Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
65/04.6TBPNH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA BATISTA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
RENÚNCIA
ARRENDAMENTO
Data do Acordão: 06/04/1965
Votação: UNANIMIDADE
Processo no Tribunal Recurso: Pinhel
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 1º DO DL 385/88, DE 25 DE OUTUBRO; ARTIGOS 416º, Nº 1; 1022º E 1023º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Para que o arrendatário rural tenha preferência na venda do prédio arrendado a lei exige que o contrato vigore há, pelo menos, três anos, tendo-se em conta a data da venda do imóvel – art. 28º, nº 1 do LAR
2. Não há contrato de arrendamento rural relevante para o exercício do direito de preferência, se não se apurar qual o tipo de contrapartida que os pretensos arrendatários ficaram a pagar aos pretensos senhorios, pelo amanho, nem a data do pretenso contrato.
3. Se bem que a comunicação da venda ao preferente não dependa de formalidade especial, destinando-se a mesma a dar-lhe a possibilidade de preferir, tem nela obrigatoriamente que constar o projecto da venda e as cláusulas do respectivo contrato – art. 416º, nº 1 do CC. Não cumpre a sua obrigação o promitente que apenas comunica que pretende realizar o contrato, devendo antes ser indicado quais as respectivas condições do negócio.
4. A comunicação do projecto de venda implica necessariamente a identificação clara e precisa do objecto e do preço pretendido pelo obrigado á preferência.
5. Não tendo sido efectuada a comunicação projecto de venda, nos termos legais, não haverá renúncia do preferente ao exercício do seu direito. Qualquer resposta eventualmente por este dada a respeito, sem que lhe tivessem sido comunicados os elementos essenciais da alienação, não pode, em si, ter o sentido inequívoco de renúncia ao direito de preferir.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:



A... veio intentar a presente acção, com processo sumário, contra B..e mulher C..., D.. e mulher E..., F.., G... e H.. e mulher GRACIOSA AGUIAR DUARTE PEREIRA, pedindo para lhe ser reconhecido o direito legal de preferência e de haver para si o prédio vendido pelos 1ºs, 2ºs, 3ºe 4º RR aos 5ºs RR, pelo preço e condições idênticas às constantes da escritura pública de compra e venda.
Alegando, para tanto, e em suma:
É dono do prédio rústico que melhor descreve na sua p. i., com a área de 0,1060 ha, sendo os 1ºs, 2ºs, 3ª e 4ª RR, até 22 de Setembro de 2003, donos de um outro prédio rústico, com a área de 0,3690 ha, que também melhor identifica, sendo ambos os imóveis confinantes entre si.
Por escritura pública de compra e venda aqueles RR venderam o seu prédio aos 5ºs RR, sem qualquer informação ter sido dada ao A.
Ambos os prédios se destinam a cultura arvense e têm área inferior à unidade de cultura.
Citados os RR, vieram o H.. e mulher contestar, alegando, também em síntese:
Caducou o arrogado direito do A., já que não procedeu ao depósito do preço no prazo legal;
Os contestantes são arrendatários do prédio que lhes foi vendido;
O A. teve conhecimento da venda, tendo sido convidado a preferir.
Foi proferido despacho saneador, no qual, e alem do mais, foi indeferida a excepção de caducidade pelos RR contestantes invocada. Sem recurso das partes.
Foram fixados os factos tidos por assentes, tendo sido organizada a base instrutória. Com reclamação do A., parcialmente atendida.
Realizado o julgamento, decidiu a senhora Juíza a matéria de facto da base instrutória pela forma que do seu despacho junto aos autos consta. Sem reclamação das partes.
Foi proferida a sentença, na qual, julgada a acção procedente, foi reconhecido ao A. o direito de preferência pelo preço constante da escritura de compra e venda referente ao prédio rústico em causa.
Inconformados, vieram os RR LÚCIO e mulher interpor o presente recurso de apelação, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:
1ª - A Mmª Juiz a quo que não respondeu de forma fundamentada à questão da existência ou não do contrato de arrendamento, admitindo, apenas e ao revés da prova produzida a existência de um Acordo verbal mediante o qual os RR davam uma contrapartida.
2ª - Ficou demonstrado que os recorrentes cultivavam o prédio e que pagavam uma renda e ainda que eram vistos no povo como arrendatários do prédio.
3ª - A Mmª Juiz a quo, não considerou relevantes tais factos e com o fundamento de que os RR. não provaram que o contrato tenha sido assinado em 1 de Agosto de 2003, nem que a partir dessa data a renda anual tenha passado a ser paga em dinheiro, deu implicitamente como não provada a qualidade de arrendatário dos RR, sem qualquer fundamentação a sustentar tal conclusão.
4ª - O A. que inicialmente impugna o documento contrato de arrendamento junto pelos RR. acaba no decurso da audiência de julgamento por admitir que o mesmo existe, na medida em que o aceitam para efeitos de procedência da acção.
5ª - Assim e com base na prova produzida, designadamente que os RR. ao longo dos anos cultivaram e plantaram o prédio mediante uma contrapartida em bens a que o contrato deu corpo, sustentando desta forma a relação jurídica que existia entre estes e o tio dos demais RR., a qualidade de arrendatário, inexistindo outra prova em contrário, deveria ter sido reconhecida aos RR.
6ª - Os RR. demonstraram como resulta do depoimento das testemunhas, os elementos essenciais do contrato de arrendamento, como seja a fruição temporária de uma coisa mediante retribuição.
7ª - Ao A. não bastava impugnar o facto alegado pelos RR. mas sim demonstrar o contrário, o que não fez. Nem a Mmª Juiz em algum momento da sentença se referiu ou fundamentou outro entendimento.
8ª - A Mmª Juiz considerou como não provado que o A. tivesse conhecimento da escritura efectuada em 12 de Março de 2004 nem que o A. tivesse obtido conhecimento da venda do prédio através de uma placa, se tais factos não foram demonstrados naqueles precisos termos, na verdade a Mmª Juiz como resulta do depoimento das testemunhas e do teor da motivação das respostas à matéria de facto o A., deveria ter reconhecido o facto de que a venda foi directamente proposta pela vendedora ao A., tendo este recusado a mesma.
9ª - Por tal facto se considera, aliás, como a própria Mmª Juiz a quo refere, ainda que de forma ténue, o A. em face do seu comportamento, e da prova testemunhal produzida, renunciou à faculdade de exercer o direito de preferência quando afirmou que não tinha interesse no prédio e não o queria adquirir.
10ª- No entanto e apesar de toda a prova produzida a Mmª Juiz decidiu em sentido diferente evidenciando assim uma clara contradição entre a prova produzida em julgamento e o sentido em que a decisão veio a ser proferida, pelo que se impõe a sua revogação e em ultima analise a sua anulação por falta de fundamentação.
11ª- A Mmª Juiz a quo não analisou de forma crítica as provas nem especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, o que conduzirá à nulidade da sentença, (artº. 668º, al. d) do C.P.C.).
12ª- Quanto aos factos que consubstanciam o pedido formulado pelos RR, esses foram carreados para o processo, cabendo à Mmª Juiz a quo fazer a correcta fixação dos factos, bem como uma correcta aplicação do direito aos factos que resultaram provados, o que não aconteceu.
13ª- O tribunal a quo não se pronunciou sobre questão que deveria ter apreciado e que se revela fulcral para a descoberta da verdade material, o que conduzirá à nulidade da sentença recorrida, ( artº. 668 alínea d) ).
14ª- A douta sentença recorrida viola as disposições constantes dos arts. 28 do Regime do Arrendamento Rural, 48 do R.A.U, 653º nº 2, 659º, 660º,668º nº1 alínea b), c) e d), todos do C.P.C.

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É sabido que a delimitação do objecto do recurso é feita pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – arts 664º, 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC, bem como , entre muitos outros, Acs do STJ de 8/3/2007, Pº 07B201, www.dgsi.pt, de 27/9/94, de 13/3/91, de 25/6/80 e da RP de 25/11/93, in, respectivamente, CJ S Ano II, T. 3, p. 77, Act. Jur. Ano III, nº 17, p. 3, Bol. 359, p. 522 e CJ Ano XVIII, T. 5, p. 232.

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Assim, as questões que aqui nos são colocadas podem resumir-se nas seguintes:
1ª - a da existência de um contrato de arrendamento celebrado entre os réus vendedores e compradores;
2ª - a de renúncia do A. à faculdade de exercer o direito de preferência.

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Vem dado como PROVADO da 1ª instância, sem impugnação das partes:

Na repartição de Finanças de Pinhel encontra-se registado um prédio rústico sob o art. 134, localizado na freguesia de Ervedosa, localidade de Galinheira, com a área de 1060 ha, composto por terra de cultura, com uma oliveira e uma cerejeira, confrontando a norte com José Augusto Frias, este com serventia e sul e oeste com Jeremias Duarte - alínea A) dos factos assentes.

No prédio referido em A) encontra-se inscrito como titular do seu rendimento o autor A... - alínea B) dos factos assentes.

Por escritura de compra e venda celebrada no dia 22 de Setembro de 2003, no Cartório Notarial de Pinhel, os réus Henrique Soares Aquino e mulher, D.. e mulher, F.. e G... declararam vender e o réu H.. declarou comprar, pelo preço de € 2.500,00 um prédio rústico, composto por terra de cultura com 40 oliveiras, sendo 11 estranhas e 11 amendoeiras, sito na Galinheira, limite da freguesia de Ervedosa, inscrito na matriz sob o art. 133º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Pinhel sob o n.º 617/020903, de Ervedosa - alínea C) dos factos assentes.

O prédio referido em C) encontra-se inscrito na Repartição de Finanças de Pinhel com a área de 3690 ha, e com as seguintes confrontações: a norte com António Joaquim Eira e outros, a este com José Dionísio Monteiro e a sul e a oeste com caminho - alínea D) dos factos assentes.

A compra do prédio referido em C) mostra-se registada a favor dos réus H.. e mulher pela cota G, inscrição AP 1 de 13.04.2004 - alínea E) dos factos assentes.

A qualidade de proprietários do prédio referido em C) dos réus Henrique Soares Aquino, Aires António Almeida Aquino, F.. e Elvira da Encarnação Almeida Aquivo adveio-lhes por sucessão hereditária de Jeremias Duarte e de sua esposa Elvira - alínea F) dos factos assentes.

No documento de fls. 74 a 76, que se dá por integralmente reproduzido, datado de 1 de Agosto de 2003 e denominado de “Contrato de Arrendamento Rural”, consta que o réu Aires António Almeida Aquino, por si e em representação dos herdeiros de Jeremias Duarte, declarou que por este meio submetia à forma escrita o arrendamento verbal existente entre o seu tio e o réu H.., do prédio referido em C) - alínea G) dos factos assentes.

O autor adquiriu o prédio referido em A) por sucessão hereditária de sua mãe, em data não concretamente apurada, mas seguramente há mais de 50 anos. – resposta ao quesito 1º da base instrutória.

E desde então que o ocupa, lavrando-o, semeando-o, nele colhendo azeitona, cerejas, outros frutos e batatas – resposta ao quesito 2º da base instrutória.

Tudo sem oposição de quem quer que seja – resposta ao quesito 3º da base instrutória.

Á vista e com o conhecimento de toda a gente. – resposta ao quesito 4º da base instrutória.

O prédio referido em C) confina a sul e poente com o prédio do Autor. – resposta ao quesito 5º da base instrutória.

O prédio referido em A) é utilizado na cultura de forragens, cerejas e azeitona, entre outros – resposta ao quesito 8º da Base instrutória.

O prédio referido em C) é utilizado na cultura de forragens e frutos, nomeadamente azeitona e amêndoa – resposta ao quesito 9º da base instrutória.

Os réus H.. e esposa exploram, mediante contrapartida, o prédio referido em C), desde data não concretamente apurada, mas seguramente anterior ao ano de 1992 – resposta ao quesito 10º da base instrutória.

Os réus H.. e esposa agem de acordo com o descrito na resposta dada ao quesito 10º por via de acordo verbal celebrado entre estes e o tio dos réus, Henrique Soares Aquino, Aires António Almeida Aquino, F.. e G.... – resposta ao quesito 11º da base instrutória.

E desde então cultivam e plantam o prédio referido em C) – resposta ao quesito 12º da base instrutória.

Os réus Aires António Almeida Aquino e H.. assinaram, pelo seu punho, o documento referido em G) – resposta ao quesito 15º da base instrutória.

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Comecemos pela primeira questão: - a da existência de um contrato de arrendamento celebrado entre os réus vendedores e compradores.


Defendem os apelantes ter ficado provado nos autos a sua invocada qualidade de arrendatários do prédio à data da compra e venda ora questionada.
Alegando, desde logo, terem junto, com a contestação, o contrato escrito de arrendamento rural, “para que o mesmo titulasse a acção e permitisse a sua procedência”.
Tendo o A. reconhecido tal contrato “para efeito da procedência da acção”.
A senhora Juíza não deu como provado o arrendamento, dando, consequentemente, como não provada a qualidade de arrendatários dos réus apelantes, devido aos mesmos não terem provado que o contrato tenha sido assinado em 1 de Agosto de 2003, nem terem provado que a partir de tal data a renda anual tenha passado a ser paga em dinheiro.
Mas, o A., no decurso da audiência de julgamento, acabou por admitir a existência do contrato , aceitando-o para “efeitos da procedência da acção”.
Daí devendo ser retirado que os RR ao longo dos anos cultivaram e plantaram o prédio mediante uma contrapartida em bens, assim ficando demonstrados os elementos essenciais do contrato de arrendamento, como seja a fruição temporária de uma coisa mediante retribuição.
Assim havendo contradição na sentença recorrida, ao dar como não provada a existência do contrato de arrendamento que se presume rural – sem tal ter sido pelo A. ilidido.

Pugna o apelado pela manutenção da decisão da não existência do contrato de arrendamento.
Sempre tendo impugnado a existência do alegado contrato e do conteúdo do documento para o efeito apresentado, aceitando apenas ter o mesmo sido reduzido a escrito para efeito do prosseguimento da acção.

Tendo a senhora Juíza a quo entendido, na fundamentação da sua sentença, que o contrato de arrendamento rural, a existir, teria de ser reduzido a escrito, não tendo ficado apurado, no entanto, que o denominado “contrato de arrendamento rural” junto aos autos, tivesse sido assinado em 1 de Agosto de 2003 e que a partir dessa data a renda anual passasse a ser paga, anualmente, em dinheiro.

Vejamos, pois.

Sendo certo que, não obstante ter sido gravada a prova produzida em audiência, os apelantes não impugnaram a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art. 690º-A do CPC, não se vislumbrando aqui razões para alterar tal decisão, preenchidos que não se encontram, desde logo, qualquer um dos pressupostos do art. 712º, nº 1 do mesmo diploma legal.

Tendo, assim, ficado provado a este respeito:

No documento de fls. 74 a 76, que se dá por integralmente reproduzido, datado de 1 de Agosto de 2003 e denominado de “Contrato de Arrendamento Rural”, consta que o réu Aires António Almeida Aquino, por si e em representação dos herdeiros de Jeremias Duarte, declarou que por este meio submetida à forma escrita o arrendamento verbal do prédio referido em C), existente entre o seu tio e o réu H.. - alínea G) dos factos assentes.

Os réus H.. e esposa exploram, mediante contrapartida, o prédio referido em C), desde data não concretamente apurada, mas seguramente anterior ao ano de 1992 – resposta ao quesito 10º da base instrutória.

Os réus H.. e esposa agem de acordo com o descrito na resposta dada ao quesito 10º por via de acordo verbal celebrado entre estes e o tio dos réus, Henrique Soares Aquino, Aires António Almeida Aquino, F.. e Alvira da Encarnação Almeida Aquino – resposta ao quesito 11º da base instrutória.

E desde então cultivam e plantam o prédio referido em C) – resposta ao quesito 12º da base instrutória.

Os réus Aires António Almeida Aquino e H.. assinaram, pelo seu punho, o documento referido em G) – resposta ao quesito 15º da base instrutória.

Ora, determina o art. 1º do DL 385/88, de 25 de Outubro – que ao caso teremos por aplicável, já que apenas sabemos que a apurada exploração ao prédio por banda dos RR apelantes terá tido lugar em data anterior a 1992, desconhecendo-se, porém, se antecedeu o dia 30/10/88, data da entrada em vigor do aludido diploma legal (Lei do Arrendamento Rural) e nem se podendo presumir que tal tenha sucedido, já que, e desde logo, provado não ficou que tal acordo tivesse ocorrido desde 1984 (cfr, resposta restritiva ao quesito 10º) – no que ora pode interessar, que o arrendamento rural é a locação de prédios rústicos para fins de exploração agrícola, nas condições de uma regular utilização.
Sendo a locação o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição: dizendo-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel – arts 1022º e 1023º do CC.
Sendo, assim, o mesmo contrato oneroso, envolvendo uma retribuição por parte do locatário, sendo, pois, essencial à perfeição do arrendamento que as partes tenham acordado no montante de retribuição que deve ser paga pelo locatário ou no critério que permita a sua fixação - P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. II, p. 365.
Sendo, pois, elementos típicos do contrato de locação, uma coisa dada em gozo, uma retribuição e um prazo – Rodrigues Bastos, Notas ao CC, vol. IV, p. 197.
Presumindo-se rural o arrendamento que recaia sobre prédios rústicos quando do contrato e respectivas cláusulas não resulte destino diferente – art. 1º, nº 3 da referida LAR.
Sendo a renda, em tal arrendamento, sempre estipulada em dinheiro, a menos que as partes a fixem expressamente em géneros e em dinheiro simultaneamente – art. 3º da LAR.

Sendo certo que, para se apurar se estamos em presença de um contrato de arrendamento ou de outro qualquer contrato, haverá que averiguar, em cada caso, qual a vontade das partes, para depois se ver que tipo de contrato se ajusta ao acordo que elas quiseram realizar, pois a classificação dos contratos não depende da designação que elas lhe dão, sendo antes a sua qualificação jurídica matéria de direito e não meramente de facto (Galvão Telles, Manuel dos Contratos em Geral, p. 210) - Ac. do STJ de 24/1/1983, Bol. 343, p. 319.

Alinhavados estes princípios gerais, que ao caso se terão de ter como aplicáveis, vejamos, pois, se a factualidade apurada pode consubstanciar um arrendamento rural – do qual os RR ora apelantes serão arrendatários - em vigor pelo menos três anos antes da data da questionada compra e venda, ocorrida em 22 de Setembro de 2003.
Já que, para que o arrendatário rural tenha preferência na venda do prédio arrendado a lei exige que o contrato vigore há, pelo menos, três anos, tendo-se em conta a data da venda do imóvel – art. 28º, nº 1 do LAR.

Cremos, tal como a senhora Juíza a quo, que assim não poderemos, sem mais, concluir.
Pois, que, desde logo, desconhecemos qual o tipo de contrapartida que os RR ora compradores e apelantes ficaram a pagar ao tio dos RR vendedores, pelo amanho que, desde data que não se terá conseguido apurar – apenas se sabendo que anterior a 1992 – ficaram a fazer do prédio.
Já que, tendo os RR compradores alegado, na sua contestação, que o contrato de arrendamento rural foi celebrado verbalmente há 20 anos, contra o pagamento de uma renda em espécie, correspondente a 1/3 da produção para o senhorio e de 2/3 para os rendeiros, tendo reduzido a escrito tal contrato “para efeitos do prosseguimento da presente acção, - arts 6º, 7º e 8º do referido articulado – apenas ficou a respeito apurado o atrás relatado nas respostas aos quesitos 10º (que em bom rigor seria nulo, tal como foi formulado, transpondo, aliás - embora mal, tal como também sucede com o quesito 1º - matéria a propósito pelos ditos RR alegada, por conter matéria conclusiva e de direito, não quesitável), 11º e 12º.
E mais matéria de facto não havendo que apurar, já que alegada não se encontra – art. 664º, parte final, do CPC.
Sendo certo que o ónus de alegação e prova de tal matéria incumbirá aos RR – art. 342º, nº 2 do CC.
Devendo cada uma das partes no processo, como resultado do princípio dispositivo – ainda hoje básico na nossa processualística civil, não obstante as vicissitudes por que tem passado – suportar um ónus de afirmação, vendo o pleito julgado contra si se não tiver alegado factos indispensáveis á sua pretensão – M. Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 378 e Ac. do STJ de 25/1/2000, Bol. 493, p. 176.
Suportando, naturalmente, o ónus da sua respectiva prova.

Ora, como vínhamos dizendo, apurado não ficou que tipo de contrapartida seria dada pelos RR apelantes pela exploração do prédio que pelo tio dos RR vendedores lhes foi confiada.
Tendo de ser uma contrapartida em dinheiro, ou simultaneamente nesta espécie de pagamento e em géneros, para que de contrato de arrendamento rural verbal se possa falar.
O que não sabemos, tendo os próprios RR alegado –sem, aliás, o provarem – que a retribuição ajustada terá sido unicamente em géneros, não permitida, como também já se aludiu, para os contratos de arrendamento rural.
Pelo que, concluir não podemos tratar-se tal acordo verbal de um arrendamento rural.

Mas, será que os factos ora em apreço, poderão consubstanciar qualquer outro tipo contratual, relevante in casu?
Poderão ao mesmos, de facto, integrar um contrato de parceria agrícola, o qual, tal como se encontra definido no art. 73º, nº 4 da Lei nº 77/77, de 29 de Setembro, será aquele “pelo qual uma das partes dê ou entregue a outrem um ou mais prédios rústicos para serem cultivados ou explorados por quem os recebe, em troca de pagamento de uma quota-parte da respectiva produção ou da prestação de qualquer forma de trabalho”.
Aplicando-se ao mesmo, com as necessárias adaptações, tudo quanto respeita aos arrendamentos rurais – art. 33º da LAR.

Contudo, tais contratos de parceria agrícola foram proibidos (os novos) pelo art. 54º, nº 1 da referida Lei 77/77.
Tendo o mesmo, a ter sido efectivamente celebrado pelos RR (pelo tio dos vendedores e pelos compradores), ocorrido após a entrada em vigor de tal diploma legal, tendo em conta a própria alegação desta parte, embora não provada (segundo alegaram, o aludido acordo verbal teria ocorrido em 1984).
Pelo que, também por esta via, não seriam os RR titulares de qualquer direito de preferência – cfr., também, Ac. do STJ de 17/1/89, Pº 076464, www.dgsi.pt.

E, já agora, apenas duas palavras quanto ao contrato escrito que os RR contestantes – os RR vendedores ter-se-ão, ao que parece desinteressado do desfecho da acção – fizeram juntar aos autos (fls 74 e ss). Embora tivesse ficado provado que o mesmo se encontra assinado pelos RR Aires e Lúcio – mas não na data nele aposta de 1 de Agosto de 2003 – terá o mesmo sido elaborado, como os RR confessam, apenas para o prosseguimento da acção, ou seja, segundo se presume, para obviar às dificuldades que poderiam advir da não observância do preceituado no art. 35º, nº 5 da LAR.
Que assim reza:
“Nenhuma acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável á parte contrária”.

E, assim, não podendo o mesmo comprovar, só por si, a existência de um anterior contrato verbal de arrendamento celebrado em 1984 entre o tio dos ora RR vendedores e o R. comprador – não podendo este Tribunal alterar a decisão a propósito proferida pela 1ª instância, já que não se vislumbra qualquer um dos fundamentos de tal alterabilidade, tal como se encontram taxativamente previstos no art. 712º, º 1 do CPC – não se poderá considerar tal aludido acordo verbal como nele sendo reduzido a escrito.
Pois que, desde logo, não se provou que o acordo verbal em apreço tivesse sido realizado em 1984.
Mas apenas em data anterior a 1992.
O que tem relevância, como atrás vimos, para a correcta qualificação jurídica de tal acordo.
E, na dúvida, tem o Tribunal que decidir contra a parte onerada com o ónus da prova – art. 516º do CPC.
Competindo aos RR, também como dissemos, provar a existência do contrato de arrendamento, pelo menos em vigor três anos antes da transacção ora em apreço.
O que não lograram fazer.

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Passemos à segunda questão: a da renúncia do A. à faculdade de exercer o direito de preferência.

Entendem os apelantes resultar dos depoimentos das testemunhas e do teor da motivação das respostas dadas á matéria de facto ter a venda sido directamente proposta ao A, tendo este recusado a mesma.
Tendo, assim, renunciado á faculdade de exercer o direito de preferência.
Havendo, na decisão recorrida, clara contradição entre esta e a prova produzida em julgamento
Sendo, em seu entender, a sentença nula, nos termos do prescrito no art. 668º, al. d) do CPC.

Ora, e começando por aqui, na parte que ora pode interessar, é a sentença nula, nos termos do citado art. 668º, nº 1:
“b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.

Ora bem, da leitura da sentença recorrida – e não obstante os recorrentes dela poderem legitimamente discordar - não se pode retirar qualquer dos vícios atrás relatados que possam conduzir à sua respectiva nulidade.
Devendo na sua fundamentação, e alem do mais, serem discriminados os factos que o Juiz considerou provados – art. 659º, nº 2 do CPC.
Desde logo aqueles que antes foram julgado provados após o julgamento da matéria de facto – art. 653º, nº 2 do mesmo diploma legal.
Não competindo ao Juiz, na elaboração da sentença, voltar a fazer um exame crítico das provas que foram produzidas na fase da discussão e julgamento, antes acatando nela a matéria de facto que já havia dado por assente.
A qual, como já dito, não foi pelos apelantes impugnada.
Tendo a senhora Juíza proferido exaustivo despacho de fundamentação da sua convicção, sem que os ora apelantes – ou qualquer das partes – tivesse requerido, como a lei lhes faculta, melhor fundamentação – art. 712º, nº 5, ainda do CPC.
Razões não havendo, pois, para se anular a sentença proferida.

Assim, na falta de impugnação e não se vislumbrando razões para anular oficiosamente a referida decisão da matéria de facto, já que a mesma – mau grado os vícios atrás relatados quanto aos quesitos indevidamente formulados, mas que não têm relevância neste recurso – não se mostra deficiente, obscura ou contraditória – citado art. 712º, nº 4 – ter-se-á como fixada nos termos em que assim o foi na 1ª instância.

Não tendo ficado sequer, a propósito, provado o facto quesitado em 7º da BI, ou seja, que “O Autor tomou conhecimento da venda do prédio referido em C) através de uma placa afixada durante mais de 6 meses na freguesia de Ervedosa”.

Ora, e se bem que a comunicação da venda ao preferente não dependa de formalidade especial, destinando-se a mesma a dar-lhe a possibilidade de preferir, tem nela obrigatoriamente que constar o projecto da venda e as cláusulas do respectivo contrato – art. 416º, nº 1 do CC.
Não cumprindo a sua obrigação o promitente que apenas comunica que pretende realizar o contrato, devendo antes ser indicado quais as respectivas condições do negócio – A. Costa, Obrigações, p. 298.
Todos estando de acordo que a comunicação do projecto de venda implica necessariamente a identificação clara e precisa do objecto e do preço pretendido pelo obrigado á preferência.
Tendo a informação do projecto de venda que conter necessariamente os elementos essenciais do contrato de compra e venda que se pretende realizar – Carlos Lacerda Barata, Da Obrigação de Preferência, p. 111 e 112.
Sendo o preço, alem do mais, um dos elementos essenciais da compra e venda – arts 874º e 879º, al. c) do CC e
Não constando tal elemento essencial – o preço do prédio – dos factos alegados na contestação dos RR atinentes à comunicação para preferência.
Pelo que, negando o A. que a mesma lhe tivesse sido feita (art. 12º da p. i.), competiria aos RR provar (tal alegando previamente) o contrário.
O que não fizeram.

E, assim, também desde logo, não se tendo provado ter sido efectuada a comunicação em apreço nos termos legais, não poderemos estar sequer perante qualquer renúncia do preferente ao exercício do seu direito.
Pois que, qualquer resposta eventualmente por este dada a respeito, sem que lhe tivessem sido comunicados os elementos essenciais da alienação, não pode, em si, ter o sentido inequívoco de renúncia ao direito de preferir – Aragão Seia e outros, Arrendamento Rural, p. 195.
Pelo que comprovada não se pode ter a renúncia do A. preferente.

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Face a todo o exposto, acorda-se nesta Relação em se julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.