Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
658/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
TRIBUNAL TERRITORIALMENTE COMPETENTE
Data do Acordão: 05/12/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 13º E 14º DO C.P.T. .
Sumário: I – As acções emergentes de contrato de trabalho intentadas pelo trabalhador contra a entidade patronal tanto podem ser propostas no tribunal do domicílio do R., como no tribunal da prestação do trabalho ou do domicílio do A. .
II – O trabalho prestado num local que já deixou de o ser por se ter concluído a obra ou tarefa que, avulsamente, aí se realizou, não pode relevar para o referido efeito .
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 – A..., casado, com os demais sinais dos Autos, requereu no Tribunal do Trabalho de Tomar providência cautelar de suspensão de despedimento individual contra "B...", com sede em Paço D’Arcos, pretextando resumidamente que entrou ao serviço da requerida há cerca de nove anos, como encarregado geral, tendo recebido uma nota de culpa a 19.10.2004, com intenção de despedimento, a que respondeu, acabando por lhe ser remetida decisão disciplinar a despedi-lo.
O processo disciplinar é nulo, não sendo todavia verdade que a relação laboral se tenha tornado praticamente impossível, tudo indicando estar-se perante um despedimento sem justa causa.
Por isso se justifica o decretamento cautelar da sua suspensão.

2 - Realizada a Audiência, foi proferida decisão a julgar o Tribunal do Trabalho de Tomar territorialmente incompetente, com remessa dos Autos, após trânsito, ao Tribunal do Trabalho de Lisboa, por ser este sim o que tem competência territorial para o efeito.

3 – Não se conformou o requerente com tal entendimento e veio interpor recurso do despacho, alegando e concluindo:
· Tendo sido interposta uma acção emergente de contrato de trabalho, em que o trabalhador seja autor, tem competência territorial o Tribunal do domicílio do R. – ao abrigo do disposto no art. 13º do C.P.T.; o do domicílio do A., quando este seja o trabalhador – art. 14º/1, última parte, do C.P.T.; e o do lugar da prestação do trabalho, ao abrigo do disposto no art. 14º/1, 1ª parte, do mesmo diploma legal;
· Mais: ao abrigo do disposto no art. 14º/3 do referido C.P.T., ‘sendo o trabalho prestado em mais de um lugar, podem as acções referidas no n.º1 ser instauradas no Tribunal de qualquer desses lugares’;
· Logo, prestando o requerente trabalho em mais que um lugar, é competente territorialmente o Tribunal de um desses lugares; e, como já se verificou, o requerente prestou trabalho nos concelhos de Alcanena e Fátima, locais que além de serem de prestação de trabalho foram também onde ocorreram os alegados factos geradores do despedimento.
· Pelo exposto, é o Tribunal do Trabalho de Tomar competente territorialmente para apreciar e decidir a providência cautelar de suspensão de despedimento interposta pelo requerente, ao abrigo do art. 14º/3 do C.P.T., visto ter este prestado trabalho em concelhos da comarca de Tomar.

4 – Respondeu a requerida, concluindo, por sua vez, que o requerente, à data do recebimento da nota de culpa, da decisão de despedimento e da interposição do requerimento da providência já não prestava trabalho nos ditos concelhos de Alcanena e Fátima em obras cometidas à requerida, não tendo nem um nem outro domicílio, sede ou estabelecimento estável naqueles concelhos.
O n.º3 do art. 14º do C.P.T. deve ser interpretado numa perspectiva de actualidade, podendo o trabalhador intentar os procedimentos judiciais no Foro de qualquer lugar onde preste nessa altura o seu trabalho e não onde eventual e anteriormente o tenha alguma vez prestado.
O Tribunal do Trabalho de Tomar é territorialmente incompetente, devendo manter-se a decisão recorrida.

5 – Colhidos os vistos legais – com o Exm.º P.G.A. a emitir o douto Parecer de fls. 100-102 no sentido do provimento do recurso – cumpre decidir.

II –
As ocorrências de facto relevantes para o conhecimento da questão proposta não se nos apresentam alinhadas, como é devido e seria desejável – n.º5 do art. 304º, ‘ex vi’ do n.º3 do art. 384º, ambos do Cód. Processo Civil.
Vamos ver, todavia, se são apreensíveis da fundamentação jurídica desenvolvida ao longo da decisão impugnada, isto com o propósito de tentar salvar a situação e evitar delongas, pela única razão de que se está perante uma providência cautelar, que reveste, ‘ope legis’, carácter urgente.

Conhecendo, pois.
Analisa-se a questão decidenda em determinar se o demandado Tribunal do Trabalho de Tomar é ou não territorialmente competente para conhecer da providência requerida.
A solução – que se pretende acertada, naturalmente – há-de encontrar-se no bom entendimento que se faça da disciplina prevista nos arts. 13º e 14º do C.P.T.
A regra geral estabelecida no C.P.T. sobre a competência territorial é a de que as acções devem ser propostas no Tribunal do domicílio do réu.
Todavia, não obstante, considerou-se que o trabalhador – habitualmente a parte litigante activa e economicamente mais débil – quantas vezes com domicílio em local diverso do do empregador, poderia ver onerada ou dificultada, por via disso, a sua posição.
Com vista a deixar alternativas susceptíveis de a tornar menos penosa, foram previstas soluções específicas, nomeadamente no concernente às acções emergentes de contrato de trabalho.

(Vide a propósito as considerações de A. Leite Ferreira, em anotação ao art. 15º do C.P.T. de 81 e de Albino M. Baptista, in C.P.T. Anotado, 2ª Edição, Almedina, pg. 61).

Assim, as acções emergentes de contrato de trabalho intentadas pelo trabalhador contra a Entidade Patronal tanto podem ser propostas no Tribunal do domicílio do R., como no Tribunal da prestação do trabalho ou do domicílio do A. – art. 14º, n.º1, do C.P.T.
Tem pois o trabalhador, imediatamente, três alternativas, podendo optar pela que lhe seja mais cómoda e/ou económica.

Sendo o trabalho prestado em mais de um lugar, podem ainda as acções em causa ser intentadas no Tribunal de qualquer desses lugares, como se prevê no n.º3 da norma.

Ora bem:
Tendo o requerente da providência demandado o Tribunal do Trabalho de Tomar e dando-se como factualmente adquirido – tanto quanto se retira do processo – que a sua residência é na R. João José Aguiar, em Belas/Sintra e que a sede da requerida é em Paço D’Arcos, a dificuldade, no caso, está em saber qual o local da prestação de trabalho ou se o trabalho é/era prestado em mais de um lugar.

Dando ainda como factualmente adquirido (…) que as obras sitas na área de jurisdição do Tribunal do Trabalho de Tomar (Alcanena e Fátima) se achavam já terminadas aquando da reacção disciplinar a que respeita o presente procedimento, importa concluir se – atento o escopo pressuposto nas alternativas de escolha do Foro mais cómodo e economicamente menos oneroso para o trabalhador – se encontra fundamento objectivo mínimo para conferir a pretendida competência territorial ao Tribunal do Trabalho de Tomar.

Em bom rigor e termos hábeis, não poderá asseverar-se que, nas sobreditas circunstâncias, o lugar da prestação de trabalho fosse, ao tempo da reacção do impetrante, nas obras por onde o A. passara, entretanto concluídas (…), e daí que seja desde logo muito duvidoso, no mínimo, que a providência devesse ser proposta no Tribunal do respectivo lugar, o Tribunal do Trabalho de Tomar.
Veja-se antes de mais o texto legal, a letra da Lei: aí não se diz da prestação do trabalho (daquele trabalho em que o requerente se ocupara…mas já não se ocupa); mas antes …’da prestação de trabalho’, elemento interpretativo que reforçará a ideia de que se pressupõe uma realidade presente, actual, continuada.
(O trabalho prestado num local que já deixou de o ser por se ter concluído a obra ou tarefa que, avulsamente, aí se realizou, não pode relevar para o presente efeito).
E é ainda o elemento literal da previsão do n.º3 do mesmo art. 14º que corrobora a interpretação que se nos afigura mais consentânea: ‘Sendo o trabalho prestado em mais de um lugar…
Se se pretendesse contemplar como possível, para o efeito, (também) qualquer dos lugares onde tivesse sido prestado o trabalho, mas já não o fosse, quando se pondera o Foro a demandar, o legislador teria usado certamente locução diversa, v.g., Sendo, ou tendo sido, o trabalho prestado em mais de um lugar…

Salvo o devido respeito por entendimento diverso, parece-nos ser esta a leitura que mais se compagina com os interesses que o legislador pretendeu acautelar: se o trabalhador já aí não exerce a sua actividade profissional, tendo regressado, de vez, (no que respeita à prestação daqueles serviços), à sede da empresa empregadora o que factualmente se aceitará como adquirido, uma vez que a pretensa infracção disciplinar que desencadeou o procedimento respectivo terá sido a prematura comunicação superior de que os trabalhos ali adjudicados estavam concluídos…apesar da iminência da sua conclusão ser bem óbvia, pois faltaria apenas recolher algum material e fazer a limpeza geral do local… deixaram de vigorar as razões que justificariam se escolhesse como Foro mais conveniente ou vantajoso para o trabalhador o do lugar da prestação de trabalho.
(Com efeito, nada deixa admitir, em tese, que algum interesse objectivo e relevante, por banda do requerente, justifique ou imponha a sua ligação àquelas paragens: a sua residência é em Belas, perto de Sintra e de Paço D’Arcos, aqui se situando a sede da requerida, uma e outra geograficamente bem mais perto de qualquer dos Foros do domicílio do A. ou da R., relativamente à localização do Tribunal demandado; o escritório do seu ilustre Mandatário é em Lisboa; as testemunhas que ofereceu, não obstante o despacho de fls. 52, 2ª parte, seriam a notificar, conforme por si solicitado, na sede da Requerida…).

A ter-se por pressuposta a circunstância de o trabalho ser prestado (‘Sendo o trabalho prestado’…), com actualidade, em mais de um lugar, (hipótese que aqui se não verifica, a nosso ver), o cotejo da redacção da norma homóloga da C.P.T. de 81 com a actual art. 15º/2 daquele vs. art. 14º/3 do Código vigente – deixava-nos concluir que se pretendeu alargar a competência territorial a qualquer dos Foros onde o trabalho se desenvolva, independentemente do carácter normal da prestação’, exigência que foi assim ora eliminada.
(Vide, no mesmo sentido, Abílio Neto, A. Mendes Baptista e Carlos Alegre, nas sua anotações ao C.P.T., respectivamente a pgs. 40, 62 e 84).
Nessa medida, não acompanhamos a interpretação sustentada na fundamentação da decisão em crise.

Todavia, como se disse, o caso decidendo não é subsumível em tal previsão.

III –
Termos em que – na total improcedência das conclusões deduzidas – se delibera negar provimento ao agravo, confirmando, ainda que com fundamentação não de todo coincidente, a decisão impugnada.
Custas pelo recorrente.
***

Coimbra,