Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
131/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. OLIVEIRA MENDES
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
PRAZOS
OPORTUNIDADE DA ADMISSÃO DO OFENDIDO COMO ASSISTENTE
Data do Acordão: 03/03/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ART. 68.º, 246.º, 284.º E 287.º DO CPP
Sumário:

I – A Intervenção do ofendido nos autos como assistente pode ocorrer em qualquer fase do procedimento com as limitações temporais previstas nos artigos 68.º n.º 2 e 3 do CPP;
II – No entanto, encontrando-se finda a fase de instrução e o processo suspenso nos termos do art. 281.º do CPP, não pode haver a intervenção do ofendido nos autos como assistente, só se justificando tal intervenção no caso de o processo prosseguir.
Decisão Texto Integral:

Recurso n.º 131/04

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.
No processo em fase de instrução n.º 95/01, do Tribunal Judicial da comarca de Mira, a arguida/ofendida A, devidamente identificada, requereu a sua constituição nos autos como assistente, pretensão que foi indeferida, com o fundamento de que foi intempestivamente requerida.
Interpôs recurso da decisão a arguida/ofendida, sendo do seguinte teor a parte conclusiva da respectiva motivação:
1. O arguido B, igualmente notificado que foi da douta acusação pública, nada requereu, isto é, não requereu abertura de instrução, pelo que, aceitou os termos da aludida acusação, a fim de ser submetido a julgamento nos termos constantes do citado libelo acusatório.
2. A ofendida, ora recorrente, em 10/10/01, fez entrar no Tribunal através de requerimento formulado pedido de indemnização cível contra o citado B.
3. Ora, durante o inquérito foram recolhidos indícios suficientes de B ter cometido o crime de ofensas corporais na pessoa da ora recorrente e, como tal, a Digna Procuradora Adjunta deduziu contra o mesmo a pertinente acusação pública (art. 283º, n.º1, do CPP), sendo certo que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança (art. 283º, n.º 2, do CPP).
4. A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a acusação a julgamento (art. 286º, n.º 1, do CPP). Foi o que a requerente pretendeu com o seu requerimento de abertura de instrução, requerendo que fosse despronunciada. Como referido foi a decisão no que a si concerne, foi do arquivamento do processo com dispensa de pena.
5. O dito B em sede de instrução nada tendo requerido, sobre o mesmo recaiu o despacho ora em recurso, que suspende provisoriamente o processo mediante o cumprimento de determinadas regras de conduta e injunção.
6. Ora, a Meritíssima Juiz ao decretar a suspensão provisória do processo quanto ao arguido B, além de ter retirado consequências não referidas pelo mesmo, fê-lo sem qualquer suporte factual, atentas as diligências instrutórias realizadas, e sem competência legal para o efeito, na nossa modesta opinião.
7. Estabelece o art. 281º, n.º 1, als. a), c), d) e e), do CPP que:
“se o crime for punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão, pode o Ministério Público decidir-se com a concordância do Juiz de Instrução pela suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, se se verificarem os seguintes pressupostos:
a) Concordância do arguido e do assistente;
b) Ausência de antecedentes criminais do arguido;
c) Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
d) Carácter diminuto da culpa; e
e) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso de façam sentir.
8. Desde logo, no douto despacho recorrido houve subversão e violação dessa mesma competência legal para que decretada fosse a suspensão provisória do processo. Efectivamente, a lei atribui tal competência ao Ministério Público para tomar tal decisão, obtida a concordância do Juiz de Instrução. Dos autos resulta que tal decisão foi proferida pela Meritíssima Juiz de Instrução que obteve a concordância do Ministério Público, o que é, salvo o devido respeito e que é muito, processualmente incorrecto e legalmente inadmissível, a nosso ver, tendo o despacho recorrido violado a citada norma do n.º 1, do art. 281º, do CPP.
9. Acresce que a relatada conduta do B, a que alude o processo de inquérito, douta acusação pública, bem como as lesões e danos provocados na recorrente em consequência da agressão sofrida, o grau de ilicitude é levado, bem como a sua censurabilidade, pelo que, a culpa do agente jamais poderá ter carácter diminuto, tendo assim o despacho recorrido aplicado erradamente a norma relativa à suspensão provisória do processo, quando o não deveria fazer, já que não se pode considerar verificado o pressuposto da al. d), do n.º 1, do art. 281º, do CPP.
10. Acresce ainda, que em caso algum se poderá concordar com a injunção preconizada no despacho que é altamente ofensiva e gravosa para a recorrente; tendo em conta a extensão dos danos por ela sofridos com a agressão perpetrada pelo B, sendo até sua intenção fazer ampliação do pedido cível, por factos danosos supervenientes resultantes da agressão sofrida.
11. A requerida constituição de assistente da recorrente deverá considerar-se legal e processualmente admissível, uma vez que a ofendida é titular manifesta de um interesse que a lei quis especialmente proteger com a incriminação (art. 68º, n.º1, al.a), do CPP).
12. Ademais estamos perante um despacho de suspensão provisória do processo manifestamente ilegal, por ter havido subversão da competência legal para a sua decretação, em flagrante violação do disposto no art.281º, n.º1, do CPP, e não se verificarem, sem prescindir, os pressupostos para a aludida suspensão, muito concretamente não se poderá aceitar o carácter diminuto da culpa do arguido.
Daí que, não se possa dizer, como se diz no douto despacho recorrido que a decisão de suspensão provisória do processo foi tomada em conformidade com o disposto no n.º1 do art. 281º do CPP e, como tal, não é susceptível de impugnação (art. 281º, n.º 5, do mesmo diploma legal).
13. Deverá o requerimento para constituição como assistente ser admitido e o recurso ser igualmente admissível quanto à decisão instrutória.
O recurso foi admitido.
Responderam Ministério Público e arguido pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
São do seguinte teor as conclusões extraídas pela Digna Magistrada do Ministério Público da contra-motivação apresentada:
1. As conclusões do recurso enunciadas pela recorrente não invocam a violação pelo despacho recorrido de qualquer norma jurídica, nem apontam uma única razão de discordância relativamente àquele, não sendo ali expostos os fundamentos da sua pretensão, nem equacionada de todo a questão objecto do recurso, pelo que não foi dado cumprimento ao estipulado no art.412º, n.º 2, do CPP, razão pela qual deve aquele ser rejeitado, nos termos do preceituado naquele artigo e, ainda, nos arts.417º, n.º 3, al.c), 419º, n.º 4, al.a) e 420º, n.º1, todos do CPP;
2. Por outro lado, tendo a constituição como assistente da denunciante sido requerida no decurso do período de suspensão provisória do processo, não se nos afigura legítima ou mesmo legalmente possível tal pretensão, dada a natureza daquela suspensão, a qual implica a suspensão da própria marcha processual, isto é, tem como consequência que durante o período de suspensão não se possam praticar quaisquer actos que não sejam inerentes à tramitação processual desse instituto;
3. Para além disso, a denunciante também não respeitou o prazo para a sua constituição como assistente estabelecido no art.68º, n.º 3, do CPP, na medida em que só requereu aquela constituição após a realização do debate instrutório e, neste momento do processo, não pode beneficiar do prazo de antecedência em relação à audiência de discussão e julgamento pois não estamos nessa fase processual e a mesma poderá nem sequer existir, razões pelas quais o seu requerimento para aquele fim é intempestivo;
Nestes termos, o recurso interposto pela denunciante A não merece provimento, devendo a decisão recorrida ser mantida.
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual, chamando a atenção para a circunstância de o recurso se encontrar circunscrito à questão da não admissão como assistente da recorrente, opinou no sentido de que esta deve ser admitida a intervir no processo naquela qualidade, posto que a lei assim o estabelece no n.º 3, do art.68º, do Código de Processo Penal, ao declarar que os assistentes podem intervir no processo em qualquer altura, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.
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Antes de procedermos à delimitação do objecto do recurso e de entrarmos no seu conhecimento, importará consignar que o pedido formulado pela ora recorrente para a sua admissão nos autos como assistente foi apresentado na sequência de decisão instrutória que ordenou o arquivamento dos autos relativamente à arguida/ofendida A (ora recorrente) nos termos do art.280º, n.º 2, do Código de Processo Penal ( - Serão deste diploma legal todos os demais preceitos a citar sem menção de referência.), sob condição de esta e do Ministério Público com o mesmo concordarem, e que determinou a suspensão provisória do processo relativamente ao arguido/ofendido B nos termos dos arts.307º, n.º 2 e 281º, n.º1, al.e), sob condição de este e do Ministério Público com a mesma concordarem.
Mais importará referir que a recorrente ao requerer a sua admissão nos autos como assistente fê-lo tendo em vista a impugnação, por via de recurso, da decisão instrutória na parte em que determinou a suspensão do processo relativamente ao arguido/ofendido B, recurso que aliás interpôs naquele mesmo requerimento e que não foi admitido ( - Da decisão de não admissão do recurso foi apresentada reclamação que o Exm.º Presidente desta Relação indeferiu com o fundamento de que o ofendido não assistente carece de legitimidade para recorrer.).
Delimitando agora o objecto do recurso, dir-se-á que os poderes de cognição desta Relação estão limitados à questão de saber se a recorrente deve ou não ser admitida a intervir nos autos como assistente, consabido que relativamente à decisão de suspensão do processo relativamente ao arguido/ofendido B, questão que a recorrente incluiu nas conclusões que extraiu da motivação que apresentou, está esta Relação impedida de a conhecer, pois que, como já se consignou, o recurso que dela foi interposto não foi admitido e da decisão de não admissão houve reclamação para o Exm.º Presidente desta Relação, a qual foi indeferida ( - De acordo com o disposto no art.405º, n.º 4, sob a epígrafe de Reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso: “A decisão do presidente do tribunal superior é definitiva quando confirmar o despacho de indeferimento. No caso contrário, não vincula o tribunal de recurso” – bold nosso.).
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Decidindo, dir-se-á.
A lei adjectiva penal admite a intervenção no processo como assistente a quem para tanto disponha de legitimidade, em qualquer altura do processo (art.68º, n.º 3), no entanto, de forma algo contraditória, estabelece limitações temporais à respectiva admissão e constituição, mediante a fixação de prazo para a formulação do pedido de intervenção pelo interessado ( - A contradição está, obviamente, no facto de a lei declarar admitir a intervenção como assistente em qualquer altura do processo e, em simultâneo, estabelecer limitações temporais, isto é, prazos para a respectiva constituição naquela qualidade. Tais limitações, segundo entende Luís Osório, Comentário ao Código de Processo Penal Português (1932), 1º, 252, justificam-se pelo facto de o processo e os respectivos prazos procedimentais não poderem ficar a aguardar, por tempo indeterminado, que aqueles que podem constituir-se no processo como assistentes se decidam a requerer a sua intervenção como tal. Quanto a nós, para além daquela razão outra há, qual seja a de que a intervenção a qualquer momento do assistente iria apanhar de surpresa os demais sujeitos processuais, designadamente o arguido, pondo em causa a boa ordem processual e os direitos de defesa, pese embora o facto de a lei impor ao assistente a aceitação do processo no estado em que o mesmo se encontrar – neste preciso sentido José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português (1997), II, 180.
Acresce que o processo penal encontra-se organizado e estruturado em fases procedimentais distintas e autónomas, pelo que achando-se uma delas finda só deverá ser admissível a intervenção como assistente se e quando a seguinte tenha lugar. Daí que os prazos estabelecidos na lei para formulação do pedido de constituição como assistente tenham por referência: o início do procedimento, a dedução de acusação ou o arquivamento do inquérito, o debate instrutório, isto é, o último acto de instrução, e a audiência de julgamento.).
Com efeito, preceitua o art.68º, n.º 2, que: “Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de oito dias a contar da declaração referida no art.246º, n.º 4» ( - É do seguinte teor o texto do n.º 4 do art.246º: “O denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-se assistente. Tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar”.).
Por sua vez, dispõe o art.68º, n.º 3, que: “Os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz:
a) Até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento;
b) Nos casos dos artigos 284º e 287º, n.º 1, alínea b), no prazo estabelecido para a prática dos respectivos actos” ( - O art.284º estabelece e regula o direito de acusação do assistente e o art.287º, n.º1, al.b), estabelece e regula o direito de abertura da instrução por parte do assistente.).
Temos assim que a intervenção no processo como assistente pode ocorrer em qualquer fase do procedimento, com as limitações a que vimos de aludir, atinentes ao prazo do respectivo pedido ou requerimento de admissão ou constituição, quais sejam:
1. No caso de crime particular, no prazo de oito dias a contar da declaração de propósito de constituição no processo naquela qualidade, a qual é obrigatoriamente feita na denúncia ou queixa apresentada;
2. No caso de o ofendido pretender deduzir acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles, até dez dias após a notificação da acusação pública;
3. No caso de o ofendido pretender requerer a abertura de instrução (posto que a lei lho permita), no prazo de vinte dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento;
4. No caso de haver lugar a debate instrutório, até cinco dias antes do início deste;
5. No caso de haver lugar a audiência de julgamento, até cinco dias antes do início desta.
Na situação que nos é submetida a apreciação e julgamento, verifica-se que a recorrente requereu a sua intervenção nos autos como assistente após prolação da decisão instrutória, decisão que ordenou o arquivamento dos autos relativamente à arguida aqui recorrente e que determinou a suspensão provisória daqueles quanto ao arguido B.
Certo é que encontrando-se finda a fase de instrução e o processo suspenso nos termos do art.281º, isto é, sem que tenha passado à fase processual seguinte, qual seja a do julgamento, não se vê razão ou motivo para a intervenção nos autos da recorrente na qualidade de assistente, tanto mais que, como já se assinalou, foi considerado inadmissível o recurso que interpôs da decisão instrutória, concretamente da parte que ordenou a suspensão provisória do processo ( - O facto de o recurso, por decisão do Exm.º Presidente da Relação, haver sido considerado inadmissível com o fundamento de que o ofendido não assistente carece de legitimidade para recorrer, em caso algum poderia justificar a interposição de novo recurso e a sua admissão, designadamente se agora, por efeito do presente recurso, à recorrente fosse permitido intervir nos autos como assistente, consabido que o pedido ou requerimento para intervenção no processo nessa qualidade não suspende o andamento do mesmo, designadamente dos prazos em curso – Luís Osório, ibidem, 257.
Aliás, de acordo com o art.281º, n.º 5, a decisão de suspensão provisória do processo, em conformidade com o n.º1, não é susceptível de impugnação.).
Com efeito, encontrando-se o processo suspenso, à ora recorrente está vedado, por ora, nele intervir, sendo que só poderá vir a justificar-se a sua intervenção na situação prevista na parte final do art.282º, n.º 3, isto é, no caso de o processo prosseguir.
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Termos em que se acorda negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente – 10 UCs. de taxa de justiça.