Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1972/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DA RÉPLICA APÓS A REFORMA DE 1995
Data do Acordão: 10/19/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO - TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 490º, NºS 2 E 3; 502º, Nº 1, 1ª PARTE ; E 505º, TODOS DO CPC
Sumário: Com a reforma processual cível de 1995 passou a haver, em princípio, apenas dois articulados, mesmo nas acções ordinárias, sendo apenas admissível réplica se for deduzida alguma excepção de direito processual ou material pelo réu e somente quanto à matéria desta – artº 502º, nº 1, 1ª parte, do CPC .
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas, A..., instaurou contra a B... ; contra o Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Av. José Malhoa, lote 1674 – 5º, Lisboa ; e contra a sociedade C...,
a presente acção declarativa, com processo sumário, pedindo a condenação da Ré Seguradora no pagamento à A. da quantia de Esc. 5.812.833$00, acrescida de juros de mora desde a data da citação e até efectivo pagamento, ou, a título subsidiário, a condenação dos demais R.R. no pagamento dessa mesma quantia e juros .
No decorrer da acção veio a ser requerida a intervenção principal de D..., na qualidade de motorista do veículo sinistrante, intervenção essa que veio a ser admitida , com citação deste interveniente .
Para tanto e muito em resumo, foi alegado pela A. que no dia 22/12/1994, cerca das 12H10, foi a A. vítima de um acidente de viação na E. Municipal nº 557-3, lugar de Renova, entre Almonda e Zibreira, Torres Novas, tendo sido a A. colhida pelo taipal direito do reboque do veículo pesado de matrícula 52-37-BQ, o qual ia aberto na marcha, atingindo a A. na berma da estrada, onde se encontrava , a cerca de 0,80 metros da linha do asfalto .
Que esse veículo e respectivo reboque pertencem à empresa Transportes I. do Fundão, sendo conduzido, na ocasião, por João José Ranito Olímpio, nas funções de motorista ao serviço daquela .
Que o referido condutor não apertou os fechos dos ditos taipais, o que fez com que se abrissem com a marcha do veículo, assim causando o referido acidente .
Que a A. foi derrubada para o solo e sofreu lesões físicas , que refere, das quais lhe adveio uma incapacidade permanente de 15%, pelo que deve ser ressarcida no montante peticionado .
Que o referido veículo estava seguro na Ré Seguradora, pela apólice nº 90001820, entidade que invoca a inexistência e a invalidade de tal seguro, razões pelas quais são demandados os demais R.R. .
II
Contestou a Ré Seguradora, alegando , muito em resumo, que celebrou um contrato de seguro do ramo automóvel com a sociedade “ Miguens Sousa Dias, L.dª “, relativo ao veículo de aluguer matrícula 52-37-BQ, mas cujos prémios de seguro não foram pagos na data de vencimento, em consequência do que esse contrato foi resolvido em 16/05/1994 .
Face ao que termina pedindo a sua absolvição do pedido .
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Também o F.G.A. deduziu oposição na qual, além do mais, sustenta desconhecer o modo como ocorreu o acidente em causa, para terminar pedindo que a acção seja julgada de acordo com a prova a produzir .
***
Contestou ,ainda, João José Ranito Olímpio, alegando, muito em resumo, que o referido veículo, na data em questão, circulou desde Espanha com todos os taipais fechados, nunca antes tendo sucedido abrir-se qualquer deles em andamento .
Que a abertura ocorrida desses taipais foi fortuita, possivelmente por deficiência mecânica do respectivo fecho, do que não deu conta o contestante .
Que, por isso, não houve qualquer culpa sua no sucedido .
Terminou pedindo a sua absolvição do pedido .
III
Findos os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi reconhecida a regularidade adjectiva do processado e foi considerada a Ré Seguradora parte ilegítima, sendo absolvida da instância .
Procedeu-se à selecção da matéria de facto alegada e tida como relevante para efeito de instrução e de discussão da causa, do que não houve qualquer reclamação das partes .
IV
Desse dito despacho interpôs recurso o FGA, o qual foi admitido como agravo, a subir de modo diferido e com efeito devolutivo .

Nas alegações que oportunamente apresentou o Agravante concluiu do seguinte modo :
1ª - A A. instaurou a presente acção no pressuposto da inexistência de contrato de seguro celebrado com a Ré Seguradora .
2ª - A R. Seguradora contestou a acção invocando um conjunto de factos que, a provarem-se, conduziriam à inexistência de seguro .
3ª - Tais factos, porque envolvem o contrato de seguro celebrado com a R. Transportes I. do Fundão, L.dª. não podem ser do conhecimento da A., pelo que esta não os podia admitir por confissão .
4ª - A falta de resposta da A. à matéria da excepção deduzida pela R. Seguradora nunca poderia conduzir a que a matéria de facto por esta carreada para o processo fosse considerada provada, porque estava em oposição com a posição da A. na petição inicial, pelo que sempre careceria de produção de prova .
5ª - Só a A. e não os R.R. poderiam responder à contestação da seguradora, o que significaria, a perfilhar-se a solução do despacho recorrido, que a legitimidade seria definida em função da ausência da posição da A. sobre matéria ( contrato de seguro ) a que era alheia .
6ª - O despacho recorrido, ao absolver da instância a Ré Seguradora, violou o disposto no artº 490º, nº 2, do CPC .
7ª - Termos em que deve revogar-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que faça prosseguir os autos também contra a Ré Seguradora .
V
Contra-alegou a Ré Seguradora, onde, em resumo, defende que deve ser mantido o despacho recorrido, com o não provimento do agravo interposto .
VI
Foi proferido despacho de sustentação, com remissão para os termos do dito .
VII
Procedeu-se à instrução dos autos, seguida da realização da audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova testemunhal nela prestada, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação .

Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decido julgar a acção parcialmente procedente, com condenação do FGA e de João José Ranito Olímpio a pagar à A. os montantes nela referidos, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais .
O R. “ Transportes I. do Fundão , L.dª “ foi absolvido do pedido .
VIII
Dessa sentença interpuseram recurso os R.R. FGA e João José Ranito Olímpio, recursos estes que foram admitidos como apelação e com efeito devolutivo .

Nas alegações que os Apelantes apresentaram concluíram do seguinte modo :
- Apelação apresentada pelo FGA:
1ª - Mantém-se o interesse no julgamento do recurso de agravo interposto do despacho saneador, decretando-se a sua subida com o presente recurso e aqui se reproduzindo os seus termos e as suas conclusões .
2ª - Em reforço das alegações efectuadas quanto ao recurso de agravo, dir-se-á ainda que, encontrando-se o contrato de seguro em causa sujeito ao regime do D.L. 162/84, de 18/05, deveria sempre a seguradora fazer prova do envio da carta registada com aviso de recepção prevista no artº 5º, nº 1, do DL citado .
3ª - Tal formalidade tem sido considerada como “ ad substantiam “, não admitindo como tal a confissão como meio da sua prova .
4ª - A sentença em causa considera haver a direcção efectiva da Ré Transportadora sobre o seu veículo “ BQ “ envolvido em acidente de viação .
5ª - No entanto, absolve a mesma Ré, alegando haver culpa do condutor do veículo, aplicando ao caso o artº 505º do C. Civ. .
6ª - Ora, concluindo a sentença que “ o veículo estaria necessariamente a ser utilizado no seu interesse ( da Ré Transportadora ) , na medida em que não ficou demonstrado que o chamado José Olímpio estava a utilizá-lo no seu interesse ( desse mesmo José Olímpio ) ou de forma abusiva “, tanto basta para que aplicando-se ao caso o disposto no artº 503º, nºs 1 e 3, do C. Civ., fosse a Ré Transportadora condenada a título de risco e o Réu condutor a título de culpa, já avaliada em fase anterior da sentença .
7ª - Devendo, assim, a sentença condenar solidariamente condutor e proprietário, para além do FGA, sem prejuízo da análise da questão levantada no agravo .
8ª - A sentença de que se recorre violou as disposições dos artºs 5º, nº1, do DL 162/84, de 18/05, bem como o disposto no artº 503º, nºs 1 e 3, do C. Civ., pelo que deve dar-se provimento ao recurso .

- Apelação apresentada pelo Réu João José Ranito Olímpio :
1ª - A Ré Companhia de Seguros, na sequência do competente agravo do despacho saneador interposto pelo FGA, deve ser considerada parte legítima na acção .
2ª - Sendo aquela Ré parte legítima na acção, incumbia-lhe ter demonstrado a data do vencimento do contrato de seguro e a comunicação por carta registada com A/R ao seu tomador, após 45 dias contados do vencimento, nos termos do artº 5º, nº 1, do DL nº 162/84, de 18/05, aplicável aos autos .
3ª - Não tendo a Ré Seguradora feito tal prova, como lhe competia, é ela e só ela a responsável pelos danos provocados pelo BQ aquando do acidente em questão .
4ª - A sentença recorrida violou o artº 5º do DL nº 162/84 .

As restantes conclusões devem considerar-se como não escritas, excepto no caso de não proceder o recurso relativamente às matérias configuradas nas conclusões atrás proferidas :

5ª - A Ré “Transportes I. do Fundão” não podia ter sido absolvida da instância na sentença, por se ter considerado erradamente que era ela a proprietária do BQ causador do acidente, através de resposta a quesito, que se deve dar como não escrito, por estar em contradição com documento autêntico, junto aos autos já posteriormente à prolação do saneador, que refere que o proprietário do veículo é a sociedade “ Miguens Sousa Dias, L.dª “, pelo que foram violados os artºs 370º e 372º do C. Civ., devendo ter aplicação o artº 646º do CPC .
6ª - No caso de se considerar inexistente o contrato de seguro, então tal implicaria a absolvição da instância dos R.R., por ter sido preterido o litisconsórcio necessário passivo, considerando que a acção não foi, como devia, interposta também contra o proprietário do veículo causador do acidente ( pelo que foi violado o artº 29º do DL 522/85, de 31/12, e os artºs 494º, 495º e 659º, nº 3, do C. P. C. ) .
7ª - Não se considerando tal consequência, o que não se concede, então sempre teria que ser anulado todo o processado, por falta de citação da Ré proprietária do veículo .
8ª - Considerando ser a “ Transportes I. do Fundão “ a proprietária do BQ ( que na realidade não é ) não poderia a sentença absolvê-la por violação e errada aplicação dos artºs 503º e 505º do C. Civ. .
9ª - A sentença não conheceu e não se pronunciou sobre questão que devia conhecer e, existindo como existem todos os elementos no processo para uma decisão diversa, deve o ora Réu ser absolvido por ilegitimidade, já que como condutor não pode estar desacompanhado na acção do proprietário do veículo, caso fosse relevante a absolvição da seguradora .
10ª - Acaso não fosse a Ré Seguradora responsável pelos danos provocados com o acidente, deviam os danos deles decorrentes ser graduados como efeito de risco, porque por um lado não se provou a culpa do condutor, que só se pode presumir relativamente aos danos provocados em consequência da condução propriamente dita, e não em relação ao próprio veículo – artºs 663º e 668º .
11ª - Neste caso seria o proprietário do BQ ( e o FGA ) responsável a título de risco pelos danos provocados em consequência do acidente .
12ª - Termos em que deve o Réu ser absolvido da instância .
IX
Não foram apresentadas contra-alegações .
X
Nesta Relação foram aceites ambos os recursos deduzidos e tal como foram admitidos em 1ª Instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “ vistos “ legais, pelo que nada obsta ao conhecimento do objecto desses recursos .
Considerando o disposto no artº 710º, nº 1, do CPC, importa conhecer dos recursos interpostos pela ordem da sua interposição, ou seja, há que conhecer do objecto do agravo e só depois do objecto da apelação, sendo certo que uma eventual decisão de “provido” em relação ao agravo só é admissível se a infracção cometida tiver tido influência no exame ou na decisão da causa, nos termos do nº 2 do citado artº 710º .
O objecto deste recurso resume-se à apreciação da decisão que absolveu da instância a Ré Seguradora, em sede de despacho saneador, designadamente no aspecto de se saber se os autos permitiam ou não esse conhecimento sem prévia produção de prova .

Nessa apreciação temos, antes de mais, de ter em consideração os factos alegados pela Autora, como causa de pedir, na petição inicial, dos quais resulta que foi demandada a título principal a Ré “Oceânica - Companhia de Seguros, S. A.”, mais tarde substituída pela “Companhia de Seguros Açoreana, S. A. “, por, segundo aí se alega, “ de acordo com os elementos do auto de ocorrência elaborado pela GNR, o veículo causador deste desastre era pertença de Transportes I. do Fundão, a qual transferira a respectiva responsabilidade civil para a Ré Seguradora, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 90001820 “.
Ora e desde logo, verifica-se que a Ré Seguradora demandada nega ter contratado um qualquer seguro de responsabilidade civil automóvel relativo ao veículo sinistrante – matrícula 52-37-BQ – com a referida companhia transportadora, mas admite ter celebrado um contrato de seguro dessa natureza e relativo ao referido veículo com a sociedade “ Miguens Sousa Dias, L.dª “, titulado pela apólice nº 90/001820, exactamente o número de apólice que foi indicado pela Autora .
E a fls. 59 foi junta cópia dessa apólice, exactamente em nome da sociedade “Miguens Sousa Dias, L.dª “ .
Donde resulta, desde logo, que se suscitam fundadas dúvidas sobre a identidade do proprietário do referido veículo, as quais acolhem maiores incertezas face ao teor da informação prestada pela Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa, junta a fls. 164 e 165, da qual se retira que o veículo matrícula 52-37-BQ se encontra registado em nome da sociedade “ Miguens Sousa Dias, L.dª “ e desde 23/09/1993, sendo que o acidente ocorreu em Dezembro de 1994 .
Ora, uma vez que a Ré Seguradora veio alegar que o prémio do referido contrato de seguro não foi pago em 28/11/1993, devendo considerar-se resolvido em 16/05/1994, e que é do seu desconhecimento a alienação desse veículo para a Ré “ Transportes I. do Fundão, L.dª “, o que a ter acontecido antes da data do sinistro determinou a cessação dos efeitos do contrato de seguro às 24H00 do dia da alienação, não pode deixar de se impor a averiguação da titularidade sobre o veículo em questão à data do sinistro, mormente face ao disposto no nº 6 do artº 29º do Dec. Lei nº 522/85, de 31/12, disposição que obriga a que as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido ou eficaz, serem obrigatoriamente interpostas contra o FGA e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade .
Nessa medida e porque a própria Autora também instaurou a presente acção contra o FGA e a sociedade “ Transportes I. do Fundão, L.dª “, embora a título subsidiário, alegando que a Seguradora já lhe referira a inexistência e a invalidade do contrato de seguro, o que a A. desconhece ( artigos 48º, 49º, 50º, 51º , 52º e 53º da petição ) , impunha-se que, findos os articulados, fosse proferido despacho a providenciar pelo suprimento da referida excepção dilatória, nos termos dos artºs 508º, nº 1, al. a); 265º, nº 2 ; 269º, nº 1 ; 325º, nºs 1 e 2; e 31º-B, todos do CPC , convidando a Autora a deduzir o incidente da intervenção principal provocada em relação à sociedade “ Miguens Sousa Dias, L.dª“ - neste sentido, veja-se, p. ex. , Miguel Teixeira de Sousa, in “ Estudos Sobre o Novo Processo Civil “, pg. 82 /83 .
Ora, verifica-se que assim não sucedeu, apesar de ter sido proferido despacho nos referidos termos, mas no qual apenas se visou provocar a intervenção do condutor do veículo sinistrante, conforme fls. 81 .
Donde se impor que tal tipo de despacho seja extendido à sociedade supra referida, a fim de poder ser apurada a propriedade do veículo à data do sinistro .
E acontecendo que a Autora demandou a título principal a Ré Seguradora, com base na existência de um dado contrato de seguro automóvel reportado à data do sinistro, alegando também desconhecer a inexistência ou a invalidade desse contrato de seguro, como a Seguradora já lhe teria referido antes , situação que veio a ser alegada pela Ré Seguradora, mas o que veio a merecer também a alegação de desconhecimento por parte do FGA e do R. João José Ranito Olímpio, conforme artigos 12º e 1º das suas próprias e respectivas contestações, há que ter em conta o disposto no artº 490º, nº 3, parte final, do CPC, isto é, há que considerar como impugnados os factos relativos à excepção da inexistência de contrato de seguro alegados pela Ré seguradora, factos esses que, por isso mesmo, careciam de ser levados à base instrutória, para demonstração .
Tenha-se em atenção que com a reforma processual cível de 1995 passou a haver, em princípio, apenas dois articulados, mesmo nas acções ordinárias, sendo apenas admissível réplica se for deduzida alguma excepção de direito processual ou material pelo réu e somente quanto à matéria desta – artº 502º, nº 1, 1ª parte, do CPC - , pelo que cabe ao autor precaver-se, tanto quanto possível, logo na petição inicial, contra todos os meios de defesa de que, na sua previsão, o réu possa vir a usar, pelo que quando assim suceda esses meios de defesa do réu têm de ser considerados como impugnados ” ab initio “ , não sendo necessário que seja produzida uma “réplica” formal para os impugnar , com o fim de obstar aos efeitos da impugnação, nos termos dos artºs 505º e 490º, nºs 2 e 3 .
E o mesmo se diz no que respeita às acções sumárias, face ao disposto no artº 785º do CPC .
Veja-se, no sentido exposto, Miguel Teixeira de Sousa, loc. cit. pg. 288 a 295, onde expressamente escreve : « Só é exigível que o réu tome posição sobre os factos que conhece ou que deva conhecer segundo as regras da experiência comum ou em cumprimento de um dever de informação. Sempre que o réu não deva conhecer o facto alegado pelo autor, justifica-se a possibilidade de uma declaração evasiva . Se o réu não tem o dever de conhecer o facto, porque, p. ex. , ele respeita a condutas ou a percepções de terceiros, essa parte não tem de impugná-lo; aliás, se o fizer, viola o dever de verdade, porque ninguém pode negar a veracidade de um facto que não conhece ... A falta da réplica ou a não impugnação dos factos novos alegados pelo réu implica, em regra, a admissão por acordo dos factos não impugnados ( artº 505º) . Esta admissão não se verifica nas situações previstas no artº 490º, nº 2, e, além disso, há que conjugar o conteúdo da réplica com o da petição inicial, pelo que devem considerar-se impugnados os factos alegados pelo réu que forem incompatíveis com aqueles que constarem de qualquer desses articulados do autor » .
No mesmo sentido veja-se José Lebre de Freitas, in “ Código de Processo Civil anotado “, vol. 2º, pgs. 300 a 302, 330 e 331, onde se escreve : ... pode acontecer que o réu esteja em dúvida sobre a realidade de determinado facto e, neste caso, a expressaão dessa dúvida é suficiente para constituir impugnação se não se tratar de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento... regime este que se aplica à réplica e à tréplica – artº 505º- ... Enquanto resposta às excepções, na réplica deve o autor impugnar os factos que o réu tenha alegado como seu fundamento, sob a cominação de se terem por provados, em termos idênticos e com as mesmas excepções do artº 490º ; o autor está, pois, sujeito ao ónus da impugnação, sem prejuízo de não se poderem dar como provados, por falta de impugnação na réplica, os factos, constitutivos de excepções, já negados na petição inicial .
Donde se afigurar que os autos não permitiam, como ainda não permitem, o conhecimento da invocada excepção da inexistência de contrato de seguro válido, assim se revelando inoportuno e prematuro esse conhecimento em sede de despacho saneador, ao abrigo do artº 510º, nº 1, al. a ), do CPC , e muito menos que se devam considerar como “ confessados “ os factos relativos a esse tipo de excepção, alegados pela Ré seguradora e previamente impugnados pela Autora e até mesmo expressamente contraditados pelos demais R.R., como já fizemos referência .
Além de que nesse despacho se alude à existência de um contrato de seguro com a sociedade “ Miguens Sousa Dias, L.dª “, entidade que nem sequer foi chamada à acção para se poder defender dos factos contra ela invocados pela Ré Seguradora .
Donde se ter de concluir pelo provimento do recurso de agravo, com revogação do despacho saneador, na sequência do que importa proferir despacho a providenciar pelo suprimento da referida excepção dilatória – a referida falta de intervenção da sociedade “ Miguens Sousa Dias, L.dª “, sob pena de ilegitimidade passiva dos demais R.R. - , nos termos dos artºs 508º, nº 1, al. a); 265º, nº 2 ; 325º, nºs 1 e 2; e 31º-B, todos do CPC , convidando-se a Autora a deduzir o incidente da intervenção principal provocada em relação à sociedade “ Miguens Sousa Dias, L.dª“, seguido de despacho saneador com selecção da matéria de facto, da qual devem constar quesitos relativos à pertença do veículo à data do sinistro, mormente o constante do artigo 4º da petição e bem assim o alegado pela autora no artigo 49º da mesma peça processual , além do alegado pela Ré seguradora nos artigos 3º a 22º da contestação .
Simultaneamente deverá a A. ser convidada a juntar aos autos cópia da participação policial do sinistro, que refere no artigo 49º da petição e ser o interveniente João José Ranito Olímpio notificado para juntar cópia do seu contrato de trabalho existente à data do sinistro, celebrado com uma das referidas sociedades, ao serviço da qual por certo conduzia a viatura 52-37-BQ .
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E uma vez que a procedência do recurso de agravo se traduz no reconhecimento da existência de um despacho processualmente incorrecto, com manifesta influência no desenvolvimento do processado e bem assim no exame e na decisão da causa, o qual carece de ser substituído por outro nos termos supra enunciados, importa anular os termos subsequentes ao mesmo, designadamente a realização da audiência de julgamento e a publicação da sentença de mérito, nos termos do artº 201º, nº 2, do CPC , assim ficando prejudicado o conhecimento dos recursos de apelação interpostos, sem prejuízo da atenção que se deva prestar às alegações produzidas nos ditos, mormente no que nelas se diz acerca da interpretação e da aplicação dos artºs 497º, 500º e 503º, todos do C. Civ. no que respeita à eventual responsabilização da sociedade proprietária do veículo sinistrante face aos danos causados à Autora .

Concluindo, há que conceder provimento ao recurso de agravo interposto pelo FGA, com revogação do despacho saneador, na sequência do que importa proferir despacho a providenciar pelo suprimento da referida excepção dilatória – a referida falta de intervenção da sociedade “ Miguens Sousa Dias, L.dª “, sob pena de ilegitimidade passiva dos demais R.R. - , nos termos dos artºs 508º, nº 1, al. a); 265º, nº 2 ; 325º, nºs 1 e 2; e 31º-B, todos do CPC , convidando a Autora a deduzir o incidente da intervenção principal provocada em relação à sociedade “ Miguens Sousa Dias, L.dª“, seguido de despacho saneador com selecção da matéria de facto, da qual devem constar quesitos relativos à pertença do veículo à data do sinistro, mormente o constante do artigo 4º da petição e bem assim o alegado pela autora no artigo 49º da mesma peça processual , além do alegado pela Ré seguradora nos artigos 3º a 22º da contestação, além do mais que se venha a reputar pertinente para o referido efeito .
XI
Decisão :
Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso de agravo interposto pelo FGA, com revogação do despacho saneador, na sequência do que deve ser proferido despacho a providenciar pelo suprimento da referida excepção dilatória – a referida falta de intervenção da sociedade “ Miguens Sousa Dias, L.dª “, sob pena de ilegitimidade passiva dos demais R.R. - , nos termos dos artºs 508º, nº 1, al. a); 265º, nº 2 ; 325º, nºs 1 e 2; e 31º-B, todos do CPC , convidando a Autora a deduzir o incidente da intervenção principal provocada em relação à sociedade “ Miguens Sousa Dias, L.dª“, seguido de despacho saneador com selecção da matéria de facto, da qual devem constar quesitos relativos à pertença do veículo à data do sinistro, mormente o constante do artigo 4º da petição e bem assim o alegado pela autora no artigo 49º da mesma peça processual , além do alegado pela Ré seguradora nos artigos 3º a 22º da contestação .
Mais se acorda em anular os termos processuais subsequentes ao dito despacho agora revogado, designadamente a realização da audiência de julgamento e a publicação da sentença de mérito, nos termos do artº 201º, nº 2, do CPC , assim ficando prejudicado o conhecimento dos recursos de apelação interpostos, sem prejuízo da atenção que se deva prestar às alegações produzidas nos ditos, mormente no que nelas se diz acerca da interpretação e da aplicação dos artºs 497º, 500º e 503º, todos do C. Civ., no que respeita à eventual responsabilização da sociedade proprietária do veículo sinistrante face aos danos causados à Autora .
Também deverá a A. ser convidada a juntar aos autos cópia da participação policial do sinistro, que refere no artigo 49º da petição e ser o interveniente João José Ranito Olímpio notificado para juntar cópia do seu contrato de trabalho existente à data do sinistro, celebrado com uma das referidas sociedades, ao serviço da qual conduzia, por certo, a viatura 52-37-BQ .
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Custas dos recursos interpostos pela parte vencida a final .
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Tribunal da Relação de Coimbra, em / /