Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
812/07.4TBAND
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: SERVIDÃO LEGAL
SERVIDÃO VOLUNTÁRIA
CONSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO
Data do Acordão: 09/08/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 547.º;1315.º; 1550.º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 4.º, 2-C) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Consoante o título constitutivo da servidão, distingue-se entre servidões legais (hoc sensu) e servidões voluntárias, caracterizando-se estas como sendo constituídas por negócio jurídico ou acto voluntário e aquelas por serem constituídas coercivamente (artigo 1547º do Código Civil)
2. Não é admissível convolar um pedido de reivindicação de servidão, alegadamente adquirida por usucapião (artigo 1315º do Código Civil) – pedido típico de uma acção declarativa de condenação, a que alude o artigo 4º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil –, num pedido que tem por objecto actividade jurisdicional tendente à constituição da servidão por força do encrave do prédio (artigo 1550º do Código Civil) – pedido típico de uma acção constitutiva, a que alude o artigo 4º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil –, ponderando o princípio do dispositivo, na sua vertente da conformação da instância.
Decisão Texto Integral: . RELATÓRIO

A...., viúva, B....e mulher, C...., D....e mulher, E...., F....e mulher, G...., e H.... e mulher, I...., a primeira residente em Grada, Anadia, e os outros em Aguim, Anadia, intentaram a  presente acção, com forma de processo ordinário, contra J....e mulher, K...., também residentes em Aguim, pedindo que:

a) “seja aos AA reconhecida a violação do seu direito de fruição da passagem constituída pela servidão que onera o prédio dos requeridos”;

b) “e, em conformidade, ser a estes ordenado que”:

- “procedam à imediata retirada, e a expensas suas, do veículo agrícola que colocaram ao longo da servidão de pé e de carro que, partindo das respectivas estremas do prédio dos RR, se estende pelo espaço e com as dimensões necessárias ao acesso a pé e de carro aos imóveis pertença dos requerentes, atento o facto de tal acto causar a estes prejuízo grave e dificilmente reparável, restituindo a passagem à sua forma original”;

- “se abstenham de, a partir desta data, colocar entraves à livre admissão e circulação dos AA na integralidade da servidão de passagem que ora se encontra tapada”;

- “se abstenham de, a partir desta data, impedir que os AA usufruam da passagem constituída no local”;

c) a condenação dos réus a pagar a indemnização “a título de danos não patrimoniais de € 3.000,00 (três mil euros) a cada A., perfazendo o valor global ressarcitório de € 15.000,00 (quinze mil euros), sem prejuízo de outros danos morais e patrimoniais a liquidar em execução de sentença”.

Para fundamentar a sua pretensão invocam que os autores são donos e legítimos proprietários de imóveis rústicos que adquiriram por usucapião, imóveis com os quais confinam os prédios rústicos dos quais os réus são donos, inscritos na matriz sob os arts. 653, 935 e 936; os prédios dos autores estão cercados por imóveis ao longo do respectivo perímetro, sem comunicação com a via pública, sendo o único meio de aceder à via pública e desta para aqueles prédios uma passagem de pé e de carro, que parte das estremas norte, sul e nascente do prédio dos réus, com a largura de cerca de 3 metros ao longo da sua extensão; os autores, há mais de 20 ou 30 anos que acedem aos seus prédios livremente, pelo terreno dos réus; há mais de meio ano os réus colocaram um tractor agrícola que tapou toda a entrada da passagem, obstruindo toda a área que confina com a única passagem para os prédios dos requerentes, causando prejuízos aos autores, que sofreram angústia, arrelias e humilhações constantes, para além de se verem impossibilitados de colher nos seus prédios.

Os réus contestaram, impugnando a factualidade articulada na petição inicial e argumentando, em síntese, que:

Cada um dos prédios identificados como sendo dos autores têm uma situação diversa;

Durante o tempo em que exploravam alguns deles, os respectivos proprietários acediam aos mesmos através de um carreiro a pé, que começava na estrada que liga Aguim a Grada e seguia ao longo da extrema nascente dos prédios pertencentes a …., …. e seguintes, carreiro esse com cerca de 1,5 metros de largura, delimitado de ambos os lados por carreiras de oliveiras e outras árvores adultas, incidindo essa passagem sobre uma franja de terreno que os confinantes de ambos os lados tomavam como sendo uma “res nullius”; essa passagem, dada a sua estreiteza, apenas permitia a passagem a pé, sendo os terrenos cultivados manualmente e com juntas de bois, nunca aí passando carros de bois, nem tractores nem outras máquinas agrícolas; o reboque agrícola a que os autores aludem acha-se estacionado em terreno propriedade dos réus, junto ao limite nascente do carreiro de pé acima referido.

Os autores apresentaram réplica.

Procedeu-se ao saneamento do processo, com despacho a fixar a factualidade assente e base instrutória.

Realizou-se o julgamento e respondeu-se aos quesitos, sem reclamações.

Proferiu-se sentença, que concluiu da seguinte forma:

“Pelo exposto, julga-se a acção apenas parcialmente procedente, condenando-se os réus a proceder à imediata retirada, a expensas suas, do veículo agrícola que colocaram no local de passagem para os prédios dos autores e a abster-se de colocar entraves à livre admissão e circulação de pessoas e carros dos autores por essa passagem, absolvendo-os de tudo o demais que era pedido.

Custas por autores (5/6) e réus (1/6)”.

Não se conformando, as partes recorreram.

Os autores formulam, em síntese, as seguintes conclusões:

“Primeiro. Deu o douto Tribunal enquanto PROVADA a factualidade que emerge dos QUESITOS 1 a 5, 7, 8, 13, 15 e 16 da Base Instrutória, ou seja, que os AA./recorrentes são os legítimos proprietários dos imóveis que agricultam e que a actuação dos RR. não só os humilha e constrange como os impede de obter os dividendos patrimoniais da sua labuta nos citados imóveis ;

Segundo. Mais determina a sentença que a prática dos actos cerceadores dos direitos dos AA. por parte dos RR. impede " ...o exercício do direito de propriedade dos autores sobre os seus prédios (...) arreliando-os e humilhando-os e impossibilitando-os de colher os proveitos que retiravam dos seus prédios";

Terceiro. Não sendo prejuízos por ora materialmente quantificáveis, como sejam os lucros cessantes ou os danos patrimoniais, os danos não patrimoniais resultantes da actuação ilícita dos RR. provocou inequívocamente danos nos AA./recorrentes;(…)

Quinto. A sentença parcialmente recorrida, ao atribuir a capacidade de PROVADOS os Quesitos 1 a 5, 7, 8, 13, 15 e 16 obliterou, na parte decisória, a legitimidade e necessidade de condenação dos RR. no pedido formulado pelos AA., ainda que o mesmo se liquidasse em execução de sentença ;

Sexto.  O art.° 661°, n0 2, do CPCivil permite que o tribunal condene no que se liquidar em execução de sentença se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade da reparação;

Sétimo. Subsiste, no ancorar da ofensa processual invocada, uma clara desconformidade entre os FACTOS PROVADOS, a FUNDAMENTAÇÃO e a decisão operada nos autos, o que se invoca nos termos e para os efeitos consignados nos art.0s 668.0, n.os 1 e 4 e 744.° do CPCivil;

Oitavo. A decisão recorrida violou o disposto nos artips 483.° e 496.° do CCivil e art.° 661.0, n.0 2, do CPCivil,

Nono. pugnando-se por que, na senda de acórdão a proferir pelos Venerandos Juízes Desembargadores no Tribunal da Relação de Coimbra, seja a decisão recorrida parcialmente revogada e substituída por outra que, dando provimento à acção proposta, às alegações de recurso e ao vingar das normas jurídicas violadas, determine a condenação dos RR. no pagamento e/ou prestações patrimoniais e não patrimoniais ainda que a determinar em sede de execução da sentença (…)”.

Os réus formulam, em síntese, as seguintes conclusões:

“1ª - A presente acção intentada pelos AA. configura-se como uma típica acção de reivindicação, tendo como objecto o direito real de servidão por eles invocado, estribada no disposto nos arts. 1311º a 1315º do Código Civil expressamente alegados no artº 52 e na conclusão da petição inicial;

2ª - Nas acções de reivindicação "tout court" importa formular cumulativamente dois pedidos:

a)— O pedido de reconhecimento do direito real violado ou ameaçado; e

b)— A consequente restituição da coisa, ou a remoção dos obstáculos impeditivos do exercício do direito,

3ª- Sendo que o Tribunal não pode condenar o demandado sem previamente declarar a existência ou a constituição do direito que os demandantes pretendem fazer valer.(…)

6ª- No caso "sub judicio", estavam os AA. sujeitos à alegação de factos que satisfizessem três objectivos essenciais:

a)— A prova do seu direito de propriedade sobre os prédios encravados [pedido aparente, e mero pressuposto para legitimação do seguinte];

b)— A prova da existência, ou o pedido de constituição "ex novo", do direito de servidão invocado [pedido principal e momento-chave da resolução do litígio]; e

c)— O pedido de remoção dos obstáculos ao exercício do direito que lhes foi reconhecido [mera consequência da procedência do pedido anterior, face à eficácia "erga omnes" do direito real];

7ª- Sucede que os AA. não mostraram dispor de qualquer titulo constitutivo do direito de servidão invocado,

8ª Nem tão-pouco se mostram provados factos virtualmente relevantes para o reconhecimento ou constituição de tal direito, designadamente:

a)— Não está concretamente identificado e localizado o prédio dos RR., a onerar com o encargo;

b)— Não estão suficientemente identificados e localizados os prédios dos AA., a beneficiar com a utilidade; e

c)— Não está minimamente identificada e delimitada a faixa de terreno do prédio dos RR. sobre a qual houvessem sido praticados os actos possessórios correspondentes ao direito.

9ª - Acresce que, contrariamente ao que vem afirmado, em manifesto lapso na sentença em apreço, os RR. não reconheceram qualquer direito de servidão a incidir sobre o seu prédio, como se extrai do alegado no art. 14º da contestação.

Por outro lado,

10ª- A constituição do direito de servidão por usucapião ao abrigo do disposto no art. 1547 nº 1do Código Civil está dependente da alegação e prova — para além dos demais requisitos genéricos da posse — dos sinais ou vestígios materiais existentes sobre uma faixa de terreno do prédio dos RR. alegadamente afectada ao trânsito para o prédio dos AA., v.g. o solo inculto e compactado, sem qualquer vegetação ou obstáculo ao longo da sua extensão, a existência de relheiras reveladoras do trânsito dos veículos, etc., em cumprimento do disposto no art2 15482 daquele diploma legal; ora,

11ª- Os AA. omitiram em absoluto na petição inicial a alegação de qualquer dos factos referidos na conclusão anterior, não tendo sequer identificado a faixa de terreno a sacrificar com o encargo, ou o prédio a onerar, ou os prédios beneficiários da servidão,

12ª- Inviabilizando "ab initio" a declaração de existência, ou de constituição do direito de servidão por usucapião, que expressamente invocaram; assim,

13ª- A sentença em apreço violou os comandos legais inscritos nos arts. 15472 n2 1 e 15482 do Código Civil ao tomar como certeza apriorística a existência de uma servidão com base na usucapião,

14ª - Como igualmente infringiu o disposto nos arts. 13112 n2 1 e 13152 daquele diploma legal ao ordenar aos RR. a retirada do atrelado de terreno que a estes pertence, sem previamente declarar a existência do direito invocado pelos demandantes, questão principal na resolução do litígio,

pelo que deverá a sentença "sub judicio" ser inteiramente revogada, e os RR. absolvidos dos pedidos formulados(…)”.

Os autores apresentaram resposta.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância deu por provada a seguinte factualidade:

A) O prédio rústico sito em Vale Dentro e inscrito na matriz sob o artigo 641, da “freguesia de Tamengos”, encontra-se na respectiva matriz em nome de Fernando dos Santos.

B) O prédio rústico sito em Vale Dentro e inscrito na matriz sob o artigo 642, da “freguesia de Tamengos”, encontra-se na respectiva matriz em nome de António David de Jesus Simões, Rosa de Jesus Simões e José de Jesus Simões.

C) O prédio rústico sito na Lomba e inscrito na matriz sob o artigo 650, da “freguesia de Tamengos”, encontra-se na respectiva matriz em nome de B....e ……

D) O prédio rústico sito na Lomba e inscrito na matriz sob o artigo 655, da “freguesia de Tamengos”, encontra-se na respectiva matriz em nome de …….

E) O prédio rústico sito na Lomba e inscrito na matriz sob o artigo 663, da “freguesia de Tamengos”, encontra-se na respectiva matriz em nome de G.....

F) O prédio rústico sito na Lomba e inscrito na matriz sob o artigo 662, da “freguesia de Tamengos”, encontra-se na respectiva matriz em nome de …...

G) Os prédios rústicos sitos na Lomba e inscritos nas matrizes sob os artigos 653, 935 e 936, da “freguesia de Tamengos”, encontram-se inscritos nas respectivas matrizes em nome de J…..

Os 1ºs, 2ºs, 3º, 4º e 5º autores, desde há mais de 30 anos que, respectivamente em relação aos prédios A, B e C, D, E e F:

- retiram deles todos os proveitos que bem entendem;

- fazendo nos mesmos culturas, obras e outras intervenções;

- colhendo os respectivos frutos;

- responsabilizando-se pelo pagamento dos respectivos impostos;

- usufruindo dos mesmos sem restrições;

- à vista de toda a gente, de forma pacífica e continuada (resposta aos quesitos 1º a 5º).

Os prédios A a F encontram-se cercados por outros prédios (resposta ao quesito 7º).

Tendo acesso à via pública por uma passagem a pé e de carro que vai dar à estrada que liga Aguim a Grada, passando, pelo menos nos últimos 20 metros, pelo prédio dos réus composto, entre o mais, pelo artigo 653, no limite da sua estrema poente (resposta ao quesito 8º).

Os prédios rústicos A a F destinam-se à agricultura (resposta ao quesito 9º).

Desde há mais de 30 anos, que todos os donos desses prédios têm acedido aos mesmos passando livremente pelo local referido em 8 (resposta ao quesito 10º).

Fazendo entrar e sair veículos de tracção animal e mecânica (resposta ao quesito 11º).

Passagem esta com pelo menos 2,5 m de largura e ao longo de toda a sua extensão (resposta ao quesito 12º).

Os réus há mais de meio ano que procederam à colocação de um tractor agrícola que tapou toda a entrada da passagem referida em 8 (resposta ao quesito 13º).

Com tal situação os autores têm-se sentido arreliados e humilhados (resposta ao quesito 15º).

E impossibilitados de colher os proveitos que retiravam dos seus prédios (resposta ao quesito 16º).

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos apelantes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C.– salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 664 do mesmo diploma .

Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, temos que, no caso dos autos, a apreciação do recurso interposto pelos réus precede logicamente a apreciação do recurso dos autores.

Efectivamente, colocando os autores em causa o segmento da decisão que absolveu os réus do pedido alusivo à indemnização peticionada, só faz sentido o conhecimento desse recurso depois de se apreciar da existência da servidão de passagem, sendo que é nessa parte que entronca a apelação dos réus, que se insurgem contra a decisão, propugnando pela sua revogação.

Assentamos, pois, que se impõe conhecer das seguintes questões:

- das modalidades dos títulos constitutivos de servidão;

- da estrutura da acção: causa de pedir invocada pelos autores e pedidos formulados;

- dos pressupostos da constituição da servidão de passagem em benefício de prédio encravado;

- dos pressupostos do direito de indemnização.

2. Consoante o título constitutivo da servidão, distingue-se entre servidões legais (hoc sensu) e servidões voluntárias, caracterizando-se estas como sendo constituídas por negócio jurídico ou acto voluntário e aquelas por serem constituídas coercivamente [ [1] ] – art. 1547º do Cód. Civil, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem.

No caso dos autos, interessa particularmente abordar a servidão constituída por usucapião, que se caracteriza por ser uma servidão voluntária, e a servidão constituída em função da situação de encrave de um prédio, servidão que é constituída por sentença judicial e, portanto, imposta por via coactiva.

Relativamente à primeira, a que expressamente se reporta o art. 1548º, temos que se impõe que o demandante invoque factos dos quais resulte mostrarem-se verificados todos os pressupostos inerentes à aquisição desse direito real por usucapião, tendo em conta o que dispõem os arts. 1287º e seguintes e 1258º a 1262º. Como se referiu no Ac. desta Relação de Coimbra de 02/10/2007, pretendendo ver declarada a constituição de uma servidão de passagem por usucapião, tem o autor que alegar, além do decurso do tempo, os factos integrados de uma posse pública, pacífica e de boa-fé. E, “no tocante ao animus, elemento intencional da posse, o mesmo presume-se, provada a materialidade dos actos possessórios; todavia o Autor não está dispensado de alegar tal facto” [ [2]  ].

Diferentemente se coloca o demandante quando se arroga o direito de ver constituída uma servidão de passagem a favor do seu prédio, em virtude do encrave deste. Está em causa, então, averiguar dos pressupostos consignados no art. 1550º, considerando-se encravado o prédio que carece de qualquer comunicação com a via pública (encrave absoluto), ou ainda aquele que dispõe de uma comunicação insuficiente para as suas necessidades normais por terreno seu ou alheio (encrave relativo) [ [3] ]. Nestes casos, a servidão constitui-se com a sentença e por força dessa decisão, devendo ainda atender-se à limitação imposta pelo art. 1553º – nos termos do qual a “passagem deve ser concedida através do prédio ou prédios que sofram menor prejuízo, e pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados”–, mediante a fixação de indemnização a favor do proprietário do prédio serviente – art. 1554º.

Na sentença recorrida, depois de se aludir à indefinição dos prédios dos autores e dos réus, a nível de confrontações, áreas ou localização específica em planta topográfica, considerou-se o seguinte:

“Apesar disto, foi possível apurar que os prédios A a F, que são os prédios dos autores, se encontram cercados por outros prédios, tendo acesso à via pública por uma passagem a pé e de carro que vai dar à estrada que liga Aguim a Grada, passando, pelo menos nos últimos 20 m, pelo prédio dos réus no limite da sua estrema poente. E que desde há mais de 30 anos, que todos os donos desses prédios têm acedido aos mesmos passando livremente por essa passagem, com pelo menos 2,5 m de largura e ao longo de toda a sua extensão, fazendo entrar e sair veículos de tracção animal e mecânica.

Ora, isto corresponde à existência de uma servidão de passagem - encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente (art. 1543 do Código Civil) - sobre o prédio dos réus a favor dos prédios dos autores.

Por mais imprecisa que seja tal servidão e por mais que, devido a essa imprecisão, não se possa registar a mesma, nem posteriormente invocá-la, sem mais, contra terceiros, a verdade é que os autores adquiriram, por usucapião (arts. 1287, 1288, 1296 e 1547, todos do Código Civil), uma servidão de passagem sobre o prédio dos réus, pelo menos na parte em que ele lá colocou um obstáculo, servidão que, enquanto e apenas enquanto pressuposto (e por isso simples elemento da causa de pedir – e por isso, também, não fará parte da decisão) da pretensão substancial dos autores – retirada do obstáculo colocado ao acesso aos seus prédios – tem de ser aceite como existente.

Servidão que aliás, os réus reconheciam parcialmente, pois que, como resulta do resumo que se fez acima da posição dos mesmos, eles admitem que uma faixa com 0,75 m do seu terreno estava incluída num carreiro pedonal junto ao limite nascente do seu prédio que servia para acesso ao prédio dos autores [já que a pretensão dos autores metamorfosearia, dizem, esse carreiro de 1,5 m (1/2 = 0, 75 m) numa ocupação de uma tira do seu prédio com 2,25 m de largura => 2,25 + 0,75 m = 3 m...].

Discordamos do raciocínio exposto, que não é consentâneo com a estrutura da acção, nem da defesa, como se verá.  

3. Analisando a petição inicial, temos de concluir que os autores articularam a causa de pedir e o pedido de forma deficiente – quanto ao pedido, remete-se para a formulação indicada supra no relatório.

Em primeiro lugar, pese embora aludam à “constituição do direito de servidão por usucapião” [[4]], remetendo para o disposto nos arts. 1547º e 1287º, a petição inicial é completamente omissa relativamente aos factos pertinentes nessa sede, limitando-se os autores a invocar, no art. 12º da petição inicial, que acediam aos seus prédios, há mais de 20/30 anos, “livremente pelo terreno propriedade dos RR.”. A invocação que é feita na petição inicial relativamente aos actos materiais exercidos sobre a coisa e características da posse reportam-se, exclusivamente, aos prédios que alegadamente lhes pertencem e que invocam ter adquirido por usucapião, e não à servidão de passagem em causa. Aliás, foi essa estrutura de articulação de factos que foi levada, nesses precisos termos, à base instrutória [ [5] ], sem reclamação das partes. Ou seja, no contexto a que supra aludimos, impunha-se que os autores alegassem os factos que evidenciam a aquisição da servidão de passagem por usucapião [ [6] ], o que não fizeram.

Assim sendo, o Sr. juiz não tinha elementos suficientes que lhe permitissem julgar adquirida, por usucapião, a servidão de passagem a favor do prédio dos autores, onerando o prédio dos réus, nem sequer se percebendo as alusões que são feitas na sentença à impossibilidade de se proceder ao “registo” da servidão.

Ou seja, ponderando o pedido formulado nos estritos termos indicados pelos autores, então facilmente se conclui que, para esse pedido, os autores nem sequer alegaram os factos suficientes integradores da respectiva causa de pedir, vício gerador de improcedência do pedido (e não de ineptidão da petição inicial).

                                             *

É possível analisar-se a acção noutra perspectiva, ponderando os demais factos alegados e interpretando de forma diferente a pretensão formulada pelos autores?

O que resulta da petição inicial é que os autores invocam uma situação de encrave absoluto dos seus prédios, fazendo expressa menção ao disposto no art. 1550º e entendendo que, por essa via, foi constituída uma servidão de passagem. Assim, depois de invocarem que os prédios dos autores estão encravados [  [7] ], concluem conforme consta do art. 32º, a saber:

“Logo, tal servidão, constituída enquanto passagem de pé e de carro existente em benefício de prédios dominantes, entre os quais se encontra os pertença dos ora AA, existe enquanto resultado do encrave de tais prédios”.

Paradoxalmente, os autores nunca invocaram que essa servidão se mostra constituída por sentença proferida em qualquer processo judicial, sendo certo que neste processo dão de barato a existência da servidão e, pressupondo que a mesma já foi constituída, limitam-se a pedir que seja “reconhecida a violação do seu direito de fruição da passagem constituída pela servidão que onera o prédio dos requeridos”.

Trata-se de pedido típico de uma acção de reivindicação [ [8] ] – art. 1315º –, com a particularidade resultante do facto de estarmos perante acção tendente a fazer valer a defesa de outro direito real que não o direito de propriedade. Assim, “quanto às servidões, por exemplo, não tem o lesado que pedir qualquer restituição, mas apenas o afastamento dos obstáculos que se opõem ao exercício efectivo do respectivo direito” [ [9]  ]     

Não cremos admissível convolar esta pretensão no sentido de que os autores pretendem que o tribunal declare constituída a favor dos prédios dos autores uma servidão de passagem onerando o prédio dos réus, assim se interpretando o pedido (deficientemente) formulado, ponderando o princípio do dispositivo, na sua vertente da conformação da instância [ [10] ].

Efectivamente, os pedidos formulados pelos autores correspondem, tipicamente, a uma acção declarativa de condenação – art. 4º, nº2, alínea b) do C.P.C. –, quando o que estaria em causa, no rigor dos princípios e relativamente à constituição da servidão por força do encrave do prédio, seria um pedido típico de uma acção constitutiva – art. 4º, nº2, alínea c) do mesmo diploma [ [11]  ].

Por isso os réus apelantes têm razão quando invocam nas alegações de recurso que os demandantes não vieram pedir a constituição do encargo, mas tão somente a declaração da sua existência.

Assim perspectivando a acção, os pedidos formulados também não tinham condições para proceder: quanto à servidão de passagem, não foi pedido que o tribunal a julgue constituída, quanto aos demais, têm como pressuposto base o reconhecimento da existência da servidão de passagem, pressuposto que, como vimos, não pode ter-se como verificado.

Mesmo que assim se não entendesse, admitindo-se que o pedido formulado, nos termos em que o foi, ainda consente actividade jurisdicional em ordem à declaração de constituição da pretendida servidão de passagem, sempre se concluiria que o autor não alegou nem provou os factos necessários e constitutivos do seu direito, como passamos a analisar.

4. Da factualidade assente perpassa, sem qualquer margem para dúvida, uma situação de encrave dos prédios dos autores, prédios que, conforme se referiu na sentença, foram adquiridos por usucapião, mostrando-se verificados todos os pressupostos dessa forma de aquisição originária, embora essa questão não seja o cerne da acção.

Assim, provou-se que os prédios descritos na matriz sob os nºs 641, 642, 650, 655, 662 e 663 (prédios a que aludem as alíneas A a F) encontram-se cercados por outros prédios (resposta ao quesito 7º), tendo acesso à via pública por uma passagem a pé e de carro que vai dar à estrada que liga Aguim a Grada, passando, pelo menos nos últimos 20 metros, pelo prédio dos réus composto, entre o mais, pelo artigo 653, no limite da sua estrema poente (resposta ao quesito 8º).

O ponto é que, exactamente, como os réus alegam, há uma indefinição não só da passagem como dos prédios dos autores e os prédios dos réus.

Vejamos.

Os autores omitem por completo qualquer indicação das características dos seus prédios em termos de áreas e confrontações pelo que se fica sem perceber, em primeiro lugar, se estamos perante prédios que confrontam uns com os outros e, em segundo lugar, qual a posição que, geograficamente, ocupam entre si [  [12] ].

Em segundo lugar, também se desconhece como se relacionam esses prédios com os prédios alegadamente pertencentes aos réus. Efectivamente, o quesito 6º – “O prédio referido em G) confina com as estremas norte, sul e poente dos prédios referidos em A) B), C), D) e F)” ? – mereceu resposta negativa, que nenhuma das partes pôs em causa, não olvidando, ainda, a resposta negativa que o Sr. perito deu às perguntas formuladas pelos autores e em que estes inquiriam se os prédios pertencentes aos autores confinavam com os dos réus.       

Ou seja, o que resulta da factualidade assente é que há um conjunto de prédios rústicos pertencentes, cada um deles, a determinada pessoa (cada um dos autores), cuja localização, em termos relativos, se desconhece, prédios esses que não têm comunicação directa com a via pública, à qual só logram aceder por uma passagem da qual se conhece apenas parte do percurso, exactamente os últimos 20 metros até à estrada (vide as respostas aos quesitos 8º e 12º).

Em segundo lugar, também nada se sabe sobre os prédios dos réus, a não ser que esses 20 metros da passagem se situam, pelo menos, naquele que é identificado pelo art. 653 da matriz, no limite da sua extrema poente – dando como adquirido para o processo que os prédios são dos réus, como se fez na sentença recorrida.

Na decisão recorrida considerou-se que os réus reconheceram parcialmente a existência da servidão, atribuindo, pois, efeitos confessórios à alegação vertida na contestação.

Os réus apelantes insurgem-se contra esta argumentação e não podemos deixar de lhes dar razão. Efectivamente, analisando a defesa apresentada pelos réus, não se vislumbra qualquer confissão da sua parte, parecendo-nos que o Sr. juiz leu no articulado da contestação o que o texto não consente – por essa razão, aliás, não se seguiu acriticamente o “relatório” feito na sentença recorrida.

O que os réus alegaram é simples. Dizem que:

. durante o tempo em que exploravam os prédios inscritos na matriz sob os arts. 655, 662 e 663, 641 e 642, os respectivos proprietários acediam aos mesmos através de um carreiro de pé (art. 8º);

. que começava na estrada que liga Aguim a Grada e seguia ao longo da extrema nascente dos prédios pertencentes a …., …. e seguintes (art. 9º) – refira-se que são terceiros em relação à acção;

. carreiro esse com cerca de 1,5 metros de largura, delimitado de ambos os lados por carreiras de oliveiras e outras árvores adultas (art. 10º)

. e onde nunca passaram – nem poderiam passar dada a sua estreiteza – carros de bois, nem outras máquinas agrícolas (art. 11º);

. pelo que os proprietários dos prédios encravados transitavam para eles a pé e cultivavam-nos manualmente e com juntas de bois, sem qualquer intervenção mecanizada (art. 12º);

. tendo sido essa a razão que os levou a abandonarem a exploração dos terrenos, um após outro, até ao abandono total; assim (art. 13º);

. não corresponde á verdade o que vem alegado em contrário no art. 12º da p.i., sendo que essa passagem incidia sobre uma franja de terreno que os confinantes de ambos os lados tomavam como sendo uma “res nullius” (art. 14º);

Ou seja, os que os réus indicam é que havia um caminho, a pé, cujo leito nem sequer se localizava em qualquer dos seus prédios e que o sítio onde colocaram o tractor não integra esse caminho, situando-se dentro de terreno que lhes pertence e que não está onerado por qualquer servidão. Não se vislumbra, então, qualquer alegação susceptível de integrar confissão, ao contrário do que entendeu o Sr. juiz.

Como se referiu supra, a constituição da servidão obedece, nestes casos, aos princípios a que alude o 1553º, quer quanto à determinação do prédio por onde há-de estabelecer-se a comunicação com a via pública, quer quanto ao lugar e modo de exercício da servidão.

Com os (parcos) elementos que se extraem dos autos, não podemos legitimamente aceitar a constituição de uma servidão de passagem a favor dos prédios dos autores, faltando factos que permitam determinar quais os prédios onerados com a servidão – que não apenas o inscrito na matriz sob o art. 653 – bem como o lugar (menos inconveniente) onde esta deve passar, desconhecendo-se, até, onde se situa o leito da servidão. Saliente-se que a parte conclusiva da decisão recorrida é completamente omissa a esse respeito, pese embora se tenha condenado os réus a retirar o veículo agrícola que colocaram “no local de passagem para o prédio dos autores”, bem como a “abster-se de colocar entraves à livre admissão e circulação de pessoas e carros dos autores por essa passagem”.

Como sugestivamente referem os réus apelantes, a aceitar-se a decisão recorrida, estaríamos colocados “perante a situação absurda e incompreensível de se reconhecer aos AA um segmento de servidão, com pelo menos 20 metros de extensão a contar da estrada Aguim-Grada … a incidir  sobre um não definido prédio dos Réus … e cuja concreta delimitação é desconhecida…”

Refira-se que as incongruências que já eram patentes em face da petição inicial e que se adensaram depois da fase de produção de prova, são reconhecidas na sentença recorrida, pese embora o tribunal a quo não tenha delas retirado as devidas ilações [ [13] ].

Em suma, procede a apelação dos réus, impondo-se revogar a sentença recorrida.

5. Consequentemente, improcede a apelação dos autores: o pedido de indemnização tinha como pressuposto o reconhecimento da pretendida servidão de passagem, pressuposto que não pode ter-se como verificado.

                                             *

                                             *

Conclusões:

1. Consoante o título constitutivo da servidão, distingue-se entre servidões legais (hoc sensu) e servidões voluntárias, caracterizando-se estas como sendo constituídas por negócio jurídico ou acto voluntário e aquelas por serem constituídas coercivamente (art. 1547º do Cód. Civil)

2. Não é admissível convolar um pedido de reivindicação de servidão, alegadamente adquirida por usucapião (art. 1315º do Cód. Civil) – pedido típico de uma acção declarativa de condenação, a que alude o art. 4º, nº2, alínea b) do C.P.C. –, num pedido que tem por objecto actividade jurisdicional tendente à constituição da servidão por força do encrave do prédio (art. 1550º do Cód. Civil) – pedido típico de uma acção constitutiva, a que alude o art. 4º, nº2, alínea c) do C.P.C. –, ponderando o princípio do dispositivo, na sua vertente da conformação da instância.

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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação dos réus e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, absolvendo-se os réus dos pedidos contra si formulados.

Mais acordam em julgar improcedente a apelação dos autores.

Custas, quer em 1ª instância quer nesta Relação, pelos autores.


[1] Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 3ª edição, 2ª reimpressão, Quid Juris Sociedade Editora, p.438.

[2] Proferido no processo nº 361/04 (Relator: Távora Victor), acessível in www.dgsi.pt.

[3] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, p. 637

[4] Trata-se de uma referência perfeitamente isolada, inexistindo nessa peça processual qualquer outra alusão à aquisição da servidão por usucapião.
[5] Atente-se nos seguintes artigos da petição inicial:
12º: E, nessas e respectivas qualidades, desde há mais de vinte ou trinta anos – cfr. art. 1547º e 1287º do CPCivil – constituição do direito de servidão por usucapião –, por si e antepossuidores têm exercido os requerentes actos de posse e fruição plena dos respectivos prédios agora em causa bem como acedido aos mesmos livremente pelo terreno, propriedade dos RR.;
13º: Plantando-os;
14º: Do mesmo colhendo os respectivos frutos;
15º: Usufruindo-os plenamente e sem restrições, agindo como seus possuidores efectivos, que o são;
16º: À vista de toda a gente, de forma pacífica, continuada e publica; (sic)

[6] Depois de se descrever a passagem/caminho/acesso, é frequente a utilização da seguinte fórmula : Os autores sempre utilizaram o mencionado caminho para acederem ao seu prédio, o que fazem há pelo menos (…) anos, de forma continuada, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de que por ali tinham direito de passar.

[7] Atente-se nos seguintes arts. da petição inicial:
24º: Os AA encontram os seus direitos, nomeadamente o direito de servidão entendido nos termos dos arts. 1543º e seguintes – mormente o art. 1550º - todos do CCivil, afectados por acção consciente e voluntária dos RR.. Tanto é assim que,
25º: Os prédios rústicos pertença dos RR encontram-se cercados por imóveis ao longo de todo o respectivo perímetro;
26º: Encravados, sem comunicação directa com a via pública;
27º: Beneficiando, apenas, de uma servidão de pé e de carro (…).

[8] Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, 1981, vol. I, pág.102) refere: “Como já deixámos antever, reúnem-se nas acções de condenação dois juízos: um de apreciação – implícito – e outro de condenação – explícito. O tribunal não pode condenar o eventual infractor sem que antes se certifique da existência e violação do direito do demandante. Simplesmente as duas operações – apreciação e condenação – não gozam de independência”. No mesmo sentido, Oliveira Ascensão (A Acção de Reivindicação, estudo publicado na ROA, 57º, Abril de 1977, p.519) alude que “a vertente condenatória parece prevalecer sobre a declaratória”.
[9] Pires de Lima e Antunes Varela, obra cit., p. 119.
[10] Lebre de Freitas Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, p.128.
[11] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, Reimpressão, vol. I, p.23, referindo que as “acções constitutivas têm por fim autorizar uma mudança na ordem jurídica existente”, alude que na esfera dos direitos reais são numerosos os exemplos de acções constitutivas, dando como exemplo a acção “de constituição de servidão de passagem para prédios encravados”.    
[12] Impressiona, numa acção com esta natureza, a ligeireza com que os autores identificam os prédios: depois de se afirmarem “donos e legítimos proprietários de imóveis rústicos situados nos sítios da Lomba e Vale Dentro, freguesia de Tamengos (art. 1º), circunscrevem a sua alegação ao que resulta das alíneas A) a F) indicadas na factualidade assente.
   

[13] Pode ler-se na sentença:

“A 1ª questão que importa solucionar é a de saber se os autores têm uma servidão de passagem sobre o prédio dos réus, mais precisamente a servidão que identificam no próprio pedido: servidão de pé e de carro que, partindo das respectivas estremas do prédio dos réus, se estende pelo espaço e com as dimensões necessárias ao acesso a pé e de carro aos imóveis pertença dos autores.

Ora, os autores não identificaram materialmente o prédio dos réus, dando-lhe as respectivas confrontações ou áreas, ou localizando-o especificamente numa qualquer planta topográfica.

Por outro lado, diziam que esse prédio era o resultado da soma de três artigos matriciais e provou-se que dois dos artigos matriciais invocados nada tinham a ver com esse prédio, estando a mais de 300 m de distância dele, e o artigo matricial restante tem uma área de 298 m2, quando o prédio em causa, por mais imprecisamente que tenha ficado delimitado, tem mais 3 vezes esse tamanho.

Ainda, os autores não juntaram qualquer certidão predial do prédio dos réus, nem indicaram o respectivo número predial.

Ou seja, o tribunal não sabe as confrontações do prédio do réu, nem a sua área, nem o/s seu/s artigo/s matricial/is, nem o seu número predial (este a existir ... ).

Por outro lado, tudo isto também é assim quanto aos prédios dos autores em relação aos quais o tribunal não pode dizer quais as precisas confrontações, nem entre si, nem com o prédio dos réus, e nem sequer sabe precisamente onde é que localizam.

Pelo que a parte do pedido em que os autores fazem a descrição da servidão tem de improceder, desde logo com reflexos em tudo o que tem que ver com a natureza real de tal direito, isto é, na sua eficácia contra terceiros e no seu registo predial”.