Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3263/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO F. MARTINS
Descritores: INCAPACIDADE TEMPORÁRIA SUPERIOR A DEZOITO MESES
INCAPACIDADE PERMANENTE
Data do Acordão: 01/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 42º, Nº 1, DO DL Nº 143/99, DE 30/04.
Sumário: I – Com a norma do artº 42º do DL nº 143/99, de 30/04 – conversão da incapacidade temporária em permanente decorridos 18 meses consecutivos – procura-se evitar o protelamento excessivo de atribuição de pensões e tem-se em vista salvaguardar os direitos do sinistrado perante demoras excessivas no seu tratamento, tendo como consequência que o sinistrado passa a ter direito a pensão por IPA .
II – O facto de a conduta da seguradora não ter participado o sinistro em que a incapacidade temporária já ultrapassava 12 meses poder configurar contra-ordenação e, por isso, poder ser sancionada com coima, não pode significar que a conduta violadora daquela norma não tenha para ela, seguradora, outras repercussões, nomeadamente se foram afectados direitos do trabalhador, que não são reparados, nem o podiam ser, pela aplicação de uma coima .
Decisão Texto Integral: 1

Acordam, em conferência, os Juizes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:
I- RELATÓRIO
1. A..., patrocinada pelo Ministério Público, instaurou contra Companhia de Seguros B... e C... a presente acção especial emergente de acidente de trabalho (Proc. nº 250/03.8TTTMR da Secção Única do Tribunal de Trabalho de Tomar) , com base em acidente de trabalho por si sofrido, ao serviço da 2ª R., no dia 07.12.2000, pedindo a condenação das RR a pagar-lhe:
- A 1ª Ré (seguradora): o capital de remissão de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 273,62, devida desde o dia imediato ao da alta; a pensão provisória anual de € 547,23 no período compreendido entre 09.06.02 a 18.03.03; a indemnização de € 12,47 relativa a despesas de transporte e os juros de mora legais até integral pagamento;
- A 2ª ré (entidade patronal): o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 11,61, devida desde o dia imediato ao da alta; a pensão provisória anual de € 23,24 no período compreendido entre 09.06.02 a 18.03.03; a indemnização de € 216,45 relativa a diferença de IT’s nos períodos de incapacidade temporária e os juros de mora legais até integral pagamento.
A título subsidiário pede a A as mesmas prestações globais, repartidas pelas RR. na proporção correspondente à quota-parte de responsabilidade que vier a ser apurada em julgamento.
Contestou a R. seguradora, não aceitando a incapacidade pretendida de 10% nem o valor da pensão provisória fixado nesse pressuposto, bem como só aceitando a parte proporcional que lhe pertença.
Embora regularmente citada a 2ª R. não contestou.
Procedeu-se à elaboração do despacho saneador, fixação da matéria de facto assente e elaboração da base instrutória, sem reclamação.
2. Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio, após julgamento e decisão da matéria de facto, a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou as RR a pagar à A os seguintes montantes:
“A) 12,47 € (doze euros e, quarenta e sete cêntimos) a título de transportes ao tribunal, na respectiva proporção;
B) O capital de remição correspondente à pensão devida desde 19/03/03 (dia seguinte ao da alta), no montante de 285,23 € (duzentos e oitenta e cinco euros e, vinte e três cêntimos), sendo 273,62 € (duzentos e setenta e três euros e, sessenta e dois cêntimos) da responsabilidade da seguradora e, 11,61 € (onze euros e, sessenta e um cêntimo), da responsabilidade da R. entidade patronal;
C) Mais se condena a R. entidade patronal a pagar à A. a título de indemnização por incapacidades temporárias a quantia de 236,38 € (duzentos e trinta e seis euros e, trinta e oito cêntimos);
D) Dos juros de mora à taxa legal (7% até ao dia 30.04.2003 e 4% a partir do dia 01.05.2003) sobre as quantias vencidas e atrás referidas e, por isso em atraso, nos termos do art. 135.º do Código de Processo Trabalho”.
Mais se decidiu naquela sentença absolver a seguradora e a R. entidade patronal do pagamento da pensão provisória no período compreendido entre o dia 09.06.02 até à data da alta – 18.03.03.
3. É desta decisão que, inconformada, a A. vem apelar.
Alegando, conclui:
I - O acidente de trabalho a que os presentes autos se reportam, ocorrido no dia 07.12.2000, só foi participado a Tribunal pela seguradora no dia 26.03.2003;
II - A seguradora que, nos termos do art. 18 Dec. Lei 143/99 devia ter participado e não participou o acidente, no prazo de oito dias, após a incapacidade temporária ter ultrapassado os 12 meses, fê-lo decorridos mais de dois anos;
III - Obviando a que a sinistrada fosse submetida a qualquer exame de reavaliação da incapacidade pelo tribunal, após completar 18 meses de incapacidade temporária e que funcionasse o mecanismo da conversão da incapacidade temporária em incapacidade permanente;
IV - Nestas circunstâncias, afigura-se irrelevante que a sinistrada tenha sido submetida a exame pelo perito médico do tribunal, no dia 02.12.03, quando já tinha sido dada como curada pela seguradora, em 18.03.2003, data da alta;
V - Assim por força do disposto no art. 42° do D. L. 143 / 99, de 30/04, a incapacidade temporária de 10 % que afectava a sinistrada, quando completou 18 meses, deve converter-se em IPP de 10 % , a partir de 09/06/02 até à data da alta 18/03/03, (Ac. da Rel. Coimbra de 16/11/95, C. J. — T. V - fols. 85 a 86 e Ac. da Rel. Porto de 22/11/04, CJ n°178, — T. V— fls. 226 a 228);
VI - Neste se conclui pela condenação da seguradora pelo facto de não ter participado o acidente de trabalho nos termos do n.º 3 do art. 18° do Dec. Lei 143/99, no prazo de oito dias, após a incapacidade temporária ter ultrapassado os 12 meses (não permitindo, desta forma, o recurso ao mecanismo previsto no art. 42 ° RLAT), sem afastar a contra ordenação, punível com coima nos termos previstos pelo art. 67º n. 2 do Dec. Lei 143/99 de 30 de Abril;
VII - Tendo a sinistrada direito, neste período, à pensão anual de 570,47 euros;
VIII - Sem conceder, a não ser assim, sempre teriam de ser calculadas as indemnizações devidas no período de incapacidade temporária, correspondentes ao período de incapacidade temporária, em obediência ao disposto pelo art. 26º n° 1, da Lei 100 /97 de 13/09: “As indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial serão calculadas com base na retribuição diária ou na trigésima parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quando esta representar a retribuição normalmente recebida pelo sinistrado.”;
IX - Acrescidas dos proporcionais dos subsídios de férias e de Natal estabelecidos pelo art. 43 n° 3, do Dec. Lei 143 /99 de 30/04;
X - A sinistrada sofreu, como consequência directa e necessária, os seguintes períodos de incapacidade temporária para o trabalho: I. T. A. desde 08/12/00 até 02/09/01; 22/08/02 até 27/10/02, 11/12/02 até 17/12/02;
I. T. P. 20% : desde 03/09/01 até 18/12/01; I. T. P. 10%: desde 19/12/01 até
21/08/02 e desde 18/12/02 até 18/03/03;
XI - Calculando-se as indemnizações por diferenças de IT’s, em € 249, 19 (€ 6.361,01 - 6.111,82): € 530,38 + € 65,84 = € 596,22 : 30 = € 19,874
ITA x 70% = € 13,911 x 343dias = € 4 77175,
ITP 20% x € 13,911 = € 2,782 x 107dias = € 297,71;
ITP 10% x € 13,911 = € 1,391 x 338dias = € 470,22
Proporcionais:
€ 530,38 x 2 = € 1 060,76
ITA x 70% = € 742,53 x 343/360dias = € 707,47;
ITP 20% x € 742,53 = € 148,506 x 107/360dias = € 44,14
ITP 10% x € 742,53 = € 74,253 x 338/360dias = € 69,72
XII- Assim, além dos atribuídos na douta sentença recorrida : € 236,38 a cargo da entidade patronal, para perfazer € 249,11, subsistirão em diferença € 12,81 devidos à sinistrada e a serem-lhe fixados e pagos pela responsável seguradora conforme impõe o art. 17º da Lei 100/97 de 13/09;
XIII - Ao não entender assim violou o M ° Juiz, por erro de interpretação o disposto pelo art. 26. nºs 1 e 3, da Lei 100/97 de 13/09 bem como o disposto pelos artºs 42° e 43°, ambos do Dec. Lei 143/99 de 30/04;
XIV - Termos em que deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, nos termos do art. 42º do D.L. 143 / 99, de 30/04, converta a incapacidade temporária de 10 % que afectava a sinistrada quando completou18 meses, em I.P.P. de 10% a partir de 09/06/02 e até à data da alta,18/03/03;
XV- Tendo a sinistrada direito, neste período, a receber a pensão anual de € 570,47; sendo € 547,23 da seguradora e € 23,24 da entidade patronal também Ré, C...;
XVI - Ou, se assim não for entendido, operando o cálculo das indemnizações relativas aos citados períodos de incapacidade temporária, lhe atribua um total de € 6 361,01, fixe em € 12,81, o valor a pagar pela responsável seguradora, considerando os € 6.111,82 já pagos.
4. As RR. não contra-alegaram.
5. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
Da factualidade assente e do despacho de fls. 134, que decidiu a matéria de facto, e do qual não houve reclamações, é a seguinte a factualidade provada:
1. A A. foi admitida ao serviço da 2.ª R. no dia 15.08.2000, trabalhando sob as suas ordens e direcção como pasteleira de 1.ª;
2. No dia 07.12.2000, cerca das 17H00, nas instalações da firma no Paço da Comenda n.º 92, Tomar, ao deslocar-se, escorregou no pavimento e fracturou a perna esquerda e, em razão desse embate sofreu fractura da tíbia e do perónio da referida perna;
3. Como consequência directa e necessária, a A. sofreu os seguintes períodos de incapacidade temporária para o trabalho: ITA desde 08.12.2000 até 02.09.2001; ITP de 20% desde 03.09.2001 até 18.12.2001; ITP de 10% desde 18.12.2001 até 08.06.2002 data essa em que a autora completou 18 meses de incapacidade temporária;
4. A A. manteve-se com incapacidade temporária até 18.03.2003, data da alta, em que pela seguradora foi considerada curada das mencionadas lesões;
5. A 2.ª R. celebrou com a R. seguradora um contrato de seguro de acidentes de trabalho dos seus trabalhadores titulado pela apólice n.º 20/5.269.570 que, garante a responsabilidade pelo salário de 530,38 € x 14 meses + 35,66 € de subsídio de alimentação x 11 meses, num total anual de 7.817,58 €;
6. À data do acidente a autora tinha direito ao salário de 530,38 € x 14 meses + 65,84 € de subsídio de alimentação x 11 meses, uma vez que a autora não tomava as refeições no local de trabalho, tudo perfazendo o total anual de 8.149,56 €;
7. A A. nasceu no dia 07.12.1956;
8. Contemplando incapacidades temporárias, a seguradora pagou à A. 6.111,82 €;
9. A autora despendeu a quantia de 12,47 € em deslocações obrigatórias para comparência a diligências neste processo;
10. A A. apresenta sequelas dos ferimentos sofridos no acidente de trabalho dos autos;
11. Devido às sequelas que a A. apresenta, a mesma sofre de uma IPP de 5%;
12. A A. apresenta como sequelas, dores residuais.
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2. De direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil (Adiante designado abreviadamente de CPC)..
Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver são duas e podem equacionar-se da seguinte forma:
a) No caso de a seguradora não ter participado ao tribunal a incapacidade temporária, no momento devido e, quando efectua a participação do acidente de trabalho, a situação já não é de incapacidade temporária, mas de incapacidade permanente parcial, é de converter ou não em incapacidade permanente a incapacidade parcial que se verificava quando “decorridos 18 meses consecutivos” ?
b) Existiu erro no cálculo da indemnização por incapacidades temporárias, sendo devidos à sinistrada mais € 12,81, a tal titulo, a cargo da seguradora ?
Desde já se adverte que esta segunda questão só é de equacionar e resolver no caso de a resposta à primeira ser negativa, ou seja, no caso de a pretensão da A recorrente não lograr provimento, tal como aliás decorre das conclusões das alegações.
Vejamos pois.
a) Conversão da incapacidade temporária em incapacidade permanente, decorridos 18 meses consecutivos daquela
O núcleo essencial desta questão está, como se assinalou na sentença objecto de recurso, na interpretação a dar ao art. 42º nº 1 do DL 143/99 de 30.04 (Diploma legal a que pertencerão os preceitos a seguir citados sem qualquer outra indicação.) , quando dispõe:
“1 – A incapacidade temporária converte-se em permanente decorridos 18 meses consecutivos, devendo o perito médico do tribunal reavaliar o respectivo grau de incapacidade”.
O preceito ora em causa tem redacção similar à constante da anterior legislação nesta matéria (Não há dúvidas, nem se colocam nos autos, sobre o facto de ser o DL 143/99 a legislação aplicável, considerando a data do acidente, 07.12.2000, e o disposto no art. 71º nº 1 deste último diploma legal, na redacção dada pelo art. 1º do DL 382-A/99 de 22.09.) , concretamente o art. 48º nº 1 do DL 360/71 de 21.08, com a diferença de onde neste se dizia “devendo o perito médico do tribunal fixar o respectivo grau” da incapacidade, hoje estatui-se “devendo o perito medico do tribunal reavaliar o respectivo grau de incapacidade” (os itálicos são obviamente da nossa autoria e servem para vincar a diferença de redacção dos dois preceitos, embora para o caso que nos ocupa não seja relevante, cremos).
Sobre a razão de ser desta última norma era expresso o preâmbulo do diploma em causa quando no nº 7 do mesmo se dizia:
“ Fazendo considerar como permanentes as incapacidades temporárias que ultrapassam dezoito meses e fixar nesse momento o grau de desvalorização, procura-se evitar o protelamento excessivo da atribuição das pensões em consequência da dilatação do tratamento do sinistrado.”
No mesmo sentido tem sido a interpretação jurisprudencial, de que é ilustrativo o Ac. da Relação de Lisboa de 23.02.2005 (Publicado na C.J., Ano XXX, tomo I, págs. 158 e segs, estando a parte transcrita na pág. 159.) , quando afirma:
“Com a norma do artigo 42º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30/04 – conversão da incapacidade temporária em permanente decorridos 18 meses consecutivos – procura-se evitar o protelamento excessivo de atribuição de pensões e tem-se em vista salvaguardar os direitos do sinistrado perante demoras excessivas no seu tratamento, tendo como consequência que o sinistrado passa a ter direito a pensão por IPA”.
Tendo presentes estas asserções, debrucemo-nos agora sobre o caso concreto.
O acidente em causa nos autos ocorreu no dia 07.12.2000 e a seguradora apenas o participou ao tribunal em 26.03.2003, quando o devia ter participado nos oito dias seguintes a 08.12.2001, já que até esta última data a sinistrada esteve sempre afectada de incapacidade temporária e isto considerando o disposto no art. 18º nº 3.
Poderia pensar-se, como parece ser o raciocínio subjacente à sentença recorrida, que por esse incumprimento de comunicação no prazo assinalado a seguradora pode ser sancionada com coima, já que a omissão daquela participação em tal prazo configura uma contra-ordenação, “ex vi” art. 67º nº 2, não havendo assim fundamento para, hoje, “ficcionar” uma incapacidade permanente, quando se sabe pelos dados da realidade que a sinistrada está clinicamente curada, pois foi-lhe dada alta em 18.03.2003 e a IPP de que ficou afectada é apenas de 5%.
Afigura-se-nos, porém, ressalvado sempre melhor entendimento, que tal raciocínio não é o mais conforme ao ordenamento jurídico, na sua globalidade, e até à própria “ratio” do art. 42º nº 1 em causa.
Desde logo, o facto de a conduta da seguradora não ter participado o sinistro em que a incapacidade temporária já ultrapassava 12 meses poder configurar contra-ordenação e, por isso, poder ser sancionada com coima, não pode significar que a conduta violadora daquela norma não tenha para ela, seguradora, outras repercussões, nomeadamente se foram afectados direitos do trabalhador, que não são reparados, nem o podiam ser, pela aplicação de uma coima.
Aliás, basta ter presente o que dispunha o art. 5º do Regime Geral das Contra-Ordenações Laborais, aprovado pelo art. 1º da Lei 116/99 de 04.98, como o que actualmente se prevê no art. 618º do Código do Trabalho (Aprovado pelo DL 480/99 de 09.11 e adiante designado abreviadamente de CT) , ao estatuir-se que o pagamento da coima não dispensa o infractor do cumprimento do dever omitido, se este ainda for possível, para se poder concluir, sem grande risco de erro, que uma determinada conduta pode acarretar a violação de uma disposição legal e ser por isso sancionada com uma coima mas também afectar direitos individuais de terceiros, que têm outra protecção legal.
Por outro lado, dizer-se, como se faz na sentença recorrida, que a realidade da cura clínica tem de se sobrepor à ficção legal do art. 42º porque “não se tendo feito accionar em tempo útil o mecanismo da conversão da incapacidade temporária em incapacidade permanente, o efeito jurídico pretendido alcançar pela norma – evitar o protelamento excessivo no pagamento da pensão – acabou por concretizar-se “, parece-nos não atentar devidamente à “ratio” da norma em causa e configurar uma forma de interpretação que acaba por premiar o infractor.
Em primeiro lugar é de fazer notar que o mecanismo da conversão da incapacidade temporária em incapacidade permanente só não foi accionado em tempo útil precisamente porque a seguradora, que era quem tinha especial obrigação de o accionar, não o fez.
Ora, como bem se diz no Ac. da Relação do Porto de 22.11.04 (Publicado na C.J., Ano XXIX, tomo V, pág. 227) , citado nas alegações da recorrente, “Acontece, porém, que a sinistrada não pode ser penalizada por isso”.
Em segundo lugar, dizer-se que aquilo que a norma visava evitar já ocorreu com a conduta infractora da seguradora e por isso não é de fazer operar a norma, agora, porque entretanto a realidade já é outra, também não é argumento. É que a forma de dar adequado e cabal cumprimento à norma é, mesmo assim, fazer recair sobre a infractora as consequências previstas no normativo em causa, só sendo de atender à realidade actual – cura clínica e IPP de 5% - a partir do momento em que tal seja juridicamente relevante segundo o enquadramento jurídico global.
Ou seja, é de converter a incapacidade temporária de 10% que se verificava em 09.06.02, em incapacidade permanente de 10% até à data da alta, ou cura clínica, que está apurado ser a de 18.03.03, por aplicação do preceituado neste art. 42º nº 1. Porém, a partir do dia seguinte ao da alta, e considerando que foi definido que a sinistrada estava curada e afectada de uma IPP de 5%, é de atender a esta realidade, por ser a existente, e o tribunal ter o dever de a tomar em consideração, aliás em cumprimento do estatuído no art. 663º nº 1 do CPC, nos termos do qual a decisão deve corresponder á situação existente no momento do encerramento da discussão, devendo tomar-se em consideração todos os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção. É aliás neste sentido o fundamento e a decisão do Ac. da Relação do Porto de 22.11.2004, supra citado.
Finalmente, é também de rebater o argumento da decisão recorrida de que a outra solução “descura por completo” a “necessidade (dever) de o perito médico do tribunal reavaliar o respectivo grau de incapacidade”.
É que quem descura por completo essa reavaliação é a seguradora ao ter uma conduta que não permite o procedimento processual adequado a realizar-se tal reavaliação. Porém, a seguradora apenas de si se pode queixar e consequentemente é-lhe bem aplicado o brocardo latino “sibi imputet”.
Assim é de concluir, à luz deste enquadramento normativo e respectiva teleologia, que não pode subsistir o entendimento sustentado pelo tribunal "a quo", procedendo as razões que enformam a reacção da recorrente, devendo condenar-se as RR., em pensão provisória anual no período compreendido entre 09.06.02 a 18.03.03. Considerando ainda o disposto nos artºs 17º nº 1 al. d) e 26º nºs 1 a 4 da Lei 100/97 de 13.09. e a factualidade provada respeitante à retribuição da sinistrada e responsabilidade transferida pelo contrato de seguro (v. nºs 5 e 6 da fundamentação de facto), afigura-se-nos ser de fixar tal pensão provisória anual nos valores indicados pela recorrente.
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b) Indemnização por incapacidades temporárias
Esta questão, como supra se disse, só seria de conhecer caso a resposta à primeira questão fosse negativa, ou seja, no caso de a pretensão da A recorrente não lograr provimento, o que não foi o caso.
Desta conclusão de procedência resulta que o conhecimento da outra questão levantada pela apelante carece de qualquer utilidade, pois estava numa relação de subsidiariedade relativamente àquela primeira.
Em consequência, não deve este Tribunal de recurso pronunciar-se sobre esta questão, que fica prejudicada, sob pena de prática de acto inútil, o que é vedado por lei - cfr. artºs 660 nº 2, 713º nº 2 e 137º, todos do CPC.
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3. Em jeito de conclusão diremos que merece provimento o recurso da apelante pois a interpretação levada a cabo na sentença objecto de impugnação, sobre o art. 42º nº 1 do DL 143/99, não se nos afigura a mais adequada ao espírito da norma em causa.
Já o filósofo e jurista francês Montesquieu dizia: “Não é o corpo das leis que eu procuro mas a sua alma” (Direito, As melhores citações, Colecção Citações Jurídicas, pág. 99.) .
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III- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, delibera-se conceder provimento à apelação e, em consequência, revoga-se a sentença na parte impugnada, condenando-se as RR. a pagar à A. a pensão provisória anual de € 570,47 (quinhentos e setenta euros e quarenta e sete cêntimos), no período compreendido entre 09.06.02 a 18.03.03, sendo € 547,23 (quinhentos e quarenta e sete euros e vinte e três cêntimos) da responsabilidade da R. seguradora e € 23,24 (vinte e três euros e vinte e quatro cêntimos) da responsabilidade da entidade patronal, com juros de mora, conforme peticionado.
Sem custas, nesta instância.
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Coimbra,
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(António F. Martins)
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(Bordalo Lema)
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(Fernandes da Silva)