Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
228/07.2GAACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: SUSPENSÃO DA PENA
PRESSUPOSTOS
PROVA
Data do Acordão: 04/22/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 50º CP
Sumário: 1. O tribunal, em obediência ao principio da descoberta da verdade e boa decisão, deve oficiosamente ordenar a produção de todos os meios de prova, mas há-de ser o arguido a carrear elementos que permitam concluir que com a pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. Inexistindo esses elementos, o tribunal tem de concluir que a pena de substituição não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que, em relação ao arguido:
M..., nascido a 26-01-49 em A…, divorciado e desempregado;

Decidiu:
Julgar a acusação procedente e em consequência condenar o arguido, pela prática de:
a)- 1 crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143°, n° 1, do Código Penal, (em que é ofendida O...) na pena de seis meses de prisão;
b)- 2 crimes de ameaça, p. e p. pelo artigo 153°, nºs. 1 e 2, por referência ao artigo 131°, do mesmo Código, (em que são ofendidas L... e T...), nas penas individuais de quatro meses de prisão;
c)- 1 crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347° do Código Penal, na pena de nove meses de prisão;
d)- 2 crimes de injúria qualificada, p. e p. pelos artigos 181°, n° 1, 184°, este por referência ao artigo 132°, n° 2, al. j), todos do Código Penal (em que são ofendidos A... e J...) nas penas individuais de dois meses de prisão;
e)- 2 crimes de ameaça, p. e p. pelo artigo 153°, nºs. 1 e 2, por referência ao artigo 131°, do mesmo Código (em são ofendidos A... e J...) nas penas individuais de seis meses de prisão;
f)- 1 crime de dano, p. e p. pelo art° 212° do Código Penal, na pena de três meses de prisão;
g)- 1 crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo artigo 359°, nºs. 1 e 2, do Código Penal na pena de seis meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico, condená-lo na pena única de dois anos e cinco meses de prisão.
Quanto à acção cível:

- Julgar o pedido de indemnização civil formulado por J... procedente, por provado e, consequentemente, condenar M... a pagar-lhe o montante de €500 (quinhentos euros), quantia acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento nos termos do disposto no art. 805º 3 do Código Civil.
- Julgar o pedido de indemnização civil formulado por A... procedente, por provado e, consequentemente, condenar M... a pagar o montante de €525 (quinhentos e vinte e cinco euros), quantia acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento nos termos do disposto no art. 805º 3 do Código Civil.
- Julgar o pedido de indemnização civil formulado por O... parcialmente procedente, por parcialmente provado e, consequentemente, condenar M... a pagar-lhe o montante de €1500 (mil e quinhentos euros), quantia acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento nos termos do disposto no art. 805º 3 do Código Civil, absolvendo o demandado quanto ao demais.

***
Desta decisão interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo, e que delimitam o objecto:
1- Foi desajustada e excessiva a pena de prisão imposta ao arguido,
2- Aceita-se a condenação do arguido, já que a sua conduta é censurável,
3- Mas já não se aceita que este seja prejudicado, pelo facto de o Tribunal "a quo" considerar que o arguido apesar de ter sido condenado anteriormente, não constituiu advertência suficientemente bastante para o afastar da prática de delitos de natureza criminal,
4- Tal afirmação, não constitui matéria de facto concreta, mas tão só uma conclusão.
5- A sentença viola assim a al. a) do n.º 2 do art. 410 do C.P.P., já que
6- A matéria facto provada é manifestamente insuficiente para a decisão.
7- Violou-se também o princípio "in dúbio pró reo"
8- O arguido está integrado na sociedade, e pese embora se encontre desempregado, faz constantemente biscates que lhe permitem obter rendimentos para cumprir com as suas obrigações inerentes á sua pessoa, entre as quais o pagamento de uma renda de € 206,00 mensais.
9- A pena aplicada é inferior a 5 anos, pelo que deve ser suspensa a sua execução.
10- Sujeitando-se, eventualmente, ao regime de prova previsto no ano 50 n° 2 e 53 do C. Penal,
11- Pois, in casu, através deste regime de prova conseguir-se-á alcançar o objectivo do nosso sistema punitivo, mormente no seu sentido pedagógico e ressocializador. Já que,
12- Permitirá ao arguido ser acompanhado pelos serviços de reinserção social, que possibilitaram e auxiliaram o arguido a uma efectiva e total reabilitação social, nomeadamente, através da adopção de hábitos de sã convivência comunitária e social.
13- Ao não suspender a execução da pena, o Tribunal "a quo" violou o disposto nos art. 40, 50, 70, e 71, todos do C. Penal.
Termos em que se deverá dar provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta Sentença recorrida, substituindo-a por outra que conceda ao arguido a suspensão da pena de prisão que caso V. Excias assim o entendam poderá ser sujeita a regime de prova, oficiando-se para o efeito o IRS para proceder á elaboração do plano Individual de readaptação social do arguido.
Respondeu o Magistrado do Mº Pº concluindo:
I- A decisão recorrida é inatacável, porque fundamentada e foi proferida em obediência à lei - art. 70 e 71 do Cód. Proc. Penal.
II- O quantum da medida da pena é o adequado e integra-se no seu ponto óptimo de equilíbrio;
III- A escolha da pena de prisão em detrimento de qualquer outra pena encontra-se bem fundamentada e justificada pelas necessidades de prevenção geral e especial;
IV- A pena de prisão efectiva é a única a poder atingir as referidas necessidades de prevenção.
V- Não foi violado qualquer imperativo legal;
VII- A decisão recorrida não merece reparo e deve ser mantida na íntegra.
Nesta Relação, o Ex.mº PGA emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida, ou seja, não provimento do recurso.
Cumprido o art. 417 nº 2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados:

III. DOS FACTOS

1. Factos provados
Da prova produzida em audiência resulta assente a seguinte factualidade:
1) No dia 3 de Junho de 2007, cerca das 21.40 horas, no interior da residência de M... e de O…, sua companheira, sita na Rua dos C…, área deste concelho e Comarca de Alcobaça, aquele abeirou-se desta e desferiu-lhe um número não concretamente apurado de murros nos braços e na cabeça.
2) Em consequência dos factos acima descritos, o arguido provocou em O… duas equimoses arroxeadas no braço direito com 2 centímetros e 1 centímetro de comprimento, uma equimose rosada no couro cabeludo, na região temporal esquerda com 3 centímetros de diâmetro e na região occipital com 2 por 3 centímetros, causou mal-estar psicológico e dores, lesões essas que lhe determinaram, foram causa directa e necessária de um período de doença fixável em 4 (quatro) dias, sem afectação da capacidade para o trabalho em geral e sem afectação da capacidade para o trabalho profissional.
3) Na sequência dos factos em 1. a 3., T… contactou a GNR para o Posto da G.N.R. de Alcobaça, dando conta de uma situação de “violência doméstica”, pelo que, uma patrulha desta força, composta pelos soldados e ofendidos A... e J..., deslocou-se à residência sita em 1°, com vista a proceder à identificação de O... e de M....
4) Aí chegados, os soldados da G.N.R. A... e J... pediram ao arguido o seu bilhete de identidade, a fim de ser elaborado Auto de Notícia, para ser enviado a Tribunal, pelo crime de violência doméstica.
5) Acto contínuo, o arguido respondeu-lhes: Não tenho identificação e mesmo que tivesse não me identificava.”
6) Ao que os referidos militares lhe disseram que o teria de fazer, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência.
7) Acto, contínuo, o arguido dirigiu-se a L... e disse-lhe: “Ainda te fodo.”
8) E, de seguida, o arguido dirigiu-se a T… levantou os braços e as mãos para lhe bater, ao mesmo tempo que lhe disse: “Qualquer dia levas um murro na cabeça; ainda te fodo.
9) Disso tendo sido impedido pelo Soldado J... que, para o efeito, lhe agarrou o braço esquerdo e o puxou para trás.
10) Insatisfeito, o arguido M... abeirou-se do soldado J... e, acto, contínuo, fez um movimento com a cabeça, de trás para a frente, com intenção de atingir aquele na cabeça, ao mesmo tempo que lhe disse: “A ti parto-te todo.“
11) Não logrou, no entanto, atingir o soldado J... em virtude de este ter desviado e ter tido agarrado pelo mesmo, caindo o arguido ao chão.
12) E, acto contínuo, o arguido M... levantou-se e dirigindo-se novamente ao soldado J..., disse-lhe: “Não sabes com quem te estás a meter; eu fui dos comandos na tropa e parto-vos todos.
13) Altura em que o soldado J... deu voz de detenção ao arguido.
14) Após o que o arguido se dirigiu aos soldados J... e A... disse-lhes: “Filhos da puta; cabrões; merdas.“
15) Após o que o arguido foi introduzido à força no veículo da G.N.R., não obstante as diversas tentativas do arguido dele sair, para ser conduzido ao Posto da G.N.R. de Alcobaça, sob detenção.
16) E, durante o trajecto, o arguido voltou a dirigir-se aos soldados J... e A... e disse-lhes: “Não sabeis quem sou, nem com quem vos estais a meter; eu conheço muitos advogados e juízes que vos fazem a folha; olhai que eu sou dos comandos e parto-vos aos dois de uma só vez. “
17) Já no interior do Posto da G.N.R. de Alcobaça, o arguido M... abeirou-se do soldado A..., agarrou-lhe o bolso das calças, puxou-o e rasgou-lho, causando estragos nas calças daquele, no valor de €25,00.
18) O arguido voltou a dirigir-se aos soldados A... e J..., tendo-lhes dito: “Vocês estão fodidos; eu faço-vos a folha, vocês não sabem com quem se estão a meter; quando vos apanhar lá fora fodo-vos; ponham-se a pau comigo, porque eu sou muito vingativo; quem mas fizer vai ter que mas pagar; eu apanho-vos na rua e ponho-vos o baço cá para fora; tenho idade para ser vosso pai”.
19) E, dirigindo-se para o soldado A..., disse-lhe: “A tua cara nunca mais vou esquecer; apanho-te aí numa esquina e acabo contigo; olha que fui dos comandos; quando vos apanhar à falsa fé, dou-vos um murro nos cornos que vos seguro logo“.
20) No dia 4 de Junho de 2007, o arguido M... foi presente à Exma. Senhora Juiz de Instrução Criminal, para primeiro interrogatório judicial de arguido detido no Tribunal Judicial desta Comarca de Alcobaça, pelas 15.55 horas.
21) Quando perguntado acerca da sua identidade e dos seus antecedentes criminais e advertido de que a falta de respostas ou falsidade das mesmas o faria incorrer na prática de um crime de falsas declarações, o arguido, quanto aos segundos disse: “Já ter sido condenado por um crime relacionado com factos relativos a um contrato de arrendamento, desconhecendo a pena em que foi condenado. “
22) Todavia, o arguido tinha, à data, os seguintes antecedentes criminais a saber:
a) Por sentença datada de 3/7/2001, já transitada, proferida nos autos nº 30057/98.6TAACB do 1º Juízo deste tribunal, o arguido foi condenado pela prática, em 02-11-1997, de um crime de ameaça, p. e p. pelo art ° 153° do C Penal, na pena de 3 meses de prisão suspensa por um ano e seis meses.
b) Por sentença datada de 18/3/2002, já transitada, proferida nos autos nº 158/01.1TBACB do 1º Juízo deste tribunal, o arguido foi condenado pela prática em 11/10/2002 de um crime de desobediência qualificada, na pena de 8 meses de prisão suspensa por dois anos.
c) Por sentença datada de 22-05-2002, já transitada, proferida nos autos nº 259/98.1TASNT do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Comarca de Sintra, o arguido foi condenado pela prática em 1/12/1997 de um crime de coacção, na pena de 2 anos de prisão suspensa por dois anos e seis meses.
d) Por sentença datada de 18-03-2003, já transitada, proferida nos autos nº 7/98.8TASNT do 3º Juízo Criminal do Tribunal de Comarca de Sintra, o arguido foi condenado pela prática de três crimes de ameaça, na pena de 14 meses de prisão suspensa por dezoito meses.
23) Ao actuar da forma descrita em 1° e 2º, o arguido quis provocar dores físicas e mau estar psicológico na pessoa da ofendida O..., bem sabendo que os provocaria, tendo em atenção as regiões do corpo que procurou e conseguiu atingir, querendo, na verdade, dar causa a essas dores e mau estar, bem sabendo que a descrita conduta era adequada à produção daqueles efeitos.
24) O sistema nervoso de O... ficou alterado devido à conduta do Arguido tendo-a feito passar uma grande vergonha.
25) Ao actuar da forma descrita em 7º, 8º, 10, 12º, 16º, 18º e 19ºº, o arguido dirigiu-se aos ofendidos L..., T…, A... e J... em tons seriedade e veracidade, tendo-se estes assustado, sentido perturbados na sua segurança e afectados na sua liberdade.
26) Ao actuar da forma descrita em 14°, bem sabia o arguido que as expressões que proferia e dirigia aos soldados da G.N.R. A... e J... lhes causavam consternação pela forma como foram proferidas perante as pessoas que ali se encontravam e por se encontrarem devidamente uniformizados e em cumprimento dos seus deveres.
27) Ao actuar da forma descrita em 5º e 15º pretendia impedir a abordagem por parte daquele, a sua pronta identificação, e detenção, procurando furtar-se à acção da Justiça e garantir a impunidade das suas condutas, actos esses perturbadores da segurança e tranquilidade públicas.
28) Ao actuar da forma descrita em 17º bem sabia arguido o seu comportamento era adequado a produzir aqueles estragos ao seu legítimo proprietário e de que actuava contra a vontade deste. Causou o arguido estragos nas calças do ofendido A... no valor de 25,00€, que ficaram inutilizadas totalmente, não podendo ser de novo usadas.
29) Ao actuar da forma descrita em 20º e 21º, pretendeu o arguido e quis ocultar ao Tribunal os seus antecedentes criminais.
30) Agiu o arguido sempre de forma deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas descritas eram censuradas, proibidas e punidas por lei.
31) O arguido encontra-se desempregado há longo tempo, fazendo biscates, auferindo rendimento não apurado;
32) Vive sozinho;
33) Vive em casa arrendada pagando €206 de renda mensal.
34) Tem o 12º ano de escolaridade.
35) Para além dos antecedentes referidos no ponto 22), o arguido foi condenado por sentença proferida nos autos 899/05.4TAACB do 2º J. deste tribunal em 22/9/2006, transitada em 6/5/2008, na pena de sete meses de prisão a cumprir por dias livres, pela prática de um crime de abuso de confiança e de um crime de dano, em 25/6/2003.
2. Factos não provados
i. Na sequência dos factos, O... despendeu €150 em consultas médicas.

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Embora na conclusão 1ª da motivação do recurso, o recorrente refira o desajuste e excesso da pena, o certo é que toda a motivação incide sobre a não aplicação da pena de substituição, suspensão da execução da pena de prisão, sendo igualmente certo que na conclusão 2ª o arguido aceita a condenação.
Assim, analisemos a questão única suscitada:
Suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
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Temos como assentes os factos supra referidos e dados como provados na decisão recorrida.
Nos termos do art. 410 nº 2 do CPP, mesmo restringindo o recurso ao conhecimento da matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento os vícios.
Vem alegado o vício da insuficiência, apenas nas conclusões, 5ª e 6ª.
Os vícios hão-de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
In casu, não se verifica tal vício, uma vez que a pena de substituição, suspensão da execução da pena de prisão, apenas se aplica se se verificarem os fundamentos enunciados no art. 50 do CP.
Não podemos concordar com o entendimento do recorrente de que o arrependimento se presume –fls. 3 do recurso, ao alegar, “e, da prova produzida em audiência, não resultou que o arguido não se arrependeu de ter cometido tais factos”. Como não se provou que o arguido não se arrependeu, o recorrente das das negativas forma uma positiva concluindo que se arrependeu.
Quando, para ser valorada nos termos do art. 50, deveriam provar-se factos pela positiva, reveladores do arrependimento.
E, na mesma fls. 3 do recurso, o recorrente reconhece que quanto a tais factos (fundamento da aplicação da pena de substituição), “a prova foi, pura e simplesmente inexistente”.
É o próprio recorrente que reconhece a inexistência de fundamento da aplicação da pena de substituição que pede.
Devendo o Tribunal, em obediência ao principio da descoberta da verdade e boa decisão, mesmo oficiosamente ordenar a produção de todos os meios de prova, há-de ser o arguido a carrear elementos que permitam ao tribunal concluir que com a pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Inexistindo esses elementos, sem que se verifique qualquer vício, incluindo o alegado, o tribunal tem de concluir que a pena de substituição não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
E, nesse aspecto, a “colaboração” do arguido, (sendo certo que até tem o direito ao silêncio sem que isso o desfavoreça, mas também sem que pretenda benefícios ou atenuantes) foi nula, pois como se refere na fundamentação da matéria de facto, “O arguido não negou ter estado presente no dia, hora e locais indicados no ponto 1., recordando até que tinha ido ao café onde tinha bebido quatro cervejas e regressado a casa, não se recordando de mais nada até ter acordado no hospital.
De notar, pois, que o arguido alegou esquecimento apenas no que diz respeito aos factos constantes da douta acusação, recordando com notável precisão o que sucedeu antes e depois, não sendo credível a sua alegada amnésia parcial”.
Perante essa “colaboração” não pode o arguido agora vir alegar a insuficiência da matéria de facto para a decisão.
E, a haver insuficiência seria para aplicar a pena de substituição pretendida (e por isso se não aplicou), e não para aplicar a pena que foi aplicada.
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito;
- Lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar;
- O tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê­-lo;
- Por haver lacunas no apuramento da matéria de facto necessária e possível para a decisão. Se não há essas lacunas, há uma errada subsunção dos factos ao direito - erro de julgamento - (Germano Marques da Silva).
Esta insuficiência manifesta-se, pelo menos tendo em conta as regras da experiência, a levar em conta na formação da convicção.
Como se refere no Ac. do STJ in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6º, Fasc. 4, pág. 557, "se se verificar que o Tribunal investigou o que devia investigar e fixou -dentro dessas possibilidades de investigação- matéria de facto suficiente para a decisão de direito, tal vício não existirá". "Apenas existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz".
Não se verifica in casu este vício.
Violação do princípio in dúbio pró reo:
Vem focado na conclusão 7.
Não se descortina, na motivação, em que consistiu essa violação.
Não havendo elementos que permitam aplicar a pena de substituição, esta não deve ser aplicada, sem que daí resulte qualquer dúvida.
Não foi afectado o princípio «in dubio pro reo», princípio este que só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas decidisse nessa situação contra o arguido. O que não acontece nos autos.
O princípio in dubio pro reo é o correlato processual do princípio da presunção da inocência do arguido.
Gozando o arguido da presunção de inocência (artigo 32, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), toda e qualquer dúvida com que o tribunal fique reverterá a favor daquele.
O princípio in dubio pro reo, traduz o correspectivo do princípio da culpa em direito penal, ou "a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como axiológíco-normatívo da pena" - Vital Moreira e Gomes Canotilho in Constituição da República Portuguesa, anotada.
"O principio in dubio pro reo aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também ás causas de exclusão da ilicitude (v. g. a legitima defesa), de exclusão da culpa. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido" - Figueiredo Dias in D.tº Processual Penal, 1974, 211.
O princípio in dubio pro reo só é desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido - Ac. do mesmo Supremo de 18/3/98 in Proc 1543/97.
In casu, o tribunal não decidiu contra o arguido, antes decidiu em função dos elementos fácticos apurados, sem que daí resultasse ou ressaltasse, qualquer situação de dúvida.
Pena de substituição: Suspensão da execução da pena de prisão.
Como define a Prof. Maria João Antunes, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra 2007/2008, pág. 9, “são penas de substituição as que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal”.
O Prof. Costa Andrade (em parecer) refere que “a suspensão da execução da pena de prisão emerge neste contexto como a mais importante pena de substituição”.
O art. 50 do CP, na redacção actual apenas alterou a medida da pena até à qual pode o arguido beneficiar da suspensão da execução da pena (passou de 3 para 5 anos).
Quanto ao mais, mantêm-se os pressupostos: que a personalidade do agente, as condições da sua vida, conduta anterior e posterior aos factos, circunstâncias destes, se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (se necessário com imposição de deveres).
Todas estas circunstâncias hão-de ser ponderadas em face dos factos provados e não constituir em si facto a provar, e não se provando haver insuficiência (vício do art. 410 nº 2 do CPP).
Não é facto a provar, as circunstâncias que podem determinar a suspensão da execução da prisão.
Não se pode perguntar, a fim de ser feita prova: a personalidade do agente, as condições da sua vida, a conduta anterior e posterior aos factos, as circunstâncias destes, permitem concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição?
Parece que seria a resposta a esta pergunta que o recorrente pretendia ao formular a conclusão 4ª.
Aquelas circunstâncias hão-de resultar dos factos provados e então aplica-se a pena de substituição, ou não resultam e mantém-se a pena principal.
Há que ponderar a gravidade dos crimes, a repercussão social e necessidade de prevenção geral e especial.
A esse propósito é referido na sentença recorrida:
“4 - Da suspensão da pena

A suspensão da execução da pena de prisão (art. 50º do CP), é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada nos casos em que é aplicada pena de prisão não superior a três anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o julgador concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como se aponta no art. 40º do CP. (Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, Anotado e Comentado, Almedina, 14ª edição, 2001, pág. 191).

Trata-se de um poder-dever que vincula o julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os citados pressupostos. (Ac. do TR Coimbra de 20-11-1997, CJ, 1997, 5, 53).

Resulta dos presentes autos que o arguido tem antecedentes criminais, tendo sofrido já quatro condenações, todas elas com pena de prisão suspensa na sua execução, e outra em prisão efectiva.

Porém, o arguido não interiorizou com os períodos de suspensão das penas, os valores essenciais da vida em sociedade, nem a antijuridicidade das suas condutas, o que impede um juízo de prognose favorável ao arguido, tanto mais que, não obstante as mencionadas quatro condenações, não se vislumbra do seu recente comportamento que tenha interiorizado o desvalor da sua conduta delituosa, e, como tem sido referido na jurisprudência, aliás na senda de FIGUEIREDO DIAS (As Consequências Jurídicas do Crime, Noticias Editorial, pág. 343), tal juízo terá como ponto de partida, o momento da decisão e não a data da prática do crime (Ac. STJ de 24-05-2001, CJSTJ, 2, 201).
Certos de que o que está aqui em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, se entende que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão não realizam, de forma adequada, as exigências e finalidades da punição, pelo que não se determina a suspensão da execução da pena de prisão aplicada”.
Não resultam provados, como já supra se concluiu, factos demonstrativos de que a pena de substituição realiza as finalidades da punição, de forma adequada e suficiente.
A personalidade do arguido e as suas condições de vida, conduta anterior e posterior e circunstâncias da ocorrência dos factos, não lhe são favoráveis, não se pode formar um juízo de prognose favorável –factos 31 a 33 dos provados.
Há que ponderar que o arguido, apesar das condenações já sofridas, mas quase sempre aplicada a suspensão da execução da prisão (teve uma condenação em prisão, pena de sete meses a cumprir em dias livres) ainda não se consciencializou da antijuridicidade da sua conduta (espelhada nas sucessivas condenações -5), e da necessidade de adequar o seu comportamento à vivencia em sociedade.
A determinação do comportamento de acordo com os padrões sociais há-de ser a norma.
Assim, temos não haver factos provados que apontem para a viabilidade de concessão do benefício da suspensão da execução da pena, mesmo com condições. Nada permite ao julgador formular o juízo de prognose favorável e necessário à aplicação da pena de substituição.
O art. 50 nº 1 do Cód. Penal, refere que "o tribunal suspende a execução da pena ...se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça...realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
A suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada se (e somente se), o julgador concluir que a simples censura do facto e ameaça da pena realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como aponta o art. 40 nº 1 do Cód. Penal.
Como salienta o Ac. desta Relação, de 20-11-1997, "a suspensão da execução da pena não é uma mera faculdade do tribunal, mas antes um poder-dever ou um poder funcional dependente da verificação dos pressupostos formal e material fixados na lei" (sublinhado nosso).
A aplicação, desta medida de excepção (suspensão), não é automática, sendo essencial a demonstração de que das circunstâncias que acompanharam a infracção, se não induza perigo da prática de novos crimes, sempre sem olvidar os fins das penas e nomeadamente as necessidades da prevenção.
No caso presente, tais pressupostos não se verificam, pelo que a suspensão não poderá ser decretada.
Daí que se julgue improcedente o recurso.

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Decisão:
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação e Secção Criminal, em julgar não provido o recurso e, consequentemente, manter-se a decisão recorrida nos seus termos.
Custas pelo recorrente, com 7 Ucs de taxa de justiça.
Coimbra,
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