Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
965/16.0T8LRA-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
APREENSÃO DE BENS
BENS COMUNS
CITAÇÃO
CÔNJUGE
Data do Acordão: 05/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.46, 141, 144, 146 CIRE,740, 786 CPC
Sumário: 1. A insolvência de um dos cônjuges casado num dos regimes de comunhão (ou, sendo divorciado, não tenha havido lugar à partilha dos bens comuns do casal), envolverá a apreensão de todos os bens do insolvente, neles se incluindo não só os bens próprios do cônjuge/insolvente, mas também os bens comuns do casal.

2. A apreensão dos bens comuns é a solução que melhor acautela os interesses dos credores, por permitir a invocação da garantia real resultante da hipoteca que incida sobre imóvel comum e por ser de mais fácil alienação.

3. Apreendidos bens comuns para a massa, a liquidação não poderá prosseguir contra tais bens, sem que se proceda à citação do cônjuge do insolvente, seja para requerer a separação de meações, seja exercer nos autos os mesmos direitos que a lei processual concede ao insolvente relativamente a tais bens.

4. Na impossibilidade de se proceder à citação pessoal do cônjuge por desconhecimento do respetivo paradeiro, o atual 786º, nº1 do CPC permite proceder à sua citação edital.

Decisão Texto Integral:   







                                                                                             

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de insolvência respeitante a M (…)

declarada que foi a sua insolvência, a 31-05-2016 teve lugar a assembleia de credores, na qual foi determinado que os autos prosseguissem para liquidação do ativo da insolvente, bem como a citação do seu ex-cônjuge para que este, querendo, no prazo legal autorizasse a venda conjunta do património comum ou requeresse a separação de meações.

No dia 1 de junho de 2016 procedeu-se à apreensão para a massa de dois bens imóveis, conforme auto de apreensão cuja cópia se encontra junta a fls. 37

Notificado para juntar aos autos certidão predial com o averbamento da apreensão dos bens imóveis que constituem as verbas ns. 1 e 2 do auto arrolamento “levando em consideração que a apreensão deverá ser pela totalidade dos bens, mesmo que estes pertençam ao património conjunto do dissolvido casal, composto pelo insolvente, levando a cabo a citação do ex-conjuge meeiro”,

o Administrador de Insolvência (AI) informando que, tendo por duas vezes procedido ao envio da citação ao ex-cônjuge meeiro sem que a carta tivesse sido recebida, e não sendo possível registar a declaração de insolvência sobre a totalidade dos prédios, visto que a CRP necessita do comprovativo do AR da citação, veio requer que a citação do ex-cônjuge seja ordenada por via edital nos termos do artigo 243º CPC.

Por despacho de 09.11.2016, foi pelo juiz a quo proferido a seguinte decisão de que agora se recorre:

“Confirmando o Sr. Administrador que os bens imóveis, de facto, integram o património comum do dissolvido casal (veja-se que dos autos não constam as correspondentes certidões do registo predial), uma vez que se desconhece o paradeiro do ex-cônjuge da devedora, deverá proceder à apreensão do direito desta à sua meação no património comum do dissolvido casal, registando o facto em conformidade e instruindo o presente apenso com auto de apreensão retificado.

Prazo: dez dias.

Notifique todos os sujeitos processuais do presente despacho.”


*

Inconformado com tal decisão, o credor Banco Comercial Português, S.A., dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

1. Do teor da decisão recorrida resulta que a Meritíssima Juíza do Processo, revoga um despacho anterior proferido na Assembleia de credores em violação do artigo 613º no 1 e 3 do CPC, frustrando assim os pressupostos dos votos do credor recorrente vertidos na Assembleia.

2. A deliberação tomada na Assembleia de credores teve como pressuposto que o imóvel ia ser vendido na totalidade, daí o teor do despacho proferido em ata no dia 31 de maio de 2016.

3. O despacho recorrido viola os poderes-deveres de fiscalização do Tribunal, pois a Meritíssima Juíza a quo, não insiste pela notificação, através dos meios ao dispor do Tribunal, através da base de dados ou de Agente de Execução e não resolve o impasse dos autos e não usa o seu poder jurisdicional para desbloquear o impasse para possibilitar a venda na totalidade.

4. A decisão recorrida omite a circunstância de que na data da Assembleia de Credores foi decidido pelo Tribunal proceder-se de acordo com interesse do credor hipotecário BCP para o imóvel que seja vendido na totalidade, dada a solidariedade do mútuo com hipoteca.

5. Resulta da documentação junta aos autos pelo Administrador de Insolvência que a melhor opção para a liquidação será a apreensão do imóvel na totalidade e à possibilidade de venda na totalidade.

6. O despacho proferido viola flagrantemente as competências da Assembleia de Credores e as competências do Administrador de Insolvência, pois ordena a alteração do auto de apreensão, sem dar qualquer alternativa para cumprir à notificação ordenada na acta de 31-5-2016.

7. A decisão recorrida impõe que seja vendida uma meação no património comum do ex-casal, enquanto bem apreendido em processo de Insolvência, é pouco rentável, pois nos termos do artigo 824º nº 3 do C. Civil, as hipotecas do BCP, S.A. não caducam e com esse ónus “agarrado” na transmissão a venda torna-se pouco apetecível para o mercado imobiliário nos dias de crise que vivemos.

V- NORMAS VIOLADAS

Foram violados os:

- Artºs 11º, 58º, 72º, 128º, 129º, 130º do CIRE.

- Artº 152º, 154º, 549º nº 2, Artº 615º nº 1 c), 743 e 781 nº4 do atual CPC.

- Artºs. 8º, 668º, 690º, 824º do C.Civil


*

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se os imóveis devem ser apreendidos e liquidados na sua totalidade ou se deverá ser, tão só apreendido o “direito da insolvente à sua meação no património comum”.
2. Como ultrapassar a questão das dificuldades respeitantes à citação do ex-cônjuge, face ao desconhecimento do seu paradeiro.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
É a seguinte a materialidade com interesse para a apreciação das questões em apreço:
1. A 1 de julho de 2016 foi elaborado o auto de apreensão para a insolvência dos seguintes imóveis:
Verba nº1
Prédio urbano composto de casa de habitação, descrito na 2ª CRP de Leiria sob o nº 823, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2814 da freguesia de (...) ,
Verba nº2
Prédio Misto composto de casa de habitação e terreno de semeadura, descrito na 2ª CRP de Leiria sob o nº 493, inscrito na matriz urbana sob o artigo 1155 da freguesia de (...) e na matriz Rústica sob o artigo 10950.
2. Os referidos imóveis farão parte do património comum do casal formado pelo insolvente e pelo seu ex-cônjuge.
3. O credor reclamante Banco (…), S.A. reclamou nos presentes autos um crédito no valor de 161.888,87 €, e respetivos juros, relativamente ao qual possui garantia real (hipoteca) sobre a verba nº2 do auto de apreensão, e um outro crédito no valor de 83.510,69 €, e respetivos juros, relativamente ao qual possui garantia real (hipoteca) sobre a verba nº1 do autor de apreensão.
Tem-se por assente que, apesar de inicialmente ter sido determinada a apreensão da totalidade dos bens imóveis, ainda que pertencentes ao património comum do ex-casal, nada impedia que o juiz a quo, face a dificuldades na citação do ex-cônjuge, determinasse coisa diferente.
Com efeito, encontrando-nos perante despachos respeitantes à apreensão e liquidação do património, sem que alguma vez o juiz se tivesse pronunciado especificamente sobre o fundo da questão – apreensibilidade dos bens comuns ou da sua meação –, nada impedia que o juiz viesse mais tarde a decidir coisa diferente.
Contudo, tal como, e bem, salienta o credor/Recorrente Banco (…) nas suas alegações de recurso, não será indiferente aos interesses dos credores em geral e do recorrente em especial, enquanto credor hipotecário, a opção pela apreensão dos imóveis na sua totalidade ou a opção pela apreensão do direito da insolvente à sua meação no património comum.
Com efeito, só a apreensão dos próprios bens imóveis, na sua totalidade, permitirá:
i) ao credor/recorrente, a invocação nos presentes autos da garantia hipotecária que possui relativamente a cada um dos imóveis identificados no auto de apreensão;
ii) a consequente citação do ex-cônjuge do executado para, querendo, requerer a separação de meações:
iii) a venda de ambos os imóveis nos presentes autos (se não for requerida a separação de meações) ou daquele que vier a ser adjudicado ao cônjuge insolvente.
E, dos elementos constantes dos autos, resulta que era esta primeira opção que estava a ser efetivada no processo: no relatório elaborado pelo AI ao abrigo do artigo 153º do CIRE, são inventariados ambos os imóveis e os créditos do recorrente foram aí relacionados como gozando de hipoteca sobre cada um deles; também o teor da ata da assembleia de credores de 31-05-2016 aponta nesse mesmo sentido: tendo sido determinada a liquidação dos bens da massa, o juiz proferiu despacho a determinar a citação do ex-cônjuge da insolvente para que “autorize a venda conjunta do património comum ou requeira a separação de meações”; no auto de apreensão de bens para a massa, elaborado pelo AI, foram descritos os dois imóveis sob as verbas um e dois; por despacho de 30-06-2016, o juiz a quo ainda profere despacho a determinar a junção de certidões prediais relativamente aos imóveis que constituem as verbas ns. 1 e 2 do auto de arrolamento, “levando em consideração que a apreensão deverá ser pela totalidade dos bens, mesmo que estes pertençam ao património conjunto do dissolvido casal”, e que, só face às dificuldades em proceder à citação do ex-cônjuge (citação esta tida por imprescindível para a efetivação do registo da apreensão dos imóveis, enquanto bens que fazem parte do património comum dos cônjuges), é que o juiz a quo determina que se proceda somente à apreensão do direito do insolvente ao património comum.
As questões verdadeiramente relevantes suscitadas pelas alegações do recorrente respeitam ao mérito da decisão recorrida:
- Se, decretada unicamente a insolvência de um dos cônjuges (ou de ex-cônjuges que ainda não tenham procedido à partilha dos bens comuns do casal), podem, ou devem, ser apreendidos (e vendidos) os próprios bens comuns do casal, ou tão só a “o direito do insolvente à meação no património comum[1], sendo que, como salienta o recorrente, a proceder-se tão só à apreensão deste direito ficará impedido de invocar e de fazer valer a garantia real (hipoteca) que possui relativamente a cada um dos imóveis, sendo o seu crédito graduado como comum[2];
- no caso de apreensão dos próprios bens comuns (e uma vez que esta é a solução mais favorável para os credores), que atitude tomar, face às dificuldades de citação do ex-cônjuge do executado.
1. Bens a penhorar no caso de declaração de insolvência de um só dos cônjuges.
Uma rápida passagem pela jurisprudência dos nossos tribunais leva-nos a concluir ser prática corrente, nos processos de insolvência instaurados contra um dos cônjuges, proceder-se à apreensão do “direito à meação no património comum do casal”, situações essas que acabam por analisadas em via de recurso despoletado, a maior parte das vezes, pelo credor hipotecário com garantia real sobre os concretos imóveis que fazem parte de tal património comum.
Contudo, em nosso entender, não é essa a solução para que aponta o atual regime substantivo de responsabilidade por dívidas dos cônjuges quando conjugado com o regime processual executivo e insolvencial.
Na ação executiva, a penhora da “meação nos bens comuns do casal” deixou de fazer qualquer sentido a partir do momento em que a reforma introduzida pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, aboliu a moratória legal, eliminando o nº3 do artigo 1696º do CC, e, alterando o artigo 825º do CPC (atual 740º), deixou de se referir à penhora da meação dos bens comuns, passando a prever a penhora dos próprios bens comuns, seguida da citação do cônjuge para, querendo, requerer a separação de meações (atual artigo 741º).
Atualmente, todas as dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges podem levar à penhora (subsidiária) dos bens comuns, sem esperar pela dissolução, anulação ou declaração de nulidade do casamento ou pela separação judicial de pessoas e bem ou só de bens.
Já em caso de penhora da “meação nos bens comuns” a execução sempre teria de ficar suspensa até que se dissolvesse o matrimónio ou fosse decretada judicialmente a separação de bens comuns[3].
A meação nos bens comuns, enquanto o casamento não for dissolvido, não é um bem disponível, pelo que, caso viesse a ser penhorado ou apreendido o “direito à meação nos bens comuns”, tal apreensão encontrar-se-ia destituída de qualquer interesse prático: não sendo possível promover a sua venda judicial ou adjudicação na ação executiva[4] (ou na insolvência), o processo teria de ficar a aguardar pela dissolução do casamento para que os credores pudessem vir a satisfazer-se pelos bens comuns[5].
Sendo discutível se constituirá ou não um direito penhorável[6], o certo é que, tal penhora não se encontra prevista no atual Código de Processo Civil, não se coadunando com o regime aí previsto para a efetivação da responsabilidade por dívidas próprias de um dos cônjuges: penhora de concretos bens comuns, seguida de citação do cônjuge para requerer a separação de bens do casal (nº1 do artigo 740º).
E se é essa a solução prevista no Código de Processo Civil – penhora dos bens individuais que fazem parte do património comum do casal –, quer para o caso de dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges, quer para as dívidas da exclusiva responsabilidade de um deles (no primeiro caso, a título principal e, no segundo caso, a título subsidiário)[7], por maioria de razão se imporá a sua adoção no processo de insolvência.
O nº1 do artigo 46º do CIRE – segundo o qual a massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo[8] –, terá de ser interpretado no sentido de que a esta massa pertencerão aqueles bens que, por determinação substantiva, possam ser chamados a responder pelas suas dívidas (artigo 601º do CC)[9].
Sendo o insolvente casado num dos regimes de comunhão, ou, sendo divorciado, não tenha havido lugar à partilha, a par dos seus bens próprios existe uma massa de bens comuns afeta ao cumprimento de determinadas obrigações.
E se no processo foi declarada unicamente a declaração de um dos cônjuges, tratando-se de um processo concursal, a declaração de insolvência chamará ao processo todos os seus credores – não só detentores de garantia real, mas também os credores comuns, e não só por créditos da exclusiva responsabilidade do insolvente, mas igualmente por créditos de responsabilidade comum do casal.
A massa ativa deverá, assim, incluir os bens comuns, uma vez que estes responderão sempre pelos créditos reclamados: na sua totalidade tratando-se de dívidas comuns, ou até ao valor da sua meação, no caso de dívidas da responsabilidade pessoal do insolvente[10].
Atentar-se-á em que a apreensão dos próprios bens comuns era também a solução consagrada no regime processual da falência e insolvência contido no Código de Processo Civil de 1939, bem como no de 1961[11], quer para o falido comerciante, quer para o insolvente não comerciante[12].
A insolvência de um dos cônjuges casado num dos regimes de comunhão (ou, sendo divorciado, não tenha sido ainda efetuada a partilha dos bens comuns do casal[13]) envolverá, assim, a apreensão de todos os bens do insolvente, neles se incluindo não só os bens próprios do cônjuge/insolvente, mas também os próprios bens comuns do casal[14].
Uma vez assente que a solução que melhor se compagina com o regime substantivo e processual por dívidas dos cônjuges é a penhora e apreensão dos próprios bens comuns e não do “direito à meação nos bens comuns”, passamos à análise da 2ª questão, relativa à intervenção do ex-cônjuge no processo de insolvência.
2. Citação do ex-cônjuge
Não se aceitando que possam ser apreendidos bens para a massa insolvente sem que os respetivos titulares sejam chamados a intervir, há que assegurar que a insolvência não corra sobre os bens comuns sem que o cônjuge seja colocado em condições de salvar a sua meação[15].
Assim sendo, se forem apreendidos bens comuns do casal, a liquidação não poderá prosseguir contra os mesmos sem que ao respetivo cônjuge seja dada oportunidade de intervir na ação, devendo proceder-se à sua citação para exercer os seus direitos relativamente a tais bens:
- seja peticionando o seu direito à separação de meações, a exercer nos termos dos artigos 141º, 144º e 146º;
- seja para exercer os mesmos direitos que a lei processual confere ao insolvente relativamente a tais bens, quer na reclamação e verificação de créditos[16], quer na liquidação dos mesmos, quer na fase de pagamentos.
Tal citação será mesmo condição necessária para a conversão em definitivo do registo da declaração de insolvência que incida sobre cada um dos bens comuns apreendidos para a massa[17].
No caso em apreço, tendo sido apreendidos dois imóveis pertencentes ao património comum do ex-casal, e tendo sido determinada a citação do ex-cônjuge do insolvente, o eventual desconhecimento do seu atual paradeiro não constituiu impedimento à sua citação.
Com efeito, se no regime anterior (introduzido pelo DL 38/2003) o nº1 do artigo 864º do CPC não permitia a citação edital do cônjuge do executado, no atual código apenas os credores não podem ser citados editalmente, podendo sê-lo o cônjuge do executado (artigo 786º, nº1, a contrario)[18].
Assim sendo, as alegadas dificuldades na concretização da citação pessoal do ex-cônjuge não inviabilizavam o registo da declaração de insolvência relativamente a cada um dos bens imóveis identificados sob as verbas ns. 1 e 2 do  auto de apreensão de bens para a massa.
Por outro lado, admitindo-se que, dissolvido o casamento entre os cônjuges, se pode proceder à penhora ou apreensão da respetiva meação nos bens comuns para pagamento de dívidas da responsabilidade exclusiva de um deles e à respetiva venda em processo executivo ou de insolvência[19], tal solução afigura-se manifestamente insatisfatória para os interesses dos credores – quer pelo facto de obstar à invocação na insolvência da garantia resultante de hipoteca incidente sobre algum dos bens comuns, quer pelas naturais dificuldades na venda executiva de um tal direito[20].
Como tal, tendo sido determinada a liquidação do ativo da insolvência com a apreensão dos bens comuns da insolvente e do seu ex-cônjuge, solução que teve o acordo da assembleia de credores, impunha-se o prosseguimento dos autos com vista à citação do ex-cônjuge, ainda que por via edital, no caso de se considerarem esgotadas as possibilidades de se concretizar a sua citação pessoal.

A apelação será de proceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se que os autos prossigam com a apreensão dos bens imóveis comuns do casal, procedendo-se à citação edital do ex- cônjuge, caso se considerem esgotadas as possibilidades de proceder à sua citação pessoal.

Sem custas.                    

Coimbra, 09 de maio de 2017

Maria João Areias ( Relatora )

Vítor Amaral

Luís Cravo

                                                                             


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. A insolvência de um dos cônjuges casado num dos regimes de comunhão (ou, sendo divorciado, não tenha havido lugar à partilha dos bens comuns do casal), envolverá a apreensão de todos os bens do insolvente, neles se incluindo não só os bens próprios do cônjuge/insolvente, mas também os bens comuns do casal.
2. A apreensão dos bens comuns é a solução que melhor acautela os interesses dos credores, por permitir a invocação da garantia real resultante da hipoteca que incida sobre imóvel comum e por ser de mais fácil alienação.
3. Apreendidos bens comuns para a massa, a liquidação não poderá prosseguir contra tais bens, sem que se proceda à citação do cônjuge do insolvente, seja para requerer a separação de meações, seja exercer nos autos os mesmos direitos que a lei processual concede ao insolvente relativamente a tais bens.
4. Na impossibilidade de se proceder à citação pessoal do cônjuge por desconhecimento do respetivo paradeiro, o atual 786º, nº1 do CPC permite proceder à sua citação edital.



[1] Quanto à resposta a dar a tal questão, seguir-se-á a posição já assumida pela aqui relatora no artigo “Insolvência de pessoa casada num dos regimes de comunhão – sua articulação com o regime da responsabilidade por dívidas dos cônjuges”, inserido na Revista de Direito da Insolvência, Nº1, Abril de 2017, Almedina, pp.107 e ss.
[2] Cfr., neste sentido, entre outros, Acórdão do TRC de 24-09-2013, relatado por Maria Inês Moura, e Acórdão do TRG de 19-05-2016, relatado por Conceição Bucho, e Acórdão do TRL de 13-02-2014, relatado por Vaz Gomes, disponíveis in www.dgsi.pt.
[3] Sem que exista qualquer meio para forçar o cônjuge a requerer a separação de meações, porquanto o expediente do artigo 740º do CPC só se encontra previsto como forma de reação do cônjuge face à penhora de bens comuns e de estes correrem o risco de virem a ser utilizados para satisfazer dívidas da responsabilidade exclusiva do outro.
[4] Remédio Marques, “Curso de Processo Executivo Comum, à Face do Código Revisto”, Almedina 2000, pp. 201 e 202, nota 555.
[5] Como era reconhecido pela doutrina, a penhora do direito à meação nos bens comuns produzia efeitos muito modestos e reduzidos: o credor só adquiria, por essa penhora, o direito de preferência em relação aos credores próprios do marido que não tivessem a seu favor qualquer privilégio ou preferência anterior sobre os bens comuns, e só podia tornar-se efetiva sobre os bens comuns que ainda existissem à data da dissolução do casamento ou da separação de bens - José Alberto dos Reis, “Processo de Execução”, I Vol., p. 287, e Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 74, p. 213 e 214. Segundo Anselmo de Castro, tal penhora pouco ou nada valeria e o seu único efeito seria o de dar preferência ao exequente sobre o produto dos bens que não chegassem a ser alienados, em relação ao credor simples, com penhora em segundo lugar - “Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, 1977, p. 113. Também Remédio Marques salienta que, podendo penhorar-se imediatamente (mas subsidiariamente) bens comuns do casal, concretos e determinados, nenhum interesse tem para o exequente a penhora do direito à meação, posto que o seu único efeito será o de dar preferência ao exequente sobre o produto dos bens comuns que, em caso de dissolução do casamento (separação judicial de pessoas e bens ou separação judicial de bens, na hipótese de um outro credor promover, subsequentemente a penhora de bens comuns), venham a caber ao executado, relativamente a credores com penhoras subsequentes sobre os concretos bens que, pela partilha, sejam adjudicados ao cônjuge executado” – “Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto”, Almedina, 2000, p. 215, nota 592.
[6] Cfr., Quanto à questão de saber se o “direito à meação” anteriormente previsto no artigo 825º, do CPC, constitui um verdadeiro direito de quota, que, embora não feito para circular, existe já no património de cada um dos cônjuges e que exprime a medida da divisão e que virá a realizar-se no momento da partilha, se pronunciam Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de (…), págs. 509 e 510.
[7] Assim sendo, e como é referido por Remédio Marques, o disposto no artigo 826º nº1 do CPC (artigo 743º, nº1 do NCPC) relativo à “penhora em caso de comunhão ou compropriedade” – que prevê que na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso –, já não abarca ou, pelo menos, mostra-se desprovido de interesse prático, a penhora do direito à meação do executado nos bens comuns do casal, atenta a alteração efetuada, na reforma processual de 1995/1996, nos artigos 1696, nº1, do CC, e 825º, do CPC - “Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto”, Almedina, 2000, p. 215, nota 592.
[8] Com o esclarecimento de que não atinge a totalidade dos bens do devedor suscetível de avaliação pecuniária, mas, tão só, e em regra, os bens e rendimentos que forem penhoráveis. Quanto aos bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta (nº2 do artigo 46º).
[9] Neste sentido, Paula Costa e Silva, “A Liquidação da massa insolvente”, ROA, Ano 65, Vol. III – Dezembro de 2005.
[10] Implicando a declaração de insolvência o reconhecimento da insuficiência do ativo para satisfação do passivo existente, a meação dos bens comuns responderá aqui ao mesmo tempo (ou conjuntamente) com os seus bens próprios, sem necessidade de liquidação prévia destes.
[11] A regulamentação da insolvência só com o DL nº 132/93, de 15 de julho, que aprovou o CREREF, foi objeto de regulamentação autónoma, sendo retirada do Código de Processo Civil.
[12] Na vigência de tal regime, a doutrina defendia, inclusivamente, que, sendo o falido casado, deviam ser apreendidos todos os bens que, nos termos da lei, respondessem pelas dívidas no exercício do comércio, pelo que, sendo casado segundo os regimes de comunhão de adquiridos ou de comunhão geral deveriam ser apreendidos todos os bens, incluídos os próprios do cônjuge não comerciante - Neste sentido, Pedro de Sousa Macedo, “Manual de Direito das Falências”, Vol. II, Almedina 1968, págs. 271 e 351, e António Mota Salgado, “Falência e Insolvência, Guia Prático”, 2ª ed., Editorial Notícias, p.109. Também no regime do processo de insolvência contido no Código de Processo Comercial de 1905, Barbosa de Magalhães sustentava que a declaração de falência acarretava a apreensão para a massa de “todos os bens, de qualquer espécie e natureza, seja qual for o motivo ou título por que o falido os possua, e estejam onde estiverem”, compreendendo-se nesta generalidade os bens próprios, dotais e comuns do seu cônjuge – Código de Processo Comercial Anotado, 2º Vol. 3ª ed. 1912, p.258.
[13] Embora a dissolução, a declaração de nulidade ou anulação do casamento ou a separação de pessoas e bens impliquem o fim das relações patrimoniais entre os cônjuges, a comunhão no património comum mantém-se até à partilha – cfr., entre outros, Cristina Manuela Araújo Dias, “Do Regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges, Problemas, Críticas e Sugestões”, FDUC – Centro de Direito da Família, Coimbra Editora, p. 886 e 922-923.
[14] No sentido de que o que é objeto de apreensão são os bens comuns do casal e não a meação do insolvente nos bens comuns, cfr., José Lebre de Freitas, “Apreensão, separação, restituição em venda”, pág. 237. Em sentido contrário, Luís Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência”, Almedina, pág. 91 e 92, e Jorge Duarte Pinheiro, “Efeitos Pessoais da Declaração de Insolvência”, Estudos em Memória do Prof. Dr. José Dias Marques, Almedina, pág. 219.
[15] Como já defendia Alberto dos Reis a propósito da execução singular “Processo de Execução”, Vol. 1º, pág. 300.
[16] Podendo, inclusivamente, impugnar os créditos reclamados, quer no que respeita à sua existência ou montante, uma vez que tem interesse em que os bens comuns não sejam afetados pela insolvência.
[17] Aplicando-se analogicamente as disposições contidas nos artigos 786º, nº1, al. a), e 787º do mesmo CPC, com as devidas adaptações. O IRN já se pronunciou no sentido da obrigatoriedade da junção de prova de tal citação: “O registo definitivo da declaração de insolvência de um só dos cônjuges em relação a bens que, quer de acordo com o registo de titularidade em vigor, quer de acordo com os próprios títulos, fazem parte da comunhão conjugal não partilhada, está condicionado à demonstração de que se requereu (ao abrigo do art. 141º, nº1 al. b) CIRE), ordenou (ao abrigo do art. 141º, nº3 CIRE), ou proporcionou (ao abrigo do art. 141º, nº3 CIRE) ao contitular inscrito não insolvente (cônjuge ou ex-cônjuge) a efetivação da separação dos bens comuns” – Parecer proferido a 24.06.2014, pelo IRN, no Proc. C.P. 20/20/2014 STJ-CC, disponível in www.irn.mj.pt.
[18] Neste sentido, Rui Pinto, “Manual da Execução e do Despejo”, Coimbra Editora, p. 831, assim como Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os Artigos da Reforma”, 2014, Vol. II, Almedina, p. 320.
[19] Neste sentido, Cristina M. Araújo Dias, “Do Regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges (…)”, p. 921-922, em especial nota 1579.
[20] Raramente aparecendo interessados na compra de um tal direito para além do cônjuge do insolvente e não tendo este, a maior parte das vezes, capacidade económica para o adquirir pelo justo valor, o direito à meação do insolvente acaba por ser vendido por qualquer preço, com prejuízo para a generalidade dos credores.