser também condómino do referido prédio.

Acontece que, no dia 28.02.2008, o réu, por intermédio da respectiva Câmara, decidiu entrar com máquinas e trabalhadores no logradouro do prédio afecto às aludidas fracções A, B, C, D, E, F, G, H e I e proceder à demolição das mesmas (garagens), demolindo a parede em alvenaria assente no muro de suporte (muro que, pelo lado sul, suportava o terreno onde está implantado o prédio constituído em propriedade horizontal), tendo decidido fazer um rampeamento que começa no ponto mais a sul do muro de suporte e que vai até cerca de 5 metros, contados para norte, do ponto onde estava colocada a parede norte das garagens.

Porém, a assembleia do condomínio não autorizou o condómino réu a realizar tais obras; sendo certo que, por configurarem uma alteração da linha arquitectónica e do arranjo estético do edifício, sempre tais obras teriam que ser previamente aprovadas por uma maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio. Sendo que foi nessa falta de autorização que o autor fundamentou os sobreditos pedidos que formulou contra o réu.

O autor requereu ainda a intervenção principal provocada dos restantes condóminos do prédio, a fim de actuarem ao seu lado na acção.

2. O réu contestou a acção, fazendo-o por excepção e por impugnação.

No que concerne àquele primeiro tipo de defesa, invocou a incompetência, em razão da matéria, do tribunal comum para julgar a acção, deferindo tal competência aos tribunais de jurisdição administrativa.

No que concerne àquele segundo tipo de defesa, muito embora tenha contrariado alguns dos factos alegados pelo A., a mesma assentou, essencialmente, na argumentação de a acção ser é manifestamente inviável, dado o réu/Município da B... não ser condómino do sobredito prédio, pois as fracções em causa foram adquiridas no âmbito de uma expropriação (inserida no conhecido Programa Polis, visando a requalificação urbana e ambiental da cidade da B...) que criou, em relação a si, um direito novo sem quaisquer ónus ou limitação, sendo certo ainda que, e independentemente de tal, as obras em causa não prejudicaram quer a segurança, quer a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, pelo que mas mesmas nunca careceriam da autorização da respectiva assembleia de condóminos.

Pelo que terminou pedindo a procedência da aludida excepção de incompetência material do tribunal, com a sua absolvição da instância, e, de qualquer modo, sempre a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

3. O autor respondeu a tal excepção de incompetência, pugnando pela improcedência da mesma.

4. Pelo despacho de fls. 59/60, e com o fundamento na falta de pagamento da correspondente taxa de justiça, julgou-se sem efeito o requerimento em que foi deduzido, pelo A., o incidente de intervenção principal em relação aos demais condóminos do prédio.

5.1 Mais tarde, no despacho saneador julgou-se improcedente a excepção de incompetência material do tribunal aduzida pelo R., rejeitando-se, ainda ali, a ampliação da causa de pedir e do pedido que se entendeu ter o A. deduzido no  requerimento que apresentou, a fls. 94/95, na sequência da junção aos autos, pelo R., da escritura pública de fls. 85/89, e da qual resulta que no lugar de comprador das sobreditas fracções “B” e “G” figura não o réu, mas sim a sociedade denominada “C... , Sociedade para o Desenvolvimento do Programa Polis Na B..., S.A..”

5.2 Após, considerou-se ali, com os fundamentos aduzidos, ser a acção, desde logo, manifestamente inviável, pelo que, decidindo-se de mérito, julgou-se, no final, a acção totalmente improcedente, absolvendo-se o réu do pedido.

6. Não se tendo conformado com tal decisão proferida sobre o mérito da causa, o autor dele interpôs recurso, o qual veio a ser recebido como apelação, com subida imediata e nos próprios autos.

7. Nas correspondentes alegações de recurso, o A./apelante concluiu as mesmas nos seguintes termos:

(...........................................................................................................)

8. Contra-alegou o réu, pugnando pela improcedência total do recurso e pela, consequente, manutenção do julgado.


***

II- Fundamentação


A) De facto.

Importa, desde já, considerar como assentes (por resultarem de prova documental junta aos autos não impugnada e por acordo das partes) os seguintes factos:
1. Na cidade da B... existe um prédio, sito na Rua X..., nº 37, constituído em regime de propriedade horizontal, estando esta devidamente registada pela apresentação 13, de 1980.05.12, averbada na ficha 88/19851129, que é a ficha pela qual o prédio está registado na Conservatória do Registo Predial da B..., estando ainda tal prédio inscrito sob o artigo 1035º da matriz predial da freguesia de Y....
2. Prédio esse que, após a sua construção e constituição em regime de propriedade horizontal, era então constituído:
- por um módulo formado por cave, rés-do-chão, 1º, 2º e 3º andares e ainda por sótão, a confrontar do lado norte com a via pública – a referida Rua X... -, e integrado pelas fracções, destinadas a habitação, J), K), L), M), N), O), P), Q), R), e S);
- e por um outro módulo, situado na parte sul do prédio, composto por nove garagens, correspondentes às fracções identificadas com as letras A), B) C), D), E), F), G), H) e I), e ainda por um logradouro comum a todas as fracções.
3. Por despacho de 04.10.2007, publicado depois no D.R., proferido por Sua Exa. o Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local, a pedido da Câmara Municipal da B... e com vista à implementação do Programa Polis da cidade da B... (construção do parque da Z... e construção do acesso ao silo-auto da W...), foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da parcela 22, composta das sete fracções autónomas, destinadas a garagens, do referido prédio e correspondentes àquelas identificadas em 2. designadas pelas letras A), C), D), E), F), H) e I).
4. Com base nessa declaração expropriativa, o réu, Município da B..., adquiriu as
referidas fracções A), C), D), E), F), H) e I).
5. Por escritura pública celebrada, em 04.08.2006, no Cartório Notarial do Fundão, E... e F... declararam vender, pelo preço global de € 7.924,00, à “C..., Sociedade para o Desenvolvimento do Programa Polis na B..., S.A.”, as fracções B) e G) acima identificadas em 2.

6. Mais tarde, o réu, através da CMC, procedeu, pelo menos, à demolição de todas aquelas referidas garagens e respectivas estruturas de suporte, e sem que para tal fosse obtida a autorização da assembleia de condóminos do aludido prédio.


***

B) De direito.

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o objecto dos recursos.

Ora, das conclusões das alegações do recurso interposto pelo autor, verifica-se que a questão aqui em apreciação traduz-se, no fundo, em saber se houve ou não erro de julgamento de direito do srº juiz a quo ao julgar, logo no despacho saneador, a acção improcedente e, em caso de resposta afirmativa, se, pelo contrário, a acção deveria logo ali ser julgada procedente.

Apreciemos, pois.

Como acima deixámos exarado, com a presente acção pretende o autor, arrogando-se proprietário de uma das fracções (a Q) do prédio acima identificado (constituído em regime de propriedade horizontal), obter a condenação do réu, na qualidade de condómino do mesmo prédio (por ser titular das fracções/garagens A, B, C, D, E, F, G, H e I daquele mesmo prédio), no sentido do mesmo reconhecer que, enquanto condómino, não tinha o direito de destruir o muro de suporte e as fracções correspondentes àquelas garagens, sem prévia autorização da assembleia de condóminos aprovada por maioria representativa de 2/3, devendo, por isso (e como 2º pedido), reconstruir as referidas fracções e o correspondente muro de suporte das mesmas, nas condições em que se encontravam antes dessa sua demolição, e ser ainda o réu (como 3º pedido) condenado a pagar uma sanção compulsória no valor de € 1.500,00 por cada dia que passe sem o mesmo cumprir essa obrigação de reconstrução das obras demolidas.

Estando aquele terceiro pedido dependente da procedência daqueles dois primeiros, naturalmente que a nossa análise terá que começar por incidir sobre estes últimos.

Resulta do exposto que o autor fez, essencialmente, assentar (em termos de causa de pedir) aqueles dois primeiros pedidos na alegação de que as obras de demolição das referidas fracções/garagens e o respectivo muro de suporte são ilegais por não terem obtido a prévia autorização da assembleia de condóminos (do dito prédio constituído em regime de propriedade horizontal), aprovada por uma maioria representativa de 2/3 (como é, nesses casos, exigido por lei, dado que tais obras alteraram, na tese do A., a linha arquitectónica e o arranjo estético do edifício).

Pedidos esses que assentavam (e assentam) igualmente no pressuposto alegado de que o réu, aquando das aludidas obras de demolição, era condómino do referido prédio (constituído em regime de propriedade horizontal), por ser proprietário das ditas garagens/fracções demolidas, sendo que as designadas com as letras A, C, D, E, F, H e I as adquiriu por via do mecanismo de expropriação por utilidade pública, e as restantes duas, designadas com as letras B e G, por via do direito privado, ou seja, por contrato de compra e venda.

Dada a forma como o autor estruturou a acção e o seu pedido, a mesma transporta-nos, desde logo, e antes de mais, para o domínio da propriedade horizontal, que entre nós se encontra regulada nos artºs 1414/1438-A do CC.

Nessa medida, importa-nos, por ora, salientar que entre nós a propriedade horizontal apresenta-se como uma figura jurídica autónoma integrada por um misto incindível de propriedade singular sobre uma parte determinada do prédio e de compropriedade sobre outras partes funcionalmente ligadas àquela. Ou seja, cada condómino tem a propriedade exclusiva sobre a sua fracção e ainda um direito de (com)propriedade sobre as partes comuns do prédio constituído em tal regime, sendo contitular desse último direito com os demais condóminos. Estatuto esse que lhe dá vasto leque de direitos e obrigações, espelhados ao longo dos normativos legais atrás citados.

E daí que se venha entendendo ser o direito de propriedade horizontal um direito real novo e complexo (vidé, entre outros e para maior desenvolvimento; Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal, 2ª ed., revista e actualizada, Almedina, págs. 13 e ss”; Rui Vieira Miller, in “Propriedade Horizontal no Código Civil, 3 ed., revista e actualizada, Almedina, págs. 52/64”; Moitinho de Almeida, in “Propriedade Horizontal, 2ª ed., Almedina, pág. 13” e Sandra Passinhas, in “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2ª ed., Almedina, págs. 18 e 159/161” - denotando embora alguns pontos de divergência com a doutrina tradicional).
Tendo o réu adquirido as fracções/garagens A, C, D, E, F, H e I (integrantes do aludido prédio constituído em regime de propriedade horizontal) através do mecanismo de expropriação por utilidade pública, a questão que se coloca, desde logo, traduz-se em saber se, por essa via, o mesmo assumiu a qualidade de condómino do referido prédio e se, concomitantemente, necessitava da prévia autorização da assembleia de condóminos para proceder às obras de demolição das aludidas fracções e correspondente muro de suporte?
É, pois, sobre tal questão que nos passaremos debruçar, com vista a dar resposta à mesma.
Tal transporta-nos, assim, para o instituto das expropriações (de cariz litigioso, tendo em conta o caso em apreço) por utilidade pública, vigente entre nós.
Como é sabido, o direito à propriedade privada, que constitui um dos princípios basilares do Estado de Direito, encontra-se consagrado na nossa Constituição da República, e mais propriamente no seu artº 62, nº 1, onde se plasma que a todos é garantido o direito à propriedade. Muito embora se encontre inserido no capítulo referente aos direitos e deveres económicos, constitui, todavia, hoje entendimento praticamente pacífico que se trata, contudo, de um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
Porém, logo a seguir, no nº 2 daquele citado artº 62 estatui-se que “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
Não se trata, contudo - tal como decorre, desde logo, do nº 2 daquele normativo -, de um direito absoluto, pois é garantido apenas nos termos da Constituição, o que significa que a lei pode modelar o seu conteúdo e limites (cfr. ainda, entre outros, artºs 165, nº 1, e 18, nº 1, da CRPort., 1305, 1344, 1480, nº 2, 1542, do CC e os normativos do próprio C. da Expropriações).
Quando as necessidades colectivas exigem a afectação de bens privados à realização de fins públicos, verifica-se um conflito entre o interesse colectivo e o interesse do proprietário em conservá-lo no seu património. Entre a formas que a Constituição consagra para solucionar tal conflito, destaca-se, todavia -, como vimos, no citado nº 2 do artº 62 – a expropriação por utilidade pública.
O instituto da expropriação visa, assim, solucionar um conflito entre o interesse público e o interesse privado, através da prevalência do primeiro sobre o segundo, estando, contudo, condicionado ao ressarcimento dos prejuízos causados ao expropriado.
Aliás, o artº 1º, do actual C. Expr., começa por estipular que os “os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa da utilidade pública…., mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização …”.
Muito embora não exista consenso na doutrina sobre a definição da noção conceptulizadora da expropriação por utilidade pública, existe, todavia, hoje um consenso claramente prevalecente quanto ao entendimento (do qual partilhámos) de que a expropriação por utilidade pública importa a extinção de todos os direitos (de natureza real, obrigacional ou pessoal) que existam sobre o bem objecto da expropriação e a constituição, simultânea ou concomitantemente, e por via de aquisição originária, de um novo direito real na esfera jurídica da entidade beneficiária dessa expropriação (a troco, claro está, do pagamento por esta de uma justa indemnização).
Ou seja, a entidade expropriante adquire, por via do instituto expropriação, originariamente um direito real (vg. de propriedade) ex novo, isto é, totalmente novo e em concomitância com altura em que se extingue o direito real do expropriado (e bem assim de outros direitos que porventura existam sobre o bem em causa a favor de outras pessoas), o que tudo coincide (simultaneamente) com o momento da consumação da expropriação.
Significa tal, por um lado, que os direitos reais sobre os bens expropriados (especialmente no que se refere aos imóveis, de que trata o actual Código das Expropriações) não são adquiridos dos anteriores proprietários, mas independentemente deles (independência em termos subjectivos) e, por outro, que existe uma independência da posição da entidade expropriante face à do anterior titular dos direitos reais sobre o bem (imóvel) expropriado (independência em termos objectivos).
Independência essa que, assim, justifica a extinção de todos os direitos, ónus e encargos que incidam sobre o bem expropriado. Expressões essas que, aliás, devem ser interpretadas em sentido lato ou extensivamente, por forma a abrangerem ónus reais, ónus sem natureza real, encargos e direitos sem natureza real. (Cfr., a propósito, Pedro Elias da Costa, in “Guias das Expropriações por Utilidade Pública, 2ª ed. Revista, Actualizada e Aumentada, Almedina, pág. 57”)
E nessa medida não se pode afirmar sequer que expropriação implique, de algum modo, a transferência de quaisquer direitos (reais ou outros), ónus ou encargos que existam sobre o bem, dada a sua extinção no momento da consumação da dita expropriação, em simultâneo com o nascimento do novo direito na esfera jurídica do beneficiário dessa expropriação. (No sentido que vimos defendendo, vidé, a propósito, entre outros, e para mais e melhor desenvolvimento, Osvaldo Gomes, in “Expropriações por Utilidade Pública, Texto Editora, págs. 7 a 21”; Pedro Elias da Costa, in “Ob. cit., págs. 22/25”; Oliveira Ascensão, in “Estudos sobre as Expropriações e Nacionalizações, págs. 49 e ss”; Menezes Cordeiro, in “Direitos Reais, vol II, págs. 794/795” e João Pedro de Melo Ferreira, in “Código das Expropriações anotado, 4ª ed., Coimbra Editora, 2007, pág. 74”).
Desalinhados de tal corrente de opinião, defendendo que nem todos os direitos anteriores existentes ou constituídos sobre o bem expropriado se extinguem com a expropriação (vg. o direito de propriedade), vidé Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado, vol. III, pág. 106”. Porém, contra a procedência desse entendimento basta atentar, ente outros argumentos, por ex., no disposto nos artºs 1536, nº 1 al. j), 1480, nº 2, e 1485, todos do CC, donde claramente resulta que a expropriação determina a extinção dos direitos reais sobre o prédio expropriado. Ainda insurgindo-se contra tal posição daqueles dois insignes professores, e sobretudo daqueles que defendem que todos o direitos reais se transmitem para o beneficiário da expropriação e só em consequência disso é que os bens ficam depois livres, Osvaldo Gomes (in “Ob. cit., pág. 21” e citando ali o prof. Oliveira Ascensão, in “Direito Civil – Reais, 5ª ed., pág. 403”) afirma que a admitir-se que a expropriação envolve a transmissão mesmo global de todos os direitos incidentes sobre o prédio, o beneficiário da expropriação poderia então ficar com uma posição diminuída por quaisquer limitações que porventura gravassem aqueles direitos – sujeito portanto a vê-la amanhã atingida por obrigações de terceiros, ou até extinta, por actuação de uma causa de invalidade ou de resolução.
Por último, importa referir, na análise que vimos fazendo, que tal como decorre do acima citado artº 1 do C. Exp., para além dos direitos imóveis podem ainda ser objecto de expropriação os direitos inerentes a esses imóveis, quer eles sejam de natureza real ou não. E nesses direitos incluem-se as chamadas situações especiais de propriedade, vulgarmente designadas também por propriedades especiais. E nessas situações de propriedade especial tem a doutrina incluído a propriedade horizontal. (Vidé Pedro Elias da Costa, in “Ob. cit., pág. 69”; Oliveira Ascensão, in “Direito Civil – Reais, 5ª ed., págs. 458 e ss” e Osvaldo Gomes, in “Ob. cit. págs. 58/59”). E tal propósito, adianta este último autor (“Ob. cit., pág. 60”) que não só os edifícios (constituídos em regime de propriedade horizontal) mas também as fracções que o integram podem ser objecto de expropriação.
Aqui chegados, avancemos então para a concreta resolução da (1ª) questão acima colocada.
O réu adquiriu pelo mecanismo da expropriação por utilidade pública as fracções/garagens identificadas pelas letras A, C, D, E, F, H e I, integrantes do sobredito prédio (constituído em regime de propriedade horizontal), embora formando um módulo autónomo em relação às demais fracções que também o integram e que estão destinadas à habitação.
Por via dessa expropriação, o direito (real) sobre tais fracções foi, assim, como resulta daquilo que acima deixámos expresso, adquirido pelo réu originariamente, ou seja, por via da aquisição originária, sem quasquer ónus, limitação ou encargo, tratando-se pois de um direito totalmente novo e independente do direito e da posição (jurídica) que os seus anteriores proprietários tinham sobre elas no momento em se consumou a referida expropriação, e cuja extinção de tais direitos, ónus, limitações ou encargos ocorreu também concomitantemente nesse mesmo momento.
Logo, ter-se-á de concluir que o réu nunca adquiriu a qualidade ou a posição (jurídica) de condómino do referido prédio em que se integravam as aludidas fracções e, consequentemente, o direito real (de propriedade) que adquiriu sobre tais fracções não estava sujeito ou limitado pelas obrigações decorrentes do estatuto do regime de propriedade horizontal a que inerentemente estavam vinculados os seus anteriores proprietários.
E sendo assim, ter-se-á também de concluir que as sobreditas obras de demolição levadas a efeito pelo réu não estavam sujeitas à prévia autorização e aprovação da assembleia de condóminos do referido edifício (da qual, como se viu, o mesmo não fazia parte nem então nem nunca).
A entender-se o contrário, tal como defende o autor/apelante, tal não só afrontaria todos os princípios que atrás deixámos expostos, como funcionaria, na prática, como um obstáculo ao fim que esteve por detrás do processo que desencadeou a expropriação, com carácter de urgência, por utilidade pública, das referidas fracções e que tinha a ver com a implementação do Programa Polis da cidade da B..., constituindo, in casu, a demolição das mesmas um meio naturalmente ínsito a atingir tal desiderato. Os interesses colectivos públicos ficavam, assim, claramente dependentes dos interesses privados. Ou seja, e por outras palavras, a acolher-se a tese do autor, o réu (beneficiário da expropriação) podia deter o direito e a posse sobre aqueles bens expropriados, mas não lhes poderia dar o destino (que passava pela sua demolição) que motivou e desencadeou a sua expropriação.
Com a sua expropriação, as fracções em causa deixaram, no caso, de estar ligadas ou integradas no sobredito prédio constituído em regime de propriedade horizontal. Será que ainda hoje o réu está também sujeito às demais obrigações de um qualquer outro condómino daquele prédio (vg. participando nas despesas do condomínio), e bem assim que usufrui dos direitos decorrentes do estatuto dessa propriedade horizontal (vg. a ponto de poder influir no destino desse condomínio)? É para nós evidente que (atendendo à situação concreta do caso) não, e pelas razões que supra deixámos expandidas, tendo tais bens passado, com a sua expropriação, a estar integrados no domínio público, deixando de ser objecto de direitos privados.
Logo, por tudo o exposto, e dada a forma como o mesmo estruturou a presente acção, somos levados à conclusão de que a pretensão do autor terá, no que concerne às referidas fracções A, C, D, E, F, H e I e tendo por base as mesmas, de improceder.
O autor fundava ainda a sua pretensão no facto de alegadamente o réu também ser condómino das fracções/garagens B e G, qualidade que lhe teria advindo por ter adquirido a propriedade sobre as mesmas na sequência de contrato privado de compra e venda celebrado com os seus anteriores proprietários.
Porém, como resulta da matéria factual acima dada como assente, não foi o réu que adquiriu as aludidas duas restantes fracções, mas sim a sociedade “C..., Sociedade para o Desenvolvimento do Programa Polis na B..., S.A.”, na sequência do contrato de compra e venda celebrado, em 04.08.2006, com os seus anteriores proprietários, e no qual aquela interveio na qualidade de compradora.
E sendo assim, falta também, desde logo, um dos pressupostos em que o autor assentava também a sua pretensão, já que não sendo proprietário das ditas duas fracções, e nem se vislumbrando qualquer outra ligação jurídica às mesmas, não poderá, também por essa via, ser considerado ou qualificado como condómino do sobredito prédio.
Diga-se ainda que o pedido de condenação do réu à reconstrução não englobava essas duas fracções/garagens, mas tão somente aquelas outras sete a que supra já nos referimos e o correspondente muro de suporte referido pelo A..
Logo, não podendo proceder os dois primeiros pedidos formulados pelo autor, é manifesto que tal afecta automática e irreversivelmente também o terceiro e último dos pedidos, cujo êxito estava intrinsecamente dependente da procedência daqueles, ou seja, a procedência deles constituía o primeiro grande pressuposto ou condição para a procedência daquele terceiro pedido.
É, pois, a nosso ver, patente, e (repete-se) dada a forma e os termos como o autor a estruturou, que a presente acção não pode procederá, estando, assim, condenada ao fracasso.
E nesses termos, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, pelo que, assim, se julga improcedente o presente recurso.

***
III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença da 1ª instância.
Custas pelo apelante.