Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
890/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JOÃO TRINDADE
Descritores: LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Data do Acordão: 04/28/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ART. 49º E 242º DO CPP
Sumário:

Mesmo com a conjugação de situações, elaboração de um auto de notícia por imposição legal e no exercício das suas funções e o depoimento no qual se consideram ofendidos na sua honra, entendemos que tal não consubstancia, mesmo implicitamente, o pressuposto do nº 1 do art. 49º do CPP, já que a manifestação de vontade tem que ser inequívoca de querer procedimento criminal ( …conhecimento do facto ao Ministério Público , para que este promova o processo.)

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Criminal desta Relação:

O Digno Magistrado do Ministério Público acusou o arguido BB ,melhor identificado nos autos, imputando-lhe a prática de

- um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. p. pelo art.º 347º do Código Penal (CP)

- em concurso efectivo três crimes de injúria agravados p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 132º, nº 2 , al. j) ,181º, nº 1 e 184º do CP

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Por despacho de fls. 83 e 84 foi rejeitada parcialmente a acusação pública no que respeita aos 3 crimes de injúria agravados p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 132º, nº 2 , al. j), 181º, nº 1 e 184º com fundamento na ilegitimidade do Mº Pº para instaurar e prosseguir o procedimento criminal relativamente a estes crimes ordenando-se, nessa parte, o arquivamento dos autos.

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Inconformado, recorreu o Mº Pº, concluindo a sua motivação do seguinte modo:
1. Vem o presente recurso interposto do despacho de fls. 83 e 84 nos autos supra referenciados, na parte em que rejeitou parcialmente a Acusação Pública no que aos 3 crimes de injúria agravados p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 132º, nº 2, al. j), 181º, nº 1 e 184º todos da CP, diz respeito, imputados pelo Mº Pº ao arguido BB, com fundamento na ilegitimidade do MºPº para a promoção e exercício das acções penal e, consequentemente, ordenou, nessa parte, o arquivamento dos autos.
2. Nos crimes de natureza semi-pública, atento o disposto nos artºs 113º, nº 1 e 116º, ambos do CP e 48ºç e 49º, ambos do CPP, a legitimidade do Mº Pº para a promoção e exercício da acção penal depende apenas da apresentação da queixa pelos ofendidos.
3. No crime de injúria agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 132º, nº 2, al. j), 181º, nº 1, 184º e 188º, nº 1 al. a) todos do CP – ilícito esse de natureza semi-publica – a legitimidade do Mº Pº para a promoção e exercício da acção penal depende apenas do conhecimento da notícia do crime, notícia essa que lhe advém, a qualquer título, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 53º, nº 2 e 246º, nº 1, ambos do mesmo diploma legal, sendo “suficiente”, contrariamente, ao que sucedia no artº 174º do CP de 1982, a simples “participação”.
4. Participação essa que foi efectuada quer pelos ofendidos e militares da GNR, CC, ambos militares da GNR elaboraram um Auto de notícia, quer pelo Exmo. Sr. Funcionário judicial, o ofendido DD, o qual, incumbido de cumprir o douto despacho judicial que ordenou a penhora, deu a conhecer à Autoridade Judiciária os factos ocorridos e praticados pelo arguido no decurso da mesma.
5. Sendo que o mesmo não sucedeu quanto à ilustre Mandatária do exequente, Advogada que, presente no acto da Diligência, nada participou à Autoridade Judiciária razão pela qual, relativamente a esta e à sua pessoa, nada foi imputado ao arguido, face ao disposto nos artºs 181º, nº 1, 184º, 188º e 132º, nº 2 al. j) todos do CP, este último, quando aí se refere à qualidade da pessoa ofendida “advogado”.
6. Outro entendimento não poderia ter lugar face +à alteração legislativa efectuada ao artigo 188º, nº 1 al. a) do CP de 1995, por referência a idêntico lugar paralelo do artº 174º do CP de 1982, sob pena de violação do disposto no artº 9º, nº 3 do C. Civil.
7. Não sendo absolutamente imprescindível – no caso judicie – que conste, “de forma sacramental” a expressão, “ desejo procedimento criminal contra o arguido”, bastando simples “participação”, acrescida de outros factos existentes nos Autos que, de forma explícita, e/ou implícita, mas de forma inequívoca e irrefragável, manifestam o desejo, por parte dos “participantes”, de responsabilidade e perseguição criminal do arguido pelos factos por este praticados.
8. Pelo que o douto despacho a quo não procedeu ao correcto e criterioso enquadramento jurídico – penal e processual dos factos existentes nos Autos pelo que violou o disposto nos artigos 181º, nº 1, 184º, 188º, nº 1 al. a), por referência ao disposto no artº 132º, nº 2 al. j) todos do CP, o artº 9º, nº 3 do Código Civil e o disposto nos artºs 48º, 49º, nº 1 e 311º, nº 1 e 2 al. a), todos do CPP.
9. E em consequência, deverá ser revogado, ordenando-se que o mesmo seja substituído por outro, que receba a Acusação deduzida pelo Mº Pº quanto a 3 crimes de injúria agravados p. e p. pelos artº 181º, nº 1, 184º, 188º, nº 1 al. a), por referência ao disposto no artº 132º, nº 2 al. j) todos do CP e, de seguida, sejam designados dias e horas para a realização da Audiência de discussão e Julgamento.

Nesta Relação o Exmo. Procurador – Geral Adjunto apôs um visto.

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Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência há que decidir:

O âmbito dos recursos afere-se e delimita-se através das conclusões formuladas na respectiva motivação conforme jurisprudência constante e pacífica desta Relação, bem como dos demais tribunais superiores, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

A única questão a resolver prende-se com a
A. Legitimidade do Mº Pº em procedimento dependente de queixa

Desenvolvimento processual:
1. Por requisição do Tribunal da Comarca de Alcobaça os dois agentes da GNR, Óscar dos Reis Artilheiro e Pedro Miguel de Jesus Lourenço, juntamente com o funcionário judicial Fernando Presa Gonçalves e a mandatária da exequente, Dr.ª Lurdes Penas, no dia 13 de Novembro de 2001, pelas 11 horas, deslocaram-se à residência do executado ora arguido para se proceder a uma penhora.
2. Perante o comportamento do executado/arguido foi então lavrado pelos referidos agentes o auto de notícia de fls. 2 que no que interessa reza deste modo: Pelas 11 horas quando dávamos o referido apoio para proceder ao serviço acompanhados pela sua esposa no interior do escritório da frima da qual o executado é proprietário surgiu o indivíduo em causa inesperadamente do exterior da residência , a provocar o funcionário do Tribunal, a Sr.ª Dr.ª Advogada e os Guardas chamando de “Merdas” a todos os presentes , tendo sem razão aparente baixou as calças e dizendo que “ Eu mato-vos a todos por estarem aqui os dois Guardas , porque eu não gosto da Guarda e que dentro da minha casa faço aquilo que bem entender”, tendo de seguida interiorizou-se noutro compartimento da residência e passado aproximadamente 30 minutos ouviu-se um disparo na traseira da residência , após o disparo o executado regressou ao escritório por um aporta que dá acesso ao interior da residência mostrando a pistola ao funcionário do Tribunal desconhecendo-se tipo e calibre. Perante tais factos não foi possível proceder à sua detenção por não existirem condições de segurança para o fazer e o executado se ter introduzido no interior da sua residência. Elaborado o presente Auto de Notícia …….
3. Também o funcionário judicial lavrou auto de penhora no qual faz um relato dos factos.
4. Nos depoimentos prestados os referidos agentes referem que se “sentiram ofendidos na sua honra com as injúrias contra si proferidas”. O funcionário limita-se a descrever os factos.

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A- Legitimidade do Mº Pº em procedimento dependente de queixa

Nos termos das disposições conjugadas dos artºs 132º, nº 2 al. j), 181º, 184º e 188º, nº al. a) do CP o crime de injúria agravada reveste natureza semi-pública pelo que o procedimento criminal depende de queixa ou participação.

Quando o procedimento criminal depender de queixa do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo (artº49º, nº 1 do CPP).

Considera o Digo Recorrente que no caso a legitimidade do Ministério Público para a promoção e exercício da acção penal está cumprida uma vez que depende apenas do conhecimento da notícia do crime, e essa pode-lhe advir a qualquer título, sendo para tal suficiente a participação efectuada pelos agentes da GNR e pelo Funcionário Judicial.

É certo que perante a actual redacção do artº 49º, nº 1 do CPP, e nisto estamos em consonância com o Digno Recorrente, não é necessário que conste “de forma sacramental” a expressão, “desejo procedimento criminal contra o arguido”.

Também estamos de acordo com o Digno Recorrente quando defende que basta a simples “participação” , acrescida de outros factos existentes nos Autos que de forma explícita/e ou implícita, mas de forma inequívoca e irrefragável, manifestem o desejo de responsabilização e perseguição criminal do arguido pelos factos por este praticados.

Já não estamos em sintonia quanto à interpretação, que consideramos extensiva, de que basta a “simples participação”.

É que um auto de notícia lavrado por imposição legal e no exercício das respectivas funções só por si não revela uma manifestação inequívoca de que se deseja procedimento criminal. Não podemos esquecer que estamos perante uma denúncia obrigatória (artº 242º do CPP) na qual as entidades policiais têm a obrigação de denunciar todos os crimes de que tomaram conhecimento. Acresce que nos termos do nº 3 do artº 242º do CPP o estabelecido deste normativo não prejudica o regime dos crimes cujo procedimento depende de queixa ou de acusação particular.

Divergimos , também , do Digno Recorrente já que consideramos que o facto de no depoimento se ter afirmado que “sentiram ofendidos na sua honra com as injúrias contra si proferidas” não é suficiente para caracterizar de forma inequívoca e irrefragável, a manifestação de vontade , o desejo, de responsabilidade e perseguição criminal .

Assim , no caso, mesmo com a conjugação das duas referidas situações, elaboração de um auto de notícia por imposição legal e no exercício das suas funções e o depoimento no qual se consideram ofendidos na sua honra, entendemos que tal não consubstancia, mesmo implicitamente, o pressuposto do nº 1 do art. 49º do CPP, já que a manifestação de vontade tem que ser inequívoca de querer procedimento criminal ( …conhecimento do facto ao Ministério Público , para que este promova o processo.)

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Nestes termos se decide:
- Julgar por não provido o recurso .

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Sem tributação.

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Coimbra, 2004-04-14