Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3589/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JORGE ARCANJO
Descritores: EFEITOS DO DIVÓRCIO
Data do Acordão: 01/20/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ART.º 1789º DO C.C.
Sumário:
O pedido de retroacção dos efeitos do divórcio à data em que cessou a coabitação entre cônjuges (art. 1789º n.º 2 do C. C. ), pode ser feito mesmo depois do trânsito em julgado da sentença que o decretou, constituindo um incidente autónomo no próprio processo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de COIMBRA

I – RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de OURÉM, na acção de divórcio litigioso, com forma de processo especial, que o Autor ANIBAL instaurou contra a Ré RITA, foi proferida sentença ( 8/1/1998 ) a julgar procedentes a acção e a reconvenção e decretou o divórcio entre Autor e Ré, declarando-se aquele o único culpado.

Após o trânsito em julgado da sentença, a Ré RITA, requereu ( 13/5/2003 ), através de incidente autónomo, e com fundamento no disposto no art.1789 nº2 do Código Civil, que o tribunal declare a retroacção dos efeitos do divórcio à data da cessação da coabitação entre os ex-cônjuges, com todas as consequências legais.

Por despacho de 26/5/2003, a M.ma Juiz decidiu indeferir a pretensão requerida, com fundamento em ser extemporânea, por já haver transitado a sentença de divórcio.

Inconformada com o despacho, a requerente dele interpôs recurso de agravo, em cuja motivação concluiu, em resumo:
1º) – A agravante não deve ser prejudicada em termos económicos, tanto mais que é cônjuge inocente;
2º) – Está em causa um bem adquirido pela agravante depois de ter cessado a coabitação, cuja data consta da sentença de divórcio;
3º) – São vários os arestos jurisprudenciais no sentido de que, mesmo depois do trânsito em julgado da sentença, pode ser requerido o pedido de retroacção dos efeitos do divórcio à data em que cessou a coabitação;
4º) – O despacho recorrido violou o art.1789 do Código Civil.

A parte contrária não contra-alegou, tendo a M.ma Juiz sustentado o despacho impugnado.
II – FUNDAMENTAÇÃO

Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões a única questão suscitada é a de saber se o pedido de retroacção dos efeitos do divórcio, nos termos do nº2 do art.1789 do CC, pode ser formulado após o trânsito da sentença que o decretou.
Os efeitos do divórcio produzem-se, em regra, a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença ( art.1789 nº1, 1ª parte do CC ).
Este princípio comporta, no entanto, as excepções previstas na 2ª parte do nº1 e no nº2 do art.1789, introduzidas pela Reforma de 1977 ( DL 496/77 de 25/11 ).
Assim, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, os efeitos retrotraem-se à data da proposição da acção, protegendo-se preventivamente os actos prejudiciais que afectem o património comum.
A disposição inovadora positivada no nº2 do art.1789 do CC estipula que “ se a falta de coabitação entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio se retrotraiam à data, que a sentença fixará, em que a coabitação tenha cessado por culpa exclusiva ou predominante do outro “.
O legislador, ao tomar como referência a data em que no processo se considere como provada a cessação da coabitação, antecipou os efeitos do divórcio, em virtude da situação que precede a acção e lhe serve de fundamento.
Neste caso, para se verificar a retroacção dos efeitos do divórcio é necessário o requerimento de um dos cônjuges, quando a cessação tenha cessado por culpa exclusiva ou predominante do outro, pelo que o preceito só pode reportar-se ao divórcio litigioso fundado na violação do dever de coabitação ou na separação de factos dos cônjuges, não sendo de excluir a sua aplicação a outras causas do divórcio ( cf. Pereira Coelho, Curso de Direito da Família, vol.I, 2ª ed., pág.657 ).
Na sentença de divórcio provou-se que a cessão do dever de coabitação ocorreu em data incerta do ano de 1987.
Sobre o momento até ao qual pode ser formulado esse requerimento, há duas teses:
a) – O requerimento deve ser feito no próprio processo e antes de ser proferida a sentença.

O argumento que parece estar subjacente é o de que segundo o nº2 do art.1789 a data da cessão será fixada na sentença, pelo que o efeito retroactivo só nela pode ser declarado, e não posteriormente, por via incidental ( cf., por ex., Ac do STJ de 22/1/97, C.J. ano V, tomo I, pág.63, Ac RC de 19/12/91, BMJ 404, pág.519, Ac RP de 18/3/96, BMJ 455, pág.570 ).
Também Pereira Coelho defende idêntica posição, expondo, a dado passo – “ segundo creio, o requerimento deve ser feito no próprio processo e o efeito retroactivo declarado na sentença “ ( Reforma do Código Civil, 1981, pág.47 ).

b) – O pedido de retroacção dos efeitos do divórcio à data em que cessou a coabitação entre os cônjuges, pode ser feito mesmo depois do trânsito em julgado da sentença, constituindo um incidente autónomo no próprio processo.
Os tópicos argumentativos são os seguintes:
A lei não estabelece prazo para o efeito, pois a única coisa que manda fixar na sentença, caso esteja provada, é a data da cessação da coabitação entre os cônjuges, em conformidade com o art.1829 nº2 b) ( 2ª parte ) do CC ao considerar finda a coabitação dos cônjuges na data em que a sentença fixar como a da cessação da coabitação.
Por conseguinte, uma coisa é esta data, que deve constar da sentença, outra o momento até ao qual pode ser requerido o efeito retroactivo.
Ora, a sentença pode até fixar a data da cessão da coabitação e nem sequer ser necessário o pedido de retroacção, por exemplo, se os ex-cônjuges chegarem a acordo quanto às relações patrimoniais.
Como só depois de decidida a matéria de facto se fica a saber qual a data em que o tribunal fixou a cessação de coabitação entre os cônjuges, nos casos em que não há base instrutória ( por exemplo, nos divórcios não contestados ) já não seria possível tal requerimento, a menos que o pedido de retroacção fosse formulado condicionalmente, antes do julgamento, mas a lei adjectiva não contempla tal situação.
A tese da admissibilidade, após o trânsito, não colide com o caso julgado, nem com os poderes de cognição do tribunal, uma vez que o efeito preclusivo da sentença reporta-se à data da cessação, mas já não ao pedido de retroacção, que não ficou consumido.
No mesmo sentido se decidiu no Ac RP de 17/1/89, C.J. ano XIV, tomo I, pág.180, e Ac RL de 16/1/96, C.J. ano XXI, tomo I, pág.85, ao sustentarem que a lei não estabelece qualquer prazo, para o efeito, e não ocorre violação do art.665 nº1 do CPC.
Muito embora a jurisprudência não seja uniforme sobre o momento até ao qual pode ser deduzido o pedido incidental, adopta-se aqui a tese da admissibilidade após o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, pelas razões enunciadas, tanto mais que a interpretação teleológica reforça este entendimento, já que a ratio legis subjacente à norma, quanto às relações patrimoniais, é a tutela do património do cônjuge inocente ou menos culpado.
III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar procedente o agravo e revogar o despacho recorrido, devendo ser substituído por outro a admitir o requerimento incidental.
2)
Sem custas.
+++

COIMBRA, 20 de Janeiro de 2004 ( processado por computador e revisto ).