Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
54/05.3TBMDA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
ACÇÃO
OPOSIÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 12/21/2010
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: MEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 234º-A, Nº 3, E 457º, Nº 2, DO CPC.
Sumário: I – Só em caso de ser interposto recurso do mesmo, na ocasião a que se reporta o artº 234º-A, nº 3, do CPC, é que o despacho que rejeita liminarmente a “Oposição” deve ser notificado ao exequente.

II – Não obstante ser notificado – indevidamente, por não ter sido interposto recurso dessa decisão – da rejeição liminar da “oposição”, o exequente não tem legitimidade para suscitar a questão da litigância de má fé que a actuação do oponentes se lhe afigure revelar, face ao alegado no requerimento de oposição.

III – Sendo proferido despacho a rejeitar liminarmente a “oposição” à execução fundada em sentença condenatória, a averiguação oficiosa da litigância de má fé que possa ser transmitida pelo alegado no requerimento de “oposição” e pelo que conste do processo declarativo, deve ser efectuada nesse mesmo despacho, determinando-se logo aí, caso se afigure de afirmar uma tal litigância, a notificação da parte, para que disso se defenda.

IV – Sendo o despacho que rejeitou liminarmente a “oposição” à execução absolutamente omisso quanto à existência de litigância de má fé, não pode o juiz, que esgotou o seu poder jurisdicional quanto a tal matéria, condenar os opoentes, em despacho posterior, por litigância de má fé revelada no requerimento de oposição.

Decisão Texto Integral: Decisão sumária - Art.º 705º do CPC[1])

O recurso é o próprio, foi recebido correctamente no efeito meramente devolutivo e suspende a decisão recorrida, já que nesta se aplicou uma multa aos executados/opoentes, que é o que está em causa no recurso (artºs. 692º, nº 3, e) e 691º, nº 2, c), do CPC).


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Nada obsta à apreciação do objecto do recurso.

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I - Relatório:

A) - 1 – A Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A..., veio, em 20/07/2009, por apenso aos autos de acção sumária nºs 54/05.3TBMDA.C1 do Tribunal Judicial de Meda, com base em Acórdão desta Relação de 23/09/2008, transitado em julgado, que recaiu sobre a sentença proferida nesses autos, instaurar execução para prestação de facto contra B... e C....

2 – Os executados vieram deduzir oposição a essa execução, alegando, em síntese, para além do mais, que se verificavam os pressupostos que lhes permitia invocar a aquisição originária do terreno objecto de litígio, por via da acessão industrial imobiliária, o que, constituindo uma excepção peremptória de tipo extintivo, tornava inexigível a requerida prestação de facto.

3 – Por despacho de 02/11/2009, o Mmo. Juiz do Tribunal Judicial de Meda, sem qualquer alusão à litigância de má fé, rejeitou liminarmente a Oposição, por entender, em síntese, que o facto invocado pelos opoentes, embora extintivo, nem era posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração, nem se provava por documento, pelo que não constituía fundamento de oposição à execução, não consubstanciando, designadamente, o fundamento previsto no artigo 813°, alínea g), do CPC.

Salientou-se nesse despacho, que os opoentes, na dita acção declarativa, aceitando a aquisição da propriedade, por usucapião, por parte da exequente, quando muito, deveriam ter deduzido aí pedido reconvencional com base na ora alegada acessão industrial imobiliária.

4 – Tendo-lhe sido notificado o referido indeferimento, veio a exequente requerer que, face ao que expôs, se considerasse, oportunamente, “…a litigância dos executados, enquanto oponentes, como de má-fé.

5 – Por despacho de 06-01-2010 foi ordenada a notificação do “autor” (opoentes) para que, em dez dias, se pronunciassem quanto à alegada litigância de má fé.

6 – Os Opoentes vieram pugnar pelo indeferimento do requerido quanto à má fé, sustentando que não se verificavam os requisitos exigidos para que se afirmasse uma tal litigância, sustentando, ainda, a extemporaneidade desse requerimento, assim alegando: “A ter havido litigância de má-fé, o que não se admite, o momento para conhecer dela seria o despacho judicial que ao indeferir a oposição, conheceu do conteúdo e da natureza da litigância dos oponentes, ficando desta forma precludida a apreciação dessa questão.”.

7 – Conclusos os autos em 22/02/2010, foi proferido despacho condenando os executados/opoentes, como litigantes de má fé, em multa que se fixou em 2 UC.

Para o efeito considerou-se que, sendo tempestivo o pedido de condenação dos executados/Opoentes como litigantes de má fé, estes “…ao submeterem a apreciação judicial questões já estabilizadas por força de uma decisão transitada em julgado, proferida nos autos principais em apenso, agiram, pelo menos, com negligência grosseira, por não desconhecerem que as pretensões que deduziam careciam de fundamento jurídico, uma vez que existia uma decisão de mérito que conformou a relação material controvertida, sendo certo que o pedido pode ser deduzido a todo tempo.”.

B) - Inconformados, os executados/opoentes recorreram desse despacho que os condenou como litigantes de má fé, tendo terminado as alegações desse recurso – que veio a ser admitido como Apelação, com efeito meramente devolutivo -, formulando as seguintes conclusões:

«…………».

C) As questões:

Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do CPC1, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660º, n.º 2, “ex vi” do art.º 713º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 2). 

Assim, as questões a solucionar no presente recurso consistem em saber: 

a) Se o despacho recorrido padece da nulidade prevista no art.° 668.°, n° 1, al. b) do CPC;

b) Se foi legal a condenação dos Opoentes como litigantes de má fé.

II - Fundamentação:

A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I - supra.

B) - Abordemos, então, as questões que constituem o objecto deste recurso.

1 – A falta de fundamentação - quanto à matéria de facto ou quanto à matéria de direito - terá de ser absoluta, para que se considere integrar a nulidade de sentença (ou de despacho) prevista na alínea b), do n.º 1.º, do art.º 668º do CPC. Não se pode ter por verificada uma tal omissão nas situações em que, em lugar de estar completamente ausente (ou, o que é equivalente, ser ininteligível), a fundamentação é tão só deficiente, v.g., por ser incompleta, ou por ser medíocre. É o que a nossa Doutrina tem ensinado [2] e os nossos Tribunais têm decidido[3].

Não se curando de saber, agora, do acerto da solução encontrada no despacho em causa - o “error in judicando” -, o exposto leva-nos a concluir que este encontra-se fundamentado, nele se justificando, designadamente, os motivos que levaram a condenar os Opoentes como litigantes de má fé.

Não se vislumbra, pois, que o despacho recorrido enferme da nulidade prevista no artigo 668º, n.º 1, alínea b), do CPC.

2 – A legalidade do despacho recorrido deve ser aferida, primeiro que tudo, sob o ponto de vista formal, o que passa por saber se era lícito ao juiz, na ocasião em proferiu tal despacho, conhecer da questão da litigância de má fé dos opoentes. Só depois, caso se entenda não haver óbice de natureza formal a obstar a que a questão da litigância de má fé fosse conhecida, é que se terá de averiguar se estavam preenchidos os requisitos que permitiam afirmar essa litigância.

Para concluir pela tempestividade do pedido da exequente, confortou-se o Mmo. Juiz nas seguintes considerações que atribuiu ao Sr. Prof. Lebre de Freitas: «"…o pedido de indemnização por litigância de má-fé não carece de ser deduzido nos prazos em que é admissível a dedução dos pedidos que constituem o objecto da acção, nomeadamente na réplica (artigo 273°, n.° 2, do Código de Processo Civil), OU em reconvenção (artigo 501", n." 1, do Código de Processo Civil). Basta ver que a actuação por má-fé pode ser posterior ao momento da apresentação dos articulados em que tais pedidos são admissíveis e mesmo posterior ao encerramento da discussão da matéria de facto em 1ª instância”.

Nada há a apontar à bondade da doutrina citada, apenas se entendendo que a mesma não serve para fundar a possibilidade de conhecer da questão da litigância de má fé dos opoentes em despacho posterior àquele em que se rejeitou liminarmente a Oposição.

Vejamos porquê.

Sendo inequívoco que a questão da litigância de má fé é matéria do conhecimento oficioso – não carecendo, também, a correspondente condenação em multa, de ser requerida (ao contrário do que sucede com a indemnização) – a sua apreciação não pode ser efectuada em desrespeito pelo disposto no art.º 666º nº 1, do CPC.

Efectivamente, a par das questões que as partes suscitem a propósito das pretensões que formulem, o juiz deve, na decisão que aborde estas, se para tal tiver elementos, pronunciar-se quanto às questões de conhecimento oficioso, nas quais se inclui, como se disse, a da litigância de má fé (art.º 660, nº 2, 456º, nº 1, 1ª parte, do CPC).

Assim, sendo proferida sentença ou despacho a colocar fim ao processo, deve fazer-se aí, se não se fez antes, a apreciação da conduta processual assumida pelas partes até então e que seja susceptível de configurar litigância de má fé.

Poderá ocorrer, é certo, que sendo já possível proferir uma condenação por litigância de má fé na decisão que põe termo ao processo, não haja elementos para fixar o “quantum” indemnizatório que o litigante de má fé deve pagar à parte contrária.

Nessa hipótese, embora se possa condenar logo a parte como litigante de má fé no despacho ou sentença que põe termo ao processo, deve relegar-se a fixação do referido “quantum” indemnizatório, para momento posterior.

É o que resulta do disposto no art.º 457º, nº 2, do CPC, de onde se retira, também, a conclusão de que, em princípio, a condenação por litigância de má fé deve ser proferida na sentença (ou no despacho) que ponha termo ao processo.

Já o Prof. Alberto dos Reis, em anotação ao art.º 466º do CPC de 1939, dizia: «A apreciação da má fé e a condenação em multa e indemnização não pode o juiz relegá-las para depois da sentença; é nesta que há-de decidir se o litigante procedeu de má fé; é aí que, em caso afirmativo, há-de condená-lo em tal multa e indemnização; o que pode e deve deixar para depois da sentença é a fixação do quantitativo da indemnização…”[4]».

Pode suceder, todavia, que, chegado ao momento de proferir decisão que põe fim à causa, afigurando-se-lhe existir litigância de má fé, o julgador não possa emitir condenação a esse propósito, por haver necessidade de ouvir primeiro a parte, em cumprimento do contraditório (art.º 3º, nº 3, do CPC).

Concede-se que o julgador, nessa hipótese, não obstante profira decisão, formal ou substancial, sobre as pretensões das partes, consigne deferir a decisão sobre a litigância de má fé para momento posterior, mandando, para esse efeito, cumprir o contraditório.

Em todo os apontados casos a questão da litigância de má fé das partes é suscitada, ainda que oficiosamente, na decisão em que o julgador analisa os fundamentos das pretensões que as partes apresentaram e o comportamento processual que assumiram até então, coincidindo esse momento, por regra, com o da decisão que, em 1ª Instância, ponha termo ao processo.

É claro que a parte pode litigar de má fé subsequentemente ao despacho ou à sentença que, na 1ª Instância, coloque termo ao processo, fazendo requerimentos que denotem essa litigância, ou manifestando esta no decorrer do recurso que interponha dessa decisão.

Obviamente que, nesses casos, em que a litigância de má fé se manifeste a jusante da decisão que põe termo ao processo na 1ª Instância e que nada disse quanto a tal matéria, a apreciação dessa litigância ter-se-á de fazer, pela natureza das coisas, posteriormente a essa decisão, mas, note-se, sem que possa incidir sobre a actuação passada anteriormente a ela.

No caso “sub judice”, o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, entendendo que elementos havia – revelados pelo teor do requerimento de oposição, em conjugação com o constante do processo declarativo a que foi apensa a execução – que levassem a afirmar a litigância de má fé dos Opoentes, deveria referir isso mesmo no despacho que, rejeitando liminarmente a Oposição, pôs termo a esse processo, ordenando logo aí o cumprimento do contraditório (relativamente aos Opoentes), o que o habilitaria, subsequentemente, caso mantivesse esse seu entendimento, a condenar os Opoentes em multa, como litigantes de má fé.

Ou seja: No despacho que rejeitou liminarmente a Oposição deveria ter sido suscitada a questão da litigância de má fé, se se entendesse esta patenteada na actuação até então adoptada pelos Opoentes, embora relegando-se a concreta decisão para depois de cumprido o contraditório quanto a essa matéria.

Não suscitada, oficiosamente, nesse despacho, a questão da litigância de má fé por actuação dos Opoentes anterior a ele, não poderia tal questão ser posteriormente conhecida em desfavor destes, por tal ser vedado pelo disposto nos art.ºs 659º, 660º, nº 2 e 666º, n.º 1, do CPC, aplicáveis “ex vi”, do nº 3 deste último artigo, nenhuma alteração introduzindo a esta conclusão, a circunstância – inócua, pois a oficiosidade do conhecimento dispensava-o – de a exequente ter requerido que a litigância de má fé dos Opoentes fosse considerada.

Esgotado ficou, pois, no despacho que rejeitou liminarmente a Oposição, o poder jurisdicional do juiz para conhecer da litigância de má fé dos Oponentes pela actuação destes anterior a tal despacho e que nele deveria ter sido suscitada (se entendido fosse estarem reunidos os respectivos pressupostos).

Do exposto decorre, pois, a ilegalidade do conhecimento da litigância de má fé no despacho recorrido e, consequentemente, da condenação dos opoentes aí proferida.

Mais não carecendo conhecer para concluir pela necessidade de se revogar o despacho recorrido, sempre se acrescentará que o mesmo actuou sob o impulso ilegítimo da exequente.

O despacho que rejeita liminarmente a Oposição em nada prejudicou a exequente, não carecendo de ser notificada a esta.

Efectivamente, a exequente só em caso de recurso que fosse interposto desse despacho e na ocasião a que se reporta o art.º 234º-A, nº 3, do CPC, é que tinha de ser notificada para os termos do recurso e da causa (Oposição), só aí se iniciando, relativamente àquela, a instância (da oposição).

Resulta do exposto, assim, que, não obstante ter sido notificada (indevidamente) da rejeição liminar da oposição, a exequente não tinha legitimidade para suscitar a questão da litigância de má fé dos Opoentes.

Em face da conclusão que se extraiu quanto à ilegalidade do despacho recorrido, fica prejudicado o conhecimento da verificação dos pressupostos da litigância de má fé que o Tribunal “a quo” entendeu estarem reunidos.

Sumário: 

«1 – Só em caso de ser interposto recurso do mesmo, na ocasião a que se reporta o art.º 234º-A, nº 3, do CPC, é que o despacho que rejeita liminarmente a Oposição deve ser notificado ao exequente.

2 - Não obstante ser notificado – indevidamente, pois não fora interposto recurso dessa decisão - da rejeição liminar da oposição, o exequente não tem legitimidade para suscitar a questão da litigância de má fé que a actuação dos Opoentes, face ao alegado no requerimento de oposição, se lhe afigure revelar.

3 – Sendo proferido despacho a rejeitar liminarmente a Oposição à execução fundada em sentença condenatória, a averiguação oficiosa da litigância de má fé que possa ser transmitida pelo alegado no requerimento de Oposição e pelo que conste do processo declarativo, deve ser efectuada nesse mesmo despacho, determinando-se logo aí, caso se afigure de afirmar uma tal litigância, a notificação da parte, para que disso se defenda.

4 – Sendo o despacho que rejeitou liminarmente a Oposição à execução, absolutamente omisso quanto à existência de litigância de má fé, não pode o juiz, que esgotou o seu poder jurisdicional quanto a tal matéria, condenar os Opoentes, em despacho posterior, por litigância de má fé revelada no requerimento de oposição.».

III - Decisão:

Em face de tudo o exposto, julgando-se a Apelação procedente, revoga-se o despacho recorrido.

Sem custas.



Falcão de Magalhães (Relator)


[1] Código de Processo Civil, a que pertencerão, na redacção que foi introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24/08, os preceitos que adiante forem citados sem menção de origem.
[2] Cfr. Prof. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 669; Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984,Volume V, págs. 139 e 140.
[3] Cfr. Acórdão do STJ de 14/06/1995, Processo n.º 47 940, “in” BMJ n.º 448, págs. 255 e ss. e Acórdão do STJ de 19/06/2007, Revista n.º 07A1830.
[4] Código de Processo Civil anotado, 3ª edição, 1981, volume II, pág. 281.