Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
330/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
INCUMPRIMENTO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Data do Acordão: 11/24/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SÃO PEDRO DO SUL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 349.º; 351.º; 442.º, 2 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. O Tribunal da Relação, ao reapreciar a questão da matéria de facto, pode socorrer-se das presunções judiciais para dar ou não um facto como provado. No entanto, já não o pode fazer com a mesma amplitude da 1.ª instância, designadamente, não pode faze-lo alterando os factos aí provados, mas apenas como desenvolvimento destes, não os contrariando.

2. Sendo o objecto do contrato prometido um bem próprio de um dos cônjuges, não obsta à validade do contrato promessa o facto de o outro cônjuge o ter outorgado na qualidade de promitente vendedor, declarando-se aí proprietário desse bem.

3. O prazo fixado para a realização da escritura do contrato prometido tem de entender-se como termo essencial para a cabal realização do contrato promessa, pelo que, não se tendo a escritura realizado no prazo nele previsto, têm o promitente comprador direito à resolução do contrato e a receber o sinal em dobro.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A....e marido B....instauraram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra C....e D....;

pedindo,

a) que se declare resolvido o contrato-promessa por incumprimento imputável aos RR.;

b) a condenação dos Réus a pagar aos AA. a quantia de €129.687,46 (sinal em dobro), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação até integral e efectivo pagamento;

c) a condenação dos Réus a pagar aos AA. a quantia de €2.500 para ressarcimento dos danos não patrimoniais por eles sofridos em razão do incumprimento, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Fundamentam a sua pretensão alegando, em suma, que em 10.01.94 os AA. e os Réus outorgaram um contrato-promessa mediante o qual estes prometiam vender e aqueles comprar duas fracções autónomas correspondentes a dois apartamentos, a construir, designadas pelas letras BH e BI, pelo preço total de esc.13.000.000$00, que os Réus entretanto receberam a título de sinal e princípio de pagamento.

Mais acordaram como prazo máximo para a celebração da escritura definitiva o período de cinco anos desde a data da assinatura do contrato-promessa.

Decorrido o referido prazo, os RR. não só não celebraram a escritura definitiva, como transmitiram a favor de terceiro a titularidade da propriedade do imóvel onde se situam as fracções prometidas vender, tornando impossível, por causa que lhes é imputável, o cumprimento do contrato-promessa.

Acresce que o incumprimento dos RR. causou frustração, mal-estar e conflitos entre os AA., dano moral cujo ressarcimento reclama em montante não inferior a €2.500.
                                                             --
Contestou o Réu C...., defendendo-se por impugnação simples e motivada.
Conclui requerendo a intervenção acessória (fls.126) provocada de E.... e mulher F...., construtor das fracções prometidas vender.
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Replicaram os AA., impugnando a matéria da contestação.

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Admitida a intervenção acessória (fls.129) provocada de E.... e mulher F...., estes nada declararam.

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Saneado o processo, procedeu-se à selecção da matéria de facto.

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            Posteriormente, através do requerimento de fl.s 204 a 206, a ré D...., veio arguir a nulidade da sua citação, com o fundamento em que já se encontrava divorciada do réu e reside noutra morada que não a indicada nos autos, motivo pelo qual nunca recebeu a carta que lhe foi endereçada para citação, em função do que deveriam ser declarados nulos os termos dos autos posteriores à apresentação da petição inicial.

            Conforme despacho de fl.s 225 e 226, já transitado em julgado, foi declarada a falta de citação da ré, em função do que se declarou nulo todo o processado posterior à petição inicial “… restringindo tal declaração, porém, às peças processuais para cuja elaboração poderia ser relevante a posição eventualmente a assumir pela Ré, designadamente o despacho saneador;”, tendo-se determinado a sua citação para a morada que indicou.

Suprida a nulidade da respectiva citação, a Ré D.... contestou (fls.241ss) defendendo-se por impugnação simples e motivada, arguindo a nulidade da promessa de venda por parte da Ré, já que tinha por objecto um bem próprio do então marido, mais alegando que, a ser verdade, apenas este recebeu o total pago pelos AA. já no estado de divorciado.

Conclui defendendo ser alheia ao negócio celebrado pelo Réu marido, como não tem qualquer responsabilidade pelo incumprimento deste, já que se trata de um bem próprio que podia livremente vender após o divórcio em 15.07.97.

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Responderam os AA. impugnando a matéria da contestação da Ré.

 

No prosseguimento dos autos, foi dispensada a realização de audiência preliminar em consequência do que foi proferido novo despacho saneador e seleccionada a matéria de facto relevante tida por assente e a provar, de que não houve reclamação.

No seguimento da notificação que lhes foi efectuada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 512.º CPC, os autores, cf. requerimento de fl.s 298, deram por reproduzido o rol de testemunhas que já haviam apresentado, acrescentando-lhe mais uma testemunha, de nome G...., engenheiro civil, com domicílio profissional na Câmara Municipal de São Pedro do Sul.

Também, como aí consta, relativamente à prova pericial, requereram o seguinte:

“III – Pericial: para prova do n.º 11 da BI, dá-se aqui por reproduzida a prova pericial já realizada nos autos.”.

Quanto ao requerido acerca da inquirição da ora identificada testemunha, cf. fl.s 313, foi proferido o seguinte despacho:

“Não admito a inquirição de G...., requerida pelos AA. e pela Ré, posto que, tendo exercido funções periciais no âmbito dos presentes autos, encontra-se impedido para depor como testemunha – cfr. os artigos 571.º, n.º 1 e 122.º, n.º 1, al. h), ambos do CPC”.

Inconformados com este despacho, dele interpuseram recurso os autores, o qual foi admitido, como sendo de agravo, a subir com o primeiro que houvesse de subir imediatamente e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 323), concluindo as respectivas motivações com as seguintes conclusões:

1. Deve integrar os actos processuais declarados nulos pelo despacho de fl.s a perícia realizada a fl.s destes autos pelo perito Ex.º Sr. Eng.º G..... Logo,

2. Processualmente nestes autos aquele Sr. Eng.º nunca participou a título de perito. Pelo que,

3. Não está impedido de depor como testemunha.

4. Ao decidir nos termos em que o fez o M.mo Juiz “a quo” violou o disposto no artigo 571.º ex vi 122.º e 616.º, todos do CPC, ao deles não ter feito a interpretação supra definida.

Terminam, peticionando a procedência do seu recurso, com a consequente revogação do despacho recorrido e se admita a depor a identificada testemunha.

Não lhe foram apresentadas contra-alegações.

No normal prosseguimento dos autos, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 383 e 384, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.

            No seguimento do que foi proferida a sentença de fl.s 388 a 393, na qual se decidiu o seguinte:

“Nestes termos, de facto e de direito, decide-se julgar a acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência:

a) reconhecendo-se o incumprimento definitivo, imputável aos Réus, do referido contrato-promessa, declara-se o mesmo resolvido;

b) condenam-se os RR. a pagar aos Autores a quantia de €129.687,46 (sinal em dobro), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento;

c) absolvendo-se os RR. do mais contra si peticionado.

                                                             -

Custas pelos Autores e Réus na proporção do decaimento liquidado, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido ao Réu C.... (fls.44), bem assim de pagamento faseado atribuído à Ré D....  (fls.250 .

Pague-se o montante tabelado a favor do Advogado, Dr. ….., patrono do Réu C...., a suportar pelo CGT.”.

            Notificada da mesma, a ré D.... requereu a sua aclaração, no tocante à data desde quando estava obrigada ao pagamento de juros de mora, que foi indeferida, por despacho de fl.s 407, já transitado em julgado.

            Inconformada com a mesma, interpôs recurso a mesma ré, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 415), concluindo as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:
      1.ª – Estando provado que o acordo de promessa de compra e venda tem como 1.º outorgante o marido da recorrente (alínea A) da MA), que o bem imóvel prometido vender é bem próprio dele marido (alínea N) da MA), que os promitentes compradores entregaram ao marido a quantia a titulo de sinal (alínea M) da MA) e que não foi provado que tal quantia também fosse entregue à mulher (resposta negativa ao quesito 1) devia o tribunal dar como provado, com recurso à presunção judicial, que a recorrente não negociou com os recorridos qualquer das clausulas insertas no acordo e que a assinatura de tal acordo pela recorrente teve por exclusiva finalidade prestar o seu consentimento para o marido poder prometer vender o imóvel (quesitos 13 e 14 da B.I.)

2.ª – O Tribunal ao não dar como provados os quesitos 13 e 14 da B.I. fez incorrecta aplicação da lei e do direito violando os artigos 349.º e 351.º do C.C.

3.ª – O Tribunal, na resposta ao quesito 10 da B.I., onde era perguntado “A parte do edifício no qual se incluem as fracções BH e BI ainda está em fase de construção”, cometeu erro de excesso de pronúncia pois ao acrescentar à resposta “provado com o esclarecimento de que as obras se encontram paradas desde há vários anos” está a dar como provado um novo facto, não alegado pela parte, que não visa explicitar nem esclarecer e que tem consequências jurídicas diversas daquelas que resultam apenas da prova do facto alegado e quesitado.

4.ª – O Tribunal, na resposta ao quesito 10 fez incorrecta aplicação da lei e do direito violando o artigo 653.º n.º 2 do CPC.

5.ª – A recorrente viu o seu casamento dissolvido pelo divórcio em 15 de Junho de 1997 (alínea U da MA), muito antes do termo do prazo para celebrar a escritura de compra e venda, que ocorria em 10 de Janeiro de 1999 (alínea K) da MA), razão pela qual a partir de tal divórcio a sua intervenção (consentir na venda) é irrelevante juridicamente para o cumprimento definitivo do contrato dado tratar-se de um bem próprio do ex cônjuge.

6.ª – À data do divórcio não existia qualquer direito de crédito dos recorridos sobre a recorrente porque ainda não tinha decorrido o prazo dentro do qual o outorgante marido estava obrigado a celebrar o contrato definitivo e a recorrente a nele consentir.

7.ª – Não foi alegado, nem está provado, que a recorrente se recusasse a consentir na celebração da escritura de compra e venda durante a constância do casamento ou, mesmo sendo irrelevante juridicamente, depois do divórcio.

8.ª -Ainda que, por mera hipótese, se admitisse que a recorrente estava obrigada a construir o edifício conjuntamente com o marido, o que não foi alegado nem está provado, sempre se dirá que o imóvel prometido vender continuava a ser bem próprio do marido, nos termos do artigo 1728.º n.º 2 alínea a) do C.C., razão pela qual, depois do divórcio, a celebração da escritura definitiva não necessitava da intervenção da recorrente.

9.ª – A recorrente não pode ser responsável pelos danos causados aos recorridos com a não celebração do contrato definitivo dentro do prazo fixado no acordo de promessa porque não deu causa a tal incumprimento.

10.ª – A Douta sentença recorrida ao considerar a recorrente responsável pelo incumprimento do contrato, condenando-a a devolver aos recorridos o sinal, que não recebeu, em dobro, fez incorrecta aplicação da lei e do direito, violando o regime jurídico das relações patrimoniais entre os cônjuges, em especial as normas dos artigos 1721.º, 1722.º e 1728.º do C.C.

11.ª – Os recorridos, após o decurso do prazo de 5 anos, prazo este fixado no interesse de ambas as partes, nunca notificaram a recorrente da data da celebração da escritura definitiva de compra e venda, isto é, para cumprir o prometido.

12.ª-Sendo certo que, dentro do prazo de 5 anos para cumprir, a recorrente, nem que quisesse, após o divórcio, não podia outorgar a escritura de compra e venda sob pena de celebrar um negócio que era nulo, por versar sobre bens alheios.

13.ª – Só a recusa da recorrente em cumprir o contrato definitivo, isto é faltar à data da celebração da escritura definitiva de compra e venda, conferia aos recorridos o direito de resolver o contrato pois não é o facto da construção do edifício, cuja fracção foi prometida vender, estar por concluir, nem o prédio estar registado a favor de terceira pessoa, que constitui obstáculo à celebração do contrato definitivo.

14.ª – A mora definitiva da recorrente só se pode aferir perante a sua recusa em não consentir na celebração do contrato definitivo ou em recusar celebrá-lo.

15.ª – Não foi alegado, nem está provado, que a recorrente tivesse sido constituída em mora, nem que o fosse definitivamente.

16.ª – O Tribunal ao ter outro entendimento fez incorrecta aplicação da lei e do direito violando os artigos 432.º, 798.º, 801.º e 805.º do C.C.

TERMOS EM QUE deve ser dado provimento ao recurso.

Justiça.

            Contra-alegando, os autores pugnam pela manutenção da decisão recorrida, estribando-se nos fundamentos na mesma invocados, designadamente que é de manter a matéria de facto dada como provada em 1.ª instância; que os réus incumpriram definitivamente o contrato promessa que celebraram, em face do que, também, a ré é responsável por tal incumprimento.

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.        

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

Recurso de agravo:

A) Se a testemunha G.... deve ser admitida a depor;

Recurso de apelação:

B) Se em face do que consta das alíneas M) e N) da matéria assente, o Tribunal deveria ter dado como provados os quesitos 14.º e 15.º, com recurso a presunção judicial;

C) Se na resposta ao quesito 10.º o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 653.º, n.º 2 do CPC, por excesso de pronúncia;

D) Se a recorrente não é responsável pelo incumprimento do contrato promessa em causa, com fundamento em o imóvel prometido vender ser bem próprio do réu, nem lhe deu causa e;

E) Se se verifica uma situação de incumprimento definitivo ou de mora, relativamente ao contrato promessa ajuizado.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

A) Assinado em 10.1.94, a A. e os Réus subscreveram um acordo escrito, do qual consta como 1° outorgante o Réu, e 2°s outorgantes os AA ..

B) O teor da cláusula 1ª do referido acordo, que é o seguinte: "Os 1ºs outorgantes são donos e legítimos proprietários de um loteamento urbano aprovado pela Câmara Municipal de S. Pedro do Sul no seu alvará n°1194".

C) O teor da cláusula 2ª do referido acordo, que é o seguinte: "No lote A deste loteamento promoverão os 1ºs outorgantes a construção de um edifício para comércio e habitação, cuja total conclusão se prevê no prazo máximo de cinco anos".

D) O teor da cláusula 3ª, n° 1 do referido acordo, que é o seguinte:" os 1ºs outorgantes prometem vender aos 2ºs outorgantes ou a quem estes indicarem e estes prometem comprar as fracções autónomas designadas pelas letras BH e BI, correspondentes a dois apartamentos do tipo T2, ... situados no quarto piso do imóvel".

E) O teor da cláusula 3ª, n° 2 do referido acordo, que é o seguinte: "De ambas as fracções fazem parte integrante duas garagens/arrecadações situadas no piso zero, uma para cada apartamento ....”.

F) O teor da cláusula 4ª do referido acordo, que é o seguinte: "O preço de venda das duas fracções é de 13.000.000$00 ... e será liquidado pela seguinte forma: 1- esc.­3.000.000$00 ... na assinatura deste contrato. 2 – esc.400.000$00 ... e mais 80.000 ... francos suíços até ao último dia do mês de Fevereiro do ano de 1994".

G) O teor da cláusula 5ª, n° 1 do referido acordo, que é o seguinte: "As fracções serão vendidas livres de hipotecas ou ónus reais".

H) O teor da cláusula 5ª, nº2 do referido acordo, que é o seguinte: " ... delas (das características de construção e acabamentos dos andares) constarão nomeadamente: sistema de canalização de gás doméstico, sistema de abastecimento de água domiciliária com pressão constante, antena parabólica para televisão, vídeo porteiro, elevadores, aquecimento central, soalhos de madeira corrida, cozinhas moduladas em madeira, cozinhas e casa de banho com azulejos à escolha do comprador ... , portas de entrada em madeira maciça com fechaduras de segurança".

I) O teor da cláusula 5ª, n° 3 do referido acordo, que é o seguinte: "Os 1°s outorgante poderão introduzir na fracção e no prédio as alterações que lhe forem impostas pelas entidades competentes e/ou se revelarem necessárias ou convenientes à execução do empreendimento".

J) O teor da cláusula 6ª, n° 1 do referido acordo, que é o seguinte: "A escritura ... será realizada depois de definitivamente registado e inscrito o regime de propriedade horizontal e obtida toda a documentação necessária, no dia, local e hora a fixar pelos 1°s outorgantes".

K) O teor da cláusula 7ª do referido acordo, que é o seguinte: "Como prazo máximo para a celebração da escritura definitiva, estipulam os 1°s outorgantes o período de cinco anos contados desde a data da assinatura deste contrato".

L) O teor da cláusula 8ª, n°1 do referido acordo, que é o seguinte: "Caso este contrato seja rescindido por motivo imputável aos 1°s outorgantes, os 2ºs outorgantes poderão: 1 - Pedir a devolução, em dobro, de todas as importâncias efectivamente entregues, ou 2 - Exigir dos 1°s outorgantes, desde a data indicada na cláusula sétima, uma renda mensal de valor equivalente à aplicação da taxa de 1.5% sobre os valores efectivamente entregues, até à data da escritura".

M) Os AA. já entregaram ao Réu a quantia de Esc.13.000.000$00 (64.843,73 euros) referida em F).

N) O loteamento referido em B) encontra-se implantado no prédio descrito na CRP de S. Pedro do Sul, sob a ficha 1134/160395, sendo que à data de 10.1.94, encontrava-­se inscrito, a favor do Réu, o direito de propriedade sobre o referido prédio.

O) Sob a inscrição G2 encontra-se registada, na sequência da apresentação 09/060495, a aquisição, a favor de E....e mulher, F...., do direito de propriedade sobre o prédio referido em N), conforme certidão de fls.24-26 que aqui se dá por inteiramente reproduzida.

P) Pelo averbamento 1 à descrição referida em N), ficou inscrito o correspondente artigo matricial do lote (2253), posteriormente, e após a edificação, alterado para o artigo 2488.

Q) Pela apresentação 06/161296 encontra-se registada, sobre o prédio referido em N), uma hipoteca voluntária a favor do banco H....

R) Sob a inscrição F2 encontra-se registada a constituição da propriedade horizontal, da qual participam as fracções BH e BI.

S) Estas fracções não dispõem de licença de habitabilidade e encontram-se descritas na CRP sob as fichas 1134/160395-BH e 1134/160395-BI.     

T) Pela apresentação 04/160998, encontra-se registada, sobre cada uma das fracções BH e BI, uma hipoteca voluntária a favor da H....

U) Os RR. contraíram entre si matrimónio em 29.01.73, o qual foi dissolvido por divórcio decretado por sentença proferida em 15.07.97, transitada em julgado em 25.09.97.

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V) Através do alvará nº98/95 de 7.04.95 foi licenciada pela Câmara Municipal de S. Pedro do Sul a construção descrita no alvará cuja cópia junta a fls.27 aqui se dá por inteiramente reproduzida.

W) Os AA. ansiavam a entrega das fracções, sofrendo mal-estar em consequência da sua não entrega.

X) A parte do edifício no qual se incluem as fracções BH e BI ainda está em fase de construção, encontrando-se as obras paradas desde há vários anos.

Nos termos do disposto no artigo 710.º, n.º 1, in fine, CPC, os agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for confirmada.

Assim, importa, em primeiro lugar, conhecer da apelação interposta pela ré D.....

            Recurso de apelação:

            B. Se em face do que consta das alíneas M) e N) da matéria assente, o Tribunal deveria ter dado como provados os quesitos 14.º e 15.º, com recurso a presunção judicial.

            Alega a recorrente que assim se deve considerar, com o fundamento em que constando das mencionadas alíneas que os AA entregaram ao Réu a quantia correspondente ao negócio prometido e sendo o bem prometido vender de exclusiva propriedade deste, em conjugação com a resposta negativa que mereceu o quesito 1.º, se deve presumir como verdadeira a matéria constante em tais quesitos.

            Da alínea M) consta que “Os AA já entregaram ao Réu a quantia de 13.000.000$00 (64.843,73 €)”.

            Da N) que “O loteamento referido em B) encontra-se implantado no prédio descrito na CRP de S. Pedro do Sul, sob a ficha 1134/160395, sendo que à data de 10.1.94, encontrava-se inscrito a favor do Réu, o direito de propriedade sobre o referido prédio”.

            Por sua vez, no quesito 1.º perguntava-se se “A quantia referida em F) (esc. 13.000.000$00 – 64.843,73 €) foi também entregue à Ré?”.

            Conforme fl.s 383, foi-lhe dada a resposta de “não provado”.

            Os quesitos 13.º e 14.º têm o seguinte teor, respectivamente:

            “A Ré não negociou com os AA qualquer das cláusulas insertas no acordo referido em A)?” e;

“A subscrição de tal acordo pela Ré teve por exclusiva finalidade prestar o seu consentimento para que o Réu pudesse prometer vender as fracções nele identificadas?”

Como consta de fl.s 383, foi-lhes dada a resposta de “não provado”.

A figura das presunções judiciais encontra-se regulada nos artigos 349.º e 351.º, CC, definindo-as o primeiro destes preceitos como sendo as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.

            No ensinamento de Castro Mendes, in Do Conceito De Prova Em Processo Civil, Edições Ática, Maio de 1961, a pág. 179, a presunção é “… a consequência ou ilação que a lei ou o julgador deduz de um facto conhecido (facto probatório) para firmar um facto desconhecido” e constitui “uma operação probatória ou demonstrativa”.

            No mesmo sentido opina M. Teixeira de Sousa, in As Partes, O Objecto E A Prova Na Acção Declarativa, Lex, 1995, a pág. 210, que ali refere: “As presunções conduzem à inferência do facto presumido (que não é provado) de um outro facto (que é provado). O juiz infere, ou é levado a inferir pela lei ou pela experiência, um facto desconhecido de um outro que é conhecido” e radicando o respectivo fundamento na normalidade das coisas.

Ou, ainda, como o refere Vaz Serra, in RLJ, 108, pág. 352 trata-se de “meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência”.

Traçado o quadro e fundamento das presunções, fácil se torna concluir que o domínio onde as mesmas terão mais ampla aplicação é aquando da análise da prova produzida em 1.ª instância a fim de responder á base instrutória elaborada, dado que é, primacialmente, neste momento, conjugando toda a prova produzida, que o julgador, poderá, através da referida inferência do facto presumido através de um outro que é provado, dá-lo ou não por demonstrado.

Todavia, isso não significa que o Tribunal da Relação, ao reapreciar a questão da matéria de facto, não possa, igualmente, socorrer-se das presunções para dar ou não um facto como provado.

No entanto, já não o pode fazer com a mesma amplitude da 1.ª instância, designadamente, não pode faze-lo alterando os factos provados na 1.ª instância, mas apenas como desenvolvimento destes, mas não os contrariando.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 11/11/2008, Processo 08A3322, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj, “O Tribunal da Relação pode lançar mão de presunções tirando conclusões da matéria de facto, desde que tais conclusões se limitem a desenvolvê-la, não a contrariando”.

E o mesmo se decidiu, no mesmo Tribunal, no Acórdão de 24/05/2007, Processo 07A979, disponível no mesmo sítio do anterior, no qual se refere “É lícito à Relação, com efeito, tirar ilações da matéria de facto, mas desde que não altere os factos provados, antes neles se baseando de forma a que os factos presumidos sejam consequência lógica destes”.

No mesmo sentido, o Acórdão desta Relação, de 13/11/2007, Processo 1691/04.9TBMGR.C1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc, e no qual se cita, em abono desta solução, alguma doutrina.

Ora, tendo-se respondido como “Não provado” aos quesitos, em referência, sem que existam razões para que esta resposta seja alterada, não podem dar-se os factos neles vertidos como provados, com base em presunções.

Efectivamente, do facto de não se ter demonstrado que o dinheiro não foi entregue à ré, ora recorrente, bem como do facto de o prédio pertencer ao 1.º réu, nada resulta que aquela tenha ou não tomado parte nas negociações do contrato ou que a subscrição do contrato promessa apenas tenha tido como objectivo a prestação do seu consentimento para que o réu pudesse vender as prestações prometidas vender aos ora réus, tanto mais que logo na cláusula 1.ª do contrato promessa ajuizado (cf. fl.s 11) se menciona que “Os 1.os outorgantes (ali identificados como sendo ambos os réus) são donos e legítimos proprietários de um loteamento urbano …”, sendo que a ré o subscreveu, assinando-o.

            Assim, quanto a esta questão tem o presente recurso de improceder.

            C. Se na resposta ao quesito 10.º o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 653.º, n.º 2, do CPC, por excesso de pronúncia.

            Aduz a recorrente que assim é porque, na resposta que o mesmo mereceu, se acrescentou o facto de “as obras se encontrarem paradas desde há vários anos”, o que corresponde a um novo facto, não alegado pela parte, que não visa explicitar nem esclarecer e que tem consequências jurídicas diversas daquelas que resultam apenas da prova do facto alegado e quesitado.

            O mencionado quesito 10.º tem o seguinte teor:

            “A parte do edifício no qual se incluem as fracções BH e BI ainda está em fase de construção?”

            O mesmo corresponde ao alegado no artigo 12.º da contestação do 1.º réu, no qual se alegou o seguinte:

            “O grupo E – onde se incluem os apartamentos a que se vem referindo – ainda se encontra em fase de construção.”.

            Conforme fl.s 383, foi-lhe dada a seguinte resposta:

            “Provado, com o esclarecimento de que as obras se encontram paradas desde há vários anos”.

            Como tal, deu a mesma origem à al. X) da matéria assente, que tem o seguinte teor:

            “A parte do edifício na qual se incluem as fracções BH e BI ainda está em fase de construção, encontrando-se as obras paradas desde há vários anos”.

            De acordo com o disposto no artigo 653.º, n.º 2, CPC, impõe-se que ao decidir a matéria de facto, se declare quais os factos que se julgam provados e não provados, mediante uma análise crítica das provas.

            Por outro lado, conforme seu artigo 660.º, n.º 2, o juiz, ao decidir o pleito, apenas deve ocupar-se das questões suscitadas, ressalvadas as de conhecimento oficioso.

            No entanto, como salientam os recorridos, também não pode olvidar-se o disposto no artigo 663.º, n.º 1, in fine, CPC, de acordo com o qual deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.

            No domínio da anterior redacção do Código de Processo Civil, a possibilidade de ir para além de respostas positivas ou negativas era bastante controvertida, cf. Lebre de Freitas, CPC, Anotado Volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, a pág.s 630 e 631 e Abrantes Geraldes, Temas Da Reforma Do Processo Civil, II Volume, 4.ª Edição Revista E Actualizada, Almedina, Março de 2004, a pág.s 216 e 217.

            Mas hoje é pacífico que aos quesitos podem ser dadas outras respostas que não as de totalmente provado ou não provado.

            Efectivamente, amiúde, da análise dos meios probatórios resulta que a resposta a dar a um determinado quesito, deva ser restritiva, explicativa ou esclarecedora de uma determinada situação.

            Ora, em tais casos, não deve o juiz responder-lhe de forma redutora, no sentido de totalmente provado ou não provado.

            Ao invés, deve espelhar, em tais respostas tudo o que, relativamente aos factos em apreço, relevar para a decisão do pleito, for de considerar como demonstrado.

            Como o refere Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág.s 218 e 219 e 223 e 224 “… a verdade do julgamento … devem obstar ao simplismo de uma resposta totalmente positiva (ou totalmente negativa), se os meios probatórios fornecidos impuserem, numa análise objectiva, imparcial e desinteressada, uma resposta diversa, de âmbito restritivo ou de conteúdo explicativo ou clarificador, que mais se coadune com o que emerge dos autos e da audiência de discussão e julgamento”.

            “Através da resposta explicativa, o tribunal pode concretizar um determinado facto que venha a revelar-se útil para a decisão da causa …”.

            Ora, foi no seguimento do 1.º réu ter alegado, em 28 de Março de 2003, que o edifício onde se situam as fracções prometidas vender aos autores, ainda se encontravam em fase de construção, que o Juiz a quo, ao responder ao quesito em referência, em 18 de Novembro de 2008, entendeu prestar o esclarecimento que da mesma consta.

            Não se pode esquecer que decorreram mais de 5 anos entre a alegação do facto e a resposta em causa, a qual espelha a situação existente (nem a recorrente nega que assim seja), não traduzindo mais do que esclarecer que as obras ainda não foram concluídas e que se encontram paradas.

            Pelo que nada há a censurar à resposta em causa.

            Consequentemente, igualmente, improcede o presente recurso, com base nesta questão, sendo de manter, na íntegra, a matéria de facto dada como assente em 1.ª instância.

            D. Se a recorrente não é responsável pelo incumprimento do contrato promessa em causa, com o fundamento em o imóvel prometido vender ser bem próprio do réu, nem lhe deu causa.

            Esta defende que assim é porque o bem objecto do contrato promessa que deu origem a estes autos é um bem próprio do seu ex-cônjuge, só este outorgou o referido contrato e porque, mercê do divórcio que extinguiu o casamento que celebrou com o réu, já não tinha que intervir na celebração da escritura nem prestar o seu consentimento para que a prometida venda se viesse a concretizar.

            Carece, no entanto, de razão, nesta sua argumentação.

            Efectivamente, desde logo, não é verdade que o único promitente vendedor seja o réu.

            Como consta do contrato promessa junto de fl.s 11 a 13, nele constam como 1.os outorgantes C..., ao tempo, casado com a ora ré, D...., sendo que esta também o assinou na qualidade de outorgante, estando a sua assinatura reconhecida notarialmente, como do mesmo melhor consta.

            Como consta das suas cláusulas 1.ª e 3.ª, os ora identificados 1.os outorgantes (em que se inclui a ora recorrente) declaram-se donos do loteamento urbano nela identificado e prometem vender aos ora autores duas das fracções autónomas, ali identificadas.

            Assim inexistem dúvidas de que a ora recorrente outorgou no referido contrato promessa, como promitente vendedora, ali mencionando que é dona e legítima proprietária do loteamento a que o mesmo se refere.

            De resto, a recorrente alegou que não negociou as cláusulas contratuais e que a sua subscrição de tal contrato promessa apenas teve por exclusiva finalidade prestar o seu consentimento para que o réu pudesse prometer vender as fracções nele identificadas, mas não o logrou demonstrar, tal como resulta das respostas de não provado aos quesitos 13.º e 14.

            Consequentemente, a ré, ora recorrente é parte outorgante em tal contrato promessa, na qualidade de promitente vendedora.

            As partes celebraram o aludido contrato promessa, redigindo-o com as cláusulas que lhes aprouveram, no domínio da liberdade contratual que lhes é conferida – artigo 405.º, n.º 1, CC.

            Consequentemente, têm de cumpri-lo, nos seus precisos termos – artigo 406.º, n.º 1 do CC.

            Presume-se a culpa dos réus em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso, cf. artigo 799.º, do CC.

            No caso de o incumprimento se referir a contrato promessa, têm os promitentes compradores direito a haver o sinal em dobro, nos termos do artigo 442.º, n.º 2 do CC.

            In casu, é isso que os autores peticionam, pelo que a existir incumprimento dos réus, na qualidade de promitentes vendedores, têm direito a haver destes (ambos) a quantia pedida.

            No que toca a esta questão, sob o prisma do regime de bens do casamento que celebrou com o réu, a mesma não se coloca.

            Isto porque, não obstante se tratar de um bem próprio do seu ex-cônjuge, o facto é que a ora recorrente outorgou no referido contrato promessa, como acima já mencionado, não na qualidade de cônjuge do respectivo proprietário mas sim como outorgante do mesmo, a título de promitente vendedora, ali declarando ser proprietária do loteamento em causa, em pé de igualdade com o seu ex-cônjuge.

            Consequentemente, tem de assumir, por inteiro, as obrigações que lhe advêm de tal contrato promessa, que outorgou na qualidade de promitente vendedora.

            As objecções levantadas pela ré, relativamente às restrições derivadas das relações patrimoniais entre cônjuges, só teriam relevância se a mesma tivesse tido intervenção no aludido contrato promessa na qualidade de cônjuge do proprietário dos bens prometidos vender, designadamente, para lhe dar o necessário consentimento para a promessa de venda e posterior concretização do negócio prometido.

            Mas, como acima melhor já referido não foi isso que aconteceu, pelo que, sob este prisma, a ora recorrente não se pode eximir às responsabilidades que assumiu em virtude da assunção do contrato que outorgou.

            Por outro lado, também o facto de se tratar de um bem próprio do seu ex-cônjuge e a ora recorrente ter outorgado o contrato promessa na qualidade de promitente vendedora, declarando-se proprietária do bem prometido vender, não obsta à validade de tal contrato.

            Conforme Prof. Vaz Serra, in BMJ n.º 76, pág. 100 e R.L.J, ano 78.º, pág. 375 (ambos citados no Acórdão do STJ, de 25/02/2003, Processo 03A200, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj) é válido o contrato promessa de compra e venda de coisa alheia.

            Isto porque, o contrato promessa de compra e venda não tem um efeito constitutivo ou translático.

            Como se refere no Aresto ora citado:

            “Pelo contrato promessa de compra e venda não se transfere o direito de propriedade sobre o bem prometido vender, pelo que de duas uma: ou à data da outorga do contrato prometido o promitente de venda de coisa alheia está em condições de honrar a promessa e não cai em incumprimento; ou não pode validamente outorgar o contrato prometido e tem de sujeitar-se às consequências legais do incumprimento.”.

            O mesmo se aplicando “à promessa de coisa alheia como própria ou em que o promitente vendedor promete vender como sua coisa que não lhe pertence, ao menos de direito”.

            Também no sentido da validade do contrato promessa de coisa alheia se pronunciou o Acórdão do STJ de 23/09/2004, Processo 04B2296, disponível no mesmo sítio do anterior.

            Assim, não tendo a ora recorrente reunido as condições para poder outorgar o contrato definitivo, tem de responder pelo seu incumprimento, se este existir (questão que trataremos de seguida).

            Consequentemente, com base nesta questão, tem o presente recurso de improceder.

            E. Se se verifica uma situação de incumprimento definitivo ou de mora, relativamente ao contrato promessa ajuizado.

            Alega a recorrente que não se verifica uma situação de incumprimento definitivo do contrato, a qual não pode decorrer do simples facto de se ter esgotado o prazo máximo de 5 anos previsto para a realização da escritura, nem do facto de as obras não estarem concluídas ou de o prédio já pertencer a terceiros.

            Contrapõem os recorridos que lhes assiste o direito à resolução do contrato, dado o decurso do prazo fixado como máximo para a realização da escritura, o que é imputável aos réus, em face do que têm direito a haver o sinal em dobro.

            Na sentença recorrida considerou-se que o prazo de 5 anos fixado para a realização da escritura tem de entender-se como termo essencial para a cabal realização do contrato, pelo que em face de a escritura não se ter realizado no prazo nele previsto, têm os autores direito à resolução do contrato e consequente direito a receber o sinal em dobro.

            Desde já se adianta que se concorda com o ali quanto a tal expendido e para cujos termos se remete, em conformidade com o disposto no artigo 713.º, n.º 5 do CPC.

            No entanto, não se deixará de referir mais o seguinte.

            Como acima já referido, dentro dos limites da lei, as partes continuam a ter a liberdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos – artigo 405.º, n.º 1, CC.

            Do conteúdo dos contratos, pode fazer parte, por exemplo, a estipulação ou de uma condição resolutiva ou de um termo essencial ou de uma cláusula resolutiva expressa (hipótese da cláusula resolutiva convencional, prevista expressamente no artigo 432,º n.º 1 do CC).

            Antecipando, desde já, a interpretação que efectuamos da cláusula 7.ª do contrato promessa em causa, diremos que a mesma constitui, na parte em que fixa como prazo máximo para a celebração da escritura o período de 5 anos desde a data da respectiva assinatura, um termo essencial subjectivo e relativo, funcionando, por conseguinte, como uma cláusula resolutiva.

            É certo que o prazo da prestação não é, por regra, um elemento essencial na economia do contrato, só assim acontecendo quando, por exemplo a própria finalidade do contrato se transforma em conteúdo do negócio (é o conhecido exemplo do contrato que tenha por objecto o fornecimento do copo de água de uma boda).

            Não obstante, a essencialidade de um prazo/termo pode ser-lhe conferida por uma pactuação expressa ou tácita dos contraentes.

            A essencialidade de um prazo/termo reflecte a redução ou o desaparecimento da utilidade da prestação para o credor após o decurso do prazo e, nessa medida, é perfeitamente admissível que as partes por acordo liguem a uma determinada data/prazo a presunção absoluta do desaparecimento do interesse nas prestações; por outras palavras, é perfeitamente admissível que pactuem um termo essencial subjectivo.

            Quando assim procedem, quando pactuam um termo essencial subjectivo, fazem-no com o sentido de uma simples cláusula resolutiva – cf. Batista Machado, Resolução por Incumprimento, in Estudos ao Prof. Teixeira Ribeiro, pág.s 408 e 409.

            Consequentemente, a cláusula 7.ª do contrato promessa sub judice constitui uma cláusula resolutiva, uma vez que visa conferir aos credores, os aqui autores, o direito potestativo de recusar a prestação e portanto de resolver o contrato e de o considerar como definitivamente não cumprido, podendo, porém, se o preferirem, exigir antes o respectivo cumprimento.

            Em sentido idêntico se pronunciou o Acórdão do STJ, de 11 de Abril de 2000, in CJ, STJ, ano VIII, 2, pág.s 32 a 34 (e no qual se citam outros no mesmo sentido) e o desta Relação de 12/02/2008, Processo 1283/06.8TBAGD.C1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc, no qual se refere que:

 “Só com a fixação expressa de um termo essencial para o cumprimento, no respectivo contrato promessa, ou com a alegação desse facto na petição inicial, a obrigação deve ser, necessariamente cumprida, no prazo fixado”.

            Não obstante, do direito a resolver o contrato e do seu exercício não resulta, só por si e automaticamente, para os autores qualquer direito indemnizatório, mas apenas os efeitos resultantes do disposto no artigo 433.º CC, ou seja a restituição da quantia que haviam entregue ao 1.º réu.

            Isto porque, para a resolução basta um juízo de inadimplemento; a resolução não tem um carácter de sanção contra o inadimplente, mas, antes, o carácter de um remédio ou expediente facultado ao credor – cf. Batista Machado, ob. cit., pág. 347 e Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 328, pelo que para que tal se verifique terão de ter incumprido o contrato.

           

            Ora, compulsando a matéria de facto assente, verifica-se que os RR, para além de terem onerado os bens prometidos vender com hipotecas, de terem as obras paradas desde há vários anos, de terem transmitido a propriedade do prédio em causa para terceiros, também não celebraram a escritura definitiva, a qual não poderia exceder o prazo máximo de 5 anos contados desde a data da assinatura do contrato, em clara violação do princípio da pontualidade que deve presidir no cumprimento dos contratos, devendo estes ser cumpridos nos exactos termos em que são celebrados, em obediência ao disposto no artigo 406.º, n.º 1, CC, o que tudo permite concluir, sem margem para dúvidas, que estamos perante uma situação de incumprimento por parte dos réus.

            De resto e de acordo com o disposto no artigo 799, n.º 1, Código Civil, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua e só existe incumprimento definitivo quando a prestação não tenha sido cumprida e já não possa vir a sê-lo posteriormente e desde que continue a existir interesse do credor na prestação ou se esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado, de acordo com o disposto no artigo 808, n.º 2, Código Civil.

            De acordo com o disposto neste preceito “a perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente “.

Como ensina A. Varela, in RLJ 118 - 54 “a lei não se contenta com a simples perda (subjectiva) do interesse do credor na prestação em mora para decretar a resolubilidade do contrato; o n.º 2 do artigo 808 CC exige que a perda do interesse seja apreciada objectivamente”.

A perda do interesse não pode ater-se, somente, numa simples mudança de vontade do credor na efectivação do negócio, desacompanhada de qualquer circunstância de relevo para além da mora. A perda do interesse há-de objectivar-se segundo o critério de razoabilidade própria do comum das pessoas.

No mesmo sentido, veja-se Menezes Cordeiro, in Estudos de Direito Civil, vol. I, pág. 55 e Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra E Venda E Na Empreitada, pág.s 333 e 334.

            A diferença entre a mora e o incumprimento definitivo reside no facto de a mora se traduzir na falta de cumprimento na data estabelecida, continuando o cumprimento a ser possível e a satisfazer o interesse do credor, enquanto o incumprimento definitivo revela uma situação em que a prestação já não pode ser efectuada ou deixe de satisfazer o interesse do credor.

No entanto, dado o teor da cláusula 7.ª acima já analisado, pelos motivos acima já explanados, é seguro que os autores poderiam, como o pretendem, considerar resolvido o contrato.

            Em face de tal incumprimento e ao abrigo do disposto no artigo 442.º, n.º 2 do CC, têm os autores direito a haver dos réus o sinal que prestaram, em dobro, soçobrando a argumentação expendida pela ora recorrente, sendo de manter o decidido em 1.ª instância.

            Pelo que, também, com fundamento nesta questão improcede o presente recurso.

Dada a improcedência do recurso de apelação interposto pela 2.ª ré, é de manter a decisão recorrida, ficando prejudicado o conhecimento do agravo interposto pelos autores, em face do disposto no artigo 710.º, n.º 1 do CPC.

Nestes termos se decide:       

Julgar improcedente a apelação deduzida, em função do que confirma a decisão recorrida.

Considerar prejudicado o conhecimento do agravo interposto pelos autores.

            Custas pela apelante.