Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
150/09.8GBLSA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
ÂMBITO
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (LOUSÃ – INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 44.º, N.º 1, DA LEI N.º 34/2004 (REDACÇÃO DA LEI N.º 47/2007, DE 28-08)
Sumário: I - Em processo penal, perante a disposição normativa do art. 44.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004 (redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28-08), o pedido de apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.

II - O referido benefício abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após a apresentação do respectivo requerimento.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                                                     


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            A - Relatório:

1. Nos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 150/09.8GBLSA, que correm termos na Comarca de Coimbra, Lousã – Instância Local – Secção de Competência genérica – J1, foi, a 24/11/2014, proferido o seguinte Despacho:

            “Veio o condenado A... reclamar da Conta de custas de fls. 538/539, nos termos que constam a fls. 545/553, que, por uma questão de economia processual, aqui se dão por reproduzidos, concluindo, em síntese, que, sendo o apoio judiciário requerido e deferido na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, repercute-se em todo o processo; desta forma, deve ser julgada a execução por custas que se encontra pendente contra o arguido, uma vez que se encontra ainda a decorrer novo prazo para pagamento voluntário das custas, sendo prematura a pendência de tal execução.

            Em cumprimento do disposto nos artigos 31.º e 33.º, do RCP, os autos foram ao Sr. Escrivão Contador que se pronunciou nos termos constantes de fls. 555.

            Seguidamente, foram os autos com vista ao Ministério Público que emitiu o parecer igualmente constante de fls. 556, concluindo, em síntese, que não existe razão ao reclamante, face ao despacho de fls. 223 a 240 e ss. do apenso A, havendo jurisprudência contrária à citada, propugnando pelo indeferimento da reclamação.

            Cumpre apreciar e decidir.

            Pelo exame dos autos, concorda-se com o Sr. Escrivão Contador pelos motivos por si aduzidos a fls. 555 que se deixam aqui reproduzidos, por uma questão de economia processual.

            Com efeito, decorre da decisão proferida a fls. 242 e seguintes dos autos de execução (Apenso A), entre o mais, e passamos a citar, que «o apoio judiciário na modalidade de pagamento da taxa de justiça e demais encargos legais, pedido pelo arguido para a interposição do recurso da sentença (é esse motivo que consta até no requerimento da segurança social) só abrange, como é natural, a dispensa do pagamento de taxa de justiça e de encargos para a fase de recurso – (interpretação restritiva da parte final do normativo em causa)».

            A conta elaborada visou dar cumprimento a tal decisão, decisão, aliás, profusamente fundamentada doutrinal e jurisprudencialmente e que se encontra devidamente transitada em julgado.

            Pelos mesmos motivos não tem sentido a requerida extinção da execução por custas pendente contra o arguido, uma vez que se trata de novo prazo para pagamento voluntário da conta de custas após reformulação da conta de custas inicial de fls. 444/445 (que visou apenas eliminar as custas que da mesma constavam referentes à fase de recurso, mantendo-se as custas da primeira instância), em conformidade com o ordenado na decisão proferida a fls. 242 e seguintes dos autos de execução (Apenso A) devidamente transitada em julgado.

            Face ao exposto, o poder jurisdicional sobre esta matéria encontra-se esgotado, nada mais havendo a apreciar.

            Assim, e sem necessidade de mais considerações, indefere-se a referida reclamação da Conta de custas de fls. 538/539.

            Custas pelo incidente que se fixam em 2 UC.

            Notifique.

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            2. Inconformado com tal Despacho, dele recorreu, a 8/1/2015, o arguido , pedindo a sua revogação e a sua substituição por outro que considere que o apoio judiciário que consta dos autos abrange as custas de todo o processo, não lhe devendo ser exigido o pagamento de qualquer importância nesse campo, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

            1. Recorre-se do Despacho proferido (Ref.ª 65290974) em 24/1172014 que indeferiu a reclamação de conta de custas apresentada pelo aqui Recorrente.

            2. O ora Recorrente foi notificado em 22/10/2014 da conta de custas que consta de fls. 538 e 539 dos presentes autos, tendo apresentado reclamação à conta de custas (fls. 545 a 553).

            3. Pugna-se nomeadamente no Despacho recorrido (e que fundamenta essa decisão) que o apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, pedida pelo arguido para a interposição do recurso da sentença, só abrange a dispensa de pagamento de taxa e de encargos para a fase de recurso.

            4. Ora, a fls. 381 a 383 dos presentes Autos, consta que ao arguido lhe foi deferido o apoio judiciário, nomeadamente e no que aqui mais importa, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, sendo que o respetivo pedido de apoio judiciário (também constante dos mesmos Autos) – que veio a ser deferido – foi junto aos autos antes do trânsito em julgado da Sentença Condenatória.

            5. Tal circunstancialismo leva a que o presente apoio judiciário, quanto a nós indubitavelmente, abranja todas as custas do processo, mesmo anteriores ao momento em que foi apresentado em juízo o deferimento de apoio judiciário (entendimento este que não foi preconizado pelo Tribunal a quo).

            6. Neste mesmo sentido avultam inúmeros arestos, destacando-se os seguintes: Ac. do TRC, de 23/11/2010, processo n.º 43/10.6GDAND-A.C1, Ac. do TRC, 9/4/2008, processo n.º 134/06.8GASRE-A.C1, Ac. do TRG, de 31/10/2005, processo n.º 1783/05-1, todos em www.dgsi.pt.

            7. Destaque-se o sumário do Ac. do TRG, de 16/3/2009, processo n.º 205/07.3GAPTL-A.G1, em www.dgsi.pt, que mantem o entendimento do acórdão do mesmo Tribunal de 31/10/2005, supra referido, onde pode ler-se que:

            “I – Atualmente, em processo penal, o pedido de apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância;

            II – Se deferido, o apoio judiciário abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após o requerimento.”

            8. (…).

            9. (…).

            10. A lei é manifestamente clara no sentido de o apoio judiciário poder ser solicitado até ao trânsito em julgado da decisão final, não contendo qualquer exceção para o caso de o pedido surgir em momento ulterior ao da publicação da sentença, mas em momento anterior ao do trânsito.

            11. Se a causa em que os direitos do arguido se discutem ainda se encontra pendente no momento em que aquele formulou o pedido, é para nós evidente que o efeito da concessão do apoio judiciário se deve repercutir em todo o processo, contrariamente ao preconizado pelo Tribunal a quo.

            12. Normas jurídicas violadas pela decisão recorrida: 20.º, n.º 1, da CRP, 44.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29/07, que, entretanto, foi alterada e republicada com a Lei n.º 47/2007, de 28/08.

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            3. O recurso não foi admitido por despacho datado de 15/1/2015 (fls. 576), o que deu origem à Reclamação que consta de fls. 580 a 639, cuja Decisão, proferida a 4/3/2015, foi no sentido da admissibilidade do recurso.

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4. O recurso, na sequência, a 9/4/2015, veio a ser admitido.

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5. O Ministério Público, a 21/4/2015, respondeu ao recurso, contra-alegando, em síntese, que não assiste razão ao arguido, sendo certo que este “apenas solicitou apoio judiciário para efeitos exclusivos de apresentação de recurso, como bem e claramente se extrai do pedido de apoio efetuado, tendo inclusive pedido o pagamento das custas em prestações, apenas se lembrando que o seu apoio judiciário também lhe era útil quando se procedeu à penhora de um veículo para efeitos do pagamento coercivo daquelas quantias em falta.

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6. Instruídos os autos e remetidos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação de Coimbra, a 20/5/2015, emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, na medida em que, “o apoio judiciário, atenta a sua finalidade, só pode visar o percurso processual a percorrer e não o percorrido.

Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

            Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

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            Cumpre apreciar e decidir:

De harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Acórdão de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Acórdão de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Acórdão de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

            São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».  

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigos 403.º, n.º 1 e 412º, nº 1 do Código de Processo Penal), uma questão vem colocada pelo recorrente à apreciação deste tribunal:

 - Saber se, em processo penal, o apoio judiciário requerido antes do trânsito em julgado da sentença da 1ª instância abrange todas as custas do processo.

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            Dispõe o artigo 44.º, n.º 1, da Lei 34/2004, de 29 julho, na redação introduzida pela Lei 47/07, de 28 agosto, que “em tudo que não esteja especialmente regulado no presente capítulo relativamente à concessão de proteção jurídica ao arguido em processo penal aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com exceção do disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 18.º, devendo o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão proferida em 1.ª instância”.                       

Ao contrário do que acontecia anteriormente, a lei fixa agora o momento até ao qual tem de ser requerido o apoio judiciário.                                         

Como regra, sobre a oportunidade para a formulação do pedido judiciário, estipula o artigo 18º/2, que “o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerida antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação económica financeira”.

Assim sendo, atenta a literalidade da norma, em processo penal, o momento até ao qual o arguido pode requerer o apoio judiciário é o termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.                                                          

Ora, o estabelecimento deste limite temporal para a formulação do pedido não responde à questão da abrangência ou eficácia da decisão que concede o apoio judiciário, reportada ao processo a que se destina, ou seja, há que saber se tem efeitos retroativos ou, tão só, para o futuro.                                  

Pois bem, este TRC, tem vindo a acolher, de forma maioritária, a posição defendida pelo ora recorrente – ver, nesse sentido, a título de mero exemplo, os Acórdãos de 28/3/2012, Processo n.º 409/11.4GBAND-A.C1, relatado pela Exma. Desembargadora Maria José Nogueira (ora, Adjunta), de 18/4/2012, Processo n.º 324/11.1GBOBR-A.C1, relatado pela Exma. Desembargadora Isabel Valongo, de 24/4/2012, Processo n.º 121/11.4GDAND-A.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Alberto Mira, de 23/5/2012, Processo n.º 108/11.7GTAVR-A.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Paulo Guerra, todos em www.dgsi.pt.

Não vemos razão para divergir dos citados acórdãos, para cujos fundamentos remetemos.

Com efeito, se a causa em que os seus direitos se discutem ainda se encontra pendente no momento em que se formula o pedido, sendo certo que a lei não distingue situações, o efeito da concessão desse pedido deve se repercutir em todo o processo e não só para o futuro.

No caso dos autos, conforme consta de fls. 381/383, o apoio judiciário foi requerido, ainda antes do trânsito da decisão final e foi concedido, por decisão de 8 de outubro de 2010, na modalidade de “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo; nomeação e pagamento da compensação de patrono”, pelo que não há lugar ao pagamento da taxa de justiça e demais custas de todo o processo.

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C. Decisão:

Nesta conformidade, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso, declarando-se, em consequência, que o apoio judiciário concedido nos autos abrange todas as custas do processo, com as legais consequências.

Sem tributação.

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(Texto processado e integralmente revisto pelo relator)

Coimbra, 8 de julho de 2015

(José Eduardo Martins - relator)

(Maria José Nogueira - adjunto)