Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
361/07.0GCPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ELEMENTOS DO TIPO
OFENSAS À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES
Data do Acordão: 01/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 143º, Nº1, 152º,Nº1, AL A) E 2 DO CP
Sumário: 1.Não são os simples actos plúrimos ou reiterados que caracterizam o crime de maus tratos a cônjuge, o que importa é que os factos, isolados ou reiterados, apreciados à luz da intimidade do lar e da repercussão que eles possam ter na possibilidade de vida em comum, coloquem a pessoa ofendida numa situação que se deva considerar de vítima, mais ou menos permanente, de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade, dentro do ambiente conjugal
2.Não comete o crime p.e p .pelo artigo 152º,nº1,al.a) mas o p. e p pelo artigo 143º nº1, ambos do CP, quando apenas resulta provado que num determinado dia o arguido colocou com força a mão na zona do pescoço da assistente e que, por essa forma lhe causou lesões.
3.No que diz respeito factos que integram o crime de natureza particular extinguiu-se o direito de queixa por terem decorrido mais de 6 meses entre o conhecimento dos factos parte da assistente e a data em que apresentou a denúncia.
Decisão Texto Integral: pág. 21
Acordam em conferência na 4º sec. criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
No processo supra identificado em que é arguido:
CA., casado, …, filho de U e M, natural da freguesia …, nascido …/.../ 73 e residente na Rua …., Pombal.
Foi proferida sentença, sendo decidido:
1. Absolver o arguido do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152°, nºs 1, a) e 2 do CP, de que vinha acusado.
2. Condenar o arguido como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143°, nº1 do CP, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 8€.
3. Condenar o requerido CA a pagar a EX, a quantia de 150€, a que acrescem juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data da notificação para contestar o pedido cível e vincendos até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do que, de mais, havia sido peticionado.
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Inconformada interpôs recurso a assistente EX
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso, e que delimitam o objecto do mesmo:
1- O Recorrido vinha acusado pelo MºPº da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art° 152°/1-a) e nº 2 do C. Penal.
2- Por danos patrimoniais e não patrimoniais, a recorrente formulou pedido de indemnização cível no valor de 6.428,00€ acrescido de juros.
3- Produzida a prova, o Tribunal "a quo" considerou provados, no que ao caso interessa, que, durante um período que vem pelo menos desde 2006, o recorrido, de modo reiterado, infligiu maus tratos físicos e psíquicos à recorrente, nomeadamente:
a)- "apelidou a esposa de estúpida e filha da puta." (facto n.º 8);
b)- "desferiu murros no mobiliário da cozinha." (facto n.º 9);
c)- "desferiu um pontapé numa cadeira da cozinha, tendo-a partido." (facto n.º 10);
d)- "por vezes as filhas do casal assistiam a discussões entre os progenitores." (facto n.º 11);
e)- "com força colocou-lhe a mão na zona do pescoço, do lado esquerdo, querendo impedi-Ia de abandonar o local." (facto n.° 14);
f)- "representou, contudo, como possível a verificação do resultado que sobreveio, tendo-se conformado com tal previsão." (facto n.º 15);
g)- "sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei." (facto n.º 16);
h)- a recorrente "ficou com equimoses avermelhadas, ténues na região dorsal esquerda, junta à coluna cervical, medindo quatro centímetros e meio por três centímetros, bem como uma outra pequena escoriação, com meio centímetro, situada abaixo destas." (facto n.º 18);
i)- "tais lesões foram causa de três dias de doença sem afectação da capacidade de trabalho." (facto n.º 19);
j)- a recorrente “já temia pela sua segurança, até porque este tinha uma arma em casa." (facto n.º 22);
k)- o recorrido "foi buscar a arma (. . .) e atirou-a a um poço, (. . .), tendo-o esta visto passar com a mesma arma no corredor da habitação." (facto n.º 23);
l)- ela "referiu a uma colega de trabalho que o marido a havia perseguido com a dita arma." (facto n.° 24);
m)- "a ausência do marido, suspeitas de infidelidade e o fim do seu casamento, causaram profundo sofrimento à EX, que chorava frequentemente e se queixava." (facto n.º 25);
n)- a recorrente "com problemas de sono e agitação, tendo sido psicologicamente tratada." (facto n.° 26);
o)- "frustrada e humilhada com o fim do casamento que programou para o resto da vida." (facto n.º 27);
p)- "o seu rendimento profissional diminuiu." (facto n.° 28).
q)- "após a instauração deste processo deslocou-se à GNR, ao patrono, ao GML por várias vezes, efectuou telefonemas." (facto n.º 29).
r)- "com as mesmas finalidades, faltou ao trabalho número exacto não apurado de vezes, tendo-lhe sido descontados os dias equivalentes de férias." (facto n.º 30);
s)- "as lesões que lhe foram causadas provocaram dores." (facto n. ° 31);
t)- "neste momento o casal, embora ainda unido pelo matrimónio permanecem em casas separadas." (facto n.º 34).
4- Contudo, o Tribunal "a quo" absolveu o recorrido do crime de violência; condenou-o por um crime de ofensas à integridade física simples em 60 dias de multa à taxa diária de 8€ e condenou-o a pagar à recorrente a quantia de 150,00€ acrescida de juros.
5- Por outro lado, afirma: "No que se refere à designação da assistente como estúpida e filha da puta (. . .) é claro que uma tal actuação é passível de integrar a prática de um crime de injúria, p. p. pelo ert" 181do C. P."
6-E: "Contudo, tendo requerido a sua constituição como assistente, esta não deduziu acusação particular e nem sequer apresentou queixa, tendo por referência tal concreto circunstancialismo, motivo pelo qual, revestindo o ilícito em causa natureza particular, por falecer tais condições objectivas, de punibilidade, tais factos não poderão levar a qualquer condenação do arguido."
7 - Entende a recorrente que, com os factos provados, o recorrido preencheu todos os requisitos do tipo e, por isso, cometeu o crime de violência doméstica p. e p. no art. 152, nºs 1 e 2 do C. Penal, de que vinha acusado.
8- Aliás, na própria sentença recorrida, encontramos expendida fundamentação susceptível de adjuvar a sua tese - cfr. fls. 9 e 10.
9- E, tendo o Tribunal "a quo" procedido à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, sempre a assistente tinha que ser expressamente notificada para deduzir, querendo, acusação particular quanto ao crime de injúrias - cfr. Art. 285/1 do CPP.
10- Sob pena de ver assim cerceado o seu direito de deduzir acusação particular, o que não é legalmente permitido.
11- Até por que, apresentou queixa na GNR e perante o Mº Pº (declarações de 19/02/2008), por todos os factos, incluindo os das injúrias; não deduziu acusação particular, porque tais factos se encontravam absorvidos pela acusação pública (cfr. ponto nº 4) no crime de violência doméstica e porque só teve conhecimento da alteração da qualificação jurídica, aquando da leitura da sentença.
12- Quanto à indemnização cível, o valor de 150,00€ em que o recorrido foi condenado, corresponde a uma autêntica absolvição: não repara qualquer dano à recorrente, nem representa qualquer esforço/sanção para o recorrido.
13- Pois, sem conceder, mesmo condenando o recorrido apenas pelo crime de ofensas à integridade física, o valor da indemnização, para ser justo e adequado tinha que ser fixado muito próximo do pedido da recorrente: por força dos danos, do contexto e da relação entre agressor e a agredida.
Não foram extraídas correcta e adequadamente as consequências jurídicas dos factos praticados pelo recorrido, dados como provados e, por isso, a recorrente pede a Vossas Excelências que a Sentença proferida no Tribunal "a quo", seja substituída por outra que:
a)- Mantenha a qualificação jurídica dos factos constante da acusação e condene o recorrido pela prática de um crime de violência doméstica, p. p. art. 152°/1-a) e nº 2, do C. Penal, bem como na indemnização cível peticionada pela recorrente, ou,
b)- Caso se entenda ser de alterar a qualificação jurídica dos factos, o que só como mera hipótese se admite, condene o recorrido em indemnização cível adequada e condigna, ou seja, em valor próximo do peticionado.
Foi apresentada resposta pelo Magistrado do Mº Pº, que concluiu:
1- O bem jurídico tutelado pelo crime de violência doméstica reside na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana, bem como da própria saúde enquanto bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental.
2- As condutas típicas podem ser de vária espécies: maus-tratos físicos (isto é, ofensas à integridade física simples), maus-tratos psíquicos (humilhações, provocações, molestações, ameaças), tratamento cruel, desumano.
3- Este normativo penaliza a violência na família, merecendo a atenção do Conselho da Europa, que a caracterizou como "acto ou comissão cometido no âmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade".
4- Com a revisão operada pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, veio esclarecer-se o sentido a dar ao tipo de crime, concretamente no que se referia à querela interpretativa que vinha sendo suscitada quanto ao crime de maus tratos, que se prendia com o facto de saber se o crime exigia uma actuação reiterada do agente ou bastava um único acto isolado, desde que a sua gravidade fosse tal que, por si, fosse adequado a atingir a dignidade do visado.
5- Era entendimento que, em regra, o tipo de crime de maus-tratos exigia uma reiteração da conduta delituosa, só em casos excepcionais bastava um só acto, se ele fosse suficientemente grave para afectar de forma marcante a saúde física ou psíquica da vítima.
6- E é precisamente neste último sentido que vai a actual previsão legislativa: basta um único acto para se integrar o tipo legal de crime em referência, desde que o mesmo, por si só, atinja o bem jurídico violado.
7- No caso, atento o acima explanado quanto ao tipo de crime, somos levados a concordar com a bem fundamentada decisão da Meritíssima Juiz.
8- O único acto de violência física sobre a assistente não assume uma gravidade tal que atinja a bem jurídico protegido pelo crime em apreciação.
9- As sucessivas discussões entre o casal, o sentimento de desilusão e sofrimento daí decorrentes, têm que ser devidamente apreciado e valorado no seu contexto - a degradação e ruptura da relação conjugal -, e não propriamente em termos de maus-tratos psicológicos.
10- Não são todas as ofensas corporais entre cônjuges que cabem na previsão criminal do referido art. 152°, mas aquelas que se revistam de uma certa gravidade, que, fundamentalmente, traduzam crueldade ou insensibilidade, ou até vingança desnecessária, da parte do agente.
11- Resulta da motivação da sentença recorrida uma apreciação crítica, lógica e racional da prova produzida, bem como um correcto enquadramento jurídico-penal.
Não deverá ser dado, nesta parte, provimento ao recurso interposto.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em parecer emitido, sustenta a improcedência do recurso.
Respondeu a assistente reiterando os fundamentos do recurso que interpôs.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto:
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido casou com EX em 5 de … de 1997, tendo o casal fixado residência na Rua …. Pombal;
2. Do casamento nasceram a 2…..97 e 16…..99, respectivamente DI e AL
3. O casal há algum tempo evidencia sérias discordâncias sobre a forma como deve ser vivida a vida em comum, designadamente porque a esposa considera que o arguido presta pouco apoio a ela própria e ás filhas do casal, passa demasiado tempo fora de casa, tendo suspeitas da sua fidelidade, as quais são fomentadas por terceiras pessoas cuja identidade não foi possível apurar.
4. Amiúde, confronta-o com tais posições e alegações, negando o arguido a sua veracidade e acusando-a de ser excessiva e doentiamente ciumenta.
5. Por força desse circunstancialismo, o relacionamento entre o casal deteriorou-se de forma mais séria desde data exacta não apurada, mas em todo o caso situada por volta do ano de 2006.
6. Em data exacta não apurada, mas em todo o caso posterior à referida em 5, no seu local de trabalho, a EX recebeu uma chamada "anónima" tendo-lhe sido dito que o arguido ia ter um filho de outra mulher que seria sua amante.
7. De pronto, a mesma telefonou ao marido a quem confrontou com tal alegação.
8. O mesmo mostrou-se profundamente desagradado com o que lhe estava a ser dito, negou tal alegação e no decurso dessa conversa em que ambos se mostravam alterados apelidou a esposa de estúpida e filha da puta.
9. No decurso de uma discussão entre o casal, presenciada por uma amiga da assistente, o arguido desferiu murros no mobiliário da cozinha.
10. No decurso de uma outra discussão o arguido desferiu um pontapé numa cadeira da cozinha, tendo-a partido.
11. Por vezes as filhas do casal assistiam a discussões entre os progenitores, as quais eram iniciadas por membro exacto não apurado.
12. No dia 20 … de 2007, a hora exacta não apurada, mas em todo o caso situado cerca de hora de almoço, o arguido confrontou a sua mulher com o facto de uma conhecida sua, que trabalhava com ele numa Associação da localidade em que residem ter recebido uma chamada telefónica em que era acusada de ser sua amante, o que muito a tinha ofendido, querendo saber da sua responsabilidade pelo menos indirecta nesse circunstancialismo.
13. A assistente ficou zangada e, de imediato fez menção de ir pedir explicações sobre o assunto, tendo saído de casa na companhia das filhas e entrado na viatura para abandonar o local.
14. O arguido seguiu-a e, de modo voluntário, com força colocou-lhe a mão na zona do pescoço, do lado esquerdo, querendo impedi-la de abandonar o local e evitando que, por essa via terceiros voltassem a ser incomodados, referindo-lhe que não arranjasse mais confusões.
15. Representou, contudo, como possível a verificação do resultado que sobreveio, tendo-se conformado com tal previsão.
16. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
17. A assistente pôs o carro em andamento e abandonou o local com as filhas.
18. Em consequência da conduta supra descrita, a EX ficou com equimoses avermelhadas ténues na região dorsal esquerda, junto à coluna cervical, medindo quatro centímetros por meio e três centímetros, bem como uma outra pequena escoriação, com meio centímetro, situada abaixo destas.
19. Tais lesões foram causa de três dias de doença sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional
20. No dia 11.,/...08, cerca das 20h, a EX dirigiu-se ao arguido e mencionou que as pessoas falavam mal deles e faziam comentários a propósito do comportamento da mãe deste falecida há pouco tempo.
21. O arguido ficou muito perturbado com tal ocorrência e a partir daí insistia com regularidade com a esposa para que lhe dissesse quem lhe havia falado mal da mãe, o que a mesma negava dizer.
22. Na sequência desses factos, o arguido ouviu a EX dizer aos pais que face à insistência do arguido em que lhe desse a citada informação que já temia pela sua segurança, até porque este tinha uma arma em casa.
23. O arguido, tendo ouvido dizer isso à esposa, foi buscar a arma, na qual tinha estimação, por ser de família e atirou-a a um poço, para a tranquilizar, tendo-o esta visto passar com a mesma arma no corredor da habitação.
24. Não obstante, esta referiu a uma colega de trabalho que o marido a havia perseguido com a dita arma.
25. A vivência de um casamento que não correspondia às suas expectativas, a ausência do marido, as suspeitas de infidelidade e o fim do seu casamento causaram profundo sofrimento à EX, que chorava frequentemente e se queixava.
26. Andou pelos mesmos motivos com problemas de sono e agitação, tendo sido psicologicamente tratada.
27. Sente-se frustrada e humilhada com o fim do casamento que programou para o resto da vida.
28. O seu rendimento profissional diminuiu.
29. Após a instauração deste processo deslocou-se à GNR, ao patrono, ao GML por várias vezes, efectuou telefonemas, em montante exacto que não foi possível apurar.
30. Com as mesmas finalidades faltou ao trabalho número exacto não apurado de vezes, tendo-lhe sido descontados os dias equivalentes de férias.
31. As lesões que lhe foram causadas provocaram dor.
32. O arguido é pessoa estimada no meio, sendo reputado como trabalhador, bom amigo e muito extrovertido.
33. Tem a profissão de perito avaliador.
34. Neste momento o casal, embora ainda unido pelo matrimónio permanece em casas separadas.
35. O arguido tem convivido com as filhas, com quem mantém boa relação.
36. Não tem antecedentes criminais.
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Não se provaram os demais factos constantes acusação, pedido de indemnização e contestação, designadamente que os factos praticados pelo arguido ou ocorridos entre o casal tenham tido outras motivações, desenvolvimento, extensão ou consequências que não as que se dão como provadas; que o sofrimento da assistente seja directamente causado por qualquer conduta delituosa do arguido ou motivado por outros factos que não os que se dão como provados.
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Na sentença é indicada a seguinte fundamentação jurídica dos factos provados:
Ao arguido é imputada a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art° 152°, nºs 1, a) e 2 do CP, na sua versão revista pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, a conduta do arguido encontra-se prevista no artigo 152°, nº 1, alínea a), do Código Penal, preceituando tal normativo que quem de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais ao cônjuge é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
A pena em causa é agravada, nos termos do nº 2 da citada norma se o facto for praticado pelo agente na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima.
A introdução do crime de maus-tratos em 1982, no nosso ordenamento jurídico visou
reprimir criminalmente, além do mais, formas de violência no seio familiar, na sequência de uma consciencialização ético-social da gravidade de tais comportamentos violadores de alguns direitos fundamentais das pessoas.
Assim sendo, a ratio dirigiu-se à protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana, podendo dizer-se que o bem jurídico protegido é a saúde, enquanto bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental e que pode ser afectado por uma variedade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal e saudável desenvolvimento da personalidade (neste sentido, Comentário Conimbricense do Código Penal, I vol. pág 332).
A função da incriminação é assim de prevenir as frequentes formas de violência no âmbito da família, da educação e do trabalho.
A reforma do Código Penal efectuada pelo Decreto- Lei nº 48/95 de 15 de Março introduziu importantes alterações ao regime até aí existente, passando a incriminar a par dos maus tratos físicos, os maus tratos psíquicos.
Conforme refere Taipa de Carvalho, (Código Penal Conimbricense, Coimbra, Tomo I, pág. 332), a ratio do tipo não está na protecção da comunidade familiar, conjugal, ( ... ), mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana. O âmbito punitivo deste tipo de crime inclui os comportamentos que lesam esta dignidade.
Após a última revisão legislativa levada a cabo no tipo legal de crime em causa, esclareceu-se o que vinha sendo, precisamente a maior querela interpretativa anteriormente suscitada, que consistia, precisamente em saber se se exigia uma actuação reiterada do agente, repetindo sucessivamente condutas, alongando a violação típica no tempo, mesmo que por actuações diversas ou se bastava um único acto isolado, desde que a sua gravidade fosse tamanha que por si só, fosse adequado a atingir a dignidade do visado, isoladamente.
E é precisamente neste último sentido que vai a actual previsão legislativa: basta um único acto para se integrar o tipo legal de crime em referência, desde que o mesmo, por si só, atinja o bem jurídico violado.
Este consubstanciar-se-á, pois, na perpetração de qualquer acto de violência que afecte, por alguma forma, a saúde física, psíquica e emocional do cônjuge vítima, diminuindo ou afectando, do mesmo modo, a sua dignidade enquanto pessoa inserida numa realidade conjugal igualitária.
As condutas previstas e punidas por este artigo podem ser de várias espécies: maus tratos físicos (isto é, ofensas corporais simples), maus tratos psíquicos (humilhações, provocações, molestações, ameaças mesmo que não configuradoras em si do crime de ameaça, entre outros), tratamento cruel, isto é, desumano.
Mister é, porém que, em casos em que não ocorra reiteração da conduta a mesma se restrinja a casos de especial violência.
No que concerne ao elemento subjectivo, para que este se verifique exige a lei o dolo, embora já não o específico traduzido na actuação por malvadez ou egoísmo.
No caso concreto, contudo, os factos dados como provados, não revelam a prática pelo arguido do crime de que vem acusado, mas antes evidenciam uma situação de conflito, com culpas exactas que não terão que ser apuradas nesta sede e que, embora relevantes para efeitos de divórcio, por via de eventual violação dos deveres conjugais, não assumem relevo criminal e sempre seriam, em todo o caso repartidas, não sendo isenta de reparo a actuação da assistente ao mencionar os comentários maldosos sobre a mãe do arguido, que há pouco tempo havia sido enterrada.
As discussões, os murros e pontapés na mobília, embora lamentáveis em situações de conflito são desculpáveis e não integram, por si só a tipologia legal mencionada.
Ficamos, pois, com duas situações, uma em que o arguido chamou estúpida e filha da puta à esposa e outra em que, tentando evitar que a mesma abandonasse o local e fossem causados mais transtornos a terceiros, lhe colocou, com força a mão no ombro, causando-lhe pequenas equimoses.
Em ambas as situações, o arguido reagiu a uma atitude activa da esposa que, com razão ou sem ela, foi geradora de conflito: as suspeitas de infidelidade e a confrontação do próprio com uma chamada anónima, de imediato, a quem, em estado de alteração, via telefone e a segunda, a acusação feita a terceiros e por terceiros de que o arguido seria amante de uma pessoa a quem incomodou, obviamente tal alegação, que a assistente, de imediato, prontamente, tentou tirar a limpo.
Em nosso entender, embora não desprovidas de censura, tais actuações não assumem a particular gravidade que se exige por forma a poder concluir-se que, por via delas o arguido atentou contra a dignidade da pessoa humana que é sua esposa.
Assim, e por tal motivo, importa concluir pela absolvição do arguido do crime de que vinha acusado.
E será que tais condutas serão passíveis de outra integração, isoladamente consideradas?
No que se refere à designação da assistente como estúpida e filha da puta, não obstante se desconhecer o contexto exacto em que foram referidas, é claro que uma tal actuação é passível de ofender a honra e consideração da assistente e logo, passível de integrar a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art° 181 do CP.
Contudo, tendo requerido a sua constituição como assistente, esta não deduziu acusação particular e nem sequer apresentou queixa tendo por referência tal concreto circunstancialismo, motivo pelo qual revestindo o ilícito em causa natureza particular, por falecer tais condições objectivas de punibilidade, tais factos não poderão levar a qualquer condenação do arguido.
Resta apreciar a actuação do arguido no dia 20.12.07.
Nos termos do disposto no artigo 143°, nº 1 do Código Penal, "quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa".
A formulação deste inciso normativo abrange assim uma pluralidade de condutas susceptíveis de por em causa a saúde ou o corpo de outrem, sendo certo que o tipo se preenche a partir de qualquer ofensa aos aludidos referentes.
Este tipo legal caracteriza-se como sendo um crime de execução livre e de resultado - ofensa no corpo e na saúde de outrem. Acresce que terá que ser produzido a título doloso (cfr. artigo 14° do Código Penal), em qualquer das suas modalidades, ou seja, para o preenchimento subjectivo do crime apenas é necessário que o agente actue com conhecimento da adequação da sua acção, ou omissão, para a produção do resultado proibido como consequência directa, necessária ou eventual daquelas.
Em síntese, os elementos típicos que constituem a hipótese normativa aludida são:
- objectivamente, a acção adequada a produzir um resultado consubstanciado na ofensa ao corpo ou à saúde de outrem; e
- subjectivamente, o dolo, em qualquer uma das modalidades mencionadas no artigo 14° do Código Penal, constituído pelo conhecimento dos elementos objectivos do tipo e pela vontade de agir por forma a preenchê-los.
Da matéria de facto dada como provada, resulta que no dia em causa o arguido colocou com força a mão na zona do pescoço da assistente e que, por essa forma lhe causou lesões.
Igualmente está provado que tal arguida actuou de modo voluntário, querendo impedi-la de incomodar terceiros com a questão que antes haviam debatido, mas prevendo a possibilidade de a lesar fisicamente e conformando-se com tal resultado que representou.
Igualmente está provado que o arguido actuou conhecendo a ilicitude da sua conduta.
Importa, pois concluir ter o arguido, com esta sua conduta, integrado todos os elementos do tipo legal de crime em referência, tendo actuado com dolo eventual.
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Conhecendo:
O recorrente insurge-se contra:
- Qualificação jurídica dos factos provados;
- Falta de acusação particular da assistente;
- Pedido de indemnização cível.
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Qualificação jurídica dos factos provados:
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há-de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres documentos) conjugada com as regras da experiência comum.
São gradativamente diferentes os factos constantes da acusação de fls. 101, dos provados e constantes da sentença, assim como é diferente a maneira como a assistente os apresenta na motivação do recurso, por isso que a “convolação” operada se mostra correcta. A maneira como os factos são descritos na sentença retira o impacto e a violência que se dava ao descrevê-los na acusação, e a recorrente pretende, pelo modo como os descreve na motivação do recurso.
Como resulta dos factos provados, muitas vezes a atitude e comportamento do arguido era de reacção a atitudes activas da esposa.
Assim que não tem razão a assistente ao referir que o Mº Pº, com os mesmos factos sustentou a prática do crime de violência doméstica e agora (resposta ao recurso) sustenta a “convolação” para ofensas corporais. Os factos não são os mesmos.
Assim como não tem razão a recorrente ao referir que na sentença se diz que os factos preenchem o crime de violência doméstica. É certo que no início da análise da matéria de direito (fls. 209) se refere, “a conduta do arguido encontra-se prevista no art. 152, nº 1 al. a) do Código Penal”, mas tal conduta reporta-se à imputação que lhe é feita na acusação e não à conduta consubstanciada nos factos provados.
A fundamentação que se segue é manifesta de que a senhora juiz entende que os factos provados não preenchem aquele tipo de crime. Aí se refere, conforme se constata da transcrição supra, “as discussões, os murros e pontapés na mobília, embora lamentáveis em situações de conflito são desculpáveis e não integram, por si só a tipologia legal mencionada”.
Assim como em proficiente fundamentação se colhe tal conclusão, com a qual concordamos.
Qualificação jurídica dos factos:
Entende a recorrente que os factos provados preenchem os elementos típicos do crime pelo qual vinha o arguido acusado.
O art. 152 do CP na redacção anterior à lei 59/07 não integrava no tipo o conceito de reiteração (de modo reiterado ou reiteração da respectiva conduta).
Assim como a actual redacção dada por esta lei 59/07 não exclui a violência exercida de forma não reiterada. O preceito refere, “de modo reiterado ou não”.
O preceito não demanda a prática habitual dos actos ou a repetitividade das condutas, o normativo prevê tanto situações repetitivas ou plurimas como situações de natureza una.
O Ac. do STJ de 17-10-1996, in CJ STJ, tomo 3, pág. 170 refere que “o art. 152 do CP não exige, para verificação do crime nele previsto, uma conduta plúrima e repetitiva dos actos de crueldade”.
E o Ac. do STJ de 14-11-1997 CJSTJ, tomo 3, pág. 235, refere “só as ofensas, ainda que praticadas por uma só vez, mas que revistam uma certa gravidade, ou seja que traduzam crueldade, insensibilidade ou até vingança desnecessária por parte do agente, é que cabem na previsão do art. 152 do CP”.
No mesmo sentido os Acs. desta Relação, in www.dgsi.pt:
Rec. 3827/2002 : "Não são os simples actos plúrimos ou reiterados que caracterizam o crime de maus tratos a cônjuge, o que importa é que os factos, isolados ou reiterados, apreciados à luz da intimidade do lar e da repercussão que eles possam ter na possibilidade de vida em comum, coloquem a pessoa ofendida numa situação que se deva considerar de vítima, mais ou menos permanente, de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade, dentro do ambiente conjugal" (sublinhado nosso).
Rec. de 27-06-2007 proc. 256/05.2GCAVR.C1: "I- No tipo do ilícito previsto no art, 152 n.º 2, do CP se ubicam uma pluralidade de bens jurídicos como sejam as ameaças, as coacções, as agressões, as injúrias .II- Trata-se de um crime de maus tratos físicos ou psíquicos, o que afasta as meras ofensas à integridade física. Necessário se torna, pois, que se reitere o comportamento, em determinado período de tempo, admitindo-se que um singular comportamento possa ter uma carga suficiente demonstradora da humilhação, provocação, ameaças, mesmo que não abrangidas pelo crime de ameaças do acto de molestar o cônjuge ou equiparado. III- Tal crime basta-se com a consolidação no estado vivencial da vitima de um estudo de compressão na sua liberdade pessoal e de um apoucamento da dignidade que a um qualquer ser humano é devida " (sublinhado nosso).
Assim que a factualidade provada não consubstancia a colocação da pessoa ofendida (a assistente) numa situação que se deva considerar de vítima, mais ou menos permanente, de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade, dentro do ambiente conjugal, ou como se refere na sentença, que não se verifica a “perpetração de qualquer acto de violência que afecte, por alguma forma, a saúde física, psíquica e emocional do cônjuge vítima, diminuindo ou afectando, do mesmo modo, a sua dignidade enquanto pessoa inserida numa realidade conjugal igualitária”.
Qualquer atitude menos própria do arguido resulta do comportamento da assistente, as suas suspeitas, suspeitas de amantes, de filhos fora do casamento, os seus ciúmes, que em factos não conseguiu concretizar.
As discussões entre o arguido e a assistente, presenciadas pelos filhos, “as quais eram iniciadas por membro exacto não apurado”.
A assistente não se sentia amedrontada, nem humilhada, de forma grave, pois que fazia menção de pedir explicações ao marido, de o confrontar com as suas suspeitas.
De forma correcta se refere na sentença que, “No caso concreto, contudo, os factos dados como provados, não revelam a prática pelo arguido do crime de que vem acusado, mas antes evidenciam uma situação de conflito, com culpas exactas que não terão que ser apuradas nesta sede e que, embora relevantes para efeitos de divórcio, por via de eventual violação dos deveres conjugais, não assumem relevo criminal e sempre seriam, em todo o caso repartidas, não sendo isenta de reparo a actuação da assistente ao mencionar os comentários maldosos sobre a mãe do arguido, que há pouco tempo havia sido enterrada.
As discussões, os murros e pontapés na mobília, embora lamentáveis em situações de conflito são desculpáveis e não integram, por si só a tipologia legal mencionada”.
Assim que como na sentença, se entenda que os factos provados não preenchem o elemento objectivo do tipo de crime, violência doméstica.
De forma correcta se considerou alteração não substancial e imputação ao arguido do crime de ofensa à integridade física simples.
Mas, provaram-se factos que podiam integrar a prática do crime de injúria, tal como se reconhece na sentença, o que não foi considerado na alteração dos factos, por se tratar de crime particular e não ter havido acusação particular da assistente.
Falta de acusação particular da assistente:
Os factos que agora consubstanciam o crime de injúria não são factos novos, constavam da acusação pública e integravam o crime de violência doméstica.
A questão agora é, o que fazer aos factos que integravam crime público e por força da alteração operada em julgamento passam a integrar crime particular.
Na sentença se considerou que por não existir acusação particular, “tais factos não poderão levar a qualquer condenação do arguido”. Neste sentido, o Ac. desta Relação, no Processo nº 679.7GAMMV, mas que apenas se pronuncia sobre a falta de legitimidade do Mº Pº “para acusar por factos autonomamente integrados num crime de injurias”.
Entende a recorrente, assistente, que lhe deveria ser dada oportunidade de acusar e ser-lhe feita a notificação a que alude o art. 285 do CPP.
No caso em apreço apenas se efectuou a comunicação nos termos do disposto no art. 358 do CPP, considerando-se que apenas havia alteração não substancial dos factos.
Se assim é em relação aos factos integradores do crime de ofensa corporal (à integridade física), em relação aos factos consubstanciadores de crime particular, tal “convolação” implica, não uma mera alteração da qualificação jurídica, mas antes uma alteração substancial dos factos, só podendo por isso ter lugar mediante a convocação do formalismo processual a que se refere o art. 359.º do CPP, porque a prossecução do procedimento nos crimes particulares depende da acusação particular.
Por força da alteração, factos que se integravam em crime público passaram a depender de acusação particular.
A situação é semelhante a casos em que factos na data da sua prática constituíam crime semi-publico e com a entrada em vigor de lei nova passaram a particulares. Neste caso, e como refere o Ac. desta Rel. de 5-02-1997, in Col. Tomo I, pág. 66, “deve possibilitar-se que o ofendido se constitua assistente e formule a sua própria acusação”.
In casu e, contrariamente ao referido na sentença, direito de queixa foi validamente exercido.
O art. 285 impõe a notificação ao assistente para que este deduza acusação particular. O que nunca foi feito.
Haveria que através do mecanismo previsto no art. 359 do CPP, fazer a comunicação da alteração ao Mº Pº, e porque são factos autonomizáveis, esta comunicação valia como denuncia, devendo o Mº Pº proceder pelos novos factos e na altura própria dar cumprimento ao estatuído no art. 285 do CPP.
A decisão de considerar que “tais factos não poderão levar a qualquer condenação do arguido” (por inexistir acusação particular) e nesta parte se arquivando sem mais os autos, não salvaguarda os interesses da ofendida/assistente.
A comunicação, nos termos do art. 359 do CPP, ao Mº Pº não viola qualquer expectativa legítima do arguido, sendo que a assistente varias vezes nos autos refere que deseja procedimento judicial contra o arguido e refere a fls. 61 que o arguido, “nessas discussões chama-lhe anormal, fraca, estúpida, filha da puta, chegando a mandá-la para fora de casa, que aquilo é tudo seu”.
Assim que se entenda que quanto aos factos que integram o crime particular deveria ser dado cumprimento ao disposto no art. 359 do CPP, comunicação ao Mº Pº que deverá promover o procedimento e na altura própria dar cumprimento ao estatuído no art. 285 do CPP.
Porém, verifica-se dos autos que a assistente apresentou a denuncia em Dezembro de 2007, e dos factos provados resulta que o relacionamento entre o casal se deteriorou de forma mais séria por volta do ano de 1996 (ponto 5 dos provados) e, em data posterior, não apurada é que aconteceram os factos consubstanciadores de eventual crime de injurias (pontos 6 e 8 dos provados).
Donde resulta a impossibilidade de demonstrar que a queixa foi apresentada em tempo, já que o direito de queixa se extingue no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular tiver conhecimento do facto –art. 115 do CP, sendo certo que face aos factos a assistente teve conhecimento na data em que foram proferidas as expressões.
O prazo da queixa é um prazo substantivo e de caducidade, competindo a quem apresenta a queixa demonstrar que a mesma é atempada, o que se manifesta impossível face aos factos provados em 5, 6 e 8 e a data da apresentação da denuncia.
Assim que por esta via não se pode conhecer ou retirar quaisquer consequências daqueles factos, já que se deve julgar extinto o direito de queixa, por terem decorrido mais de 6 meses entre a prática dos factos e conhecimento da assistente, e a data em que apresentou a denuncia.
Julga-se pois, extinto o direito de queixa,
Montante da indemnização:
Tem a recorrente como exígua a indemnização de 150,00€ arbitrada.
São do seguinte teor os fundamentos na sentença para arbitrar esta indemnização: “A lei penal (art. 128°) manda regular a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, emergentes de um crime, pela lei civil.
Estabelece o art° 483°, n.º 1 do CC que "aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ... fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
São assim pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante a título de culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No caso concreto, a requerente cível deduziu pedido de condenação do arguido a pagar-lhe a quantia de 6.428€, sendo 6000 a título de danos não patrimoniais e o restante a título de danos patrimoniais por si sofridos com a conduta do arguido.
Efectivamente está provado que a assistente e requerente cível tem sofrido muito.
Contudo, dos factos resulta que tal sofrimento está associado ao findar do seu casamento e ao que a mesma considera a ausência do arguido e a sua infidelidade.
Tais motivos, por muito relevantes que sejam, hão-de ser apreciados em sede de acção de divórcio, pois não assentam directamente no comportamento ilícito e típico do arguido.
Este, na verdade, apenas causou à assistente, lesões ligeiras, sem qualquer afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional e que demandaram para cura apenas 3 dias. No momento em que lhe foram causadas causaram à assistente, efectivamente dor.
É esse dano, que embora pouco grave, assume relevo nesta sede indemnizatória e que tem que ser compensado, afigurando-se adequado, justo e equitativo a sua compensação com a quantia de 150€ (vd. art°s 483°, n.º 1, 562°, 566° e 496°, n.º 1, todos do CC).
Quanto aos danos patrimoniais alegadamente sofridos pela assistente, mais uma vez, ou resultam da separação e divórcio propriamente ditos ou só indirectamente resultam da conduta ilícita descrita nos autos, pelo que não poderá ser o seu pedido de ressarcimento deferido.
Efectivamente, o dispêndio de quantitativos com deslocações ao GML, ao escritório de advogado, à GNR e o tempo com isso perdido advém directamente do exercício de um legítimo direito da ofendida: o de proceder criminalmente contra o autor dos factos lesivos ou de providenciar pela dissolução do seu casamento e, nessa medida, este para as mesmas contribuiu apenas de forma indirecta, motivo pelo qual, não se verificam quanto às mesmas os requisitos legalmente exigidos em ordem ao deferimento do pedido deduzido”.
De acordo com o art. 129 do CP, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.
O que significa que têm de ser chamados à colação os arts. 483, 496 e 566 do C. Civil.
A recorrente ao pretender que seja arbitrada indemnização próxima do montante do pedido, esquece os factos e crime nos quais o arguido foi condenado.
No caso em apreço apenas estão em causa danos não patrimoniais que envolvem, quer os chamados danos morais (sem englobar as ofensas à honra e à dignidade, humilhações, vexames e desgostos de ordem afectiva, por improcedência do crime de violência doméstica e não englobar os factos do crime de injurias), quer os sofrimentos físicos – dores corporais e padecimentos (cfr. A. Varela in RLJ 123, pág. 253, e “Das Obrigações em Geral”, 7ª ed. , vol. I, pág. 595 e segs.).
Face aos factos provados é evidente que os danos não patrimoniais peticionados são merecedores da tutela do direito, art. 496 nº 1 do Cód. Civil, sendo que o nº 3 aponta para que a indemnização nesta sede seja fixada equitativamente pelo Tribunal.
É certo, como se refere na sentença recorrida, “Efectivamente está provado que a assistente e requerente cível tem sofrido muito.
Contudo, dos factos resulta que tal sofrimento está associado ao findar do seu casamento e ao que a mesma considera a ausência do arguido e a sua infidelidade.
Tais motivos, por muito relevantes que sejam, hão-de ser apreciados em sede de acção de divórcio, pois não assentam directamente no comportamento ilícito e típico do arguido”.
A recorrente não pode confundir eventual direito de indemnização pelo divórcio, com direito a indemnização por danos emergentes do crime.
Do crime em causa nestes autos, as lesões descritas no ponto 18 dos provados foram causa de três dias de doença sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
Assim que a indemnização arbitrada pelos danos morais sofridos afigura-se-nos adequada e mostra-se justa e equitativamente quantificada.
Pelo que se mantém.
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Face ao exposto, temos como improcedentes todas as conclusões do recurso e, consequentemente a improcedência deste
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Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em:
1- Julgar extinto o direito de queixa da assistente, relativamente aos factos integradores de eventual crime de injurias.
2- Julgar não provido o recurso da assistente EX e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs
Coimbra,
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