Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3023/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. BELMIRO ANDRADE
Descritores: DESPACHO DE PRONÚNCIA - NULIDADES
Data do Acordão: 10/29/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ART.º S 120º, N.º 3, AL.A), 309º E 310º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário:
As nulidades cometidas no despacho de pronúncia, sendo este recorrível, podem ser invocadas como fundamento do recurso desse despacho, não tendo necessariamente que ser arguidas nos termos do art. 120º, n.º3, al. a) do CPP.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I. RELATÓRIO

Encerrado o Inquérito Preliminar em que foi constituído arguido JOSÉ MANUEL DE C..., melhor id. nos autos, o magistrado do MºPº proferiu despacho final, no qual, por entender que não existiam indícios suficientes que permitissem sustentar em juízo a acusação contra o arguido, nos termos do art. 277º, n.º2 do CPP, determinou o arquivamento doa autos.

Notificada desse despacho MARIA EDITE R..., viúva da vítima (o Inquérito fora aberto na sequência da morte de Benedito dos S..., durante o trabalho, numa pedreira) veio requerer a sua constituição como assistente e a abertura da Instrução.
Efectuadas a inquirição das testemunhas foi realizado o debate instrutório, após o que foi proferido despacho de pronúncia que pronunciou o arguido:
- como autor de um crime de infracção de regras de construção p e p pelas disposições conjugadas dos: arts. 277º, n.1, al. a) e n.º3, e 285º, ambos do C. Penal; arts. 3.º, n.º 1, 2 e 3, art. 4º, n.º1, als. a), b) e c), e n.º2, als. c) e f) do DL 324/95 de 29.11; arts. 3.º, 8.º, 16º e 24º da Port. 198/96 de 04.06.

Dessa decisão instrutória vem interposto o presente recurso, pelo arguido.

Na sequência da fundamentação apresentada, formula as seguintes
CONCLUSÕES:
1 - Não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 287°, n.ºs 4 e 5 do CPP;
2 - O arguido não foi notificado da diligência para produção de prova e, o facto de lhe ter sido nomeado defensora oficiosa para tal acto, não saneia tal omissão e viola o princípio do contraditório;
3 - Ao ser convocado para o debate instrutório, nem o arguido nem o seu defensor conheciam os factos e fundamentos acusatórios invocados pela assistente no seu requerimento para abertura da instrução nem o âmbito das provas produzidas;
4 - A omissão destas formalidades processuais representa a violação dos mais elementares direitos de defesa do arguido e determinam a invalidade dos respectivos actos da Instrução;
5 - Não tendo sido deduzida acusação pelo MP, o requerimento da assistente para abertura da Instrução deveria respeitar o formalismo da acusação previsto no artigo 283º, n.º 3 do CPP, o que não aconteceu de forma explícita e objectiva;
6 - As provas requeridas pela assistente confinam-se à reinquirição de testemunhas já ouvidas no decurso do inquérito, sem justificação ou fundamentação objectiva, como
determina o artigo 291°, nº.2 do CPP.
7 - O despacho de pronúncia valoriza provas não indicadas no requerimento acusatório, sendo notório que no articulado da pronúncia se imputam e descrevem factos que constituem alteração substancial dos descritos no requerimento para abertura da instrução, designadamente nos pontos 5) e segs. do douto despacho;
8 - Em todo o caso, a prova testemunhal produzida na Instrução em 24-10-2002 (fls. 130 a 133) perdeu a sua eficácia face à decisão proferida apenas em 22 de Janeiro de 2003, atento o disposto no artigo 328°, n.º 6 do CPP, além de que foram largamente ultrapassados os prazos de duração máxima da instrução (art. 306º do CPP);
9 - Foram violados os seguintes preceitos legais, todos do CPP: artigos 139°-3; 283°-3; 287°- 4 e 5; 289°; 291°- 2; 298°; 306° e 328°-6.
Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, considerando inexistente e sem qualquer efeito o douto despacho de pronúncia, seja ordenado o arquivamento dos autos.

Tendo sido invocadas várias nulidades na fundamentação do recurso, foi ouvida a assistente, para se pronunciar, querendo, o que fez, alegando designadamente: o arguido esteve presente na leitura da decisão instrutória de que tomou conhecimento no acto, no dia 22.01.2003, pelo que não tendo arguido as irregularidades nos três dias seguintes as mesmas ficaram sanadas pelo decurso do prazo, tudo nos termos do artigo 123° também do C.P.P..

Seguidamente foi proferido despacho que se pronunciou sobre as nulidades invocadas, julgando-as sanadas e, com o fundamento de que o objecto do recurso se circunscreve às referidas nulidades, de que o arguido não reclamou previamente, não admitiu o recurso.
A linha argumentativa desse despacho é a seguinte:
Dispõe o art. 399º do C.P.P. que "é permitido recorrer dos acórdãos, sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei”.
O arguido não impugna directamente os fundamentos do despacho de pronúncia, mas antes a nulidade que nele eventualmente havia sido praticada.
Como tal, não lhe cabia interpor recurso do mesmo, mas antes arguir nulidade perante o Tribunal "a quo".
Não o tendo feito, é inadmissível, nesta parte, o aludido recurso (art. 414.º n.º 2 do C.P.P.).
Mas, ainda que assim não se entenda, na lei adjectiva existe norma expressa que leva ao mesmo desiderato.
Com efeito, dispõe o art. 309º do C.P.P.:
"1 - A decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente no requerimento de abertura de instrução.
2 - A nulidade é arguida no prazo de oito dias contados da data da notificação da decisão.
Por sua vez, na parte aqui com interesse, dispõe o art. 310°, n.o 2 do C.P.P.: "É recorrível o despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo anterior".
O arguido deveria ter arguido a nulidade e não recorrido dela.
Não o tendo feito, é inadmissível, nesta parte, o aludido recurso (art. 414°, n.º 2 do C.P.P.).
Mesmo que assim não entendesse, a eventual nulidade ora em questão, também não é susceptível de recurso por outra razão.
Como se referiu, a nulidade é arguida no prazo de oito dias a contar da notificação da decisão (art. 309°, n.o 2 do C.P.P.).
A decisão instrutória foi proferida a 22 de Janeiro de 2003 (fls. 153).
Aquando da leitura da decisão instrutória estiveram presentes o arguido e respectivo mandatário constituído em data anterior (fls. 136 e 153), tendo, os mesmos, nessa data (22.1.03), desde logo, sido notificados do despacho de pronúncia.
O requerimento de interposição de recurso entrou em Juízo em 06.02.2003 (v. carimbo aposto a fls. 158), ou seja, decorridos que estavam manifestamente os referidos 8 dias para a arguição da nulidade.
Consequentemente, não tendo sido arguida em prazo (extemporânea), a eventual nulidade da decisão instrutória mostra-se sanada.
E, assim sendo, mostra-se também irrecorrível, nesta parte, a decisão instrutória (art. 414°, n.o 2 do C.P.P.).
Em termos de fundo da causa, a decisão instrutória é recorrível, uma vez que foi no sentido da pronúncia, quando a do M.P. foi no sentido do arquivamento (art. 310°, n.o 1 "a contrario" do C.P.P.).
No entanto, compulsado o recurso do arguido, o mesmo, excluindo a sobredita nulidade, não versa, de forma alguma, sobre questões de fundo, mas somente no tocante a questões de forma praticadas no decurso da instrução.
Ora, chegados à conclusão de que é irrecorrível o despacho de pronúncia no que respeita à eventual prática da aludida nulidade, e de que, no recurso do arguido não se vislumbra qualquer outra questão de fundo sobre o teor da decisão instrutória, importa determinar, por outro lado, se o recurso interposto pelo arguido no que respeita à alegada prática de outras nulidades no decurso da instrução é ou não recorrível.
Das nulidades por si invocadas, não se vislumbra que elas tivessem subjacente qualquer despacho.
Como tal, não estando verificado o condicionalismo a que alude o art. 399º do C.P.P. não podem tais nulidades ser suscitadas em sede de recurso, mas antes mediante o procedimento previsto nos arts. 119º a 121º do C.P.P..
Ou seja, cabia ao arguido arguir as nulidades e, caso fossem indeferidas, por despacho, interpor recurso deste(s).
Não o tendo feito, não incide qualquer despacho a incidir sobre o seu deferimento ou indeferimento.
E, não havendo qualquer despacho a versar sobre as nulidades ora suscitadas, não pode haver recurso sobre estas (art. 399º "a contrario" do C.P.P.).
As eventuais nulidades praticadas no decurso da instrução só são recorríveis desde que tenham sido arguidas nesta fase processual e haja despacho no sentido do seu indeferimento.
Não o tendo arguido as nulidades em causa, as mesmas mostram-se, igualmente sanadas.
Mas, ainda que assim não se entendesse, das nulidades arguidas pelo arguido, nenhuma se mostra como insanável (art. 119° do C.P.P.) e, portanto, são insusceptíveis de conhecimento oficioso.
A tratar-se de nulidades - o que não se concede, mas somente, em parte, eventuais irregularidades -, as mesmas, como se referiu, estavam dependentes de arguição (art. 120°, n. os 1 e 2 do C.P.P.), o que o arguido não fez.
Como tal, a tratar-se de nulidades e somente passíveis de terem sido praticadas no decurso da instrução, deveriam ter sido arguidas até ao encerramento do debate instrutório (art. 120°, n.o 3, al. c) do C.P.P. e acta do debate instrutório de fls. 137 e 138), o que também o arguido não efectuou.
A tratar-se de irregularidades, manifesto também se mostra que o arguido não as arguiu no prazo de 3 dias a que alude o art. 123°, n.o 1 do C.P.P..
Ou seja, a existirem outras nulidades ou irregularidades, porque não foram arguidas tempestivamente, mostram-se irremediavelmente sanadas.
Assim sendo, nesta parte, é também irrecorrível o despacho de pronúncia.

Após reclamação para o Ex.mo Presidente deste tribunal foi o recurso admitido.

Neste Tribunal o Ex.mo Magistrado do MºPº emitiu parecer que conclui, nos seguintes termos:
1. Por atenção às anomalias assinaladas no conjunto conclusivo da motivação é licito deduzir que o requerimento de abertura de instrução não foi notificado ao arguido recorrente, sendo que tal sujeito processual esteve também pessoalmente alheado da inquirição efectuada e somente foi expressamente notificado da data designada para o debate instrutório para só então ficar ciente de que contra si dirigida estava em curso a instrução requerida pela assistente.
2. Analisando o antecedente perante clara omissão processual de nomeação de defensor, preclude, obviamente, a instrução.
Tal realidade, está em absoluta oposição com o prescrito nos n.os 4 e 5 do artigo 287.° do C.P.Penal, sendo estas disposições inovadoras a partir da Lei 59/98 de 25/8, a configurar uma legal e acrescida exigência de observância que completa fica com o maior rigor textual e de conteúdo que o requerimento de abertura deve exibir (cfr. Código Maia Gonçalves, anotação ao artigo 287.° do C.P.Penal).
3. Como assim, a carência notificativa que ainda se estende à designação da inquirição realizada, apesar de colmatada com a nomeação de defensor nomeado que abarcando a inexistência de nomeação de inerente notificação do despacho de abertura de momento cremos poder afirmar estarmos não pode deixar de incluir uma manifesta e decisiva afectação do direito (global) de defesa do arguido.
Mantido, ele, no inequívoco desconhecimento da instauração e tramitação da fase processual de instrução até ao debate instrutório e sem defensor constituído ou nomeado, viu postergada a possibilidade de, desde logo, por ignorar o requerimento de abertura, exercer o seu direito de contrariar a pretensão da assistente, requerendo diligências que considerasse convenientes à sua posição, sofrendo restrição inaceitável no âmbito do seu direito de audição e presença processuais pressuposto o conhecimento dos factos.
É que como assinala Germano Marques da Silva in C.P.Penal, III, a tis. 136 e 137, para que o contraditório seja pleno, mesmo que limitado à fase do debate, importa que o arguido conheça "ab-initio" o teor da acusação do assistente, irrelevando se estamos perante uma acusação implícita ou uma acusação distinta e formal. Em qualquer das hipóteses impõem-se o conhecimento do requerimento e bem assim uma total presença do defensor.
4. Nesta senda, e até porque o teor do requerimento não satisfaz, em pleno o grau de exigência que vai pressuposto no art. 287º do C. P. Penal, cuidamos estar-se perante grave desrespeito pela devida observância das condições do exercício do direito de defesa do arguido, pois tal susceptibilidade lhe foi negada, temporalmente, de forma irrecuperável, a tanto se aliando o facto de, apesar da nomeação de defensor ser obrigatória, como resulta do explicitamente estatuído no n.o 4 do art. 287.º do C. P. Penal, tal não ter ocorrido, o que afasta, igualmente, a respectiva notificação e bem assim com particular realce negativo, a (pessoal) do arguido no que concerne ao despacho de abertura.

Corridos os vistos legais, não se verificando obstáculos ao conhecimento de mérito, cumpre apreciar e decidir.



II. FUNDAMENTAÇÃO

1. De acordo com a jurisprudência uniforme do STJ, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades – cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada, bem como Recursos em Processo Penal, Simas Santos / Leal Henriques, 5ª ed., p. 74 e decisões ali referenciadas.
Assim as questões a decidir são as enunciadas acima na transcrição das conclusões.

2. Resulta dos autos, com relevo para a decisão
Após despacho de arquivamento do MºPº, MARIA EDITE R..., requereu a sua constituição como assistente e a abertura da Instrução – cfr. requerimento de fls. 102 a 112.
Cumprido o disposto no art. 68º, n.º4 do CPP foi proferido despacho que admitiu a requerida constituição de assistente e declarou aberta a instrução, designando data para inquirição das testemunhas arroladas, indeferindo a realização de outras diligências instrutórias requeridas cfr. fls. 120-122.
Tal despacho, como se alcança, por exclusão de partes das notificações constantes de fls. 123 a 126 (apenas à mandatária da assistente e às testemunhas a inquirir), não foi notificado ao arguido.
Após nomeação, para o acto, de defensor ao arguido, defensor que aceitou o cargo e interveio no acto, foi realizada a inquirição das 3 testemunhas arroladas (assentada de fls. 130-133).
Finda a inquirição foi proferido despacho em que se declarou interrompida a audiência, para continuar noutra data, logo designada, com o Debate Instrutório, determinando-se ainda a notificação do arguido para estar presente no Debate Instrutório (cfr. fls. 133).
Na data designada para o debate instrutório (19.12.2002) compareceu o arguido acompanhado de advogado que juntou procuração aos autos.
O debate foi efectuado - com a presença do arguido e seu mandatário constituído.
No aludido debate o mandatário do arguido declarou que prescindia da produção de outras diligências de prova, tendo procedido, de seguida às alegações, após o que o Mº Juiz declarou interromper de novo a audiência designando, para continuação o dia 17.12.2002.
Por impossibilidade do Juiz na data marcada, foi designada para a leitura da decisão instrutória o dia 22.01.2003, data em que foi efectivamente lida (fls. 153).
Aquando da leitura da decisão instrutória estiveram presentes o arguido e respectivo mandatário constituído em data anterior (fls. 136 e 153), tendo, os mesmos, nessa data (22.01.003), desde logo, sido notificados do despacho de pronúncia.
O requerimento de interposição de recurso do despacho de pronúncia entrou em Juízo em 06.02.2003 (v. carimbo aposto a fls. 158).



3. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Por uma questão de facilidade de exposição e dado que os fundamentos do recurso se prendem apenas com matéria de nulidades, serão apreciadas separadamente as nulidades anteriores ao despacho de pronúncia em si e só depois as relativas a esta despacho em si.

1ª Questão – Nulidades anteriores ao despacho recorrido – conclusões 1 a 4
No que concerne à invocada nulidade decorrente da falta de notificação do arguido do requerimento de abertura de instrução – tal como a nomeação de defensor logo no despacho de abertura da instrução - previstas no artigo 287º n.os 4 e 5 do C.P.P., verifica-se que tais formalidades não foram efectivamente cumpridas.
No entanto, não constituem nulidades mas antes meras irregularidades.
Com efeito, postula o artigo 118° do CPP:
1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular."
Ora o artigo 287° do C.P.P. não comina expressamente a falta de notificação como constituindo nulidade. Nem a mesma consta do elenco das nulidades insanáveis previstas no art. 119º do CPP.
Pelo que, por exclusão de partes, a sua falta apenas pode determinar irregularidade.
Para arguição de tal irregularidade dispunha o arguido o prazo de três dias a contar daquele em que tiver sido notificado para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado - art. 123º do CPP.
No entanto, no caso em apreço, o arguido foi notificado para o debate instrutório. E, na data designada para esse debate instrutório (19.12.2002) esteve presente, tendo comparecido acompanhado de advogado que juntou procuração aos autos, realizando-se o debate com a presença do arguido e seu mandatário constituído.
No aludido debate, aliás, o mandatário do arguido declarou que prescindia da produção de outras diligências de prova, tendo procedido, de seguida às alegações, após o que o Mº Juiz declarou interromper de novo a audiência designando, para continuação o dia 17.12.2002, com a leitura da decisão, leitura essa que, por impossibilidade do Juiz na data marcada, foi designada para o dia 22.01.2003, data em que foi efectivamente lida, também na presença do arguido e seu mandatário constituído.
Assim dispôs de uma plêiade de possibilidades de arguir a nulidade em causa, sem que o tenha feito.
Pelo que, constituindo mera irregularidade, não tendo feito nos três dias seguintes, a dita irregularidade ficou sanada pelo decurso do prazo, nos termos do artigo 123° citado C.P.P..

O mesmo se diga da falta de nomeação de defensor ao arguido no despacho que declarou aberta a instrução.
Com efeito nenhuma norma fulmina tal falta como constituindo nulidade, pelo que lhe é aplicável o regime das irregularidades a que se fez referência.
A lei apenas obriga expressamente à presença do defensor no debate instrutório – art. 64º, n.º1, al. b) do CPP. E aí esteve já presente o arguido acompanhado de defensor constituído e da sua confiança.
Acresce que o contraditório durante a inquirição das testemunhas foi assegurado com a presença de defensor nomeado para acto – o que se bem que ao arguido assistisse o direito de ser assistido por defensor da sua escolha, não deixa de assegurar o contraditório, não podendo ser equiparada a situação á total falta de defensor.
Pelo que também a dita irregularidade ficou sanada pelo decurso do prazo, nos termos do artigo 123° citado C.P.P..


2ª Questão - Nulidades relativas ao despacho recorrido – conclusões 5, 6, 7 e 8
A linha de argumentação do despacho que indeferiu a arguição das nulidades e não admitiu a ao recurso consiste em que, resumindo-se os fundamentos do recurso à invocação de nulidades, não lhe assiste o direito de recorrer, mas antes o de arguir nulidade perante o Tribunal. E não o tendo feito, é inadmissível, nesta parte, o aludido recurso (art. 414.º n.º 2 do C.P.P.).
Refere expressamente que «não havendo qualquer despacho a versar sobre as nulidades ora suscitadas, não pode haver recurso sobre estas (art. 399º "a contrario" do C.P.P.)».
Entende que ainda que a decisão em abstracto admitisse recurso, não usando previamente do mecanismo da arguição de nulidade estava o arguido inibido de recorrer. Ou por outras palavreas, para poder recorrer tinha antes que lançar, previamente, sob pena de indeferimento liminar, do mecanismo da arguição da nulidade.
Aplica afinal a máxima de que, “das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se”.
No caso em apreço, não se levantam dúvidas de que a decisão instrutória era susceptível de recurso, face ao princípio geral do art. 399º do CPP, não estando excluído pelo art. 310°, n.o 1.
Com efeito o art. 312º apenas declara que “é irrecorrível ... a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do MºPº”. Em conformidade com o chamado princípio da “dupla conforme”, assentando a remessa imediata para julgamento no juízo concordante do magistrado do MºPº e do Juiz. E no caso a decisão em crise foi no sentido da pronúncia, a requerimento da assistente, após despacho prévio do M.P. no sentido do arquivamento.
Ora, supondo que o arguido deixou passar o prazo de arguição da nulidade, dizendo ela respeito a um despacho que admite recurso, com prazo mais dilatado, afigura-se que não se pode recusar o direito ao recurso, desde que interposto no prazo legal previsto para o efeito e em conformidade com os trâmites próprios do recurso. Desde logo porque o despacho que viesse a recair sobre a arguição de nulidade era também ele susceptível de recurso, dispondo nessa caso o arguido, sucessivamente, do prazo para arguir a nulidade e depois de novo prazo para interpor o recurso.
Com efeito, como decidiu o Acórdão ara fixação de jurisprudência do STJ n.º 6/2000, de 7.3.2000 (in, D.R., Série I - A, pgs. 850 e segs.), "a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais".
No caso o arguido, ao recorrer desde logo do despacho de pronúncia como que “suprimiu” uma etapa, em seu prejuízo, interpondo logo o recurso sem previamente ter arguido as nulidades, para depois recorrer do despacho que indeferisse tal arguição.
O recurso nestas circunstâncias poderia ser rejeitado por aplicação eventual das regras do erro na forma de processo da lei processual civil, aplicável subsidiariamente, nos termos do art. 3º do CPP.
Postula a este respeito o art. 199º do CPC: 1. O erro na forma de processo importa unicamente anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma prevista na lei. 2. Não devem porém aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
Assim em processo civil, pelas normas relativas ao erro na forma de processo, o juiz deve mandar seguir (oficiosamente) a forma adequada, desde que para tal possa aproveitar-se o acto (no caso o requerimento). O que aplicado ao caso, o juiz devia conhecer das nulidades, podendo depois o arguido recorrer desse despacho.
Ora no caso o recurso tem todos os elementos necessários – por maioria de razão – para a apreciação das nulidades.
Aliás foi o que fez no caso o Mº Juiz: face às nulidades invocadas como fundamento do recurso, ainda que não arguidas perante ele, conheceu delas, indeferindo-as.
O caminho seguido não foi o mais rigoroso, mas por mais curto, pôde ser – e foi efectivamente – aproveitado, podendo-se cumprir e tendo-se cumprido, no caso, todas as formalidades impostas para aquele ouro caminho mais longo.
Por outro nesse sentido apontam várias disposições que permitem, caso o acto em que foi cometida a nulidade admita recurso, que a nulidade possa constitui fundamento do recurso.
Postula assim o art. 379º, n.º2 do CPP: As nulidades de sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 414º, n.º4
Norma essa interpretada pelo Ac. STJ para fixação de jurisprudência n.º 1/94 de 02.12.1994, DR IS-A de 11.02.1994, nos seguintes termos “As nulidades enumeradas taxativamente no art. 379º, al. a) e b) do CPP não têm de ser arguidas, necessariamente, nos termos estabelecidos na alínea a) do nº3 do art. 120º do CPP, podendo sê-lo, ainda, em motivação de recurso para o tribunal superior”.
O mesmo sucede aliás em processo civil (aplicável subsidiariamente, salvo disposição em contrário – art. 3º do CPP), quanto às nulidades da sentença, onde se impõe mesmo ao recorrente um caminho que poderá ser entendido como princípio geral nesta matéria, quando a lei não postule expressamente o contrário.
Com efeito, nos termos do art. 668º, n.º3 do CPC: que as nulidades das alíeneas b) a e) do n.º1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário; no caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nesta conformidade o recurso é apreciado no pressuposto – que ora se verifica – de que foi indeferida a arguição das nulidades invocadas como fundamento do recurso. E de que a decisão admite recurso, de acordo com a argumentação aduzida.
Esta perspectiva apenas se aplica às nulidades relativas à decisão instrutória em si mesma – já não logicamente às nulidades anteriores, que como acima se disse, se consideram sanadas a partir do momento em que o arguido e o seu defensor delas tomaram conhecimento no debate instrutório e delas não recamaram, em devido tempo.
Passemos assim a apreciar, uma por uma, tais nulidades.

a) Reinquirição das testemunhas - conclusão nº6
As provas requeridas pela assistente consistiram efectivamente na reinquirição de testemunhas já ouvidas no decurso do inquérito, sem que tenha havido uma referência expressa á sua relevância nos termos e para efeitos do disposto no art. 291º, nº2 do CPP.
No entanto tal inquirição foi admitida, por despacho fundamentado e se foi ordenada implicitamente foi porque a repetição se julgou indispensável para a descoberta da verdade. E resulta da assentada do depoimento que forma instadas em muito mais pormenor do que no Inquérito, resultando daí também que a reinquirição era indispensável para as finalidades da instrução.
Aliás pode dar-se o caso de o despacho de pronúncia assentar apenas numa outra interpretação das provas produzidas no inquérito, resultante da discussão operada no debate – cfr. art 298º. Isto porque o juiz pode designar o debate instrutório sem realização de quaisquer diligência probatória, tal como previsto no art. 297º, n.º1 do CPP.

b) "Alteração substancial dos factos descritos no requerimento de abertura de instrução" - Conclusão 7ª
O requerimento de abertura de instrução, designadamente após despacho de arquivamento do MºPº, deve obedecer aos mesmos pressupostos de uma verdadeira acusação, para assegurar o funcionamento do princípio contraditório e a elaboração da decisão instrutória – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª Ed., III vol. 138 e 147.
No entanto apenas com a diferença de que na acusação os factos se reputam já indiciados e no requerimento de abertura de instrução são ainda hipotéticos – cfr. AC. RL de 21.03.2001, na CJ 2001, t. 2, p. 131.
De qualquer forma repare-se que o próprio art. 287º, n.º 2 refere que “o requerimento (de abertura da instrução) não esta sujeito a formalidades especiais, mas deve conter a súmula das razões de facto e de direito relativamente à acusação ou não acusação”.
Por outro lado, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo “o requerimento apenas pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”.
Pelo que da exigência de mera “súmula” e da limitação dos poderes de indeferimento do juiz, resulta um amplo poder do juiz para suprir eventuais lacunas – até porque o requerimento tem sempre por referência a acusação ou a não acusação que logo por si definem o âmbito do “thema decidendum”.
Aliás, caso o requerimento de abertura da instrução não especifique suficientemente os factos, a doutrina avalizada pronuncia-se no sentido de que o juiz, antes de indeferir o requerimento, deve convidar à correcção dos vícios detectados – v. Souto Moura, Jornadas de Direito Processual Penal, 120 – 121, Ac. RL de 31.03.2001 supra citado, Ac. RP de 21.11.2001, na CJ 2001, t. 5, p. 225.
É certo que, no caso em apreço, dada a especificidade do crime, reveste de alguma dificuldade a caracterização, em termos de facto, do elemento do tipo objectivo “infracção de regras regulamentares ou técnicas ... em execução de construção ... e criar deste modo perigo para a vida ... se a conduta for praticada por negligência”. Desde logo em caracterizar a negligência e a omissão dos deveres técnicos.
De qualquer forma do extenso requerimento constam todos os factos que vieram a contar do despacho de pronúncia. Tal como a identificação das normas cujo cumprimento se impunha ao arguido. Apenas se poderá dizer que de alguma forma se encontram misturadas, o que decorre das dificuldades a que se fez referência. Mas não que não constam daquela peça.
Aliás não se trata de nada de novo, que não tivesse sido ventilado, de uma forma ou de outra durante o Inquérito – afinal saber se o arguido tinha o dever de fazer cumprir determinadas regras de segurança cuja omissão constituiu a causa da morte de um trabalhador.
Nem o arguido especifica, com rigor, nas suas alegações de recurso e nas respectivas conclusões quais são esses factos concretos. Apenas refere o “art. 5º e segs.” do despacho de pronúncia.
E analisando em pormenor o requerimento verifica-se, designadamente, que:
O ponto n° 5 do despacho de pronuncia transcreve a matéria dos artigos 17º, 18º e 19º do requerimento de abertura de instrução;
O ponto n° 6 a matéria do artigo 20º;
O ponto n° 7 a dos artigos 19º e 20º; e
O ponto n° 8, resulta do artigo 34º do dito requerimento de abertura de instrução.
E as restantes razões de facto e de direito encontram-se profusamente desenvolvidas ao longo das 12 (doze) páginas e dos 48 (quarenta e oito) artigos do requerimento de abertura da instrução, o qual, a pecar, peca por excesso.
Pelo que também aqui o despacho recorrido não enferma da apontada nulidade.


c) Valoração, pelo despacho de pronúncia, de provas não indicadas no requerimento acusatório – ainda na conclusão 7ª
Também aqui o arguido não especifica com rigor quais sejam essa provas, não cumprindo assim o dever de “enunciação especificada dos fundamentos do recurso” previsto no art. 412º, n.º1 do CPP.
De qualquer forma o despacho de pronúncia indica as provas arroladas no requerimento de abertura da instrução. E podia ainda, como se disse supra, assentar, na mera reavaliação, pelo juiz das provas, com base em aspectos destacados no debate instrutório.
Pelo que também as conclusões improcedem, neste particular.


d) Perda da eficácia da prova - conclusão 8ª
O artigo 328°, n.º 6 do CPP, insere-se sistematicamente, no título II do CPP sob a epígrafe “Da audiência”.
Pelo que, logo pela falta de norma remissiva não tem aplicação na Instrução. Até porque na Instrução as provas são reduzidas a escrito, enquanto que na audiência vigora o princípio da oralidade.

e) Falta de conclusão da instrução no prazo definido pelo art. 306º do CPP – ainda na conclusão 8ª.
A lei não estabelece qualquer sanção para a tal falta. Que não reveste aliás qualquer interesse para a descoberta da verdade, nem tem reflexo na posição processual do arguido ou na decisão final “de mérito” ou na definição da posição ou dos direitos ou deveres do arguido.
De qualquer forma ainda que se entendesse que se trata de irregularidade, também ela ficou sanada por não suscitada em devido tempo.

Terminada a análise, uma por uma, das questões suscitadas, refira-se que no mais, designadamente no que concerne ao “mérito” do despacho de pronúncia, saber se foram reunidos indícios do crime, o recurso não põe em crise o dito despacho, nem as conclusões do mesmo lhe apontam qualquer vício. E não se verificam circunstâncias que imponham, oficiosamente, a sua reapreciação nesse âmbito ou que apontem para decisão diferente daquela que foi proferida.
Pelo que se impõe a improcedência do recurso.


III. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente. Taxa de justiça: 7 UC.