Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1015/07.3TBLRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: PETIÇÃO INICIAL
CADUCIDADE
DIREITOS
Data do Acordão: 06/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA - 2º C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 267.º E 476.º CPC E ARTIGOS 331.º E 1410.º, N.º 1, IN FINE DO CC
Sumário: 1. A instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se proposta logo que recebida na secretaria a respectiva petição inicial, produzindo efeitos em relação ao réu a partir do momento da sua citação.
2. Nos casos, como o apreço, em que a petição, por motivos de ordem adjectiva, não foi recebida, dá-se a possibilidade ao autor de apresentar uma nova petição ou o documento em falta, ficcionando-se, para salvaguarda do direito substantivo a que se arroga o autor, que a acção foi proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo e aproveitando-se os efeitos por esta produzidos.

3. Um dos efeitos a salvaguardar em tais casos é o de o direito em causa estar sujeito a prazos de caducidade, uma vez que, a caducidade só é impedida pela prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito.

4. Consequentemente, para que o seu direito não caducasse, a autora teria de o acautelar, comprovando o depósito do preço respectivo, no prazo legalmente fixado de 15 dias, contados da data da propositura da acção, em conformidade com o disposto no artigo 1410.º, n.º 1, in fine, do Código Civil.

5. Não o tendo feito, não pode, agora, por virtude do beneficio que lhe é dado pelo mecanismo previsto no artigo 476.º CPC, fazer renascer um direito que já havia caducado.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            A Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de A... , representada por B... , intentou, em 12 de Fevereiro de 2007, a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra C... , D... e marido E... , F... , G... e mulher H... , I... e J... e mulher L... , já todos identificados nos autos, pedindo o seguinte:

            - lhe seja reconhecido o direito de haver para si a parte vendida da metade indivisa do prédio identificado na p.i., que pretende preferir pelo preço de 10.000,00 € ou por outro, ainda que superior, que se venha a provar;

- requereu a suspensão da presente acção até à decisão da acção com o n.º 943/07.0TBLRA, do 1.º Juízo Cível de Leiria, por ser causa prejudicial à presente.

Para tal, alegou, resumidamente, que da herança ora autora faz parte o imóvel descrito no artigo 5.º da p.i., na proporção de metade indivisa, sendo a restante pertença dos 1.º a 5.º réus.

Em 29 de Novembro de 2006, ao ser citada para uma acção de divisão de coisa comum, veio a autora a ter conhecimento que a metade indivisa de tal prédio pertença daqueles réus havia sido transmitida aos 6.os réus, através de uma escritura de doação, outorgada em 02 de Maio de 2006, sendo que a mesma mais não pretende senão encobrir uma compra e venda, com vista a afastar a autora da preferência que lhe assiste na venda da parte indivisa de tal fracção, em função do que a autora já intentou a sobredita acção, alegando a simulação subjacente a tal escritura de doação.

Mais alega que a venda foi feita pelo preço de 10.000,00 €, sem que lhe tenham sido comunicados os respectivos elementos, pelo que tem direito a haver para si a quota alienada e dado o carácter prejudicial daquela acção relativamente a esta, deverá a presente acção ficar suspensa até decisão daquela.

Recebidos os autos, foram conclusos à M.ma Juiz, com a informação de que a autora não havia junto o comprovativo de ter sido paga a taxa de justiça inicial e por existirem dúvidas quanto ao documento junto pela autora (referente ao pedido de concessão do benefício do apoio judiciário) para que se decidisse em conformidade – cf. informação de fl.s 39.

Em face de tal informação, a M.ma Juiz a quo, cf. fl.s 39, decidiu que em virtude de a autora não ter pago a taxa de justiça inicial nem ter junto documento comprovativo da concessão do apoio judiciário, conforme era exigido pelo artigo 467.º, n.º 3, CPC, nos termos do disposto no artigo 467.º, f), CPC, deveria ter sido recusado, pela secretaria, o recebimento da p.i., em função do que decidiu absolver os réus da instância.

Deste despacho interpôs a autora recurso de agravo, o qual já se mostra decidido, com trânsito em julgado, cf. Acórdão desta Relação que antecede, de fl.s 63 a 68 v.º, datado de 09 de Outubro de 2007, que manteve a decisão proferida em 1.ª instância e no qual se referiu que a autora poderia “com vista a acautelar os seus interesses ou direitos, lançar mão do benefício processual previsto no artigo 476.º CPC”.

Conforme se constata de fl.s 71, a autora foi notificada deste Acórdão, por carta enviada em 12 de Outubro de 2007.

Na sequência de tal notificação, a autora, em 07 de Novembro de 2007, efectuou o comprovativo de ter pago a taxa de justiça inicial e o depósito autónomo da quantia de 10.000,00 €, em 06 de Novembro de 2007.

Conclusos os autos, à M.ma Juiz, esta, cf. despacho de fl.s 108, proferido em 12 de Novembro de 2007, ordenou se procedesse à citação dos réus.

Contestando, estes vieram arguir a caducidade do direito a que se arroga a autora, com o fundamento em esta não ter efectuado o depósito a que se alude no artigo 1410.º, CCC, no prazo de 15 dias, contados da data da propositura da acção.

Quanto ao demais, impugnaram os factos alegados pela autora, defendendo que outorgaram uma verdadeira doação, bem como que devia indeferir-se o pedido de suspensão da presente acção, por não se verificar nenhuma relação de prejudicialidade entre ambas.

Em função do que pugnam pela procedência da excepção da caducidade do direito invocado, se indefira o pedido de suspensão da presente acção e se julgue a mesma como improcedente.

Respondendo, os autores pugnam pela improcedência da invocada caducidade, com o fundamento em que não obstante terem intentado a presente acção em 12 de Fevereiro de 2007, os réus foram inicialmente absolvidos da instância, decisão mantida em recurso, conforme Acórdão desta Relação a que acima já se fez referência e logo após deste ter sido notificada efectuou o comprovativo de ter pago as custas devidas e depositado a quantia referente ao preço, tendo apenas sido renovada a instância com a citação dos réus e reiterando o já alegado quanto ao pedido de suspensão dos presentes autos.

Conclusos, de novo, os autos à M.ma Juiz, esta, cf. despacho de fl.s 203 e 204, proferido em 29 de Abril de 2008, ordenou se liquidasse a multa prevista no artigo 145.º, n.º 5, CPC, com o fundamento em que tendo a autora sido citada do Acórdão desta Relação, acima já referido, por carta datada de 12 de Outubro de 2007, o mesmo transitou em 25 de Outubro de 2007, pelo que o prazo de 10 dias subsequente terminou em 05 de Novembro de 2007 e o depósito só foi efectuado em 06 desse mês.

Liquidada tal multa, a autora procedeu ao seu pagamento – cf. fl.s 208.

Em seguida, a M.ma Juiz proferiu o seguinte despacho:

“Na sua contestação começam os réus por invocar a caducidade decorrente da falta de depósito do preço, nos 15 dias após a propositura da acção, uma vez que o depósito do preço apenas foi feito em 06.11.2007.

Respondeu a autora à invocada excepção, alegando que, de facto, instaurou a acção no dia 12.02.2007, mas desta foram os réus absolvidos da instância, atenta

a não junção pela autora do comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão do apoio judiciário. Desta decisão houve recurso, sendo que a autora, notificada do acórdão, juntou o comprovativo do pagamento da taxa de justiça e procedeu ao depósito do preço.

Alega ainda que a instância apenas se considera renovada, após a citação dos réus.

Os presentes autos foram instaurados a 12.02.2007, sendo que com data de 14.02.2007 foi proferida decisão que absolveu os réus da instância, pelas razões referidas pela autora na sua resposta.

A autora recorreu da decisão e por acórdão da Relação de Coimbra foi a mesma mantida, sendo que a autora do mesmo foi notificada a 12.10.2007 (fls 108).

Perante esta decisão a autora, por requerimento de 06.11.2007 veio juntar o comprovativo do pagamento da taxa de justiça e do depósito do preço a que alude o artº 1410º do Código Civil.

Prescreve o artº 476º do CPC que o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 474º (documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial) dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se que a primeira petição foi apresentada em juízo

(sublinhado nosso).

A autora socorreu-se do aludido normativo, como aludimos supra, razão pela qual, a acção se considera proposta na data da entrada da petição em juízo, ou seja, 12.02.2007.

Dispunha, por isso a autora do prazo de 15 dias, desde esta data, para proceder ao depósito do preço, portanto até ao dia 27.02.2007.

Na verdade, perante a decisão que absolveu os réus da instância pelos fundamentos referidos supra, a autora poder-se-ia ter conformado e intentar nova acção. Interpondo recurso, como fez, das duas uma:

a) Ou procuraria beneficiar da faculdade a que alude o artº 476º do CPC, considerando-se a acção proposta na data em que petição deu entrada em juízo, como refere a parte final desta disposição legal;

b) Ou instauraria nova acção, não beneficiando do aludido normativo, podendo depositar o preço 15 dias após a proposição desta nova acção e sujeitando-se ao prazo dos seis meses a que alude o artº 1410º do Código Civil.

A autora optou pela solução referida na alínea a), razão pela qual terá que aceitar, em toda a sua extensão e previsão as consequências daí decorrentes.

Cumpre ainda referir que carece de sentido considerar, como pretende a autora, que a instância apenas se considera renovada a partir da citação dos réus.

O artº 267º do CPC é claro ao referir que a instância se inicia pela proposição da acção, considerando-se esta proposta logo que seja recebida a respectiva petição inicial, que, como vimos, tem que se considerar instaurada em 12.02.2007.

É certo que, após instauração da acção foi proferida decisão que absolveu os réus da instância, da qual recorreu a autora, recurso esse admitido como de agravo e com efeito suspensivo. Entendemos, porém, que a referida interposição de recurso não suspendeu, por qualquer forma, o prazo de 15 dias para depósito do preço, uma vez que a questão sob recurso não tinha que ver com a propositura da acção, mas com a absolvição da instância em consequência da não aceitação da p.i. pelo tribunal.

De todo o modo, ainda que entendêssemos que houve suspensão do prazo para depósito do preço da alienação, sempre teríamos que considerar a acção instaurada em 06.11.2007, data em que a autora junta o comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial.

E se assim entendêssemos, teríamos que considerar decorrido o prazo de seis meses desde a data do conhecimento dos elementos essenciais da alienação, a que alude também o artº 1410º, uma vez que a autora alega na p.i ter tido conhecimento dos mesmos em 29.11.2006.

*

Em face do exposto e sem outras considerações, julgo verificada a excepção da caducidade e consequentemente absolvo os réus do pedido.

*

Custas pela autora (artº 446º nº 1 do CPC).

Registe e notifique.”

           

            Inconformada com tal decisão, interpôs recurso a autora, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 223), concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

            1- No dia 29 de Novembro de 2006 a ora recorrente foi citada para contestar a Acção de Divisão de Coisa Comum n.º 5751/06.3 TBLRA, interposta pelo 6.º recorrido, e que corre seus termos no 3.ºJuízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria;

2- Nessa data verificou que metade indivisa do prédio identificado no art.5.º da p.i., da qual a ora recorrente é dona e legitima possuidora da outra metade, havia sido doada pelos 1.º, 2.ºs, 3.ºs, 4.º s e 5.ºs Recorridos, aos 6.ºs recorridos.

3- A articulada doação foi outorgada com o único e exclusivo propósito, comum a todos os intervenientes, de defraudar, prejudicar e enganar os Autores, que detém o direito de preferência na aquisição do respectivo prédio, afastá-los do exercício desse direito.

4- No intuito de provar a simulação e saber todos os elementos essenciais da alienação, a recorrente intentou acção no dia 8 de Fevereiro de 2007, melhor identificada no art.18.º da petição inicial e cuja certidão se juntou na presente acção.

5- Logo no dia 12 de Fevereiro de 2007 a recorrente deu entrada da presente acção, afim de requerer a suspensão da Acção de Divisão, por estas duas acções serem causa prejudicial.

6 - No dia 5 de Fevereiro de 2007, a recorrente deu entrada, no Instituto de Solidariedade e Segurança Social de Leiria, o requerimento de pedido de apoio judiciário, com vista à proposição de uma acção declarativa – direito de preferência, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

7- Atendendo à urgência que a recorrente tinha na interposição da acção, no dia 12 de Fevereiro de 2007, não esperando pela comunicação do deferimento ou indeferimento do pedido de apoio judiciário, deu entrada da petição inicial da acção declarativa, no Tribunal Judicial de Leiria.

8- Por despacho de fls. 39, em virtude de a ora recorrente não ter pago a taxa de justiça inicial, nem junto o comprovativo da concessão do apoio judiciário, a juiz a quo, absolveu os Réus da instância.

9- Violou por conseguinte o mencionado artigo 150.º - A do C.P.C.

10- Tendo os Réus sido absolvidos da instância, a recorrente ficou inibida de no prazo de 15 dias juntar o documento comprovativo do depósito do preço.

11- A recorrente recorreu para o Venerado Tribunal da Relação de Coimbra, que apesar de ter confirmado a necessidade de se ter que juntar à petição inicial a taxa de justiça ou o deferimento do apoio judiciário requerido, referiu que a Autora, com vista a acautelar os seus interesses ou direitos, poderia lançar mão do benefício processual previsto no art.º 476 do CPC.

12- Tendo em conta as suspensões requeridas no âmbito da Acção de Divisão de Coisa Comum Autora, em que se especificou as acções que tinham dado entrada em Tribunal e o n.ºs dos respectivos processos, a recorrente procedeu de imediato ao pagamento da taxa de justiça inicial e ao depósito Autónomo do preço.

13- Não o poderia ter feito, no prazo de 15 dias, aquando da entrada da acção em virtude de a juiz a quo ter absolvido os Réus da instância.

14- Deste modo a recorrente se encontra lesada por erro judicial e violação do art 150.º- A do C.P.C.

15- Todavia sem conceder, no dia 6 de Novembro de 2007, a recorrente juntou o

documento comprovativo da taxa de justiça inicial e documento do depósito autónomo do preço.

16- A Acção deverá ser considerada como interposta nessa data.

17- Nos termos do art. 1410.º do C.C., têm os preferentes, a quem não se deu conhecimento da venda (ao abrigo do artº 416.º), o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeiram no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento dos elementos essenciais da alienação.

18- Na petição inicial a recorrente fez menção que teve conhecimento através de uma Acção de divisão de Coisa Comum mencionada no art. 9.º, no dia 29 de Novembro de 2006 de que os 6.ºs Réus adquiriram metade indivisa do prédio por doação que o 1.º, 2.ºs, 3.ºs, 4.º e 5.ºs Réus lhe haviam feito.

19- No entanto, tendo em conta a escritura de justificação que os 6.ºs haviam realizado, nula por decisão judicial, em que declararam que tinham comprado esse ½ do prédio, duvidas não restou à Autora de que se tratava de um negócio simulado.

20- A recorrente desconhece todos os elementos essenciais da alienação, tal como o preço, as condições de pagamento entre outras.

21- O prazo de caducidade dos seis meses referidos no art. 1410.º do Código Civil, para o exercício do direito de preferência conta-se não a partir do momento em que o preferente teve conhecimento da venda mas antes a partir da data em que o mesmo teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação.

22- Para que comece a correr o prazo de caducidade não é suficiente «a mera notícia de que o comproprietário vendeu ou deu em cumprimento a sua quota na coisa comum; basta, mas é indispensável ao mesmo tempo, que o pretendente tenha conhecimento de todos os elementos essenciais da alienação.

23- Tendo em conta que, só estando na posse desses elementos do negócio é que o mesmo poderá formar a sua vontade no sentido de realizar ou não esse negocio a preferir.

24- Neste tipo de acções é sobre os Réus que impede o ónus de demonstrar que

caducou o direito dos Autores, conforme resulta do disposto das disposições conjugadas dos artºs 342, nº 2, e 343, nº 2 do Código Civil.

25- Factos estes que deveriam ser atendidos, levando a presente acção a julgamento, pois a recorrente requereu a suspensão da instância em virtude da Acção de simulação ser causa prejudicial à presente acção;

26- E manifestou que pretende preferir por o preço de € 10.000,00 (dez mil Euros) ou por outro, ainda que superior, que comprovadamente se venha a provar.

27- Os Réus não invocaram a excepção da caducidade do direito.

28- Entende-se que a Juiz do processo fez uma errada qualificação e interpretação dos factos apresentados

29- Todos estes factos deveriam ter sido relevados e ser a presente acção levada a julgamento.

30- A sentença recorrida viola o disposto nos arts. 150.º- A do CPC, 416.º, 1409 e 1410.º do Código Civil, não podendo a justiça ser denegada por alegada caducidade, não provada,

Termos em que e no muito que V. Exas. se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso, julgando-se procedente, e prosseguirem os autos, com o que se faz a costumada,

JUSTIÇA.

           

Termina, peticionando a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue procedente a oposição que deduziu, prosseguindo os autos os seus normais termos.

           

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.        

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se o direito invocado pela recorrente se encontra extinto por caducidade, por não ter sido depositado o preço, no prazo de 15 dias contados da data da propositura da acção, em conformidade com o disposto no artigo 1410.º, n.º 1, in fine, do Código Civil.

A matéria de facto a considerar para a decisão desta questão é a que se encontra descrita no relatório que antecede.

            Se o direito invocado pela recorrente se encontra extinto por caducidade, por não ter sido depositado o preço, no prazo de 15 dias contados da data da propositura da acção, em conformidade com o disposto no artigo 1410.º, n.º 1, in fine, do Código Civil.

            Passando à análise desta questão, importa ter em consideração que a mesma só pode ser vista à luz da falta de demonstração do depósito do preço nos quinze dias seguintes à propositura da acção mas não sob a perspectiva do prazo de seis meses, a que, igualmente, se refere o n.º 1 do artigo 1410.º CC.

Efectivamente, os réus, ao deduzirem a sua contestação, como decorre de fl.s 34, apenas arguíram a caducidade do direito invocado pela autora, com base no facto de esta não ter procedido ao depósito do preço nos 15 dias seguintes à propositura da acção.

Estamos no domínio de matéria não excluída da disponibilidade das partes e, por conseguinte, o eventual decurso do prazo de seis meses a que se refere o artigo 1410.º, n.º 1, CC, teria de ser invocado pelos réus, o que estes não fizeram, pelo que, não pode o Tribunal conhecer oficiosamente de tal questão – cf. artigos 333.º, n.º 2 e 303.º, ambos do CC.

De igual modo, todas as questões que se prendem com a decisão que absolveu os réus da instância, por não ter sido comprovado o pagamento da taxa de justiça inicial ou a concessão do benefício do apoio judiciário, já foram decididas através do Acórdão desta Relação, a que acima já se fez referência, já transitado em julgado, pelo que nada mais há a decidir quanto a tal.

Assim, reitera-se, nesta sede, apenas nos resta averiguar da excepção da caducidade, no âmbito da não demonstração do depósito do preço.

            Ora, como acima já referido, na sequência do Acórdão de fl.s 63 a 68 v.º, a autora, ao abrigo do disposto no artigo 476.º CPC, veio, em 06 de Novembro de 2007, juntar aos autos comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial e da quantia de 10.000,00 €, relativa ao preço pelo qual alega se verificou a venda da parte do imóvel em causa e pelo qual quer exercer o seu direito de preferência.

Conforme dispõe o artigo 476.º CPC:

“O autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na al. f) do artigo 474.º, dentro dos dez dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo”.

Ou seja, em casos, como o apreço, em que a petição, por motivos de ordem adjectiva, não foi (ou não deveria ter sido) recebida, dá-se a possibilidade ao autor, ao abrigo e nos moldes consagrados naquele artigo 476.º, de, no prazo nele fixado, apresentar uma nova petição ou o documento em falta, ficcionando-se, para salvaguarda do direito substantivo a que se arroga o autor, que a acção foi proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo e aproveitando-se os efeitos por esta produzidos.

Um dos efeitos a salvaguardar em tais casos é o de o direito em causa estar sujeito a prazos de caducidade, uma vez que, conforme artigo 331.º CC, a caducidade só é impedida pela prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo – neste sentido, Lebre de Freitas, CPC, Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, a pág. 251.

Como o refere Antunes Varela, in RLJ, ano 121, pág. 154, o primeiro e mais importante objectivo do artigo 476.º CPC visto pelo legislador foi o de evitar que o autor, vindo a exercer na acção uma pretensão sujeita a caducidade, acabasse por perder definitivamente o seu direito (substantivo) por uma deficiência de carácter processual, acrescentando a pág. 158 que “o autor não pode na nova petição deduzir qualquer pretensão que haja caducado em face do direito aplicável”.

Ou seja, o autor, com a ficção legal de que a acção se considera proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo, em caso de direito sujeito a caducidade, não perde o seu direito substantivo, se o mesmo, à luz da primeira petição, ainda não se mostrasse caducado, ainda pudesse ser exercido.

A petição inicial foi apresentada em juízo no dia 12 de Fevereiro de 2007.

Pelas vicissitudes já relatadas, os réus vieram a ser absolvidos da instância, por despacho proferido em 14 de Fevereiro de 2007, sobre que incidiu recurso de agravo, que o manteve.

E foi apenas na sequência da notificação do Acórdão que manteve aquele despacho que os autores, em 06 de Novembro de 2007, demonstraram o pagamento do pagamento da taxa de justiça inicial e do depósito preço relativo à venda da coisa sujeita a preferência.

Nos termos do disposto no artigo 1410.º, n.º 1, in fine, do Código Civil, o depósito do preço tem de ser feito nos 15 dias seguintes à propositura da acção.

Tendo a acção sido proposta em 12 de Fevereiro de 2007 e o depósito do preço apenas foi comprovado em 06 de Novembro desse mesmo ano, é óbvio que a autora não o fez no prazo legal, pelo que, está caducado o seu direito.

Por último, de referir que a autora não tem qualquer razão ao afirmar que o depósito foi feito em tempo, porque a acção terá de se considerar como interposta em 06 de Novembro de 2007.

Quanto a tal, como regra geral, vale o disposto no artigo 267.º CPC, de acordo com o qual a instância se inicia pela proposição da acção e esta considera-se proposta logo que recebida na secretaria a respectiva petição inicial, produzindo efeitos em relação ao réu a partir do momento da sua citação.

E, no caso em apreço, face ao disposto no artigo 476.º CPC, a lei é clara ao afirmar que a acção se considera proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.

Consequentemente, para que o seu direito não caducasse, desde o início, que a autora teria de o acautelar, comprovando, no prazo legalmente fixado, o depósito do preço respectivo, não o tendo feito, não pode, agora, por virtude do beneficio que lhe é dado pelo mecanismo previsto no artigo 476.º CPC, fazer renascer um direito que já havia caducado.

Assim, tem o presente recurso de improceder, subsistindo a decisão recorrida.

Nestes termos se decide:       

            Julgar improcedente a apelação deduzida, mantendo-se a decisão recorrida.

            Custas pela apelante.