Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1589/08.1TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: TRANSACÇÃO JUDICIAL
CONTRATO DE TRANSACÇÃO
EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO
Data do Acordão: 09/08/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1248ºA 1250ºCC; 288º, Nº 3, CPC
Sumário: I – A celebração de uma transacção, exarada em acta, entre os litigantes no âmbito de um processo judicial, pondo termo a este, equivale à celebração entre esses mesmos litigantes de um “contrato de transacção”, previsto nos artºs 1248º a 1250º do C. Civ..

II – Com efeito, através dessa transacção as partes nesse processo terminam um litígio, com expressão judicial, mediante recíprocas concessões (artº 1248º, nº 1, CC).

III – Daí que a sentença de homologação desta transacção, formando caso julgado, incorpore o sentido negocial da auto-composição alcançada pelas partes, acompanhando (enquanto caso julgado) as incidências sobre a sua fonte (o contrato de transacção).

IV – A transacção configura, na dinâmica do processo em que ocorre, um acto processual constitutivo (por oposição à categoria dos chamados actos postulativos), já que produz efeitos imediatos, subtraindo o poder de decisão sobre a lide ao juiz, confinando a subsequente intervenção deste a um simples poder de controlo da validade extrínseca do negócio de auto-composição.

V – Assim, não se verifica a excepção de caso julgado material quando, através de uma acção subsequente àquela em que se celebrou a transacção, se pretende atacar esta transacção com base em erro ou impossibilidade legal, ou na qual se pretende resolver o contrato de transacção que originou, na acção anterior, a sentença homologatória da transacção – é este o regime decorrente dos nºs 1 e 2 do artº 301º do CPC.

VI – O afastamento da relevância, em sede de recurso, do caso julgado que motivou a prolação da decisão da 1ª instância, desencadeia a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista no artº 715º, nº 2, do CPC, sempre que o processo já contenha todos os elementos que permitem a apreciação do pedido.

VII – A verificação da possível relevância de uma excepção dilatória (caso da ilegitimidade) não impede que seja proferida uma decisão de mérito, nos termos do artº 288º, nº 3, do CPC, se esta se mostrar favorável à parte cuja protecção é visada pela aludida excepção.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. A... (A. e neste recurso Apelante) intentou[1] contra B... e mulher, C... (RR. e neste recurso Apelados), a presente acção declarativa de condenação, nela formulando os pedidos que aqui se transcrevem:


“[…]
A) Reconhecer que D... e esposa E..., venderam a F... e esposa, G... a «Fracção Autónoma designada pela letra F, correspondente ao primeiro andar direito, para habitação, com lugar de estacionamento F-um na subcave direita e arrecadação F-um no sótão, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, designado por lote dois, sito na Quinta dos Bentos, Bairro da Luz, freguesia de S. Vicente, cidade e concelho da Guarda, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 2665 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o nº 1521 da mesma freguesia».
B) Reconhecer que, com a venda do imóvel, os vendedores entregaram aos compradores uma planta identificativa do lugar de garagem (cfr. Doc. 2).
C) Reconhecer que F... e esposa, G... venderam ao A. e sua esposa a Fracção Autónoma acima identificada.
D) Reconhecer que, com a venda do imóvel, os vendedores entregaram aos compradores uma planta identificativa do lugar de garagem (cfr. Doc. 2).
E) Reconhecer que o A. é proprietário e legítimo possuidor da Fracção Autónoma melhor identificada no artigo 1º da p. i.[2].
F) Reconhecer que, pelo menos desde o Ano de 1992 até 2007, quer o A. quer os seus antecessores no direito, sempre usaram [e] fruíram tal espaço, aí estacionando a sua viatura e aí guardando lenha, produtos agrícolas e outros pertences.
G) Reconhecer que a transacção efectuada no âmbito do processo nº 537/07.0TBGRD, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, além de não vincular o A., não foi objecto de cumprimento por parte do R..
H) Reconhecer que a planta junta sob Doc. 5[3] (projecto de alteração aos lugares de garagem), não foi objecto de execução, de forma que o prédio e a respectiva cave encontram-se, ainda hoje, fisicamente, tal como consta da planta anexa sob o Doc. 2.
I) Reconhecer que a planta anexa sob o Doc. 5 (que serviu de base à transacção efectuada no âmbito do processo nº 537/07.0TBGRD) não se conforma com a lei, nem pode servir de base aos projectos apresentados (designadamente, com a alteração ao projecto inicial), nem com a realidade física existente.
J) Reconhecer que o prédio e a respectiva cave encontram-se, ainda hoje, fisicamente, tal como consta da planta anexa sob o Doc. 2, não contemplando as alterações constantes da planta anexa sob o Doc. 6.
K) Reconhecer que o R. ainda não efectuou quaisquer obras de reposição do seu lugar de garagem, tal como o mesmo se encontra projectado (cfr. alínea E) da referida transacção).
L) Reconhecer que o R. ocupa ilegitimamente e sem qualquer título a totalidade do espaço de garagem do A..
M) Condenar os RR. a restituir ao A. o seu lugar de garagem, bem como daí retirar a lenha e todos os seus pertences, investindo, novamente, o A. na totalidade da sua propriedade e posse.
N) Condenar, ainda, os RR. a indemnizar o A. por todos os danos causados numa quantia nunca inferior a €1.000,00, por cada ano em que devido à conduta ilícita dos RR., o A. se viu desapossado da sua posse e propriedade no lugar de garagem.
[…]”
            [transcrição de fls. 11/13]

            Para compreensão do sentido destes catorze pedidos cumulados importa ter presente a circunstância do A. e sua mulher terem adquirido, em Janeiro de 1999, a fracção autónoma indicada no pedido formulado na alínea A), integrando esta um lugar de garagem na cave (é a este elemento parcelar da fracção que se refere, em exclusivo, a presente acção) cuja configuração espacial entende o A. (e entende-o a sua mulher, v. nota 2) corresponder à planta que junta como Doc. nº 2 (fls. 98). Através de uma acção intentada pela mulher do A.[4], em 2007 no Tribunal Judicial da Guarda (2º Juízo; Processo nº 537/07.0TBGRD), pretendeu esta afirmar a realidade física desse lugar de garagem correspondente a essa planta de fls. 98, situação à qual agora o A. pretende retornar, sendo que essa acção terminou por via da transacção que se mostra certificada a fls. 95/97 (é esta a transacção referida na alínea G) do pedido acima transcrito), a qual foi alcançada em audiência de discussão e julgamento e assentou na consideração pela aí A. (mulher do aqui A.) e pelo aqui R. marido (nesse processo R. exclusivo) de corresponder o lugar de garagem em causa (em causa nessa e nesta acção), à delimitação espacial ilustrada pela planta de fls. 99 (o tal Doc. nº 5, referido na alínea H) do pedido e na nota 4, supra), e não ao da planta de fls. 98.

            Dado o inegável interesse para o tema deste recurso, aqui se transcreve o teor da transacção alcançada nesse Processo nº 537/07.0TBGRD, aqui pretendida ultrapassar através da presente acção, sublinhando-se ter sido essa transacção homologada por sentença (a Sentença certificada a fls. 96/97), nos termos do artigo 300º, nº 3 do Código de Processo Civil (CPC):


“[…]
Seguidamente pelo Mmo. Juiz foi tentada a conciliação das partes, o que logrou conseguir, tendo pelos advogados das partes e na presença da A. H... e do R. B... sido dito que põem fim à presente acção através da seguinte transacção:

A)
A A. e o R. reconhecem e aceitam que a planta cuja cópia consta de fls. 29 [fls. 98 destes autos] foi objecto de alteração, pela planta cuja cópia consta a fls. 51 [fls. 99 destes autos], tendo sido esta planta alterada, que foi aprovada pela Câmara Municipal da Guarda;
B)
A A. e o R. reconhecem mutuamente que o lugar de garagem que pertence à A. é o designado pela letra F na planta de fls. 51 [fls. 99 destes autos] e que o lugar de garagem que pertence ao R. é o designado pela letra D que consta na mesma planta;
C)
A A. e R. comprometem-se a respeitar mutuamente os lugares de garagem referidos e pertencentes à parte contrária, não impedindo o estacionamento em qualquer deles;
D)
A. e R. comprometem-se ainda a não colocarem quaisquer objectos que impeçam a entrada para os referidos acessos de garagem;
E)
A A. reconhece que tem depositada lenha no lugar de garagem pertencente ao R. e compromete-se a retirá-la de tal espaço logo que se dê início às obras, para reposição do lugar de garagem pertencente ao R., tal como se encontra projectado – ou caso se verifique que tais obras são inviáveis,
F)
A A., por mera tolerância, e até ao facto referido na alínea que antecede, permite que o R. estacione o seu veículo de modo a ocupar apenas a parte do espaço da sua garagem que se situa em frente ao pilar – sem com isso impedir o estacionamento do veículo da A. no seu espaço de garagem.
[…]”
            [transcrição de fls. 95/96]

           

É esta a transacção que o A. pretende aqui afastar[5], invocando (além da não oponibilidade a ele do caso julgado formado no Processo nº 537/07.0TBGRD) que a aceitação dessa transacção pela sua mulher “[p]art[iu] de erro” (di-lo expressamente no artigo 38º da p.i. a fls. 6) e que pressupunha a realização de obras a cargo dos RR., obras que não tiveram lugar[6] e que, em qualquer caso, não seriam legal e fisicamente possíveis[7].

            1.1. Os RR. contestaram a fls. 49/59, deduzindo as excepções de ilegitimidade do A. (por estar desacompanhado da mulher) e de caso julgado (ofensa do que se formou no Processo nº 537/07.0TBGRD, através da prolação da Sentença homologatória da transacção que pôs termo a essa acção), impugnando o pedido e formulando reconvenção dirigida ao reconhecimento do seu espaço de garagem (com a configuração da planta de fls. 99 aceite na mencionada transacção), acrescentando o pedido de condenação do A. como litigante de má fé.


1.1.1. O A. respondeu às excepções a fls. 85/91[8].

1.2. Encerrada a fase dos articulados, foi proferido, pondo termo à causa, o despacho Saneador-Sentença de fls. 102/111constitui este a decisão objecto do presente recurso – no qual, embora tenham sido equacionadas (sem uma resolução expressa) outras questões (a saber: a da legitimidade[9] e a aí qualificada como “impossibilidade jurídica”[10]), foi julgada verificada a excepção dilatória de caso julgado (formado no Processo nº 537/07.0TBGRD), sendo os RR. absolvidos da instância (por lapso de escrita disse-se na Sentença, a fls. 111, que a absolvição era do pedido; cfr. artigos 493º, nº 2 e 494º, alínea i) do CPC, este na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, que alterou a qualificação da excepção de caso julgado).

1.3. Inconformado, interpôs o A. o presente recurso, motivando-o a fls. 114/123, juntando com esta peça um documento (fls. 124/126)[11], formulando as seguintes conclusões:


“[…]
A) A construção e a realidade física do prédio em causa nos autos, no que tange às garagens, está conforme à planta junta com a p.i. [documento de fls. 98];
B) A ter sido a planta junta [a fls. 99], a servir de base à aprovação da propriedade horizontal, tal facto constitui erro notório, como se pode constatar com uma simples observação e/ou inspecção judicial ao prédio em causa;
C) A licença de utilização emitida terá, necessariamente, de estar em conformidade com a realidade física existente. E a realidade física existente está conforme a planta [de fls. 98], sendo certo que o prédio e a respectiva cave encontram-se, ainda hoje, fisicamente, tal como consta da referida planta, não contemplando as alterações constantes da planta [de fls. 99];
D) no caso em apreço impunha-se ao Juiz a quo, a audição das testemunhas arroladas nos articulados, como, também, a inspecção judicial ao local em questão, para constatar a realidade física existente, dado existirem nos autos duas plantas contraditórias;
E) Impunha-se ao Juiz a quo aferir da verdade material, ou seja, diligenciar no sentido de comprovar qual das duas teses […] tinha correspondência com a realidade. No caso em apreço, o Juiz a quo ignorou o poder-dever que lhe impõe o artigo 265º, nº 3 do CPC;
F) Ao contrário do entendimento perfilhado pelo Meritíssimo Juiz a quo e, salvo opinião em sentido contrário, entendemos que incorreu em erro ao considerar procedente a excepção dilatória de caso julgado;
G) A questão subjacente aos presentes não é a mesma que se discutiu no processo nº 537/07.0TBGRD, pelo que não existe identidade de pedido e causa de pedir nas duas acções, inexistindo, consequentemente, caso julgado;
H) A primeira acção, a qual foi objecto de transacção, versava sobre um fundamento que consistia na definição dos lugares de garagem pertencentes à esposa do A. e ao R.;
I) Já o pedido deduzido nesta acção, contende com o incumprimento da referida transacção homologada por sentença;
J) Desta forma, a causa ou o fundamento da pretensão do A. foi distinta, em ambas as situações, o que afasta a verificação da excepção do caso julgado (nesse sentido Ac. RC de 15/07/2008, em que foi relator Hélder Roque).
K) Nas alíneas E) e F) da transacção ficou, claramente, exarado que a produção de efeitos da mesma ficaria dependente das obras a efectuar no prédio.
L) Como se deixou referido e factualmente alegado entre os artigos 54º a 77º da p.i., os RR., violando os direitos do A. e, não respeitando a condição constante da referida transacção, retiraram a lenha e os pertences do A. sem que as obras tivessem lugar. Os presentes autos, se por outra razão não se justificassem, sempre teriam de prosseguir os seus ulteriores termos para analisar e dirimir esta questão.
M) Da conduta dos RR. resultam danos para o A., que foram suficientemente alegados e que, por si só, fundamentam o interesse processual para o A. impulsionar o presente processo e obter uma decisão judicial, em conformidade com o direito constitucional que lhe assiste (artigo 202º da CRP);
N) Na presente acção o que está em causa é a verificação da conduta dos RR. e o incumprimento, por parte destes, da transacção homologada, pelo que, ao contrário do que se encontra sugestionado na sentença recorrida, não há necessidade da intervenção dos restantes condóminos para aferir de uma questão de responsabilidade civil entre as partes na presente acção.
[…][12]
Q) Face a todo o exposto, deveria o processo seguir os seus termos, sendo objecto de produção de prova para aferir da verdade material.
R) A sentença recorrida viola as normas constantes dos artigos 2º, 265º, nº 3, 498º, nº 1 e 4 e 510º, nº 1, alínea b) a contrario do CPC e 202º da CRP.
[…]”
            [transcrição de fls. 120/122]

            Os Apelados responderam a fls. 129/136, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e impugnando a junção do documento anexado à motivação do recurso.

            1.4. Nesta instância, tendo-se considerado preenchida a situação prevista no artigo 715º, nº 2 do CPC[13], determinou-se (a fls. 146/147) a audição do Apelante e dos Apelados (mesmo artigo 715º, nº 3), em observância do princípio do contraditório, sobre a eventualidade do processo, face aos factos alegados pelo Apelante no articulado inicial, não dispor de condições para prosseguir, isto no pressuposto de se entender (eventualidade que se anunciou às partes) estar em causa o “afastamento” da relevância da transacção celebrada no Processo nº 537/07.0TBGRD, mediante a invocação de erro e/ou impossibilidade do objecto ou mediante a formulação de uma pretensão de resolução desse “contrato de transacção”.

            Apenas os RR. se pronunciaram (a fls. 150/153) defendendo não dispor a acção, nos termos em que o A. a propôs, de condições de procedência.


II – Fundamentação


            2. Apreciando a apelação (o recurso interposto pelo A. do Saneador-Sentença de fls. 102/111), importa ter presente que a respectiva delimitação temática ocorre, em primeira linha, por referência às conclusões formuladas pelo Apelante a rematar a motivação desse mesmo recurso (artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC)[14], tendo presente a ratio decidendi da decisão impugnada.

            Claro que para além disto – para além da apreciação do recurso de apelação tematicamente delimitado pela decisão recorrida e as conclusões transcritas no item 1.3. –, haverá que proceder ao julgamento da acção. Foi a possibilidade que se adiantou no despacho de fls. 146/147 e se sujeitou ao contraditório das partes, e que ora se concretizará. A solução dada à questão do caso julgado apreciada no Saneador-Sentença – e desde já se adianta que a apelação dirigida a esse elemento da decisão procederá – desencadeará a actuação da chamada “regra da substituição ao tribunal recorrido”, com o alcance previsto no nº 2 do artigo 715º do CPC[15].

Note-se, porém, que fora do âmbito da intervenção deste Tribunal – a não actuar a aludida regra da substituição ao tribunal recorrido – ficariam outros aspectos abordados nas conclusões acima transcritas, na medida em que extravasassem (como alguns deles extravasavam) da concreta questão da incidência do mencionado caso julgado e da transacção que o originou. Este Tribunal da Relação, todavia, como se disse, afastada a relevância desse caso julgado, decidirá a acção, atendendo nessa medida ao teor das alegações adicionais e aos argumentos referidos à potencialidade de prosseguimento do processo que o Apelante já equacionara em algumas das conclusões do recurso. Aliás, esta extensão substitutória da incidência do julgamento nesta instância, para além da questão que, em exclusivo, constituiu ratio decidendi do Saneador-Sentença apelado, conduzir-nos-á à abordagem de outras questões de percurso, referidas a pressupostos processuais[16].

Referimo-nos ao que a decisão recorrida identificou como questão da legitimidade singular do A./Apelante, desacompanhado da mulher, e àquilo que essa mesma decisão qualificou a fls. 105 como “impossibilidade jurídica (artigo 1419º do Código Civil) de alteração do título constitutivo da propriedade horizontal sem que estejam presentes todos os restantes proprietários das fracções […]” (v. item 1.2., supra e respectivas notas 10 e 11). Haverá, pois – ultrapassada a excepção de caso julgado –, que analisar essas outras questões, cuja relevância, em termos de prosseguimento da acção, a decisão recorrida equacionou mas que acabou por não resolver, pelo menos com um reflexo decisório expressamente assumido.

2.1. Lateralmente, com origem na tramitação recursória, colocou o Apelante a esta instância, ao anexar às respectivas alegações um documento (o documento de fls. 124/126), o problema específico da admissibilidade deste, exigindo desta instância uma tomada de posição quanto à possibilidade dessa junção, determinando se ela se mostra conforme aos pressupostos que possibilitam a anexação de prova documental adicional (adicional à junta na tramitação que teve lugar na primeira instância e que determinou a presente apelação) à motivação de um recurso (artigo 693º-B do CPC).

Implica a ocorrência deste evento (a instrução de um recurso com prova documental adicional) a prática, pelo apresentante dessa prova, de um acto sujeito a pressupostos vinculados (os decorrentes do referido artigo 693º-B), cuja concretização, com a permanência do documento nos autos, implica um juízo de admissibilidade por parte do Tribunal de recurso, sendo certo que a lei fixa (são os tais pressupostos vinculados) as condições de junção de prova documental nesta fase. Estamos, pois, através dessa junção, mesmo quando ela aparece mais ou menos “disfarçada” sem a solicitação de admissão que necessariamente envolveria, perante a formulação implícita de uma pretensão, dirigida a este Tribunal, de aceitação da inclusão desse documento nos autos, nesta fase.

É essa decisão, a respeitante à admissibilidade do documento em causa, que aqui importará proferir.

As condições de apresentação de documentos com a motivação de um recurso são genericamente referidas, como antes se sublinhou, no artigo 693º-B do CPC[17], sendo que se obtêm, fundamentalmente, através da sobreposição interpretativa do artigo 524º do CPC[18] e das alíneas do nº 2 do artigo 691º do CPC[19] para as quais aquele artigo 693º-B remete[20].

Ponderando a situação (a natureza do documento pretendido juntar[21] à luz dos pressupostos legais dessa junção), entendemos não se configurar aqui qualquer das hipóteses que resultam da conjugação das disposições legais que referimos, designadamente no que tange à ideia, presente na facti species do artigo 693º-B, de uma junção justificada em virtude do julgamento proferido na primeira instância. Com efeito, não se vislumbra a ligação entre o documento pretendido juntar e um julgamento – e foi esse o julgamento proferido na primeira instância – que assentou exclusivamente no entendimento de se verificar a excepção dilatória de caso julgado.

A isto acrescentar-se-á, todavia, tendo presente que no julgamento da acção nesta instância (no julgamento que empreenderemos, adicionalmente à apreciação da apelação) consideraremos que o processo, em função dos factos invocados pelo A., sempre estaria votado ao insucesso desde a propositura, por manifesta falta de condições da acção[22], tendo presente esta ausência de condições, dizíamos, não deixaremos de sublinhar que a constatação da não invocação de elementos (se quisermos de factos) com potencialidade abstracta de conduzirem ao resultado expresso nas pretensões do A., sai incólume da apreciação à luz do documento pretendido juntar pelo Apelante. De facto, além de tal documento não suportar em si mesmo (no seu significado intrínseco) as diversas pretensões do A. (erro, impossibilidade ou resolução do “contrato de transacção” pretendido afastar), a junção de documentos[23] não substitui a alegação dos factos aptos a suportarem em abstracto os elementos essenciais à procedência das pretensões expressas no pedido.

Vale isto por dizer que a junção com a motivação do recurso do documento de fls. 124/126, sendo este inoperante para o sentido da decisão recorrida, foi indevida (rectius, é inadmissível), sendo que se determinará no final o desentranhamento desse documento.

2.2. Resolvida esta questão preambular suscitada na tramitação do recurso, importa apreciar o objecto deste. Refere-se a apelação – e por ela haverá logicamente que começar – à questão efectivamente resolvida, que funcionou como ratio decidendi, no Saneador-Sentença impugnado: à verificação da excepção de caso julgado, por referência à situação criada na anterior acção (no Processo nº 537/07.0TBGRD), através da prolação de uma Sentença (transitada) de homologação de uma transacção celebrada pelas partes nesse processo.

Constitui elemento central na discussão do caso julgado formado nesse anterior processo a circunstância da Sentença propiciadora desse efeito ter sido proferida nos termos do artigo 300º, nº 3 do CPC[24], face a uma transacção judicial aí alcançada pelas partes. Este aspecto – ter estado aí em causa a homologação de uma transacção – adquire um especial significado, conferindo uma natureza particular ao caso julgado correspondente, sendo que a decisão recorrida não valorou devidamente essa especificidade.

Tal decisão, com efeito, antes de procurar as relações de semelhança entre as duas acções (e de afastar a relevância da dissemelhança consistente em as partes não serem as mesmas em ambas as acções[25]), isto no quadro da aferição da incidência de um anterior caso julgado nesta acção, deveria ter ponderado a situação particular que tal incidência sempre apresenta quando está em causa a celebração, no ambiente de um processo judicial existente, de um contrato – o “contrato de transacção” – pelo qual as partes terminam um litígio mediante recíprocas concessões [v. artigo 1248º, nº 1 do Código Civil (CC); o contrato de transacção é o último contrato nominado regulado no Livro II do nosso Código Civil, nos artigos 1248º/1250º[26]].

Como refere Pedro Romano Martinez, a propósito da cessação do contrato de transacção, no caso específico de uma transacção judicial:


“[…]
 [E]sta não se confunde com a decisão do tribunal que ponha termo à lide. Ainda que certos efeitos sejam idênticos – em particular no que respeita ao termo de uma contenda judicial – não se deverá equiparar a transacção à decisão judicial, porquanto a transacção, ainda que judicial, não perde a sua natureza contratual. Ora, o contrato pode cessar nos termos gerais. Assim, se uma das partes não cumprir a prestação a que se tenha obrigado pela transacção faculta-se à contraparte o direito de resolver o contrato.
[…]
A isto acresce que, podendo a transacção ser judicial ou extrajudicial […], não haveria que estabelecer regras diferentes quanto aos respectivos modos de cessação, pelo que a extinção do vínculo, em ambas as hipóteses, ficará sujeita a idêntico regime.”[27]

            E isto mesmo é sublinhado por Luís Menezes Leitão:


“[…]
A transacção pode ainda extinguir-se nos termos gerais dos contratos, sendo que, se a extinção tiver eficácia retroactiva (como na hipótese de resolução por incumprimento), permite a reabertura da lide a que visou pôr termo.”[28]

            Daí que – e é o que aqui importa ter presente – o caso julgado formado através de uma sentença homologatória de transacção[29], não deixando de o ser (de ser um caso julgado), assuma uma especial feição[30]. A formação dele resulta de um negócio de auto-composição do litígio, e não de uma aplicação pelo tribunal do Direito aos factos, assentando num acto de homologação (que confere a natureza de caso julgado) que se esgota num controlo extrínseco de validade, pelo seu objecto e pela qualidade dos intervenientes, dessa auto-composição (artigo 300º, nº 3 do CPC). Como refere José Lebre de Freitas, “[n]o momento de proferir a sentença homologatória, o juiz encontra-se […] perante as situações jurídicas definidas pelas partes. A tutela judiciária é, ainda aqui, tutela de situações jurídicas dela carecidas, já não porque necessitadas duma definição, mas porque à definição feita pelas partes falta a força do caso julgado”[31]. É em função desta especial feição que o caso julgado – “este” caso julgado – acaba por incorporar o sentido negocial da auto-composição em que assenta e, em função disso, de ser abstractamente apto a acompanhar as incidências sobre a sua fonte: a (o contrato de) transacção.  

Numa visão dinâmica do processo, é usual a distinção entre actos postulativos e actos constitutivos. A construção destas duas categorias deve-se ao trabalho do processualista alemão James Goldschmidt, nos anos vinte do século passado[32]. Por razões de clareza expositiva transcreveremos aqui a caracterização dessa distinção feita por Miguel Teixeira de Sousa:


“[…]
Quanto aos efeitos os actos das partes podem ser constitutivos ou postulativos. Os actos constitutivos são aqueles que produzem imediatamente os seus efeitos, isto é, que constituem uma determinada situação processual sem necessidade de uma decisão do tribunal […]. Os actos postulativos são aqueles nos quais é solicitada uma decisão do tribunal e cujos efeitos só se produzem mediante essa decisão […]”[33]

            E acrescenta, mais adiante, o mesmo Autor:


“[…]
Note-se que o acto não perde o seu carácter constitutivo pelo facto de a sua eficácia estar submetida a uma sentença homologatória do tribunal: assim, a confissão e a desistência do pedido ou a transacção são actos constitutivos, ainda que devam ser homologados pelo tribunal (artigo 300º, nº 3), pois que produzem imediatamente os seus efeitos, como se depreende, por exemplo, do disposto no artigo 13º, nºs 1 e 2 do CC.
[…]”[34]

            Ou seja – e nisto consiste o alcance prático da distinção entre actos constitutivos e postulativos –, a natureza constitutiva da transacção (a produção imediata de efeitos[35]) decorre da circunstância da mesma não visar persuadir o tribunal a decidir de acordo com o que se pede[36]. A transacção, com efeito, como que subtrai o poder de decisão ao juiz, confinando a subsequente intervenção deste a um poder de controlo da validade extrínseca do negócio de auto-composição.

            Nesta particularidade radica a ligação do caso julgado, no caso da sentença homologatória de uma transacção, ao negócio subjacente. Aliás, constitui expressão evidente desse carácter particular do caso julgado assim formado o regime previsto nos nºs 1 e 2 do artigo 301º do CPC[37].

            2.2.1. Revertendo estas considerações de índole geral ao caso concreto, temos que a questão do caso julgado se não coloca – não se coloca, pelo menos, nos termos equacionados na decisão recorrida –, sendo certo existir na configuração da acção, tal qual este elemento resulta, abstractamente perspectivado, da petição inicial, uma inegável pretensão (como tal formulada) de atacar a transacção efectuada no Processo nº 537/07.0TBGRD, com base na invocação de desvalores desse negócio referidos à ideia de erro e de impossibilidade, paralelamente à formulação de uma pretensão de resolução desse mesmo negócio.

            A potencialidade (ou vocação) que a presente acção apresenta de constituir uma acção de anulação da transacção celebrada no anterior processo – e referimo-nos aqui a uma potencialidade abstracta, que ainda não passou pelo crivo da incidência concreta dos factos alegados, questão que adiante perspectivaremos –, esta potencialidade de corresponder a uma acção de anulação de transacção, dizíamos, leva-nos a afastar a relevância da excepção de caso julgado, nos termos em que esta questão foi encarada pela decisão apelada, como obstáculo que preclude ou impossibilita qualquer ulterior discussão (mesmo entre este A. e estes RR.) da configuração do lugar de garagem pertencente ao A. e à sua mulher, nos termos em que a delimitação espacial desse lugar emergiu da transacção celebrada no mencionado Processo nº 537/07.0TBGRD, por referência à planta de fls. 99.

            Significa isto, enfim, a não verificação da aludida excepção de caso julgado, com o consequente afastamento do elemento – a verificação dessa concreta excepção – que funcionou como ratio decidendi do Saneador-Sentença recorrido. E vale isto por dizer, que o recurso do Apelante, referido à decisão ora recorrida naquele elemento que a determinou (repete-se, a verificação do caso julgado), procede, com o consequente afastamento da decisão (o Saneador-Sentença de fls. 102/111) de absolvição dos RR. da instância baseada na verificação dessa excepção[38].

            No final do presente Acórdão, daremos expressão decisória a esta asserção.

            2.3. O afastamento da relevância da excepção de caso julgado, conduz-nos, como antes se disse, às questões equacionadas na decisão recorrida, mas cuja relevância na economia decisória foi afastada pela afirmada prevalência desse caso julgado, enquanto obstáculo ao prosseguimento da acção.

            Em ambas as situações referidas no Saneador-Sentença, tanto no elemento activo (interposição da acção pelo A. desacompanhado da mulher), como no elemento passivo, referido a quem deve ocupar a posição de réu (situação manifestada através da não interposição da acção contra os restantes condóminos do prédio), estamos perante problemas de legitimidade processual. Traduz esta – e citamos a definição de Miguel Teixeira de Sousa – “[…] uma qualidade da parte determinada pela titularidade de um conteúdo referido a um certo pedido. Ou, em termos mais sintéticos, é a titularidade de uma posição subjectiva para um certo objecto processual inicial”[39].

            2.3.1. Neste caso, e no que tange a quem deve ocupar a posição de autor (por ser o titular da posição cuja definição se obtém através da ponderação do objecto inicial do processo)[40], vale a descrição deste objecto já amplamente referenciada ao longo deste Acórdão (o A., aliás, resumiu-a nos termos transcritos na nota 9, supra), referindo-se esse objecto, genericamente, ao afastamento do caso julgado formado através da homologação por sentença do “contrato de transacção” celebrado entre a mulher do aqui A. e o aqui R. marido no processo nº 537/07.0TBGRD (contrato, portanto, não celebrado com o aqui A.). Da simples enunciação do fim visado pela presente acção, tendo em conta quem foi parte nessa transacção, já decorre que a legitimidade activa, aferida pela configuração inicial da relação material controvertida, sempre caberia à mulher do A.. Esta, com efeito, tendo celebrado o contrato sobre o qual aqui se pretende actuar, afastando-o por erro, impossibilidade ou resolvendo-o, é (a mulher do A.) quem podia desencadear os efeitos subsidiariamente expressos nos pedidos formulados.

            Vale aqui, tratando-se uma acção declarativa constitutiva, a constatação de que “[a] legitimidade [neste tipo de acções] não levanta especiais questões quando em juízo se encontra, no lado activo, o titular do direito potestativo cujo conteúdo se pretende exercitar judicialmente e, no lado passivo, o outro sujeito da situação jurídica em que se enquadra directamente aquele direito. Assim, a determinação da legitimidade processual neste tipo de acções implica apenas a titularidade pelas partes das posições referenciadas ao alegado direito potestativo”[41].

            Assim, a questão – a questão da legitimidade processual – não se resolve aqui, nesta acção, por referência ao disposto no artigo 28º-A, nº 1 do CPC, mas sim, nos termos gerais, aplicados aos pedidos formulados, que exigem que a posição activa, seja ocupada na acção por quem, tendo celebrado efectivamente a transacção pretendida afastar, é titular do correspondente direito potestativo. E isto não se resolve com uma suposta autorização, jamais comprovada (v. nota 2, supra), da mulher do A., só se resolveria com a efectiva propositura da acção por quem a podia intentar: quem intentou a acção correspondente ao processo nº 537/07.0TBGRD e a esta pôs fim, celebrando a transacção agora pretendida afastar.

            Existiria, pois (existe), ilegitimidade activa por banda do A..

            2.3.2. Subsistiria, na óptica argumentativa da decisão, a questão induzida pela ausência dos restantes condóminos do prédio, em função da apetência da acção para modificar a composição das fracções no que tange ao espaço da garagem, tendo presente que a regra substantiva, na propriedade horizontal, respeitante à modificação do título é a do acordo de todos os condóminos (v. o artigo 1419º, nº 1 do CC).

            Sucede, porém, que a configuração da lide que a petição inicial expressa, não envolve como pressuposto a modificação da realidade inerente ao título, enquanto realidade física presente no momento da configuração inicial desse título no que respeita à estruturação dos lugares de garagem. O que se pretende (e isto aparece acompanhado da afirmação de a configuração original do título ser a aqui afirmada pelo A.), aqui instrumentado pelo afastamento do sentido da transacção, é resolver uma questão envolvendo o espaço afecto a duas fracções (a configuração espacial dessas duas fracções) no confronto delimitador de ambas.

            A questão dessa configuração sempre nos aparece aqui como uma questão atinente ao fundo do problema suscitado na acção: saber se o lugar de garagem correspondente à fracção do A. é aquele que a sua mulher aceitou ser no processo nº 537/07.0TBGRD (e corresponde à planta de fls. 99), ou o que se expressa na configuração espacial presente na planta de fls. 98. Fundamentalmente o A. diz ser esta última a que corresponde ao título inicial respeitante à constituição da propriedade horizontal.

            2.3.3. Seja como for, e isto vale para qualquer das questões de legitimidade (que consideramos configurarem-se ambas como questões de legitimidade) antecedentemente configuradas, o material fáctico aportado pelo A. à acção, sempre se configura como totalmente inadequado ao fim expresso nos pedidos por ele formulados. Interessa-nos, assim, aqui a regra da preferência pela decisão substantiva, expressa no artigo 288º, nº 3 do CPC: “[a]s excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do nº 2 do artigo 265º; ainda que subsistam, não terá lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte”.

            Foi neste sentido – também em função da actuação desta regra – que no despacho de fls. 146/147 se referiu o disposto no nº 2 do artigo 715º do CPC, ao qual se dará agora execução, substituindo-se esta Relação à primeira instância, através da apreciação do mérito do causa.

            É o que resta fazer.

            2.4. Os elementos dos quais dispomos, em função da demonstração dos quais o A. se propõe afastar aqui a transacção celebrada no processo nº 537/07.0TBGRD (“retornando” à planta de fls. 98), invocando erro, impossibilidade jurídica ou resolvendo-a (resolvendo o contrato de transacção respectivo), assentam em trechos do articulado inicial nos quais não encontramos a potencialidade de supressão dessa transacção. Ou seja, não existem elementos de partida com aptidão para integrar o “erro” de que se fala (sem factos concretos) no artigo 38º da petição inicial, é notório que os termos dessa transacção excluem a existência da impossibilidade jurídica pretendida apresentar nos artigos 39º a 52º do mesmo articulado e, enfim, não se indica qualquer fundamento que suporte uma pretensão de resolução do contrato de transacção, fundada na lei ou em convenção (v. artigo 432º, nº 1 do CC).

            2.4.1. No que se refere ao erro, apenas existe, como se sublinhou, a afirmação abstracta e desacompanhada de factos da sua existência. “O erro implica uma avaliação falsa da realidade: seja por carência de elementos, seja por má apreciação destes e, num caso e noutro, por actuação própria ou por intervenção, maldosa ou inocente, da contraparte ou de terceiros”[42]. Ora, para além da inexistência de factos-base correspondentes a uma falsa percepção da realidade por quem transigiu na anterior acção (que não foi o aqui A.), seria necessário que esses (inexistentes) “factos” – o que quer que fosse que correspondesse ao erro – fossem conhecidos, ou não devessem ser ignorados, pela outra parte no contrato de transacção, para que se pudesse fazer prosseguir uma acção visando a anulabilidade do negócio (v. artigo 247º do CC). Nada disto existe no argumentário do A., a quem, aliás, nem caberia obter essa anulabilidade.

            Os termos da transacção alcançada pelas partes na anterior acção são claros (v. transcrição no item 1. no início deste Acórdão e na certidão de fls. 95/96) e incluem expressamente a eventualidade – e esta consideração vale para as restantes questões colocadas pelo A. para fundar o afastamento da transacção – das obras que implicariam a concretização da configuração correspondente à planta de fls. 89 como não possível. Remete-se aqui para o teor da alínea E) do contrato de transacção no seu trecho final[43], sendo evidente que os termos deste incluíram a eventualidade dessas obras não serem viáveis (serem inviáveis) e que, por isso, essa inviabilidade (essa não realização das obras), nunca constituiria uma errada percepção da realidade para a mulher do aqui A. e, muito menos, que isso fosse um elemento cognoscível, no momento da celebração da transacção, para o aqui R., enquanto elemento fundamental do negócio. Pelo contrário, o que se percebe dos termos da transacção é que a não realização dessas obras foi assumida no acordo como uma eventualidade – como algo que poderia suceder sem inviabilização da transacção – e incluída na base do negócio.

            Não se vê, pois, em que elementos poderia assentar o tal erro.

            2.4.2. E o mesmo sucede com a falada impossibilidade legal. Não basta, com efeito – e é só isso o que consta da petição inicial (v. artigos 39º a 52º respectivos) –, descrever os passos que percorreria um processo de licenciamento camarário das obras indicadas na transacção para um possível ajustamento da realidade dos espaços de garagem atribuídos ao A. e ao R. à disposição resultante da planta de fls. 99. Ora, há impossibilidade quando não pode acontecer o que as partes definiram como prestação no negócio jurídico. Será impossibilidade física quando isso acontece em função das “leis da natureza, será impossibilidade legal quando isso decorre de regras jurídicas[44].

            Neste caso, além de não ter sido indicado qualquer elemento de natureza prática ou legal que impedisse as obras invocadas na transacção, sempre valerá, enquanto elemento bloqueador da relevância dessa suposta impossibilidade a circunstância, já referida no item anterior, de o texto da transacção incluir nos seus próprios termos (alínea E) a fls. 96, transcrita na nota 44) a eventualidade de as obras serem inviáveis (serem impossíveis), mantendo-se, todavia, a vigência do acordo.

            Não ocorre, assim, a incidência no contrato de transacção aqui colocado em causa de qualquer situação, referida ao objecto desse negócio, qualificável como impossibilidade.

            2.4.3. E também não existe qualquer suporte prático para uma pretensão de resolução do mesmo contrato de transacção, que, aliás, só poderia ser exercida por quem – e não é o caso do A. – foi parte nessa transacção.

            Em qualquer caso, constitui essência da resolução (v. artigos 432º a 436º do CC) o ser condicionada e vinculada: tem de ter um fundamento legal ou convencional e ser invocado um motivo[45].

            Não existe fundamento convencional algum na transacção que se refira à resolução, ligando qualquer vicissitude concreta desta (do contrato de transacção celebrado entre as partes nessa acção) ao direito de obter a resolução do negócio processual.

            A questão colocar-se-ia, assim, em termos de resolução legal, correspondendo esta, fundamentalmente, ao quadro do incumprimento de prestações contratuais. Ora, apreciando aquilo que o A. invoca em apoio desta pretensão, somos conduzidos de novo à questão das obras no espaço de garagem e, por via da previsão contratual referente a estas (novamente a alínea E) da transacção; v. nota 44), à integração na economia do contrato (prevendo a continuidade do contrato, rectius, excluindo que isso traduza incumprimento e funde a resolução deste) da eventualidade da não realização das obras. Tratando-se de uma possibilidade prevista, não funda ela, mesmo que acaso estivéssemos perante as partes devidas, relevantemente, qualquer direito potestativo de resolução da transacção celebrada.

            Também neste aspecto particular os elementos alegados pelo A. nunca apresentariam a potencialidade por ele visada.

2.5. Apreciadas que se mostram todas as incidências do recurso, resta-nos formular as pertinentes decisões, deixando antes nota, em sumário imposto pelo artigo 713º, nº 7 do CPC, dos elementos fundamentais do antecedente percurso argumentativo:


I – A celebração de uma transacção, exarada em acta, entre os litigantes no âmbito de um processo judicial, pondo termo a este, equivale à celebração entre esses mesmos litigantes de um “contrato de transacção”, previsto nos artigos 1248º a 1250º do CC;
II – Com efeito, através dessa transacção, as partes nesse processo terminam um litígio, com expressão judicial, mediante recíprocas concessões (artigo 1248º, nº 1 do CC);
III – Daí que a sentença de homologação desta transacção, formando caso julgado, incorpore o sentido negocial da auto-composição alcançada pelas partes, acompanhando (enquanto caso julgado) as incidências sobre a sua fonte (o contrato de transacção);
IV – A transacção configura, na dinâmica do processo em que ocorre, um acto processual constitutivo (por oposição à categoria dos chamados actos postulativos), já que produz efeitos imediatos, subtraindo o poder de decisão sobre a lide ao juiz, confinando a subsequente intervenção deste a um simples poder de controlo da validade extrínseca do negócio de auto-composição;
V – Assim, não se verifica a excepção de caso julgado material quando, através de uma acção subsequente àquela em que se celebrou a transacção, se pretende atacar esta transacção com base em erro ou impossibilidade legal, ou na qual se pretende resolver o contrato de transacção que originou, na acção anterior, a sentença homologatória da transacção. É este o regime decorrente dos nºs 1 e 2 do artigo 301º do CPC;
VI – O afastamento da relevância, em sede de recurso, do caso julgado que motivou a prolação da decisão da primeira instância, desencadeia a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista no artigo 715º, nº 2 do CPC, sempre que o processo já contenha todos os elementos que permitem a apreciação do pedido;
VII – A verificação da possível relevância de uma excepção dilatória (caso da ilegitimidade), não impede que seja proferida uma decisão de mérito, nos termos do artigo 288º, nº 3 do CPC, se esta se mostrar favorável à parte cuja protecção é visada pela aludida excepção.


III – Decisão


            3. Assim, dando conteúdo decisório às antecedentes considerações, determina-se o seguinte:


A) O desentranhamento do documento junto com as alegações de recurso a fls. 124/126;
B) Julga-se a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida que julgou procedente a excepção de caso julgado, entendendo-se esta como não verificada;
C) Não obstante, aplicando a regra de substituição ao Tribunal recorrido (artigo 715º, nº 2 do CPC), procede-se ao julgamento da acção, considerando-a improcedente, com a consequente absolvição dos RR. dos pedidos formulados pelo A..

As custas em ambas as instâncias ficam, enquanto parte vencida, a cargo do A..

Coimbra,


(J. A. Teles Pereira)

(Jacinto Meca)

(Luís Falcão de Magalhães)



[1] Tenha-se presente, por se tratar de um dado relevante, que o A. na réplica de fls. 85/91, respondendo à excepção de ilegitimidade invocada pelos RR., consistente em ter proposto a acção desacompanhado da mulher (também ela dona do lugar de garagem aqui discutido), respondeu (v. fls. 85/86) – rectius, assumiu expressamenteque a presente acção foi intentada com o conhecimento da sua esposa.
[2] Essa identificação corresponde à alínea A) do pedido aqui transcrito.
[3] O A. não juntou com a petição inicial qualquer Doc. nº 5 (não juntou, aliás, qualquer segunda planta). Essa tal segunda planta (aquela com base na qual foi feita a transacção no processo nº 537/07.0TBGRD) foi junta pelos RR. na contestação a fls. 80. Por razões de clareza da ulterior exposição, ter-se-á presente que ambas as plantas do lugar de garagem aqui em causa se encontram certificadas, como constam do processo nº 537/07.0TBGRD, a fls. 98 e 99 destes autos. Assim, doravante, a referência à planta que o A. juntou como Doc. nº 2 far-se-á ao documento de fls. 98 e a referência à planta que o A. identificou na p.i. como constituindo um suposto Doc. nº 5 (a planta que foi aceite na transacção realizada no anterior processo) será feita ao documento de fls. 99.
[4] Parece constituir uma prática comum do casal formado pelo A. e a sua mulher alternarem-se individualmente na propositura de acções respeitantes a bens comuns do casal, gerando situações ambíguas do ponto de vista da legitimidade.
[5] Adiante, no percurso argumentativo deste Acórdão, procederemos ao enquadramento jurídico, possível, desta pretensão de afastamento do acordo consubstanciado na mencionada transacção.
[6] Esta asserção parece pretender alicerçar o pedido constante da alínea G) acima transcrita no seu trecho final “[r]econhecer que a transacção […] não foi objecto de cumprimento por parte do R.”.
[7] A este aspecto se liga o pedido formulado na alínea I) acima transcrita: “[r]econhecer que a planta [de fls. 99] (e que serviu de base à transacção efectuada no âmbito do processo nº 537/07.0TBGRD) não se conforma com a lei, nem pode servir de base aos projectos apresentados (designadamente, com a alteração ao projecto inicial), nem com a realidade física existente.”.
[8] Para facilitar a compreensão do objecto da presente acção (designadamente no confronto com o objecto do Processo nº 537/07.0TBGRD), autonomamente através do texto do presente Acórdão, julga-se útil transcrever a síntese do próprio A., constante da resposta, através da qual pretende resumir o objecto desta acção:
“[…]
25º
Na presente acção está, entre outras coisas, em causa o seguinte:
a) o facto de a transacção efectuada no âmbito do processo nº 537/07.0TBGRD […] não ter sido objecto de cumprimento por parte do R.
b) o facto d[a] planta [de fls. 99] (projecto de alteração aos lugares de garagem), não ter sido objecto de execução, de forma que o prédio e a respectiva cave encontram-se, ainda hoje, fisicamente, tal como consta da planta [de fls. 98].
c) o facto [da] planta  [de fls. 99] (e que serviu de base à transacção efectuada no âmbito do processo nº 537/07.0TBGRD) não se conformar com a lei, nem poder servir de base aos projectos apresentados (designadamente com a alteração ao projecto inicial), nem com a realidade física existente.
d) o facto de o prédio e a respectiva cave se encontrarem, ainda hoje, fisicamente, tal como consta da planta [de fls. 98], não contemplando as alterações constantes da planta [de fls. 99].
[…]”
                [transcrição de fls. 88]
[9] “[S]endo discutida a legitimidade/ilegitimidade do A. por se encontrar desacompanhado pela mulher na medida em que o bem cuja propriedade se arroga é comum.
Tal questão será de duvidosa solução tanto mais que na causa de pedir além da propriedade é invocada a posse de uma parte do prédio, parte essa que é destinada a garagem sem qualquer divisão, vulgarmente denominada de lugares de garagem.
Parece-nos também que tal questão sempre seria passível de integrar a defesa da posse, podendo qualquer possuidor actuar sem os restantes – artigo [1286º] do Código Civil.
[…]”
                [transcrição de fls. 102]
[10] Referindo-se à vertente dos pedidos respeitante à “[…] declaração de propriedade de um espaço como parte integrante de uma fracção autónoma tendo adquirido tal propriedade por escritura pública e por usucapião […]”, disse-se, de passagem, na Sentença:
“[…]
[Esta] questão envolve desde logo uma impossibilidade jurídica (artigo 1419º do Código Civil) de alteração do título constitutivo da propriedade horizontal sem que estejam presentes todos os restantes proprietários das fracções, pois não se pode deixar de ter em conta que a propriedade una é do edifício e que para a alteração das formas de composição das fracções envolve uma alteração total da forma como foi organizado o mesmo, desde as permilagens e deveres de contribuição para as despesas comuns etc. (artigo 1424º do Código Civil).
Há também uma outra dificuldade jurídica que é a possibilidade de ser adquirida uma parte de uma fracção por usucapião. Tal construção é duvidosa (artigo 1419º do Código Civil).
[…]”
[transcrição de fls. 105/106]
[11] Adiante tomar-se-á posição sobre a junção desse documento em sede de recurso.
[12] Eliminaram-se aqui, por espúrias, as conclusões que se referem ao documento indevidamente junto pelo Apelante com a motivação do recurso (documento que, no final, será mandado desentranhar).
[13] Procedência da apelação e possibilidade de conhecimento de questão de fundo não apreciada na primeira instância por prejudicialidade da questão fundamento da apelação.
[14] Tratando-se de processo iniciado posteriormente à entrada em vigor (em 01/01/2008) do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, são-lhe aplicáveis as alterações ao regime dos recursos introduzidas por este último Diploma (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Pela mesma razão, qualquer disposição do Código de Processo Civil referida neste Acórdão, cujo texto tenha sido alterado pelo DL 303/2007, sê-lo-á na versão resultante do mesmo.
[15] Diz-nos este: “[s]e o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhecerá no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.
Exemplificando, na situação que aqui entendemos configurar-se, a aplicação deste nº 2 do artigo 715º, refere António Santos Abrantes Geraldes: “[n]o despacho saneador o juiz conheceu […] uma excepção dilatória e, por isso, absolveu o réu da instância […]. Se a Relação expressar um entendimento oposto, deve determinar a baixa do processo para que se conheça do mérito se acaso houver factos controvertidos que devam ser objecto de prova. Na situação inversa, verificando que, pela posição adoptada pelas partes ou pela análise dos autos, todos os elementos necessários ao enquadramento jurídico do mérito da causa se encontram presentes, deve proferir decisão de mérito” (Recursos em Processo Civil. Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2008, p. 307, sublinhado acrescentado).
[16] Para clarificação do que está em causa com essas situações (que a decisão apresenta como condicionantes da instância), acrescentaremos que a qualificação das mesmas como respeitantes a pressupostos processuais, assenta na ideia de corresponderem estes (os pressupostos processuais) a “[…] requisitos que têm de estar previamente preenchidos para que o tribunal possa apreciar o mérito da causa, julgando a acção procedente ou improcedente […]” (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 169) 
[17]
Artigo 693º-B
Junção de documentos
As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do nº 2 do artigo 691º.
[18]
Artigo 524º
Apresentação em momento posterior
1 – Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
2 – Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.
[19]
Artigo 691º
[…]
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
2 – --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------:
a) Decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Decisão que aprecie a competência do tribunal;
c) Decisão que aplique multa;
d) Decisão que condene no cumprimento de obrigação pecuniária;
e) Decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
f) Decisão que ordene a suspensão da instância;
g) Decisão proferida depois da decisão final;
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------;
i) Despacho de admissão ou rejeição de meios de prova;
j) Despacho que não admita o incidente ou que lhe ponha termo;
l) Despacho que se pronuncie quanto à concessão da providência cautelar, determine o seu levantamento ou indefira liminarmente o respectivo requerimento;
m) Decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
n) Nos demais casos expressamente previstos na lei.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
[20] V. a anotação ao artigo 693º-B de António Santos Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., pp. 215/217.
[21] Uma “acta de assembleia de condóminos” realizada em 2002 (o processo em que foi estabelecida a transacção data de 2007 e este de Outubro de 2008).
[22] “[A]s condições da acção são os requisitos indispensáveis para que a acção proceda […]” (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa…, cit., p. 170).
[23] No caso, um documento do qual o A. dispunha ao tempo dos articulados (v. artigo 524º, nº 1 do CPC).
[24]
Artigo 300º
Como se realiza a confissão desistência ou transacção
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------.
3 – Lavrado o termo ou junto o documento, examinar-se-á se, pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a confissão, desistência ou transacção é válida, e, no caso afirmativo, assim será declarado por sentença, condenando-se ou absolvendo-se nos seus precisos termos.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
[25] E isto não significa, bem pelo contrário, que a forma como o Tribunal a quo resolveu essa questão de alcance subjectivo do caso julgado (decorrente da não presença do aqui A. na anterior acção) estivesse errada. Com efeito, entendemos que até nem estaria, mas entendemos também, e é o que aqui interessa, que essa questão sempre estaria condicionada pela consideração da especial circunstância, ausente do percurso argumentativo da decisão recorrida, prevista no nº 2 do artigo 301º do CPC.
[26] Sobre o contrato de transacção, v. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, pp. 591/594.
[27] Da Cessação do Contrato, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p. 602.
[28] Direito das Obrigações, cit. p. 594.
[29] Como refere José Lebre de Freitas, “[a]través da desistência do pedido, da confissão do pedido e da transacção, as partes dispõem da situação jurídica de direito substantivo afirmada em juízo […]. Estes actos dispositivos de direito civil determinam, assim, o conteúdo dos direitos e deveres das partes […] que a subsequente homologação judicial vem tutelar, extinguindo o processo (tornado inútil pela supressão do litígio) e abrangendo-as na autoridade do caso julgado […]” (Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, p. 36).
[30] E existem outras hipóteses em que o caso julgado é dotado de uma especial feição, veja-se a situação prevista no nº 2 do artigo 671º, nº 2 do CPC.
[31] Introdução…, cit., pp. 36/37.
[32] V. Paula Costa e Silva, Acto e Processo. O Dogma da irrelevância da Vontade na Interpretação e nos Vícios do Acto Postulativo, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pp. 193/210.
[33] Introdução ao Processo Civil, 2ª ed., Lex, Lisboa, 2000, p. 94...
[34] Ibidem.
[35] Veja-se a ressalva da transacção ainda não homologada à projecção retroactiva da lei interpretativa no artigo 13º, nº 1 do CC.
[36] Paula Costa e Silva, expressivamente, define actos postulativos (por oposição a actos constitutivos) como “[as] actuações processuais […] destinadas à obtenção de uma decisão com determinado conteúdo, através do exercício de influência psicológica sobre o juiz” (Acto e Processo…, cit., p. 208)
[37] Anotando este nº 2, refere Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego:
“[…]
O aditamento ao nº 2, operado pelo Decreto-Lei nº 38/03, é consequência de ter passado a ser possível atacar imediatamente a confissão, desistência ou transacção, judicialmente homologadas, através da interposição de recurso de revisão, nos termos do artigo 771º, alínea d) [do CPC], sem precedência da prolação, em acção previamente intentada, de sentença de declaração de nulidade ou anulatória de tais actos.
Deixa-se, no entanto, ao interessado, em termos alternativos, a opção entre a imediata interposição do recurso de revisão e a propositura de tal acção anulatória (sendo certo que, neste caso, o autor terá de suportar as respectivas custas, nos termos do artigo 449º, nº 2, alínea d) [do CPC]).” (Comentários ao Código de Processo Civil, vol I, 2ª ed., Almedina, Coimbra 2004, pp. 292/293; sobre o regime anterior ao Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, que pressupunha a instauração de acção de anulação seguida da interposição do recurso de revisão, v. José Lebre de Freitas, Introdução…, cit., p. 127, nota 24).
[38] No item 1.2. supra já se corrigiu o erro dessa decisão consistente em absolver os RR. do pedido.
[39] “A Legitimidade Singular em Processo Declarativo”, separata do BMJ, Lisboa, 1979, p. 45. E acrescenta este Autor que “[…] a legitimidade processual singular é uma qualidade adjectiva da parte processual definível como a titularidade, activa ou passiva, de um conteúdo assente num interesse em agir para a prossecução ou contestação de um determinado objecto inicial do processo” (p. 46).
[40] É o conceito de legitimidade correspondente, classicamente, à chamada “tese Barbosa de Magalhães”, hoje recolhido no nº 3 do artigo 26º do CPC: “[n]a falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”. Trata-se, assim, de um entendimento subjectivista da legitimidade, encarando-a em função da qualidade jurídica da parte perante a hipotética existência da relação material controvertida. 
[41] Miguel Teixeira de Sousa, “A Legitimidade…”, cit. p. 49.
[42] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, tomo I, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 807.
[43] “A autora reconhece que tem depositada lenha no lugar de garagem pertencente ao réu e compromete-se a retirá-la de tal espaço logo que se dê início às obras, para reposição do lugar de garagem pertencente ao réu, tal como se encontra projectado – ou caso se verifique que tais obras são inviáveis” (transcrição de fls. 96, com sublinhado acrescentado).
[44] “A impossibilidade física, que também pode[ria] qualificar-se de material, natural, real ou de facto (factual), seria a que decorre da própria natureza das coisas (ex rerum natura)” e a “[i]mpossibilidade legal ou jurídica ser[ia] a resultante da lei (ope legis ou ope juris)” (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, p. 328).
[45] António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. II, ed. AAFDL, reimpressão, Lisboa, 1986, p. 164. Pedro Romano Martinez, caracteriza a resolução nos seguintes termos: “[…] é um meio de extinção do vínculo contratual por declaração unilateral e encontra-se condicionada por um motivo previsto na lei ou depende de convenção das partes (artigo 432º, nº 1 do CC)” (Da Cessação…, cit., p. 67).