Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3327/12.5TBLRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CREDOR
CITAÇÃO
DILAÇÃO
Data do Acordão: 12/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA - 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.9, 17, 17-C, 17-D, 37, 129 CIRE, 252-A Nº3 CPC, REGULAMENTO (CE) Nº 1346/2000 DO CONSELHO DE 29/5
Legislação Comunitária: REGULAMENTO (CE) Nº 1346/2000 DO CONSELHO DE 29/5
Sumário: 1.- Os credores conhecidos, relativamente aos quais devem ser observadas as formalidades tendentes à sua notificação pessoal ou citação, para que os mesmos possam reclamar os seus créditos no processo de revitalização ou de insolvência, são aqueles que vêm a ser indicados pelo devedor no próprio requerimento inicial que dá origem ao processo de revitalização ou de insolvência ou relação de credores que o acompanha obrigatoriamente, no caso de ser ele a requerê-la ou quando citado.

2.- A omissão da citação de um credor conhecido e residente no estrangeiro, nos termos do artº 37 nº 4 do CIRE, não fica suprida publicação de anúncios e afixação de editais, determinada no artº 9º nº 4 do CIRE.

3. - A citação dos credores conhecidos que tenham residência habitual, domicílio ou sede, em outros Estados-Membros da União Europeia, é feita por carta registada, em conformidade com os artº 40° e 42° do Regulamento (CE) n° 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio e nos termos do disposto no artº 37 nº 4 do CIRE.

4. O artº 9º nº 4 do CIRE, mesmo enquanto norma especial aplicável ao processo de insolvência, não pode sobrepor-se às convenções e tratados internacionais, sob pena de violação de normas gerais de Direito Internacional convencional e do principio da prevalência desse direito sobre as regras de Direito Interno ordinário.

5. O credor que não integra a lista de credores apresentada nos autos, não pode considerar-se credor conhecido, não sendo possível quanto a ele o cumprimento da citação, nos termos do artº 37º, nº 4 do CIRE.

6. A norma do art. 37 nº 7 do CIRE, ao estabelecer expressamente o prazo de dilação de 5 dias para a citação edital dos outros credores, é especial em relação ao regime do Código de Processo Civil, designadamente ao artº 252- A no que se refere à dilação.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

Corre termos processo de revitalização da U (…), Futebol, S.A.D.

O Recorrente O (…) reclamou nos autos da decisão do Sr. Administrador Judicial Provisório que não admitiu a reclamação de créditos por si apresentada, por extemporânea.

Foi proferida decisão a este respeito, não tendo sido admitida a reclamação de créditos apresentada pelo credor O (…).

Não se conformando com a mesma vem o credor (…) interpor recurso de apelação de tal decisão, apresentando as seguintes conclusões:

1. O Tribunal a quo considerou não se verificar qualquer vício na citação, nem ser aplicável qualquer dilação, fundamentalmente por considerar que o artigo 9º, n.º 4, do CIRE é norma especial.

2. Discorda o Recorrente (cidadão estrangeiro, residente em Malta) por ofensa ao Direito Internacional.

3. Aliás, está em causa a citação de um credor (ex-trabalhador) conhecido da requerente do processo de revitalização.

4. Determina, o artigo 37º, nº 4 do CIRE, que “os credores conhecidos que tenham residência habitual, domicílio ou sede, em outros Estados-Membros da União Europeia são citados por carta registada, em conformidade com os artigos 40.° e 42.° do Regulamento (CE) n.° 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio".

5. Tal exigência legal não foi cumprida pelo Tribunal, o que invalida a citação do mesmo, ainda que efectuada nos termos do artigo 17º-D do CIRE.

            6. Ainda que violadas as regras supra identificadas, o Recorrente socorreu-se, correctamente, do seguinte:

A. O anúncio/edital de nomeação do Senhor Administrador Judicial Provisório para o Processo Especial de Revitalização da União (…) Futebol, SAD foi publicado no dia 6 de Julho de 2012;

B. O Reclamante reside num Estado estrangeiro Membro da União Europeia (Malta), aplicando-se ao caso o Regulamento 1393/2007 do Parlamento Europeu13. Cfr. Doc. A junto aos autos;

C. Subsidiariamente, o processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil. Cfr. artigo 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;

D. O artigo 17º-D do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estipula que qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17º-C do aludido diploma legal, para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório;

E. Sucede que ao caso aplica-se uma dilação de 30 dias fixada no n.º 3 do artigo 252º-A do Código de Processo Civil, acrescida de uma dilação de 5 dias prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 252º-A do Código de Processo Civil;

F. In casu, e atentos os motivos expostos, o prazo para o ora Reclamante apresentar a sua Reclamação de Créditos é de 55 dias; ”

7. Muito mal andou (ao contrário do que considera o Tribunal a quo) o Ex.mo Senhor Administrador Judicial Provisório (…)) ao não cumprir o n.° 4 do artigo 129° do CIRE, que lhe impunha o dever de avisar pela mesma forma acima referida os credores "com residência habitual, domicílio ou sede, em outros Estados- Membros da União Europeia”.

8. Sendo o Recorrente um credor estrangeiro com domicílio habitual num Estado-Membro da União Europeia (Malta) ser-lhe-á directamente aplicável o formalismo previsto no citado Regulamento 1346/2000 de 29 de Maio e no Regulamento 1393/2007 do Parlamento Europeu.

9. Efectivamente, o legislador não deixou de acautelar os interesses dos estrangeiros, residentes fora de Portugal e dentro da União Europeia.

10. Existem regras gerais aplicáveis à citação, dispondo o artigo 247º nºs 1 e 2 do CPC (aplicável aos processos de insolvência por remissão do artigo 17.° do CIRE), que quando “o Réu resida no estrangeiro, observar-se-á o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais”.

11. Só na “falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais". Cfr. artigo 247° n.°s 1 e 2 do CPC.

12. Portugal aprovou e ratificou, a Convenção de Haia de 1965, relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial, com publicação no Diário do Governo, de 18 de Maio de 1971.

13. Malta16 aderiu à Convenção de Haia.

14. A citação teria, obrigatoriamente, de ser acompanhada de um pedido de acordo com a fórmula anexa à Convenção de Haia. Cfr. artigo 3°, 1.° parágrafo da Convenção de Haia.

15. O artigo 7° da Convenção de Haia prevê que "os termos impressos da fórmula anexa à presente convenção serão obrigatoriamente redigidos em francês ou inglês" e que os espaços em branco serão preenchidos na língua do Estado requerido, em francês ou em inglês.

16. Deste modo, a citação do Credor/Recorrente deveria ter observado o formalismo legal supra referido, o que não sucedeu.

17. Para a decisão recorrida, tal situação ficou sanada por força no disposto no artigo 9º, n.º 4 do CIRE.

18. Com efeito, dispõe o artigo 9.° n.° 4 do CIRE, que, com «a publicação, no local próprio, dos anúncios requeridos neste Código, acompanhada da afixação de editais, se exigida, respeitantes a quaisquer actos, consideram-se citados ou notificados todos os credores, incluindo aqueles para os quais a lei exija formas diversas de comunicação e que não devam já haver-se por citados ou notificados em momento anterior, sem prejuízo do disposto quanto aos créditos públicos».

19. Ou seja, mesmo quando a lei prescreve a citação/notificação pessoal a alguns interessados, a falta desta notificação fica sanada desde que esteja efectuada, na forma legal, a publicação exigida nos termos do citado preceito.

20. Segundo Carvalho Fernandes e João Labareda, com a publicação dos Anúncios em Diário da República (manterão o raciocínio, por maioria de razão, quanto à publicação de anúncios no Portal Citius, conforme sucede actualmente com os processos de revitalização como o dos autos) “a benefício da celeridade e segurança processuais, o Código optou por desconsiderar a falta de notificação pessoalquando for devidamente feita a publicação”.

21. Mas se tal entendimento pode ser defendido quando se trata de residentes em território nacional, já se afigura, no mínimo, discutível, que o mesmo possa suceder quando estamos perante residentes no estrangeiro, na medida em que, supostamente, os Anúncios em Diário da República ou no Portal Citius são de divulgação nacional (não estando sequer traduzidos em qualquer língua estrangeira).

22. Ademais, artigo 9° n.° 4 do CIRE é uma disposição de direito interno que não pode deixar de ser enquadrada no sistema normativo em que se insere, não podendo derrogar as normas constantes de Convenções de Direito

Internacional a que Portugal expressamente se vinculou.

23. Em suma, embora o artigo 9.° n.° 4 do CIRE seja uma norma especial, aplicável ao processo de insolvência, a mesma não pode sobrepor-se às convenções e tratados internacionais, como a Convenção de Haia, sob pena de violação de normas gerais de Direito Internacional convencional e o princípio da prevalência desse Direito sobre as regras de Direito Interno ordinário.

24. Como decorre do disposto no artigo 8° n.° 2 da CRP, o Estado Português optou pelo sistema de recepção automática do Direito Internacional Convencional no ordenamento jurídico português, sendo certo que a Convenção de Haia prevalece sobre o citado artigo 9.° n.° 4 do CIRE18.

25. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, “(O) único meio de fazer cessar a vigência dessas normas na ordem interna será a desvinculação externa"19, pelo que não tendo, o Estado Português, denunciado a Convenção de Haia, deve o formalismo aí prescrito para as citações/notificações ser observado.

26. Concede-se que este formalismo dificilmente se compadece com o carácter urgente do processo de insolvência e se possam suscitar dúvidas quanto à aplicabilidade da Convenção de Haia, para a citação no estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial - ao processo de insolvência.

27. Na verdade, para os países da União Europeia, distingue-se a citação e notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial, prevista no Regulamento nº 1348/2000, da citação efectuada no âmbito dos processos de insolvência a que alude o já referido Regulamento 1346/2000 e que tem regulamentação específica.

28. Porém, à falta de legislação específica internacional no que tange às citações e notificações de credores estrangeiros residentes fora do espaço da União Europeia, em processos de insolvência há que fazer uso da referida Convenção de Haia e que víncula Portugal e Malta.

29. Não pode aceitar-se que o legislador do CIRE pretendesse tratar de forma desigual os credores estrangeiros consoante tivessem sede, domicílio ou

residência habitual, dentro ou fora de Portugal.

            30. A celeridade processual não pode ser obtida a qualquer preço, sem a preocupação de assegurar o conhecimento dos actos judiciais praticados pelos tribunais portugueses aos cidadãos de outros países.

31. No caso, como se referiu, à falta de outro regime, serão de aplicar os mecanismos previstos na Convenção de Haia, para as citações e notificações.

32. Aliás, nos presentes autos, nem se trata de repetir a citação deste Credor visto que, em 28 de Agosto de 2012, o Credor/Recorrente reclamou os seus créditos, pretendendo que se tenha por tempestiva a referida reclamação de créditos, atento o disposto no Regulamento 1393/2007 do Parlamento Europeu e inerente assertividade da dilação que o Recorrente invocou na sua tempestiva Reclamação de Créditos.

33. Ou seja, importa reconhecer que, subsidiariamente, o processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil. Cfr. artigo 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

34. Pelo que o prazo de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17º-C do aludido diploma legal, para reclamar créditos, (devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório) não impede que ao caso se aplique uma dilacção de 30 dias fixada no n.º 3 do artigo 252º-A do Código de Processo Civil, acrescida20 de uma dilação de 5 dias prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 252º-A do Código de Processo Civil.

35. In casu, e atentos os motivos expostos, o prazo para o ora Reclamante apresentar a sua Reclamação de Créditos é de 55 dias.

36. Sendo que a Reclamação de Créditos apresentada é totalmente tempestiva.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas suas conclusões (artº 684 nº 3 e 685 A nº 1 a 3 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 660 nº 2 in fine.

- da inobservância do disposto no artº 37º, nº 4 do CIRE, que estabelece que os credores conhecidos que tenham residência habitual, domicílio ou sede, em outros Estados-Membros da União Europeia são citados por carta registada, em conformidade com os artº 40° e 42° do Regulamento (CE) n.° 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio".

- da aplicação da dilação de 30 dias fixada no n.º 3 do artigo 252º-A do Código de Processo Civil, acrescida de uma dilação de 5 dias prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 252º-A do Código de Processo Civil.

- do incumprimento por parte do Sr. Administrador ao não observar o artº 129 nº 4 do CIRE, que lhe impunha o dever de avisar, através do envio de carta registada, os credores com residência habitual em outro Estado Membro da União Europeia.

III. Fundamentação de Facto

Ao abrigo dos artº 713 nº 2 e 659 nº 3 do C.P.C. e com base nos documentos constantes dos autos e acordo das partes, resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão do recurso:

- Corre termos processo especial de revitalização relativamente à União (…) Futebol SAD.

- a publicação do anúncio do processo de revitalização foi efectuada em 06/07/2012, nos termos que constam do documento junto a estes autos a fls. 49.

- O Recorrente apresentou a sua reclamação de créditos em 28/08/2012.

- O Recorrente é um cidadão estrangeiro residente em Malta;

- Foi apresentada a relação de credores a que se refere a alínea a) do artº 24 do CIRE, nos termos que melhor constam do documento junto a fls. 50 a 52 e que se dá por inteiramente reproduzido.

IV. Razões de Direito

- da inobservância do disposto no artº 37º, nº 4 do CIRE, que estabelece que os credores conhecidos que tenham residência habitual, domicílio ou sede, em outros Estados-Membros da União Europeia são citados por carta registada, em conformidade com os artº 40° e 42° do Regulamento (CE) n.° 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio.

Dispõe o referido artº 37 nº 4, a propósito da notificação da sentença de declaração de insolvência e citação que: “os credores conhecidos que tenham residência habitual, domicílio ou sede, em outros Estados-Membros da União Europeia são citados por carta registada, em conformidade com os artº 40° e 42° do Regulamento (CE) n.° 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio.

 O nº 7 relativo à citação dos demais credores e outros interessados, estabelece que são citados por edital, com prazo de dilação de 5 dias, afixado na sede ou na residência do devedor, nos seus estabelecimentos e no próprio tribunal e por anúncio publicado no portal citius.

No que se refere ao processo especial de revitalização, o artº 17º- C do CIRE, no seu nº 4, remete para o regime estabelecido nos artº 37 e 38 a notificação do despacho que incide sobre o requerido na alínea a). O artº 17º-D por seu turno, prevê no seu nº 2, que qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal citius do despacho a que se refere a al. a) do nº 1 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório.

Deste regime decorre uma exigência legal diferente quanto às citações, consoante se trate de credores conhecidos, ou de demais credores ou interessados. Quanto aos credores conhecidos é imposta a sua notificação pessoal ou citação, para efeitos de reclamarem os seus créditos no processo de revitalização ou de insolvência (artº 37 nº 3, 4º e 5º); quanto os restantes credores a lei basta-se com a publicidade do processo efectuada através dos editais e da publicação do acto no portal citius (artº 37 nº 7 e artº 17-D nº 2). Bem se compreende esta diferenciação, que resulta da realidade dos factos: não sendo um credor conhecido, o administrador não tem forma de proceder à sua notificação pessoal ou citação.

Ora, o Recorrente qualifica-se como credor conhecido, para a partir daí concluir que não teve lugar a citação nos termos expostos no aludido artº 37 nº 4, falta que não pode ser suprida pela publicação dos anúncios conforme previsto no artº 9 nº4 por tal contrariar o regime das citações previstos nas Convenções Internacionais.

O artº 9 nº 4 do CIRE dispõe que: “Com a publicação, no local próprio, dos anúncios requeridos neste Código, acompanhada da afixação de editais, se exigida, respeitante a quaisquer actos, consideram-se citados ou notificados todos os credores, incluindo aqueles para os quais a lei exija formas diversas de comunicação e que não devam já haver-se por citados ou notificados em momento anterior, sem prejuízo do disposto quanto aos créditos públicos.”

Esta norma tem a virtualidade de considerar sanada, mediante as publicações legais, nomeadamente, a falta de notificação pessoal, ou de citação do credor, quando a mesma deva ter lugar.

Somos também de parecer, conforme já tem vindo a ser decidido, que o artº 9º nº 4 do CIRE, mesmo enquanto norma especial aplicável ao processo de insolvência, não pode sobrepôr-se ás convenções e tratados internacionais, sob pena de violação de normas gerais de Direito Internacional convencional e do principio da prevalência desse direito sobre as regras de Direito Interno ordinário- neste sentido, também já decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/02/2009, in. www.dgsi.pt

Não podemos assim concluir, conforme fez a decisão sob recurso, que a omissão da citação de um credor conhecido e residente no estrangeiro, nos termos do artº 37 nº 4 do CIRE fica suprida nos termos do artº 9º nº 4 do CIRE.

A questão que se põe é, no entanto, prévia e refere-se a saber se podemos dizer que foi efectivamente omitida a citação a que alude o artº 37 nº 4 do CIRE, conforme pretende o Recorrente.

Esta situação não foi verdadeiramente apreciada pelo tribunal “a quo”, que a evitou quando refere: “ainda que fosse de admitir a omissão de qualquer notificação, nomeadamente aquela a que se refere o artº 37 nº 4 do CIRE, ela estaria sanada por força do disposto no artº 9º nº 4 do CIRE.”

É que, a citação prevista em tal norma, é como se referiu, para os credores conhecidos e no caso em presença, não podemos dizer que o Recorrente é um credor conhecido e como tal que houve omissão na sua citação.

Isso remete-nos para a questão de saber quais são ou como se identificam os credores conhecidos, relativamente aos quais devem ser observadas as formalidades tendentes à sua notificação pessoal ou citação, para que os mesmos possam reclamar os seus créditos no processo de revitalização ou de insolvência.

E a resposta não pode deixar de ser a de que os credores conhecidos são aqueles que vêm a ser indicados pelo devedor no próprio requerimento inicial que dá origem ao processo de revitalização ou de insolvência ou relação de credores que o acompanha obrigatoriamente, no caso de ser ele a requerê-la ou quando citado, conforme estabelece o artº 24 nº 1 a) do CIRE.

Quer no processo de revitalização, quer no processo de insolvência, nos termos do disposto nos artº 17-C nº 2 b) e 24 nº 1 a) o devedor tem de juntar ao processo, entre outros documentos, a relação por ordem alfabética de todos os credores, com indicação dos respectivos domicílios, dos montantes dos seus créditos, datas de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem e da eventual existência de relações especiais, nos termos do artº 49. A junção deste documento é obrigatória.

Ora, o Recorrente não integra a lista de credores apresentada nos autos, não podendo por isso concluir-se que se trata de credor conhecido. Assim, não podemos dizer que houve qualquer norma relativa a citação do Recorrente que foi violada, designadamente o artº 37º, nº 4 do CIRE, já que a lei não impõe tal citação, por não se tratar de credor conhecido, podendo considerar-se uma impossibilidade objectiva, proceder-se à citação de uma pessoa não identificada, através de carta registada, não havendo por isso neste caso qualquer derrogação do Direito Internacional.

Não podendo falar-se de falta de citação, por não haver lugar à citação pessoal neste caso, é assim também impróprio o recurso ao artº 9 nº 4 do CIRE, como forma de considerar suprida uma falta que não existe.

- da aplicação da dilação de 30 dias fixada no n.º 3 do artigo 252º-A do Código de Processo Civil, acrescida de uma dilação de 5 dias prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 252º-A do Código de Processo Civil.

O Recorrente tem assim, como qualquer credor, o prazo previsto no nº 2 do artº 17 D do CIRE para reclamar o seu crédito.

Põe-se então a questão de saber se se aplica a dilação de 30 dias prevista no artº 252- A nº 3 do C.P.C. acrescida da dilação de 5 dias da alínea b) do nº 1 do artº 252- A, dilação esta que, no entender do Recorrente, acresce ao prazo de 20 dias, a contar da publicação da decisão no portal citius, para a reclamação dos créditos, estabelecido no artº 17- D nº 2 do CIRE.

Ora, o artº 37 nº 7 do CIRE, aplicável ao caso por remissão do artº 17- C nº 4 prevê expressamente o prazo de dilação de 5 dias para a citação edital dos outros credores.

Esta norma é consagrada como uma norma especial relativamente ao regime previsto no Código de Processo Civil, designadamente ao artº 252- A no que se refere à dilação.

Invoca o Recorrente a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, nos termos do artº 17 do CIRE que para ele expressamente remete, quando sob a epígrafe “aplicação subsidiária do Código de Processo Civil” dispõe que o processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código.

No caso em presença estamos exactamente, por um lado, perante uma situação expressamente regulada no CIRE, não havendo por isso a necessidade de recorrer a legislação subsidiária para suprir qualquer omissão e por outro lado, perante uma situação que, enquanto regime especial, contraria o regime geral previsto no Código de Processo Civil. Este recurso subsidiário ao Código de Processo Civil só se justificará e fará quando se esteja perante uma omissão do CIRE o que não é o caso.

O artº 37 nº 4 ao estabelecer uma dilação de 5 dias para a citação edital, em lugar dos 30 dias previstos no artº 252- A nº 3 quis expressamente afastar esta, em razão da natureza urgente do processo de insolvência e com a imposição de uma maior celeridade ao mesmo, impondo-se enquanto norma especial.

De considerar ainda que o recurso a esta norma especial não põe de qualquer forma em causa o previsto nas Convenções Internacionais. Antes pelo contrário.

O Regulamento CE nº 1346/2000 do Conselho de 29 de Maio é relativo aos processos de insolvência.

Desde logo o artº 4º deste regulamento, referindo-se à lei aplicável dispõe no seu nº 1 que salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado Membro em cujo território é aberto o processo; acrescenta o nº 2 que a lei do Estado de abertura do processo determina as condições de abertura, tramitação e encerramento do mesmo, nomeadamente, entre outras, as regras relativas à reclamação, verificação e aprovação de créditos (alínea h).

Por seu turno, o artº 39 do Regulamento vem conferir aos credores que tenham residência habitual num Estado Membro que não o Estado de abertura do processo, o direito a reclamar os seus créditos no processo de insolvência; o artº 40, com a epígrafe “obrigação de informação aos credores”, prevê no seu nº 1 a necessidade de comunicação do processo aos credores conhecidos que tenham residência habitual nos outros Estados Membro; o nº 2 faz referência ao conteúdo de tal comunicação; finalmente o artº 42 refere-se aos formalismos de tal comunicação, quer quanto à língua que deve ser utilizada, quer quanto à utilização do formulário previsto.

Este formalismo da citação, nos termos previstos quer no Regulamento mencionado, quer no Regulamento CE 1393/2007 do Parlamento Europeu e Conselho de 13/11/207 relativo à citação e notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados Membros, só seriam de aplicar se se impusesse a citação do Recorrente enquanto credor conhecido, o que não é o caso, conforme já se viu.

Sendo o reclamante residente no estrangeiro só é naturalmente de aplicar o que está previsto nos tratados e convenções internacionais, nos casos que caem na previsão do disposto em tais instrumentos.

Nada dispondo os mesmos em concreto sobre a citação dos credores desconhecidos ou sobre a publicitação do processo de revitalização ou de insiolvência, há que observar o estipulado na legislação do Estado membro onde é aberto o processo, de acordo aliás com o artº 4º do Regulamento CE 1346/2000 de 29 de Maio.

Não há assim qualquer ofensa do direito internacional, devendo aplicar-se o artº 37 nº 7 do CIRE, por remissão do artº 17- C nº 4, que prevê expressamente o prazo de dilação de 5 dias para a citação edital dos outros credores.

- do incumprimento por parte do Sr. Administrador ao não observar o artº 129 nº 4 do CIRE, que lhe impunha o dever de avisar, através do envio de carta registada, os credores com residência habitual em outro Estado Membro da União Europeia.

Alega ainda o Recorrente que mal andou o Sr. Administrador ao não cumprir o artº 129 nº 4 do CIRE que lhe impunha o dever de avisar, através do envio de carta registada os credores com residência habitual em outro Estado Membro da União Europeia.

Este artigo refere-se aos créditos reconhecidos e não reconhecidos, estabelecendo o nº 4 que: “Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos foram reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respectiva reclamação, devem disso ser avisados pelo administrador da insolvência, por carta registada, com observância, com as devidas adaptações, do disposto nos artº 40 a 42 do Regulamento CE nº 1346/2000 do Conselho de 29 de Maio, tratando-se de credores com residência habitual, domicílio ou sede em outros Estados membros da União Europeia e não tenham sido já citados nos termos do nº 3 do artº 37º.”

Para além do facto desta norma se referir especificamente ao processo de insolvência, não encontrando paralelo no regime do processo de revitalização no que se refere à questão do reconhecimento dos créditos pelo Administrador, que segue a tramitação do artº 17- D do CIRE a questão relativa ao invocado crédito do Recorrente não integra esta previsão deste artigo.

É que o alegado crédito do Recorrente não se trata sequer de um crédito não reconhecido pelo administrador, na medida em que previamente a tal tomada de posição, a reclamação apresentada não foi admitida. O Administrador não chegou por isso a tomar posição sobre o mesmo, no sentido de o considerar reconhecido ou não reconhecido. Não se trata pois de um crédito reclamado e não reconhecido, que é aquele a que faz alusão a mencionada norma, pelo que não há lugar à observância da posterior tramitação ali prevista.

Por tudo o que fica exposto, já se vê que o recurso interposto improcede, mantendo-se, ainda que por razões diversas, a decisão de não admitir a reclamação de créditos apresentada pelo Recorrente.

V. Sumário:

1. A citação dos credores conhecidos que tenham residência habitual, domicílio ou sede, em outros Estados-Membros da União Europeia, é feita por carta registada, em conformidade com os artº 40° e 42° do Regulamento (CE) n° 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio e nos termos do disposto no artº 37 nº 4 do CIRE.

2. O artº 9º nº 4 do CIRE, mesmo enquanto norma especial aplicável ao processo de insolvência, não pode sobrepôr-se ás convenções e tratados internacionais, sob pena de violação de normas gerais de Direito Internacional convencional e do principio da prevalência desse direito sobre as regras de Direito Interno ordinário.

3. O credor que não integra a lista de credores apresentada nos autos, não pode considerar-se credor conhecido, não sendo possível quanto a ele o cumprimento da citação nos termos do artº 37º, nº 4 do CIRE.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se o presente recurso interposto por O (…) improcedente, confirmando-se, ainda que por razões diversas, a decisão de não admitir a reclamação de créditos apresentada pelo Recorrente.

Custas pelo Recorrente.

Notifique.

                                                           *

                                              

           

                                               Maria Inês Moura (relatora)

                                               Luís Cravo (1ºadjunto)

                                               Maria José Guerra (2º adjunto)