Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
292171/11.0YIPRT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
COMPRA E VENDA
LUGAR DE CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 10/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: REGULAMENTO DO CONSELHO (CE) Nº44/2001, DE 22.12.2000
Legislação Comunitária: REGULAMENTO DO CONSELHO (CE) Nº44/2001, DE 22.12.2000
Sumário: Em caso de venda de bens, o lugar de cumprimento atendível no Regulamento do Conselho (CE) nº44/2001, de 22.12.2000, é aquele onde os bens foram entregues e, sendo este em território português, são competentes os tribunais portugueses.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            No processo nº292171/11.0YIPRT, por despacho de 12.4.2012, o Tribunal de Santa Comba Dão julgou improcedente a excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses e declarou-se competente.

            Inconformada, a Ré recorreu desta decisão, formulando as seguintes conclusões, já sintetizadas em função das questões propostas:

            1.A origem do suposto crédito da Autora esteve nas reparações efectuadas na máquina de biomassa que já havia fornecido à Apelante.

            2.Essas sucessivas reparações foram sendo efectuadas no local onde a máquina se encontrava, nomeadamente em Espanha, nas instalações da Apelante.

            3.Os créditos peticionados têm origem nas reparações da mesma e não na sua venda.

            4.As facturas emitidas aquando das reparações mencionam que o local de entrega do bem é nas instalações da Apelante e, numa delas, na factura nº 2192, datada de 23 de Maio de 2011, consta uma cobrança de deslocação para a reparação da máquina, deslocação essa efectuada ao local onde se encontrava a referida máquina, ou seja, nas instalações da Apelante em Espanha.

            5.Compreender-se-ia que o Tribunal, para a fixação da competência internacional, tivesse em conta a relação material controvertida configurada pela Autora na Petição Inicial, se não houvesse no Processo elementos bastantes para decidir.

            6.”No entanto, perante a oposição apresentada e da análise dos documentos juntos nos Autos pela própria Autora (facturas), o Tribunal dispõe de meios suficientes para, em sentido diverso, apreciar a incompetência internacional suscitada, sem recorrer pura e simplesmente à matéria configurada pela Autora.”

            7.”O artigo 5º nº 1 alínea b) do Regulamento44/2001 faz a distinção relativa aos tipos de contratos que podem estar em causa: a compra e venda de bens e a prestação de serviços. Na situação em apreço considera-se estar em causa um contrato de prestação de bens, uma vez que, como já se supra referiu, o suposto crédito existente pela Apelada, teve origem nas referidas reparações, ora prestações de serviços. E assim, o foro de conexão para contratos de reparação de serviços é o lugar da prestação dos mesmos, logo, em Espanha.”

            A Autora não alegou.


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            A questão que importa decidir é:

            a) Há no processo elementos bastantes para uma qualificação segura e para decidir em sentido diferente daquele que resulta da relação material controvertida, configurada pela Autora na Petição Inicial?

            (Já não se discute existir pacto atributivo de jurisdição. A Autora não recorreu da decisão nessa parte e não contra alegou, para a eventual ampliação prevista no artigo 684º-A, nº1.)


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            Não é questionado o enquadramento jurídico para a análise da competência em questão. Todos concordamos na aplicação do Regulamento do Conselho (CE) nº44/2001, de 22.12.2000 e especificamente do seu artigo 5º, nº1.

            O litígio a que se reporta os presentes autos tem conexão com as ordens jurídicas portuguesa e espanhola, já que a autora se encontra sediada em Portugal, ao passo que a ré tem a sua sede em Espanha.

            Estará em causa um contrato de compra e venda e/ou de prestação de serviços, o qual tem natureza comercial, atenta a qualidade societária e comercial das partes. Estará em causa a entrega de bens, o não pagamento do preço e pretensos serviços (de reparação ou não) também não pagos.

            Importará apurar qual o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação, lugar que, no caso de venda de bens, é aquele onde os bens foram ou devam ser entregues e, no caso da prestação de serviços, o lugar onde os serviços foram ou devam ser prestados.

            Visou-se o estabelecimento de um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação, nos mais frequentes contratos, que são o de compra e venda e o de prestação de serviços, por via de um critério factual, com vista a atenuar os inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro.

            No acórdão desta Relação, de 25.5.2010, proc.325/09.0TBCTB.C1, assinalou-se ainda que atribuirá competência aos tribunais portugueses o cumprimento, ainda que parcial, em território português.
            Ora, a Ré parece aceitar, a configurar-se a relação pelos contornos da petição, que a solução da questão é a acolhida na decisão do tribunal a quo. Invoca porém outros elementos do processo.

            A configuração da relação pela causa de pedir e pedido formulados pelo Autor na petição tem sido o critério acolhido na jurisprudência.

            (ver, com interesse, não apenas para o critério referido, os acórdãos do STJ de 4.3.2010, proc.2425/07.1.TBVCD.P1.S1, de 3.3.2005, proc.05B316, da Relação de Coimbra de 28.9.2010, proc.512/09.0TBTND.C1, de 5.12.2006, no processo 2/04.8TBAVR.C1, de 13.3.2007, proc.3142/04.0TBVIS-A.C1.)

            (Note-se, no confronto dos artigos 102º, 109º, 3 e 111º, 1, do Código de Processo Civil, parece existir uma diferença na instrução e julgamento da incompetência absoluta e da relativa.)

            De qualquer maneira, o tribunal avalia a apresentação feita pelo Autor e poderá fazê-lo por dados que disponha no processo e sejam claros, não estando preso a qualificações jurídicas.

            Ora, fazendo essa avaliação, repara-se que é a própria Ré, nos art.22º a 25º da oposição, a alegar que foi ela própria a proceder à reparação (reparações) que invoca. Só uma vez a Autora teria ido ao local onde estava a máquina, para montar uma peça. O confronto dos articulados permite entender a petição como plausível, quando a mesma afirma que a Ré comprou as peças em Portugal e aqui as recebeu, levando-as depois para o local onde estava a máquina e fazia ela própria a montagem (aqui o contributo da oposição).

            As facturas referem que o transporte cabia à Ré e que “os artigos transitam por conta e risco do cliente”, o que, não sendo decisivo, é mais um elemento a apontar no sentido supra referido.

            A Ré invoca estar exarada na factura 2192 (fls.102) uma deslocação da Autora às suas instalações. Realmente, esta factura refere um serviço prestado. Porém, esta  factura não está incluída na cobrança da Autora e ela não colide com o conjunto em análise.

            O conjunto parece ser o de múltiplas vendas de peças (facturas em cobrança).

            Não está em causa a venda inicial da máquina, embora para a compreensão completa da situação se entenda plausível vir a falar-se na mesma.

            É duvidoso existirem reparações feitas pela Autora. Não se vislumbra com facilidade quais sejam os serviços prestados pela Autora.

            Sendo assim, em caso de vendas de bens, o lugar de cumprimento para o Regulamento atendível é aquele onde os bens foram entregues e, sendo este em território português, são competentes os tribunais portugueses.

            E respondendo à questão, não há no processo elementos bastantes para uma qualificação segura e que implique decidir em sentido diferente daquele que resulta da relação material controvertida, configurada pela Autora na Petição Inicial.


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            Decisão.

            Julga-se o recurso improcedente, confirma-se a decisão recorrida e declara-se o Tribunal de Santa Comba Dão competente, em razão das regras da competência internacional, para julgar a acção.

            Custas pela recorrente.


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 Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator)

Maria Inês Carvalho Brasil de Moura

Luís Filipe Dias Cravo