Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8574/18.3YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
PERDA DO VEÍCULO
EXTINÇÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE COMP. GENÉRICA DE CINFÃES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1º DO DEC. LEI Nº 149/95, DE 24/06. ARTº 1051º, AL. E) DO C. CIVIL.
Sumário: I – O contrato de locação financeira, regulado no D.L. n.º 149/95, de 24 de Junho, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.

II - Tendo resultado de um acidente ocorrido na vigência de um contrato dessa natureza a perda total do veículo locado, deve considerar-se que o contrato de locação financeira se extinguiu, sendo defensável a aplicação, por analogia, do disposto no art.º 1051º, e), do C. Civil, face ao não funcionamento genérico subsidiário do regime da locação do C. Civil, relativamente ao regime do contrato de locação financeira, e com a extinção ipso iure do contrato cessou inevitavelmente a obrigação do locatário pagar as rendas acordadas.

III - Daí que tendo-se extinto o contrato de locação financeira, por caducidade, com a perda do veículo locado em resultado daquele acidente, com a consequente cessação da obrigação do locatário pagar as rendas acordadas, a resolução do contrato posteriormente exercida pela Autora, invocando uma situação de mora no pagamento das rendas vencidas após ter ocorrido a perda do veículo, não tem qualquer eficácia.

IV - O recurso conjugado às expressões de cunho jurídico “caso fortuito” e “força maior”, num contexto contratual, pese embora as polémicas que existem à volta do significado preciso destes termos, deve ser entendido como abrangendo todas as situações provocadas por causas naturais ou por atos de terceiros, ou seja todas aquelas que não são imputáveis aos próprios contraentes.

V - A responsabilidade pelo risco atribuída excepcionalmente ao locatário pelo art.º 15º do D.L. n.º 149/95, aos casos de perda do bem, traduz-se no dever de indemnizar o locador do valor do bem perdido e não no dever de cumprir integralmente a obrigação de pagamento das rendas apesar de ter ocorrido a perda do bem.

VI - Assim, quando a perda do bem é imputável a acto de terceiro, sobre este recai, em primeira linha, a obrigação de indemnizar o proprietário do bem - o locador - do seu valor, nos termos do art.º 483º do C. Civil, recaindo também essa obrigação sobre o locatário financeiro, por força do disposto no art.º 15º do D.L. 149/95 de 24 de Junho.

Decisão Texto Integral:






Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
A Autora instaurou a presente acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, pedindo a condenação do Réu no pagamento de 9.277,49€, montante relativo ao valor das rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora à taxa contratual acrescida de sobretaxa de 4 pontos percentuais e da comissão de gestão em função de cada renda em atraso, perfazendo o valor total de 1.494,93€; 28 rendas vincendas no valor de 234,02 cada, perfazendo o valor global de 6.552,56€.
A tais valores acresce, nos termos contratuais, uma comissão de 1000€, acrescida de imposto, por ter sido necessário o recurso à via judicial, o que perfaz o total de 1.230€.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese:
- No âmbito da sua actividade, celebrou com o Réu um Contrato de Locação Operacional, com Fiança, nos termos do qual declararam, respetivamente, dar de aluguer e tomar de aluguer o veículo automóvel de Marca ..., modelo ..., com a matrícula ...
- O veículo locado sofreu um acidente, pelo que, em consequência, em 29-08-2014 a Requerente recebeu da F... – Companhia de Seguros, S.A., a título de indemnização pela perda total da viatura, o montante de €8.076,00, valor que foi empregue no pagamento das rendas n.º 31.º a 62.º, vencidas de 10-09-2014 a 10-04-2017.
- Em 10-05-2017, na data de vencimento da 63.ª renda, a mesma não foi paga, nada mais tendo sido pago pelo Requerido até à presente data.
- De acordo com o estipulado no contrato, o mesmo pode ser resolvido pela Locadora quando a mora no pagamento das rendas seja superior a três rendas sucessivas e tenha sido concedido à Locatária um prazo suplementar mínimo de 15 dias para pagamento das rendas em atraso, acrescidas da respectiva indemnização, com expressa advertência dos efeitos da resolução do contrato, sem que tal pagamento se verifique.
- Assim, e em consequência do incumprimento reiterado do contrato, encontrando-se já em débito 6 (seis) rendas sucessivas, em 03-10-2017 a Locadora remeteu ao Locatário carta registada com aviso de recepção, concedendo um prazo suplementar de 20 dias de calendário para regularização da situação de incumprimento, mediante o pagamento das ditas rendas, acrescido dos respectivos juros e comissão de gestão em função de cada renda em mora, num total de €1.494,93, advertindo expressamente que a consequência do não pagamento seria a resolução do contrato.
- Nos termos contratuais, tendo sido o Réu dispensado de Seguro de Danos Próprios e tendo em consideração a perda total do veículo, é o Requerido sempre responsável pela sua perda ou deterioração.
Sendo certo que, nos termos acordados, deve considerar-se como valor do veículo o total das rendas vincendas, rendas vencidas e não pagas e respectivos juros moratórios e demais encargos, abatido o valor recebido a título de indemnização pela perda total.

O Réu impugnou os factos alegados pela Autora, defendendo que sempre cumpriu o contratualmente estabelecido no contrato de locação, procedendo ao pagamento das rendas devidas.
Alegou que quando sofreu o acidente que provocou a perda total da viatura, procedeu à entrega à Autora da indemnização paga pela seguradora, tendo entregue ainda à A. o salvado, cujo valor de venda desconhece, mas nunca será inferior ao valor proposto para aquisição pela Companhia de Seguros em 1.111€.
Considera desrazoável, desproporcional e demasiado onerosa a cláusula do n.º 6 do artigo 9.º do contrato de locação, ao determinar que o valor do bem corresponda não ao valor comercial do mesmo, mas às rendas vincendas, juros, encargos e caução, concluindo pela nulidade dessa cláusula considerada nula e consequente sua exclusão do contrato.
Concluiu pela improcedência da acção ou subsidiariamente, a aceitar-se a resolução fundamentada na falta de pagamento de rendas, à data de 10/2017, deve ser o pedido reduzido ao montante das rendas vencidas e 20% das vincendas à data da resolução e a aceitar-se a resolução com fundamento na perda total da viatura, e a não se considerar nula a cláusula 9.ª n.º 6 do contrato, ser o pedido reduzido e ajustado no que concerne a juros, encargos e despesas à data da perda total da viatura, ou seja, 06/2014.
Veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu dos pedidos formulados.
A Autora interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
...
Conclui pela procedência do recurso.
O Réu respondeu, defendendo a confirmação da sentença.
1. Do objecto do recurso
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas cumpre apreciar a seguinte questão:
O Réu está obrigado ao pagamento da quantia peticionada pela Autora por força do clausulado no contrato celebrado entre ambos?
2. Os factos
...
3. O Direito aplicável
No âmbito da sua actividade, a Autora e Réu subscreveram um documento intitulado contrato de locação operacional com fiança, com início a 17/2/2012 e fim em 10/2/2020, nos termos do qual a Autora se obrigou a ceder ao Réu o gozo de um veículo automóvel de marca ..., Modelo ..., com a matrícula ..., previamente escolhido pelo Réu, assim como o seu vendedor, e adquirido pela Autora, a troco do pagamento pelo Réu de 96 rendas mensais, pagas postecipadamente, sendo o valor da primeira renda de €204,91, com início a 10.3.2012, enquanto o valor das rendas seguintes, com vencimento ao dia 10 de cada mês subsequente, ficou sujeito a variação nos termos contratuais, uma vez que Réu optou por um produto financeiro de taxa de juro variável.
Autora e Réu subscreveram, ainda, outro escrito intitulado contrato promessa de compra e venda n.º ..., no qual a primeira se obrigou a vender ao segundo e este se obrigou a comprar o veículo acima referido, desde que o Réu tivesse cumprido integralmente o assumido naquele primeiro documento, mediante o pagamento do preço da compra de €227,64, a ser pago imediatamente após o termo do contrato de Locação Operacional referido.
Concordando com a qualificação jurídica adotada pela sentença recorrida, relativamente à qual as partes não manifestaram qualquer discordância, o conjunto negocial acordado nos referidos documentos, apesar dos títulos que deles constam, consubstancia, na sua globalidade, um contrato de locação financeira[1] previsto e regulado no D.L. n.º 149/95, de 24 de Junho, o qual dispõe no seu art.º 1º:
Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.
Em 12.6.2014, em plena vigência deste contrato, ocorreu um evento que está na origem do litígio a solucionar na presente acção. O veículo em causa sofreu um acidente, em que interveio outro veículo, cujo condutor foi responsável pelo acidente, do qual resultaram danos que o impossibilitaram de voltar a circular.
Desde logo há que notar que tendo resultado deste acidente a perda total do veículo locado, deve considerar-se que o contrato de locação financeira se extinguiu, sendo defensável a aplicação, por analogia, do disposto no art.º 1051º, e), do C. Civil [2], face ao não funcionamento genérico subsidiário do regime da locação do C. Civil, relativamente ao regime do contrato de locação financeira, e com a extinção ipso iure do contrato cessou inevitavelmente a obrigação do locatário pagar as rendas acordadas.
Daí que tendo-se extinto o contrato de locação financeira, por caducidade, com a perda do veículo locado em resultado daquele acidente, com a consequente cessação da obrigação do locatário pagar as rendas acordadas, a resolução do contrato posteriormente exercida pela Autora, invocando uma situação de mora no pagamento das rendas vencidas após ter ocorrido a perda do veículo, não tem qualquer eficácia. Na verdade, um contrato extinto já não é resolúvel, pelo que a declaração resolutiva emitida pela Autora não tem qualquer eficácia.
Por esta razão afasta-se já o direito da Autora a receber os valores reclamados na presente acção, com fundamento na referida resolução do contrato, por incumprimento da obrigação de pagamento das prestações acordadas.
Contudo a Autora também fundamentou a sua pretensão na aplicação do previsto na cláusula 9ª, com o título Responsabilidade/Seguros do Bem n.º 2 e 6 das condições gerais do contrato de locação financeira outorgado entre Autora e Ré., onde se pode ler:
O(s) locatário(s) obriga-se a subscrever apólice de seguro que cubra:
a) Responsabilidade civil, eventualmente obrigatória, inerente ao equipamento/bem/serviço e quaisquer outras coberturas obrigatórias por lei;
b) Danos próprios do(s) locatário(s) e/ou bens em locação com as coberturas adequadas à natureza do equipamento/bem/serviço locado;
O locador poderá, se assim o entender, dispensar o(s) locatário(s) de seguro de danos próprios, sendo então sempre o(s) locatário(s) responsável para com o Locador pela perda ou deterioração do equipamento/bem/serviço, considerando-se como valor do equipamento/bem/serviço o total das rendas vincendas e das eventuais rendas vencidas e não pagas e respectivos juros moratórios e demais encargos em débito, acrescido do valor da caução.
A sentença recorrida considerou esta cláusula nula, por violar os imperativos da boa-fé, nos termos do disposto no D.L. 446/85, de 25 de Outubro.
Na leitura que fazemos de todo o clausulado contratual não nos parece, todavia, que seja aplicável o disposto nesta cláusula à situação sub iudice.
Estando nós perante um texto das condições gerais de um contrato previamente elaborado e que o locatário não pôde influenciar, é-lhe aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais previsto no D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro – art.º 1º, n.º 1 e 2.
Conforme dispõem os art.ºs 10º e 11º deste diploma, as cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam. Quando as cláusulas sejam ambíguas deve ser-lhes conferido o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real. Na dúvida, prevalece sempre o sentido mais favorável ao aderente.
Relativamente às situações de perda do bem locado no decurso da vigência do contrato de locação financeira pode ainda ler-se nas referidas condições gerais contratuais, para além do que consta da transcrita cláusula 9ª, na cláusula 11º, a), sob o título Perda ou Deterioração do Equipamento/bem/serviço: salvo se por facto fortuito ou de força maior o equipamento/bem/serviço se perder ou deteriorar observar-se-á o seguinte: a) sendo a perda total, o contrato considera-se resolvido, ficando o(s) locatário(s) obrigado ao previsto no anterior artigo 9, n.º 6, sendo contudo deduzido o montante recebido pelo Locador por força do contrato de seguro do equipamento/bem/serviço, caso exista.
E na cláusula 12ª, sob o título Responsabilidade do locatário pelo Risco da Perda ou Deterioração do Equipamento/bem/serviço, estipulou-se ainda que é de conta e ordem do locatário o risco de perda ou deterioração do equipamento/bem/serviço, mesmo que derivado de acto e/ou omissão de terceiro.
Como efetuar uma leitura conjugada e lógica destas três cláusulas, tendo em conta o grau de compreensão de um declaratário comum?
A atribuição da responsabilidade ao locatário pela perda do veículo locado prevista no n.º 6 da cláusula 9ª ao estar apenas prevista para as situações em que o locatário foi dispensado de celebrar contrato de seguro que incluísse os chamados danos próprios, deve ter como âmbito de aplicação apenas aqueles casos em que a perda da viatura é imputável ao próprio locatário, uma vez que o seguro de danos próprios é aquele que cobre o risco de danos causados à viatura segura pelo seu condutor.
Ora, essa não é a situação ocorrida no presente caso, uma vez que os danos que determinaram a perda do veículo locado foram causados pelo condutor de uma terceira viatura que nela embateu, pelo que se discorda da aplicação do disposto na cláusula 9ª a esta situação, o que torna irrelevante para a decisão da causa a discussão efetuada em fase de sentença e recurso sobre a validade desta cláusula.
Quanto à atribuição da responsabilidade ao locatário pela perda do bem locado constante da cláusula 11º, a), também a mesma não é aplicável ao caso sub iudice, uma vez que esta, ao retirar expressamente do seu âmbito de aplicação as hipóteses de caso fortuito e de força maior, também reduz o seu campo de previsão às situações em que a perda do bem locado é imputável ao locatário.
O recurso conjugado às expressões de cunho jurídico caso fortuito e força maior, num contexto contratual, designadamente neste contrato, pese embora as polémicas que existem à volta do significado preciso destes termos, deve ser entendido como abrangendo todas as situações provocadas por causas naturais ou por atos de terceiros, ou seja todas aquelas que não são imputáveis aos próprios contraentes [3].
Por isso a atribuição da responsabilidade pela perda do veículo locado ao locatário constante da cláusula 11ª, a) do contrato aqui em causa, deve também ser reportada aos casos em que essa perda lhe é imputável, diferindo a situação da prevista na cláusula 9ª, n.º 6, na circunstância de naquela se prever a existência de um seguro que cubra os danos próprios.
Daí que nos termos da cláusula 9ª, n.º 6, o locatário tenha que pagar o total das rendas vincendas e das eventuais rendas vencidas e não pagas e respectivos juros moratórios e demais encargos em débito, acrescido do valor da caução, satisfazendo todo o interesse contratual positivo do locador, incluindo lucros cessantes e danos emergentes e nos termos da cláusula 11ª, a), a esse mesmo valor deva ser deduzido o montante recebido pelo locador por força do contrato de seguro do equipamento/bem/serviço.
Não existe, pois, qualquer diferenciação desproporcionada entre as situações em que existe contrato de seguro que cubra os danos próprios e as situações em que o locatário foi dispensado de outorgar esse seguro, fundando-se aquela grande indemnização no facto da perda do bem locado ser imputável ao locatário.
Já os casos em que a causa da perda é imputável a facto natural ou a ação de terceiro encontram-se previstos na cláusula 12ª que se limita a reproduzir a solução legal de que nos contratos de locação financeira, contrariamente ao que sucede nos contratos de locação comuns, o risco da perda do bem locado corre por conta do locatário – art.º 15º do D.L. n.º 149/95, de 24 de Junho –, tendo essa cláusula expressamente referido que essas situações incluem os casos em que a perda é imputável a terceiro, o que as exclui, sem qualquer dúvida, das previsões das cláusula 9ª, n.º 6 e 11ª.
Nesta atribuição convencional do risco pela perda do bem locado, não se regularam expressamente as consequências dessa atribuição [4], pelo que devem ser aplicáveis as consequências do disposto no art.º 15º do D.L. n.º 149/95, de 24 de Junho.
Aí se consigna que, salvo estipulação em contrário, o risco de perda ou deterioração do bem corre por conta do locatário.
Apesar da aparente clareza desta disposição legal, o objecto desta responsabilidade é tema de discussão. Será uma responsabilidade pelo risco contratual, equivalente à consagrada no art.º 796º do C. Civil, para os casos em que ocorre uma transferência do domínio sobre a coisa, em que o adquirente, apesar da perda da coisa, continua obrigado a efetuar a sua prestação[5],  ou estaremos perante uma mera responsabilidade civil objetiva, em que se faz recair sobre o locatário a responsabilidade pelos danos sofridos pela coisa locada em resultado de acção natural ou acto de terceiro [6].
Na nossa perspetiva, não esquecendo que, apesar de todas as especificidades, não deixamos de estar perante um contrato de locação em que a contrapartida ao pagamento das rendas acordadas é o gozo do bem locado, e que o domínio jurídico do bem pertence ao locador, entendemos que esta responsabilidade pelo risco da perda do bem se traduz no dever de indemnizar o locador do valor do bem perdido e não no dever de cumprir integralmente a obrigação de pagamento das rendas apesar de ter ocorrido a perda do bem, mantendo-se,
Assim, quando a perda do bem é imputável a acto de terceiro, sobre este recai, em primeira linha, a obrigação de indemnizar o proprietário do bem – o locador – do seu valor, nos termos do artigo 483.º do C. Civil, recaindo também essa obrigação sobre o locatário financeiro, por força do disposto no art.º 15º do D.L. 149/95 de 24 de Junho.
E no presente caso, mesmo não seguindo este entendimento, ao não constar da cláusula 12ª, onde se prevê por quem corre o risco de perecimento do bem locado, que o locatário fica responsável pelo pagamento das rendas vincendas, contrariamente ao que sucede nas cláusulas 9ª, n.º 6, e 11ª, a), relativas a situações em que a perda é imputável ao locatário, sempre deveria a mesma ser interpretada no sentido de não ser essa a consequência para a verificação do risco, distinguindo-se, compreensivelmente, os casos de perda do bem locado imputável ao locatário do casos em a perda não lhe é imputável.
No presente caso está provado que a Autora recebeu da F...– Companhia de Seguros, S.A., a título de indemnização pela perda total da viatura, o montante de €8.076,00, correspondente ao valor venal do veículo à data do sinistro, avaliado em 9.187€, após lhe ter sido deduzido o valor do salvado considerado em €1.111,00, o qual foi entregue à Autora.
Não tendo sido alegado que o valor pago correspondesse ao valor do veículo locado no momento que antecedeu o acidente, deve considerar-se que a Autora já foi inteiramente ressarcida do prejuízo sofrido com a perda do veículo, pelo que ao Réu nada mais pode ser reclamado, designadamente o pagamento das rendas que se venceriam após o acidente.
Por estas razões revela-se correta a decisão de improcedência do pedido formulado pela Autora, devendo, por isso, improceder o recurso.
Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela Autora e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela Autora.


[1] Sobre este sub-tipo contratual, Diogo Leite de Campos, em A locação financeira, pág. 63 e seg., ed. 1994, Lex, Fernando de Gravato Morais, em Manual da locação financeira, pág. 25 e seg., ed. 2006, Almedina, Pedro Romano Martinez, em Contratos Comerciais, pág. 58 e seg., ed. 2001, Principia, Rui Pinto Duarte, em Escritos sobre leasing e factoring, pág. 164 e seg., 2001, Principia, Carlos Ferreira de Almeida, em Contratos II, Conteúdo. Contratos de troca, pág. 216 e seg., 2007, Almedina, e Paulo Duarte, em Algumas questões sobre ALD, em Estudos de Direito do Consumidor, vol. 3, ed. 2001, Centro de Direito do Consumo.

[2] Neste sentido, Fernando de Gravato Morais, ob. cit. pág. 171, e os seguintes acórdãos:
- do T. R. P. de 18.9.2008, relatado por Deolinda Varão, acessível em colectânea de jurisprudência.com
- do T. R. L. de 2.12.2008, relatado por Eurico Reis,
- do T. R. P. de 1.7.2010, relatado por Deolinda Varão,
- do T. R. P. de 14.3.2017, relatado por Vieira e Cunha, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

[3] No sentido da referência conjugada aos “casos fortuitos e de força maior” abranger todas as causas não imputáveis às partes, abrangendo as causas imputáveis a terceiros, Manuel de Andrade, em Teoria Geral das Obrigações, vol. I, ed. 1958, Almedina.
[4] Ao contrário do que tem sucedido noutros contratos presentes a tribunal, como nos dá conta Fernando de Gravato Morais, ob. cit., pág. 167, citando alguns arestos.

[5] Neste sentido, José Andrade Mesquita, em Direitos pessoais de gozo, pág. 45, ed. de 1999, Almedina e os três primeiros acórdãos referidos na nota 2.

[6] Neste sentido, Nuno Aureliano, em O risco nos contratos de alienação, pág. 451, ed. 2009, Almedina, e Rui Pinto Duarte, ob. cit., pág. 65 e 66, sobretudo o apontamento constante da nota 116.