Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE DIAS | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DA PENA PRESSUPOSTOS PROVA | ||
Data do Acordão: | 04/22/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE ALCOBAÇA – 1º J | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 50º CP | ||
Sumário: | 1. O tribunal, em obediência ao principio da descoberta da verdade e boa decisão, deve oficiosamente ordenar a produção de todos os meios de prova, mas há-de ser o arguido a carrear elementos que permitam concluir que com a pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 2. Inexistindo esses elementos, o tribunal tem de concluir que a pena de substituição não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal. No processo supra identificado foi proferida sentença que, em relação ao arguido: M..., nascido a 26-01-49 em A…, divorciado e desempregado; Decidiu: - Julgar o pedido de indemnização civil formulado por J... procedente, por provado e, consequentemente, condenar M... a pagar-lhe o montante de €500 (quinhentos euros), quantia acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento nos termos do disposto no art. 805º 3 do Código Civil. *** Desta decisão interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo, e que delimitam o objecto: 1- Foi desajustada e excessiva a pena de prisão imposta ao arguido, 2- Aceita-se a condenação do arguido, já que a sua conduta é censurável, 3- Mas já não se aceita que este seja prejudicado, pelo facto de o Tribunal "a quo" considerar que o arguido apesar de ter sido condenado anteriormente, não constituiu advertência suficientemente bastante para o afastar da prática de delitos de natureza criminal, 4- Tal afirmação, não constitui matéria de facto concreta, mas tão só uma conclusão. 5- A sentença viola assim a al. a) do n.º 2 do art. 410 do C.P.P., já que 6- A matéria facto provada é manifestamente insuficiente para a decisão. 7- Violou-se também o princípio "in dúbio pró reo" 8- O arguido está integrado na sociedade, e pese embora se encontre desempregado, faz constantemente biscates que lhe permitem obter rendimentos para cumprir com as suas obrigações inerentes á sua pessoa, entre as quais o pagamento de uma renda de € 206,00 mensais. 9- A pena aplicada é inferior a 5 anos, pelo que deve ser suspensa a sua execução. 10- Sujeitando-se, eventualmente, ao regime de prova previsto no ano 50 n° 2 e 53 do C. Penal, 11- Pois, in casu, através deste regime de prova conseguir-se-á alcançar o objectivo do nosso sistema punitivo, mormente no seu sentido pedagógico e ressocializador. Já que, 12- Permitirá ao arguido ser acompanhado pelos serviços de reinserção social, que possibilitaram e auxiliaram o arguido a uma efectiva e total reabilitação social, nomeadamente, através da adopção de hábitos de sã convivência comunitária e social. 13- Ao não suspender a execução da pena, o Tribunal "a quo" violou o disposto nos art. 40, 50, 70, e 71, todos do C. Penal. Termos em que se deverá dar provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta Sentença recorrida, substituindo-a por outra que conceda ao arguido a suspensão da pena de prisão que caso V. Excias assim o entendam poderá ser sujeita a regime de prova, oficiando-se para o efeito o IRS para proceder á elaboração do plano Individual de readaptação social do arguido. Respondeu o Magistrado do Mº Pº concluindo: I- A decisão recorrida é inatacável, porque fundamentada e foi proferida em obediência à lei - art. 70 e 71 do Cód. Proc. Penal. II- O quantum da medida da pena é o adequado e integra-se no seu ponto óptimo de equilíbrio; III- A escolha da pena de prisão em detrimento de qualquer outra pena encontra-se bem fundamentada e justificada pelas necessidades de prevenção geral e especial; IV- A pena de prisão efectiva é a única a poder atingir as referidas necessidades de prevenção. V- Não foi violado qualquer imperativo legal; VII- A decisão recorrida não merece reparo e deve ser mantida na íntegra. Nesta Relação, o Ex.mº PGA emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida, ou seja, não provimento do recurso. Cumprido o art. 417 nº 2 do CPP, não foi apresentada resposta. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir: *** São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados:
III. DOS FACTOS 1. Factos provados *** Embora na conclusão 1ª da motivação do recurso, o recorrente refira o desajuste e excesso da pena, o certo é que toda a motivação incide sobre a não aplicação da pena de substituição, suspensão da execução da pena de prisão, sendo igualmente certo que na conclusão 2ª o arguido aceita a condenação.Assim, analisemos a questão única suscitada: Suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido. Temos como assentes os factos supra referidos e dados como provados na decisão recorrida.* Nos termos do art. 410 nº 2 do CPP, mesmo restringindo o recurso ao conhecimento da matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento os vícios. Vem alegado o vício da insuficiência, apenas nas conclusões, 5ª e 6ª. Os vícios hão-de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. In casu, não se verifica tal vício, uma vez que a pena de substituição, suspensão da execução da pena de prisão, apenas se aplica se se verificarem os fundamentos enunciados no art. 50 do CP. Não podemos concordar com o entendimento do recorrente de que o arrependimento se presume –fls. 3 do recurso, ao alegar, “e, da prova produzida em audiência, não resultou que o arguido não se arrependeu de ter cometido tais factos”. Como não se provou que o arguido não se arrependeu, o recorrente das das negativas forma uma positiva concluindo que se arrependeu. Quando, para ser valorada nos termos do art. 50, deveriam provar-se factos pela positiva, reveladores do arrependimento. E, na mesma fls. 3 do recurso, o recorrente reconhece que quanto a tais factos (fundamento da aplicação da pena de substituição), “a prova foi, pura e simplesmente inexistente”. É o próprio recorrente que reconhece a inexistência de fundamento da aplicação da pena de substituição que pede. Devendo o Tribunal, em obediência ao principio da descoberta da verdade e boa decisão, mesmo oficiosamente ordenar a produção de todos os meios de prova, há-de ser o arguido a carrear elementos que permitam ao tribunal concluir que com a pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Inexistindo esses elementos, sem que se verifique qualquer vício, incluindo o alegado, o tribunal tem de concluir que a pena de substituição não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. E, nesse aspecto, a “colaboração” do arguido, (sendo certo que até tem o direito ao silêncio sem que isso o desfavoreça, mas também sem que pretenda benefícios ou atenuantes) foi nula, pois como se refere na fundamentação da matéria de facto, “O arguido não negou ter estado presente no dia, hora e locais indicados no ponto 1., recordando até que tinha ido ao café onde tinha bebido quatro cervejas e regressado a casa, não se recordando de mais nada até ter acordado no hospital. De notar, pois, que o arguido alegou esquecimento apenas no que diz respeito aos factos constantes da douta acusação, recordando com notável precisão o que sucedeu antes e depois, não sendo credível a sua alegada amnésia parcial”. Perante essa “colaboração” não pode o arguido agora vir alegar a insuficiência da matéria de facto para a decisão. E, a haver insuficiência seria para aplicar a pena de substituição pretendida (e por isso se não aplicou), e não para aplicar a pena que foi aplicada. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito; - Lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar; - O tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo; - Por haver lacunas no apuramento da matéria de facto necessária e possível para a decisão. Se não há essas lacunas, há uma errada subsunção dos factos ao direito - erro de julgamento - (Germano Marques da Silva). Esta insuficiência manifesta-se, pelo menos tendo em conta as regras da experiência, a levar em conta na formação da convicção. Como se refere no Ac. do STJ in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6º, Fasc. 4, pág. 557, "se se verificar que o Tribunal investigou o que devia investigar e fixou -dentro dessas possibilidades de investigação- matéria de facto suficiente para a decisão de direito, tal vício não existirá". "Apenas existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz". Não se verifica in casu este vício. Violação do princípio in dúbio pró reo: Vem focado na conclusão 7. Não se descortina, na motivação, em que consistiu essa violação. Não havendo elementos que permitam aplicar a pena de substituição, esta não deve ser aplicada, sem que daí resulte qualquer dúvida. Não foi afectado o princípio «in dubio pro reo», princípio este que só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas decidisse nessa situação contra o arguido. O que não acontece nos autos. O princípio in dubio pro reo é o correlato processual do princípio da presunção da inocência do arguido. Gozando o arguido da presunção de inocência (artigo 32, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), toda e qualquer dúvida com que o tribunal fique reverterá a favor daquele. O princípio in dubio pro reo, traduz o correspectivo do princípio da culpa em direito penal, ou "a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como axiológíco-normatívo da pena" - Vital Moreira e Gomes Canotilho in Constituição da República Portuguesa, anotada. "O principio in dubio pro reo aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também ás causas de exclusão da ilicitude (v. g. a legitima defesa), de exclusão da culpa. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido" - Figueiredo Dias in D.tº Processual Penal, 1974, 211. O princípio in dubio pro reo só é desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido - Ac. do mesmo Supremo de 18/3/98 in Proc 1543/97. In casu, o tribunal não decidiu contra o arguido, antes decidiu em função dos elementos fácticos apurados, sem que daí resultasse ou ressaltasse, qualquer situação de dúvida. Pena de substituição: Suspensão da execução da pena de prisão. Como define a Prof. Maria João Antunes, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra 2007/2008, pág. 9, “são penas de substituição as que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal”. O Prof. Costa Andrade (em parecer) refere que “a suspensão da execução da pena de prisão emerge neste contexto como a mais importante pena de substituição”. O art. 50 do CP, na redacção actual apenas alterou a medida da pena até à qual pode o arguido beneficiar da suspensão da execução da pena (passou de 3 para 5 anos). Quanto ao mais, mantêm-se os pressupostos: que a personalidade do agente, as condições da sua vida, conduta anterior e posterior aos factos, circunstâncias destes, se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (se necessário com imposição de deveres). Todas estas circunstâncias hão-de ser ponderadas em face dos factos provados e não constituir em si facto a provar, e não se provando haver insuficiência (vício do art. 410 nº 2 do CPP). Não é facto a provar, as circunstâncias que podem determinar a suspensão da execução da prisão. Não se pode perguntar, a fim de ser feita prova: a personalidade do agente, as condições da sua vida, a conduta anterior e posterior aos factos, as circunstâncias destes, permitem concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição? Parece que seria a resposta a esta pergunta que o recorrente pretendia ao formular a conclusão 4ª. Aquelas circunstâncias hão-de resultar dos factos provados e então aplica-se a pena de substituição, ou não resultam e mantém-se a pena principal. Há que ponderar a gravidade dos crimes, a repercussão social e necessidade de prevenção geral e especial. A esse propósito é referido na sentença recorrida: “4 - Da suspensão da pena A suspensão da execução da pena de prisão (art. 50º do CP), é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada nos casos em que é aplicada pena de prisão não superior a três anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o julgador concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como se aponta no art. 40º do CP. (Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, Anotado e Comentado, Almedina, 14ª edição, 2001, pág. 191). Trata-se de um poder-dever que vincula o julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os citados pressupostos. (Ac. do TR Coimbra de 20-11-1997, CJ, 1997, 5, 53). Resulta dos presentes autos que o arguido tem antecedentes criminais, tendo sofrido já quatro condenações, todas elas com pena de prisão suspensa na sua execução, e outra em prisão efectiva. Porém, o arguido não interiorizou com os períodos de suspensão das penas, os valores essenciais da vida em sociedade, nem a antijuridicidade das suas condutas, o que impede um juízo de prognose favorável ao arguido, tanto mais que, não obstante as mencionadas quatro condenações, não se vislumbra do seu recente comportamento que tenha interiorizado o desvalor da sua conduta delituosa, e, como tem sido referido na jurisprudência, aliás na senda de FIGUEIREDO DIAS (As Consequências Jurídicas do Crime, Noticias Editorial, pág. 343), tal juízo terá como ponto de partida, o momento da decisão e não a data da prática do crime (Ac. STJ de 24-05-2001, CJSTJ, 2, 201). *** Decisão:Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação e Secção Criminal, em julgar não provido o recurso e, consequentemente, manter-se a decisão recorrida nos seus termos. Custas pelo recorrente, com 7 Ucs de taxa de justiça. Coimbra, ____________________ ____________________ |