Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
176/11.1TBNS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
VALOR BASE
PREÇO MÍNIMO
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 10/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 811.º, 816.º E 818.º DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
Sumário: I) As regras relativas à venda por negociação particular não exigem a fixação de um preço mínimo de venda.

II) Existindo acordo de todos os interessados é possível realizar a venda por negociação particular por preço inferior ao valor base sem intervenção do juiz.

III) Inexistindo esse acordo, essa venda só pode ser concretizada mediante autorização judicial.

IV) Não deve ser autorizada a venda por negociação particular, pelo preço de € 36.000,00, de um imóvel avaliado em € 69.080,00 e com um valor tributário de €128.476.18.

Decisão Texto Integral:





Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

No Juízo de Execução de Ansião correm termos estes autos de execução, na sua fase de venda por negociação particular.

O senhor juiz profere a seguinte decisão:

Por o valor proposto ser tão desfasado do valor base fixado determino que, antes de mais, o agente de execução junte aos autos o relatório de avaliação a que faz alusão em notificações anteriores à decisão da modalidade de venda, o qual não descortinamos que se mostre junte aos autos, bem como, a certidão de descrição matricial do imóvel tendo em vista indagar o valor da avaliação aí atribuído pela AT.

*

Ansião, 27.11.2020”

A A... , CRL, vem nos termos do art.º 723 nº 1 alínea d) do C.P.C expor e requerer:

“face à inércia do Exmº Sr. Agente de Execução ao não dar andamento ao anteriormente requerido, que se efective a adjudicação do bem penhorado à exequente nos termos propostos, uma vez que na venda por negociação particular, é inaplicável o disposto no artº 816 nº 2 do C.P.C.

É este o entendimento de abundante jurisprudência, e no caso o valor proposto corresponde ao valor real do imóvel, nas situações em que o mesmo se encontra. Vide entre outros: Ac. Trib. Rel. Guimarães de 07-01-2016 Proc. 1696/10.0TBBRG.G1 In www.dgsi.pt

Na venda de bens penhorados por negociação particular depois de se ter frustrado a venda mediante propostas fechadas não é aplicável a limitação do valor base de 85% referido no art.° 816.° n,° 2, devendo o juiz, aferir do valor base, da venda, tendo em conta, para além do mais, o valor real do bem com vista a viabilidade das negociações da venda, evitando o prolongamento da mesma, e o risco da desvalorização dos imóveis.

Requer assim, se homologue a adjudicação a exequente nos termos propostos ( artº 816 n2, 821 nº 3 e artº 721 alínea d) C.P.C) “.

A exequente requer que se efectue a adjudicação do bem penhorado, por conta da dívida exequenda e pelo montante de €36.000,00 (trinta e seis mil euros), requerendo a dispensa do depósito do preço.

O Juízo de Execução de Ansião despacha assim:

“Frustrando-se a venda por propostas em carta fechada por ausência de propostas, a venda por negociação particular não está sujeita ao limite previsto no art. 816.º, n. º 2 CPC.

Porém, carece de autorização do Tribunal a venda por negociação particular de bem penhorado em acção executiva, por valor inferior ao valor base do bem (cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-09-2014, Processo n.º 512/09.0TCSNTA. L1-8, acessível para consulta em www.dgsi.pt).

O valor proposto pela exequente à adjudicação é manifestamente inferior quer à avaliação de mercado, quer ao valor inscrito na matriz, pelo que, não obstante a não oposição dos requeridos, se entende não autorizar o requerido em face do que vai e supra-exposto.

Notifique.

Ansião, 15.02.2021”.

A exequente, A... , C.R.L, na sequência da notificação de tal decisão, que indeferiu o pedido de adjudicação do imóvel penhorado, vem interpor recurso, assim concluindo:

(…)

2. Do objecto do recurso

A presente apelação tem por objeto a decisão proferida pelo Juízo de Execução de Ansião, a qual indeferiu o pedido de adjudicação de imóvel à exequente.

Para assim decidir, escreve a 1.ª instância:

“Frustrando-se a venda por propostas em carta fechada por ausência de propostas, a venda por negociação particular não está sujeita ao limite previsto no art. 816.º, n. º 2 CPC.

Porém, carece de autorização do Tribunal a venda por negociação particular de bem penhorado em acção executiva, por valor inferior ao valor base do bem (cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-09-2014, Processo n.º 512/09.0TCSNTA. L1-8, acessível para consulta em www.dgsi.pt).

O valor proposto pela exequente à adjudicação é manifestamente inferior quer à avaliação de mercado, quer ao valor inscrito na matriz, pelo que, não obstante a não oposição dos requeridos, se entende não autorizar o requerido em face do que vai e supra-exposto.

(…)

“Contrariamente aos sustentado pelo exequente, a verdade é que a avaliação do imóvel datada de 01.02.2018 e nela consta que que imóvel se situa próximo da zona desportiva e próximo do centro da cidade, possui razoável acessibilidade e razoável exposição solar.

O valor oferecido é muito desfasado de tal avaliação, não sendo aduzidas concretas razões para ser operada tamanha desvalorização do imóvel no espaço de três anos.

Assim sendo, mantenho o despacho anterior nos seus exactos termos.

Notifique.

*

Ansião, 29.05.2021”.

Vejamos:

A presente execução foi instaurada em 10 de Maio de 2011, por isso há cerca de dez anos.

Em 18-09-2020 a exequente, face ao procedimento de negociação particular em curso, veio requerer a adjudicação do bem penhorado, por conta da dívida exequenda e pelo montante de 36.000,00 (trinta e seis mil euros).

O imóvel em causa está avaliado – com referência a 1 de Fevereiro de 2018 - em €69.080,00, mostrando-se junto a avaliação para efeitos fiscais com um valor patrimonial – 2019 – de €128.476.18.

Com base nestas informações a 1.ª instância decide não autorizar a adjudicação do imóvel à exequente.

Para fundamentar tal decisão, escreve:

“Frustrando-se a venda por propostas em carta fechada por ausência de propostas, a venda por negociação particular não está sujeita ao limite previsto no art. 816.º, n. º 2 CPC.

Porém, carece de autorização do Tribunal a venda por negociação particular de bem penhorado em acção executiva, por valor inferior ao valor base do bem (cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-09-2014, Processo n.º 512/09.0TCSNTA.L1-8, acessível para consulta em www.dgsi.pt).

O valor proposto pela exequente à adjudicação é manifestamente inferior quer à avaliação de mercado, quer ao valor inscrito na matriz, pelo que, não obstante a não oposição dos requeridos, se entende não autorizar o requerido em face do que vai e supra-exposto (…) Contrariamente aos sustentado pelo exequente, a verdade é que a avaliação do imóvel datada de 01.02.2018 e nela consta que que imóvel se situa próximo da zona desportiva e próximo do centro da cidade , possui razoável acessibilidade e razoável exposição solar .

O valor oferecido é muito desfasado de tal avaliação, não sendo aduzidas concretas razões para ser operada tamanha desvalorização do imóvel no espaço de três anos.

Assim sendo, mantenho o despacho anterior nos seus exactos termos.

Notifique.

*

Ansião, 29.05.2021”.

Avaliando:

As modalidades da venda estão previstas no art.º 811.º, do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem - que dispõe:  “1 - A venda pode revestir as seguintes modalidades: a) Venda mediante propostas em carta fechada; b) Venda em mercados regulamentados; c) Venda direta a pessoas ou entidades que tenham direito a adquirir os bens; d) Venda por negociação particular; e) Venda em estabelecimento de leilões; f) Venda em depósito público ou equiparado; g) Venda em leilão eletrónico”.

Por seu turno, o art.º 818, nº 3, dispõe que “O valor de base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores: a) Valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos; b) Valor de mercado”.

As regras relativas à negociação particular não exigem a fixação de preço mínimo, deve esta ser feita de acordo com as regras que regem a venda particular, devendo-se, sempre, ajustar o valor do bem à condição do mercado por forma a potenciar a maior receita possível.

Por isso, a existir acordo de todos os interessados é possível realizar a venda por preço inferior ao valor base sem intervenção do juiz. Mas, se esse acordo não for obtido então a venda por negociação particular só pode ser concretizada mediante autorização judicial – No acórdão desta Relação de Coimbra, de  16.12.2015, pode ler-se que: “a venda de um bem, na modalidade de negociação particular, pode ser autorizada por valor inferior ao indicado no artigo 816.º, n.º 2, do NCPC, desde que garantidos os interesses das pessoas/entidades indicadas no artigo 821.º, n.º 3 (…) a defesa dos interesses de todos os intervenientes e interessados acima referidos, mormente dos executados e demais credores, ao autorizar a venda por um preço inferior ao anunciado para a venda, terá de resultar, casuisticamente, da ponderação de diversos factores “tendo conta, designadamente, o período de tempo já decorrido com a realização da venda”.

Tal autorização haverá de ponderar todos os interesses em jogo, considerando, nomeadamente, a inexistência de outras propostas de aquisição do imóvel penhorado durante período razoável de tempo desde a sua colocação à venda.

Acresce a estes factores um outro, que é a pandemia que nos assola desde há cerca de um ano e meio, um facto notório e que “adormeceu” toda uma economia mundial e nacional, nomeadamente a sua actividade comercial e em especial o chamado comércio de loja, o que se reflecte, durante este período, na procura deste imobiliário.

Por outro lado, a exequente não impugnou a avaliação feita na 1.ª instância, pelo que, é intempestiva, nesta instância de recurso, a alegação quanto ao conteúdo desta avaliação, ou seja, como escreve a 1.ª instância, “contrariamente ao sustentado pelo exequente, a verdade é que a avaliação do imóvel datada de 01.02.2018 e nela consta que que imóvel se situa próximo da zona desportiva e próximo do centro da cidade, possui razoável acessibilidade e razoável exposição solar”.

Por isso, tal como decidiu o Juízo de Execução de Ansião, “o valor oferecido é muito desfasado de tal avaliação, não sendo aduzidas concretas razões para ser operada tamanha desvalorização do imóvel no espaço de três anos”.

Assim, avaliados os autos, não podemos deixar de concordar com o decidido. Salvo o devido respeito pela apelação, compreendendo a posição da exequente, nomeadamente o facto de o processo correr os seus termos desde Maio de 2011, entendemos que o valor está muito aquém das avaliações levadas aos autos e um pouco acima das ofertas feitas no leilão electrónico -  entre €34.540,00 e €35.942,46.

Por outro lado, ultrapassada que vai estando a crise epidémica, haverá que dar algum tempo ao restabelecimento do mercado imobiliário, sendo certo, que a pandemia acabou por perturbar os trâmites da melhor, “encurtando” o período de tempo já decorrido para a sua realização.   

Por isso, havendo oposição de uma das partes - O executado B... deduz oposição ao requerido por ser manifestamente inferior ao valor mínimo de venda recentemente fixado -, bem andou a 1.ª instância ao não aceitar tal valor.     

 
3.Decisão
Assim, na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Execução de Ansião – Juiz 1.

Custas a cargo da apelante.

Coimbra, 26 de Outubro de 2021

(José Avelino Gonçalves - relator)

(António Freitas Neto – 1.º adjunto)

(Paulo Brandão – 2.º adjunto)