Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
265/06.4TBGVA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GONÇALVES FERREIRA
Descritores: MANDATÁRIO JUDICIAL
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
RESPONSABILIDADE CIVIL
CULPA PRESUMIDA
Data do Acordão: 09/08/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GOUVEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 483.º, N.º 1; 562.º; 563.º. 799.9, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. É de natureza contratual a responsabilidade civil de advogado, derivada do incumprimento do mandato judicial;
2. Incumpre o mandato judicial o advogado que, assumindo o encargo de patrocinar o cliente em processo de reclamação de créditos, não apresenta alegações relativamente a recurso que interpôs da sentença que julgou a reclamação improcedente, não obstante esta não ter sido contestada;
3. Na responsabilidade contratual, há culpa presumida do incumpridor;
4. Os pressupostos da responsabilidade contratual não diferem dos da responsabilidade extracontratual.
5. O dano resultante da perda culposa de acção judicial, por culpa do mandatário, corresponde ao ganho que o mandante presumivelmente teria na acção.
6. Não havendo elementos para quantificar o dano, haverá que relegar o seu apuramento para posterior liquidação
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Relatório:


A...., B...., C...., D...., E...., F...., G...., H...., I....e J...., desempregadas, as sete primeiras e a décima residentes em …., a oitava em ….., …., e a nona em …., …, intentaram acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra K...., …, com domicílio profissional na Rua ….., e contra L...., com sede em ….., alegando, em resumo, que:
Eram trabalhadoras da Empresa M...., que foi declarada falida em processo que corre seus termos no Tribunal Judicial de Gouveia (processo n.º 108/2000).
O réu é advogado e presta serviços de consultoria jurídica no ….., no qual estavam filiadas.
Por assim ser, constituíram o réu seu mandatário, com vista à dedução de reclamação de créditos no referido processo, o que ele fez.
Os seus créditos, no montante global de € 129.529,90, e, bem assim, os de outros trabalhadores, não vieram a ser reconhecidos na sentença proferida.
Os restantes trabalhadores, patrocinados por outro ilustre causídico, recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra e obtiveram ganho de causa.
Também o réu interpôs recurso, mas não apresentou alegações, não obstante as instruções das autoras nesse sentido, pelo que o recurso foi julgado deserto e aquelas viram, em definitivo, gorada a possibilidade de receber os respectivos créditos.
Tal situação criou nelas frustração, angústia e depressões nervosas sérias, que se repercutem na sua vida e na sua saúde.
            A ré garantiu o pagamento do valor dos danos derivados do exercício da profissão de advogado, até ao limite de, pelo menos, € 100.000,00, mediante contrato de seguro de grupo oportunamente celebrado.
Sob a invocação de violação, pelo réu, dos seus deveres profissionais, pediram a condenação de ambos réus no pagamento das importâncias de € 129.529,90 e de € 20.000,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento.
O réu contestou, sustentando, em síntese, não se verificar o dever de indemnizar, porque as autoras não eram trabalhadoras da M...., mas sim de duas outras empresas, contra as quais, de resto, apresentaram reclamação de créditos.
A decisão de não apresentar alegações de recurso na reclamação deduzida contra M…. foi tomada de forma consciente, para evitar a condenação das ora autoras por litigância de má fé, as quais, aliás, nem sequer lhe deram instruções para recorrer.
Como quer que seja, as autoras não sofreram os danos que alegam.
Concluiu pela sua absolvição do pedido e pela condenação das autoras em multa e indemnização, por litigarem de má fé, já que omitiram informação essencial ao Tribunal.
A ré seguradora contestou, também, dizendo que a apólice tem como limite de indemnização o capital de € 100.000,00 por sinistro e agregado anual de sinistros por segurado, descontada a franquia de € 1.500,00, a cargo do segurado, que ignora os factos e que, de toda a maneira, as autoras não alegaram matéria que consubstancie os pressupostos da responsabilidade civil do réu pessoa singular.
As autoras replicaram, reafirmando o entendimento plasmado na petição inicial e pedindo, ainda, a condenação do réu como litigante de má-fé.
O réu respondeu à réplica para contraditar o pedido da sua condenação como litigante de má fé e para impugnar um documento junto com aquela peça.
No despacho saneador foram declaradas a validade e a regularidade da instância.
A selecção da matéria de facto não foi objecto de reclamação.
Efectuado o julgamento e dadas as respostas aos pontos de facto da base instrutória, que não mereceram reparo, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.
Inconformadas, as autoras interpuseram recurso tendente à substituição da sentença por outra que condene os réus nos pedidos formulados, alegaram e formularam 29 conclusões, facilmente redutíveis a, apenas, cinco:
            1) O recorrido celebrou com as recorrentes um contrato de mandato forense com vista à dedução e acompanhamento de reclamação de créditos em processo de falência;
            2) Na execução de tal contrato, estava obrigado a praticar todos os actos inerentes à tramitação dos processos, mormente o de alegar em recurso interposto, a menos que as mandantes o instruíssem em sentido contrário;
            3) O réu interpôs recurso da decisão que não reconheceu os créditos das ora recorrentes, mas não alegou, apesar de não receber instruções nesse sentido;
            4) Incumpriu, portanto, o contrato de mandato, com o que causou dano às recorrentes, que, por via disso, deixaram de ver reconhecidos os seus créditos, que, de resto, nem sequer haviam sido contestados, e de os receber;
            5) Foram violados os artigos 36.º e 668.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, 799.º e 1161.º, alínea c), do Código Civil e 92.º, n.º 2 e 95.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Só a ré seguradora contra-alegou, defendendo a manutenção da sentença apelada, sob a argumentação de que o contrato de mandato não foi incumprido, mas, antes, executado de acordo com o que é a autonomia técnica do advogado, que, no caso, entendeu que a sustentação do recurso faria incorrer as mandantes em litigância de má fé, uma vez que não eram trabalhadoras da falida e não detinham, por conseguinte, quaisquer créditos sobre a mesma.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Presentes as conclusões da alegação das recorrentes, está em causa uma única questão: a de saber se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil profissional de advogado.


II. São os seguintes os factos dados por provados na sentença apelada:

           
1. As autoras são filiadas no N....– alínea B) da matéria de facto assente.
2. O réu é advogado e presta serviços de consultadoria jurídica no referido sindicato – alínea C) da matéria de facto assente.
3. As autoras constituíram o réu seu mandatário judicial – alínea D) da matéria de facto assente.
4. A ré é seguradora da apólice que se designa por DP/01018/06/X – alínea V) da matéria de facto assente.
5. Nos termos da referida apólice a ré cobre a responsabilidade decorrente de actos ou omissões culposos no exercício da profissão de todos os advogados portugueses com inscrição válida e em vigor na Ordem dos Advogados – alínea X) da matéria de facto assente.
6. A referida apólice teve o seu início de vigência em 1 de Janeiro de 2006 e vigora por 12 meses, renováveis, retroagindo a 1 de Janeiro de 2002 – alínea Z) da matéria de facto assente.
7. E tem como limite de indemnização o capital de € 100.000,00, por sinistro e agregado anual de sinistros por segurado, descontada a franquia de € 1.500,00 a cargo do segurado – alínea AA) da matéria de facto assente.
8. No ano de 1996 foram constituídas duas empresas: a O....e a P...., a partir das secções de tinturaria, fiação e cardação da M.... – resposta ao ponto 14.º da base instrutória.
9. Foi da O....que as autoras B...., D....e E....passaram a receber salários, recebendo e assinando os correspondentes recibos, a descontar para a segurança social e IRS; e, foi da P....que as autoras G...., F...., I…, A…, C…. e J… passaram a receber salários, recebendo e assinando os correspondentes recibos, a descontar para a Segurança Social e IRS (resposta ao ponto 18.º da base instrutória.
10. As autoras passaram a estar integradas nos quadros de pessoal dessas empresas e deixaram de constar dos quadros de pessoal da M.... & M...., S.A. – resposta ao ponto 19.º da base instrutória.
11. Quando faltavam, as autoras entregavam as justificações nessas empresas – resposta ao ponto 21.º da base instrutória.
12. Foi por essas empresas que as autoras foram despedidas por cartas de 5 de Abril de 2002 – resposta ao ponto 22.º da base instrutória.
13. Após o despedimento, as autoras entregaram na segurança social o modelo 346 (em que identificavam como entidade patronal as referidas O.... e P....) e as cartas de despedimento que tinham recebido – resposta ao ponto 23º da base instrutória.
14. Corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Gouveia um processo de falência sob o n.º 108/2000, no âmbito da qual foi declarada falida a sociedade comercial “Têxtil M...., S.A.” – alínea A) da matéria de facto assente.
15. Na qualidade de advogado e mandatário das autoras, o réu subscreveu as reclamações de créditos de cada uma das autoras, no âmbito do processo referido em 14 e entregou-as no tribunal – alínea E) da matéria de facto assente.
16. Os créditos reclamados pelas autoras são os seguintes:
A.... – € 15.340,29;
B….. – € 13.753,29;
C.... – € 10.913,29;
D.... – € 13.753,29;
E.... – € 13.748,29;
F.... – € 13.938,29;
G.... – € 6.076,29;
H…. – € 13.410,29;
I....– € 13.410,29;
J.... – € 15.726,29 – alínea U) da matéria de facto assente.
17. No âmbito das acções que correram termos no Tribunal de Trabalho da Guarda e a que se reportam as certidões de fls. 332 a 391 dos autos, as autoras com excepção da autora G...., compareceram no dia da audiência de partes e foi decretada contra a O.... e contra a P.... a suspensão dos despedimentos – alínea AB) da matéria de facto assente.
18. No prazo legal, foram intentadas as acções de impugnação de despedimento no Tribunal do Trabalho da Guarda, tendo-lhes sido apensadas as referidas providências cautelares – alínea AC) da matéria de facto assente.
19. As acções não foram contestadas e foi proferida sentença condenatória nas importâncias, para cada uma das autoras, das verbas mencionadas em 16 – alínea AD) da matéria de facto assente.
20. Essas sentenças transitaram em julgado – alínea AE) da matéria de facto assente.
21. Na sentença de verificação e graduação de créditos, datada de 15/03/2004, não foram reconhecidos os créditos de diversos trabalhadores, entre os quais os das aqui autoras – alínea F) da matéria de facto assente.
22. Os trabalhadores com créditos não reconhecidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra – alínea G) da matéria de facto assente.
23. As autoras não deram qualquer instrução para interpor o recurso e nem sequer pagaram a taxa de justiça inicial do recurso, devida com as alegações – resposta ao ponto 33.º da base instrutória.
24. Decidiu o réu interpor recurso por mera precaução, reservando a decisão de manter o recurso até ao prazo de apresentação das alegações – resposta ao ponto 29.º da base instrutória.
25. O réu, enquanto mandatário das autoras, interpôs recurso da sentença referida em 7 – alínea H) da matéria de facto assente – no dia 7 de Abril de 2004 – alínea I) da matéria de facto assente.
26. O recurso das autoras, bem como dos restantes trabalhadores, foi admitido –alínea J) da matéria de facto assente.
27. O réu não apresentou, no prazo legal, as alegações que deveriam acompanhar o recurso interposto – alínea L) da matéria de facto assente.
28. Em consequência, o recurso foi julgado deserto – alínea M) da matéria de facto assente.
29. Por acórdão datado de 21-06-2005, o Tribunal da Relação, julgou procedente a apelação dos trabalhadores representados pelo Sr. Dr. …. e reconheceu os seus créditos – alínea N) da matéria de facto assente.
30. Os créditos das autoras não foram reconhecidos – alínea O) da matéria de facto assente.
31. As autoras reuniram com o réu e representantes do sindicato, uma vez, já após o Acórdão referido em 29, tendo então o réu explicado aos representantes sindicais e às autoras que não apresentou alegações porque tal poderia ser considerado má-fé processual, face ao processado referido em 17, 18, 19, e 20 (resposta aos pontos 6.º e 28.º da base instrutória.
32. O réu requereu a reforma da sentença de graduação de créditos com fundamento na existência de um erro material – alínea P) da matéria de facto assente.
33. Em resposta, o Senhor Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Gouveia disse: «não se questiona o facto de os requerentes se encontrarem nas mesmas condições dos apelantes. Todavia, certo é que as requerentes não impulsionaram o recurso que tempestivamente, interpuseram e, por essa via, perderam o direito de ver apreciada a sua pretensão por tribunal superior» – alínea Q) da matéria de facto assente.
34. O Tribunal de Gouveia indeferiu o requerido pelo réu – alínea R) da matéria de facto assente.
35. O réu recorreu de tal indeferimento, não tendo tal recurso sido admitido – alínea S) da matéria de facto assente.
36. O réu reclamou da não admissão do recurso para o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, que indeferiu a reclamação apresentada – alínea T) da matéria de facto assente.
37. As reclamações foram feitas posteriormente ao Tribunal da Relação de Coimbra ter dado provimento aos recursos interpostos pelos outros trabalhadores, que as autoras consideravam em situação semelhante à sua, e após insistência destas, que pretendiam, a todo o custo, esgotar todas as possibilidades – resposta ao ponto 34.º da base instrutória.
38. As autoras tinham a expectativa de que receberiam os créditos reclamados em 16, o que não aconteceu – resposta ao ponto 8.º da base instrutória.
39. Alguns trabalhadores da M.... receberam os seus créditos – resposta aos pontos 9.º e 10.º da base instrutória.
40. As autoras estão desempregadas – resposta ao ponto 11.º da base instrutória.
            41. O referido sob o ponto 39 criou nas autoras frustrações e angústia – resposta ao ponto 12.º da base instrutória.


            III. O direito:

            Importa, à guisa de intróito, clarificar uma questão que as alegações de recurso não terão abordado da melhor maneira; na última das conclusões, referente à indicação das normas violadas, diz-se ter sido desrespeitada a alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

Este normativo declara ser nula a sentença quando os respectivos fundamentos estejam em oposição com a decisão. Prevê-se aqui um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido, mas a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 141; Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, página 689).

Sucede, porém, que as apelantes nunca invocaram, ao longo das suas alegações esse vício real de raciocínio, ou um qualquer outro vício da sentença; e a referência, desgarrada, ao preceito legal não supre a exigência de alegação (conclusão incluída) que recai sobre o recorrente, caso queira ver a questão tratada pelo tribunal “ad quem” (artigo 690.º do dito Código).

Deste modo, não cabe no objecto do presente recurso a apreciação de qualquer eventual nulidade da decisão final.


Como se disse, e bem, na sentença, balizando o “thema decidendum”, a acção foi estruturada na responsabilidade civil, ao imputar-se ao réu o incumprimento do mandato judicial, por não ter apresentado alegações de recurso num processo de reclamação de créditos, o que teria originado a respectiva perda, com consequentes prejuízos patrimoniais e não patrimoniais para os autores.
Concretizando um pouco mais, é esta a situação (conforme o alegado):
O réu, advogado e consultor de um sindicato, foi mandatado pelas autoras, filiadas no mesmo organismo, para reclamar créditos em processo de falência movido contra a empresa de que aquelas eram trabalhadoras. O réu assim fez, mas as reclamações improcederam, apesar de não contestadas, com o fundamento de as reclamantes não serem trabalhadoras da falida, mas, sim, de duas outras empresas. O ora réu e o ex.mo mandatário de outros trabalhadores, que se achavam em situação exactamente igual, interpuseram recurso da sentença, mas o primeiro não apresentou as pertinentes alegações no prazo legal, o que motivou a sua deserção. Os trabalhadores patrocinados pelo outro mandatário obtiveram ganho de causa no Tribunal da Relação e vieram a receber os seus créditos. As autoras só os não receberam, porque o recurso não chegou a ser apreciado, já que a massa falida dispunha de fundos bastantes para efectuar o pagamento. Deixando desertar o recurso, o réu incumpriu o contrato de mandato, pelo que sobre ele recai a obrigação de indemnizar os danos sofridos, que são de natureza, tanto patrimonial (correspondendo ao que deixaram de receber na falência), como não patrimonial (frustração, angústia e depressões nervosas, com repercussões na saúde).
A posição do réu é a de que não tinha de apresentar as alegações de recurso, porque nem sequer recebeu instruções para recorrer, para além de que fazê-lo era litigar de má fé, uma vez que as autoras não eram trabalhadoras da falida, mas, sim, de uma outra empresa; de todo o modo, as mesmas não sofreram dano algum, até porque não têm o direito que reclamam.
A acção improcedeu, sob a argumentação de se não terem provado os pressupostos da responsabilidade civil; em primeiro lugar, a conduta do réu não teria sido ilícita, mas, antes, correcta, porque, porque as autoras eram trabalhadoras de outras empresas, que não da falida, sendo, por outro lado, certo, que aquelas não provaram, como lhes competia, o incumprimento do contrato de mandato; em segundo, o nexo de causalidade entre os factos e o dano estaria ausente, uma vez que as autoras não conseguiram demonstrar que estavam em situação material idêntica à dos trabalhadores que viram os créditos reclamados ser reconhecidos pela Relação; finalmente, os danos seriam coisa inexistente, visto não terem sido alegados os fundamentos materiais dos créditos laborais invocados (salários, subsídios, ou outros).
A tese sustentada pelas autoras no recurso é, basicamente, a de que, ao deixar de apresentar as alegações, o réu incumpriu o contrato de mandato, cabendo-lhe, portanto, o ónus de afastar a culpa, que, legalmente, se presume.
Como se sabe, paira alguma discussão sobre a natureza da responsabilidade civil dos advogados, apesar de ser largamente maioritária a corrente que lhe atribui natureza mista (contratual e extracontratual, conforme as circunstâncias).
Entre nós, parece que, apenas, o Sr. Dr. António Arnaut defende a natureza extracontratual da responsabilidade dos advogados, baseado em três ordens de razões: a primeira, a de o artigo 1161.º do Código Civil (de futuro, CC), que estabelece as obrigações do mandatário, não se aplicar, manifestamente, ao mandatário forense, a segunda, a de a fonte das obrigações contraídas pelo advogado perante o cliente não ser o instrumento de representação, mas a violação dos deveres deontológicos previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante, EOA),[1] e a terceira, a de ser a advocacia uma actividade de eminente interesse público, pelo que a responsabilidade civil decorrente do seu exercício só pode resultar da infracção de deveres deontológicos estabelecidos em nome de tal interesse.
Reconhece, no entanto, este ilustre jurista que a maioria dos autores propende para a teoria da concorrência de responsabilidades (Iniciação à Advocacia, 7.ª edição, páginas 131 e seguintes).
É o que, realmente, sucede, entre diversos outros autores, com Moitinho de Almeida (Responsabilidade Civil dos Advogados, página 13), Cunha Gonçalves (Tratado de Direito Civil, volume XII, edição de 1937, página 762) e Orlando Guedes da Costa (Direito Profissional do Advogado, 6.ª edição, páginas 395 e seguintes).
De modo que, no domínio da tese mista, haverá responsabilidade contratual sempre que o advogado não cumprir (incumprimento em qualquer das modalidades que o conceito comporta, desde a impossibilidade do cumprimento à simples mora, passando pelo cumprimento defeituoso) as obrigações emergentes do contrato de mandato e responsabilidade extracontratual quando incorra na prática de facto ilícito lesivo dos direitos do seu constituinte, mas fora, como é óbvio, das obrigações geradas pelo falado contrato.
No acórdão do Supremo de 02.02.1995, por exemplo, considerou-se haver responsabilidade extracontratual da parte de causídico que, tendo recebido de arguido acusado por crime de emissão de cheque sem cobertura diversas quantias que entregou ao seu cliente, portador dos cheques em causa, nada disse em audiência de julgamento, quando o cliente declarou nada ter recebido do arguido (CJ do STJ, Ano III, Tomo I, página 191).
A questão não é despicienda, pois que, se são comuns alguns dos aspectos dos regimes jurídicos de ambas as formas de responsabilidade, mormente a obrigação de indemnizar e os pressupostos da sua verificação (ilicitude, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano), há, também, diferenças fundamentais com reflexos a vários níveis, como acontece com o ónus da prova da culpa (na responsabilidade extracontratual, cabe ao lesado e, na contratual, ao devedor), com a solidariedade (é regra, na extracontratual, e excepção, na contratual), com a responsabilidade por facto de outrem (na contratual, pode ser convencionalmente excluída ou limitada), com a extensão do dano a indemnizar (na extracontratual, pode ser inferior ao dano causado), com a prescrição (cujo prazo ordinário é de vinte anos, na contratual, e de três, na extracontratual) e com a competência do tribunal (na contratual, é o lugar do cumprimento da obrigação, na extracontratual, o do lugar do facto) – Orlando Guedes da Costa, ob. cit., páginas 395/396).
No âmbito da relação advogado/cliente, a responsabilidade do advogado não pode ser senão contratual, como salienta, ainda, este autor, uma vez que resultará do incumprimento de uma das obrigações decorrentes do contrato de mandato.
E este é, igualmente, o entendimento do nosso mais alto Tribunal, como se pode ver, a título de mero exemplo, dos acórdãos de 24.11.1987, 30.05.1995 e 27.05.2003, publicados no BMJ 371, página 444 e na CJ de acórdãos do STJ, Ano III, Tomo II, página 119, e Ano XI, Tomo II, página 78, respectivamente.
Revertendo ao caso que ora nos ocupa, dúvidas não subsistem, tendo em conta o teor da alegação inserta na petição inicial e o que da mesma resultou provado, de se estar no domínio de relação estabelecida entre advogado e cliente, o que nos remete para a responsabilidade contratual. 
O que, rigorosamente, se discute é o cumprimento ou o incumprimento das obrigações derivadas do contrato de mandato, à luz da diligência exigível de quem assume a prática de um ou mais actos jurídicos por conta de outrem (artigo 1157.º do CC).
Configure-se o mandato judicial ou forense como um verdadeiro contrato de mandato, na modalidade de mandato com representação, como é o caso de Moitinho de Almeida[2] e do referido acórdão do STJ de 27.05.2003, ou como um contrato inominado ou atípico, regulado por um conjunto de obrigações para com o cliente impostas ex lege ao advogado, tanto pelo interesse público da profissão, como pelo dever de independência, como sugere Orlando Guedes da Costa[3], o advogado está obrigado a tratar com o maior zelo a causa que lhe foi confiada, recorrendo a todos os meios para o bom desempenho da sua missão, incorrendo, se o não fizer, em responsabilidade contratual ou obrigacional, prevenida no artigo 798.º do Código Civil (aresto antes mencionado).
Na sua execução, como é apanágio dos direitos de crédito em geral (mas extensivo a todos os domínios onde exista uma especial relação de vinculação entre duas ou mais pessoas, como se escreveu no acórdão do STJ, de 26.01.1994,[4] devem as partes proceder de boa fé (artigo 762.º CC), sendo-lhes exigível, portanto, que pautem a sua conduta pelos valores da fidelidade, da lealdade, da honestidade e da confiança na cabal realização do negócio (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume II, página 4).
“Regra de ouro do patrocínio judiciário é a da confiança e da lealdade do advogado para com os clientes” (acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de 11.05.1985, ROA 45, página 330, citado por António Arnaut na sua obra Estatuto da Ordem dos Advogados, 9.ª edição, página 114).
Por isso que, nas relações com o cliente, deve o advogado, para além do mais, dar opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que ele invoca e prestar-lhe informação sobre o andamento das questões que lhe foram confiadas, estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que é incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade, e não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas [alíneas c), d) e j) do artigo 83.º do EOA, aprovado pelo DL 84/84, em vigor à data da ocorrência dos factos].
A obrigação do advogado é, neste conspecto, de meios, que não de resultado; cumpre-lhe fazer todos os esforços para obter ganho de causa, que será a pretensão última do cliente, mas sem garantir o resultado efectivo, que depende, via de regra, de circunstâncias a que é alheio (a diferente opinião jurídica do julgador, v.g.).
Como escreve Antunes Varela, quando o advogado se obriga a patrocinar certa causa, não se compromete a ganhar a questão; obriga-se, tão-somente, a empregar a diligência requerida para defender os legítimos interesses do mandante, à semelhança do que sucede com o médico, relativamente ao tratamento e cura do enfermo, ou com o depositário, no que tange à conservação da coisa depositada; adverte, no entanto, que a distinção não pode ser levada demasiado longe, porque “se o advogado perdeu a acção, porque negligentemente perdeu um prazo ou deixou extraviar documentos, é evidente que não há cumprimento das obrigações assumidas, porque estas se encontram sujeitas, como todas as demais, ao dever geral de diligência (artigo 762.º, n.º 2)”[5].
Naquelas situações em que o advogado omite a prática de acto que é condição, senão do vencimento da acção, pelo menos, da apreciação do seu mérito (sem o que não pode haver ganho de causa, como é óbvio), como, por exemplo, instaurar a acção, contestá-la, arrolar prova, recorrer ou alegar, deixando precludir o direito de o praticar, por via do esgotamento do prazo, pode falar-se em verdadeira obrigação de resultado (a obrigação de propor a acção ou de apresentar a peça processual devida), cujo incumprimento desencadeia directamente a responsabilidade civil perante o cliente.
De acordo com o disposto no artigo 798.º do CC, aplicável à responsabilidade contratual, como acima se disse, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, sendo que a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigos 799.º e 487.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Os pressupostos da obrigação de indemnizar não diferem dos previstos para a responsabilidade extracontratual, reduzindo-se a quatro, conforme o preceituado no n.º 1 do artigo 483.º do CC: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume II, 5.ª edição, páginas 93 e seguintes).

No entender da sentença recorrida, não existiria, sequer, facto ilícito, por se não ter provado que o réu tivesse incumprido o contrato de mandato; muito resumidamente, é esta a argumentação:
O advogado dispõe de uma grande margem de discricionaridade técnica, não estando estritamente sujeito às instruções do mandante. Perder uma acção não constitui forçosamente erro de ofício, sendo, antes, necessário que se tenha agido com ignorância, inépcia ou negligência. Antes de tudo, competia às autoras provar que solicitaram ao réu que interpusesse recurso da decisão do tribunal de 1.ª instância, que não reconheceu os seus reclamados créditos, pois só daí se poderia concluir pelo incumprimento do mandato. Mas competia-lhes provar, igualmente, que eram titulares dos créditos reclamados, ou seja, que eram trabalhadoras da reclamada M...., SA, o que não sucedeu. O que, efectivamente, se provou foi que eram trabalhadoras de duas outras empresas, contra as quais, aliás, intentaram procedimento cautelar de suspensão e posterior acção de impugnação de despedimento. Nesse enquadramento, foi acertada a decisão do réu de não apresentar alegações de recurso, até porque isso poderia fazer incorrer as autoras em litigância de má fé.
Mas não se afigura que esta seja a boa doutrina. Sendo verdade, como consta da sentença, que a prova do facto ilícito do não cumprimento cabe ao credor[6], não o é menos que o quadro factual assente é perfeitamente explícito a tal respeito.
O réu, ora recorrido, foi mandatado pelas recorrentes para reclamar da falida M.... o pagamento de créditos laborais a que se achavam com direito. Na execução do mandato forense cabia-lhe, não só, instaurar os pertinentes processos, mas, também, acompanhá-los, satisfazendo o primacial interesse das suas representadas, que era o de receber os valores compreendidos na reclamação; claro que acompanhar um processo pressupõe a prática dos actos que, conforme a respectiva fase, estejam processualmente previstos, nomeadamente, reclamar dos factos assentes e da base instrutória, arrolar prova, intervir no julgamento, interpor recurso e apresentar as respectivas alegações.   
A questão é, no fundo, muito simples: o recorrido tinha a prerrogativa de decidir por si a interposição e sustentação do recurso? Podia deixar de auscultar os clientes quanto a tal matéria?
Crê-se que não. Em questões de importância vital, em que é a própria sorte da acção que está em jogo, assiste ao cliente o direito de ser informado sobre as perspectivas que se abrem e de conhecer os meios que, porventura, melhor possam defender os seus interesses; será uma forma, até, de o co-responsabilizar (fora do aspecto meramente técnico, como é evidente) numa tomada de posição eventualmente discutível e, quiçá, penalizadora.
Têm, pois, absoluta razão as recorrentes quando dizem, a determinado passo das suas alegações, que “todos estes actos (leia-se, propor acção, indicar provas, participar na audiência de discussão e julgamento, reclamar, interpor recurso da decisão, apresentar alegações de recurso) cabem exclusivamente às partes e, portanto, fazem parte do conteúdo do contrato de mandato forense”.
Só assim, e com o respeito devido por posição adversa, se cumpre o dever de zelo exigível do mandatário.
Zelo é elucidar o mandante, dar-lhe conta do que a lei lhe faculta para proteger os seus interesses e seguir as suas instruções, desde que não sejam ilegais nem colidam com princípios éticos ou deontológicos da profissão (caso em que poderá, obviamente, o mandatário renunciar justificadamente ao mandato).
Não são, pois, as partes que têm de exigir ao mandatário a prática de determinado acto compreendido no mandato, ao invés do que se decidiu na sentença impugnada; conferido o mandato com determinado objectivo, cumpre ao mandatário levar a missão até ao fim, usando, para tanto, da diligência que um bom pai de família não teria dispensado.
É manifesto, no caso, que o recorrido não agiu de acordo com os ditames da sua profissão; tendo sido notificado da sentença que não reconheceu os créditos reclamados, interpôs recurso, mas escusou-se a apresentar alegações (condição “sine qua non” para que a questão fosse reapreciada pela instância superior, consoante o disposto no artigo 690.º do Código de Processo Civil, na redacção vigente ao tempo), sem, todavia, auscultar previamente as mandantes sobre se era essa a sua vontade.
Com efeito, resulta claro da matéria de facto assente (ponto 31) que só depois de o Tribunal da Relação ter decidido o recurso interposto da sentença de reclamação de créditos pelos trabalhadores representados por outro ilustre advogado é que o recorrido reuniu com as mandantes e com representantes do sindicato e lhes referiu que não alegara no mesmo processo, porque isso poderia ser considerado má fé, tendo em conta os procedimentos cautelares e as acções intentadas contra duas empresas diversas da falida.
Duplo erro palmar; o recorrido não sustentou o recurso no prazo legal (que estava ganho à partida, como melhor se dirá adiante), nem deu aos seus clientes a oportunidade de contrariar as suas pretensas razões para o deixar cair, ao contrário do que faria, com toda a certeza, um mandatário diligente e preocupado com a defesa dos interesses que lhe haviam sido confiados.
A omissão do dever de zelo patenteia-se em toda a sua exuberância.

Argumentar, como se argumenta na sentença, que as recorrentes não provaram ser titulares dos créditos reclamados no processo de falência é ignorar a realidade processual subjacente. As reclamações não foram impugnadas, pelo que os créditos não podiam deixar de ser reconhecidos, ao abrigo do preceituado no n.º 4 do artigo 196.º do CPEREF.
Simples e liminar; equivocou-se a sentença de primeira instância proferida no apenso de reclamação de créditos, quando julgou improcedentes as pretensões das reclamantes, com base na informação do liquidatário judicial de que as mesmas estariam ao serviço de outras sociedades, equivocou-se o recorrido ao deixar de apresentar as alegações de recurso, que conduziriam ao ganho de causa, e equivocou-se, agora, a sentença sob recurso ao perfilhar a posição idêntica (apesar de, aponte-se a estranheza, se encontrar no processo certidão do acórdão desta Relação que revogou a falada sentença de reclamação de créditos, sob recurso de reclamantes que se encontravam na mesma situação das ora recorrentes).
Anote-se, já agora, como mais um momento de estranheza, a inconsequência da tese do recorrido, plasmada na contestação e aceite sem reparos na sentença apelada, de lobrigar má fé na sustentação do recurso interposto da sentença de reclamação de créditos, quando é seu todo o trabalho respeitante à condução dos interesses das ora recorrentes: propositura dos procedimentos cautelares de suspensão de despedimento, instauração das acções definitivas e apresentação das reclamações de créditos no processo de falência.
Quando se aprestou a reclamar créditos no processo de falência não conhecia já os antecedentes? Porque não alertou, então, as reclamantes para a eventualidade de serem consideradas litigantes de má fé? Aí é que faria sentido. O apelo à figura depois da omissão do acto que lhe cabia praticar não passa, manifestamente, de uma tentativa de justificação do erro de ofício.
Em conclusão, o recorrido incumpriu a sua obrigação, como mandatário, de apresentar as alegações de recurso em processo que lhe foi confiado.
O facto ilícito existe e a culpa, também; desde logo, evidentemente, por não ter sido arredada a presunção derivada do n.º 1 do artigo 799.º do CC; mas, igualmente, e de forma positiva, por estar suficientemente demonstrada a falta de diligência no exercício do assumido patrocínio.

Na óptica da sentença, não se teria provado a existência de danos (patrimoniais ou não patrimoniais), nem, a existirem, o nexo de causalidade entre o pretenso facto ilícito e os danos. No que toca aos danos, porque, por um lado, não foram alegados os fundamentos dos créditos laborais invocados, mormente salários, subsídios de férias ou outros (danos patrimoniais) e, por outro, as simples frustrações e angústias não merecem, por si sós, a tutela do direito (danos não patrimoniais); quanto ao nexo de causalidade, porque as autoras não provaram estar em situação idêntica à dos trabalhadores que viram reconhecidos os seus créditos por este tribunal da Relação, ficando, antes, assente que trabalhavam para outras empresas, pelo que não seria possível concluir que, caso tivessem sido apresentadas alegações de recurso, o resultado lhes fosse favorável.
Em relação aos danos de natureza não patrimonial, cuja ressarcibilidade parece, hoje, indiscutida[7], a questão está ultrapassada, por via da falta de impugnação desse segmento da decisão. A alegação das recorrentes é completamente omissa a este respeito, o que obsta à reapreciação do julgado, nos termos do artigo 690.º do CPC (ónus de alegar e formular conclusões)
Quanto ao mais, continua a persistir o equívoco da decisão. O dano existe e coincide com os créditos reclamados pelas ora recorrentes, como se assinalou nas alegações de recurso, que não poderiam deixar de ser reconhecidos, dada a ausência da respectiva impugnação.
Não fora a omissão do recorrido e as recorrentes teriam visto ser-lhes reconhecido, como sucedeu com os demais reclamantes que cumpriram o ónus de alegar e formular conclusões, o direito a haver da falida os créditos reclamados. É esse o prejuízo efectivo, à luz do princípio geral da reconstituição da situação que existiria, se não se tivesse verificado o facto danoso (artigo 562.º do CC).
Não se compreende, aliás, a lógica da afirmação de se não ter provado o dano, quando as recorrentes perderam uma acção que teriam ganho se o recorrido tivesse cumprido a obrigação resultante do patrocínio.
O que será discutível é a quantificação do pedido, mas disso se tratará mais à frente.

Danos indemnizáveis são, apenas, aqueles que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563.º do CC). É a consagração da teoria da causalidade adequada, que comporta, como se sabe, duas variantes: uma formulação positiva, mais restritiva, segundo a qual o facto será causa adequada do dano, sempre que este constitua uma consequência normal ou típica daquele, ou seja, sempre que, verificado o facto, se possa prever o dano como uma consequência natural ou como um efeito provável dessa verificação, e uma formulação negativa, mais ampla, de acordo com a qual o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto (Antunes Varela, obra citada, volume I, páginas 888/889).
A formulação geralmente aceite como correspondendo à previsão do referido artigo 563.º é a negativa, a mais ampla das duas (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, páginas 578/579, Antunes Varela, ob. cit., volume I, páginas 890 e seguintes, e acórdãos do STJ, de 27.05.2003, acima referido, e de 11.05.2000, 18.05.2006, 20.06.2006 e 24.05.2007 – BMJ 497, página 350 e CJ de Acórdãos do Supremo, Ano XIV, Tomo II, páginas 95 e 119, e Ano XV, Tomo II, página 82, respectivamente).
Sob este prisma, a falta de apresentação de alegações na reclamação de créditos em questão só não seria causa adequada da perda da acção e consequente prejuízo das ora recorrentes se fosse completamente indiferente para a sua verificação, ou seja, se tivessem ocorrido circunstâncias anómalas que o tivessem determinado.
O que não é, seguramente, o caso, pois que, a ter sido sustentado o recurso, era previsível a revogação da decisão de 1.ª instância, por via, mormente, do disposto no n.º 4 do artigo 196.º do CPEREF, com o reconhecimento e subsequente graduação dos créditos reclamados, como aconteceu, recorde-se, com os dos trabalhadores que, achando-se na mesma situação das ora recorrentes, levaram o recurso até ao fim e lograram ver confirmadas pela Relação as suas pretensões.
De resto, e como se decidiu no mencionado acórdão do STJ de 27.05.2003, que contempla um caso muito similar a este, era ao recorrido que cabia demonstrar a verificação de circunstâncias extraordinárias que tivessem intercedido no caso concreto, de harmonia com o preceituado no n.º 2 do artigo 342.º do CC.
E concluindo, como aí se conclui, (…) a conduta omissiva, quanto mais não seja, presumida negligente, do mandatário teve por consequência o trânsito em julgado de sentença de graduação de créditos menos feliz, de que impediu o reexame, tornando irreversível o (presumível) descuido (ou, assim não sendo, erro) de que, de flagrante modo, enferma”.
   Incorrecta é, pois, a ilação extraída pela sentença apelada de não ser possível concluir que os créditos reclamados merecessem o reconhecimento do Tribunal da Relação de Coimbra, caso tivessem sido apresentadas as alegações, e de, nessa medida, ter ficado por demonstrar que a falta de reconhecimento se tivesse ficado a dever a conduta profissional negligente do recorrido.

Passando, finalmente, à quantificação do pedido, parece evidente que o valor a considerar haverá de ter por medida aquilo que as recorrentes viessem a obter no processo de falência da M...., SA.
Na sua tese, esse valor é o da globalidade das reclamações de créditos, que é como quem diz, € 129.529,90, por haver na massa falida fundos monetários bastantes para pagar tais importâncias.
Ora, o que resultou provado foi, unicamente, que alguns trabalhadores da M.... receberam os seus créditos (ponto 39 da matéria de facto assente, resultante da resposta conjunta aos quesitos 9.º e 10.º).
Donde, a conclusão de existirem fundos na massa falida, apesar de não necessariamente em volume bastante para pagar a totalidade dos créditos reclamados, e de as recorrentes alguma coisa, senão tudo, haverem de receber, por beneficiarem de privilégio igual ao daqueles credores-trabalhadores.
Se não houver elementos para fixar a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado (n.º 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil).
Caberá, pois, às recorrentes liquidar em incidente próprio (artigos 378.º e seguintes do mesmo diploma) o valor dos danos, que corresponderão ao que viriam a receber da massa falida de M...., SA se os seus créditos houvessem sido reconhecidos e graduados, mas sempre com o limite máximo do pedido formulado, ou seja, € 129.529,90.
No caso de os valores apurados serem inferiores aos peticionados, serão rateados pelas autoras na proporção dos respectivos pedidos.
A responsabilidade pelo pagamento cabe à recorrida L.... até ao valor do capital seguro (ponto 7 dos factos assentes) e, no excedente, se o houver, ao réu K.....


IV. Em síntese:

a) É de natureza contratual a responsabilidade civil de advogado, derivada do incumprimento do mandato judicial;
b) Incumpre o mandato judicial o advogado que, assumindo o encargo de patrocinar o cliente em processo de reclamação de créditos, não apresenta alegações relativamente a recurso que interpôs da sentença que julgou a reclamação improcedente, não obstante esta não ter sido contestada;
c) Na responsabilidade contratual, há culpa presumida do incumpridor;
d) Os pressupostos da responsabilidade contratual não diferem dos da responsabilidade extracontratual.
e) O dano resultante da perda culposa de acção judicial, por culpa do mandatário, corresponde ao ganho que o mandante presumivelmente teria na acção.
f) Não havendo elementos para quantificar o dano, haverá que relegar o seu apuramento para posterior liquidação.


V. Decisão:  
 
Por tudo quanto ficou exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, em revogar a sentença recorrida, que se substitui por outra que condena os réus a pagar às autoras a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação, tendo como valor máximo o montante de € 129.529,90, tudo nos termos sobreditos.
As custas da 1.ª instância relativas ao pedido de danos não patrimoniais (€ 20.000,00), que improcedeu e não foi objecto de recurso, ficam a cargo das autoras.
No mais, serão as custas, tanto as do recurso, como as da 1.ª instância, provisoriamente, a meio, deixando-se o rateio definitivo para depois da liquidação. 


[1] O primeiro Estatuto da Ordem dos Advogados foi aprovado pelo decreto-lei n.º 84/84, de 16 de Março, tendo sofrido, posteriormente, diversas alterações; acabou por ser revogado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, que aprovou um novo Estatuto.
[2] Obra citada, página 10.
[3] Obra citada, página 397.
[4] CJ de Acórdãos do Supremo, Ano II, Tomo I, página 63.
[5] Das Obrigações em Geral, volume I, 7.ª edição, página 87, nota 2.
[6] Das Obrigações em Geral, volume II, 5.ª edição, página 100.
[7] Assim decidiram, entre outros, os acórdãos da Relação do Porto, de 04.02.1992 (CJ, Ano XVII, Tomo I, página 232), da Relação de Lisboa, de 19.10.2004 (CJ, Ano XXIX, Tomo 1V, página 115) e do STJ, de 29.04.2003, de 19.06.2008 e de 26.06.2008 (CJ de Acórdãos do Supremo, Ano XI, Tomo II, página 29, e Ano XVI, Tomo II, páginas 118 e 131, respectivamente).