Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2073/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: INSOLVÊNCIA
JULGAMENTO
NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
APRESENTAÇÃO DE TESTEMUNHAS
Data do Acordão: 06/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 155º E 176º, Nº5, DO C.P.CIVIL
Sumário: I – No processo de insolvência a notificação do mandatário da requerida do dia designado para o julgamento deve ser efectuada por uma das formas previstas no nº 5 do artº 176º do C.P.Civil, a fim de o mesmo poder contactar as testemunhas.

II – O disposto no artº 155º do C.P.Civil não tem aplicação no processo de insolvência, visto a celeridade nele imposta não se compadecer com o cumprimento desse normativo, que diz respeito à marcação e ao adiamento de diligências que não revestem carácter de urgência.

Decisão Texto Integral:
A..., requereu, em 04/02/2005, pelo Tribunal Judicial de Aveiro, a declaração de insolvência de B....
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Esta deduziu oposição.
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Em 02/03/2005, foi proferido despacho a designar o dia 7 de Março de 2005, pelas 14,30 horas, para a realização de audiência de discussão e julgamento a que se refere o artº 35º do CIRE, ordenando a notificação nos termos do nº 1 desse preceito.
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Esse despacho foi notificado ao mandatário da requerida por carta registada, datada de 03/03/2005.
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No dia 07/03/2005, às 12:43, foi recebido no Tribunal um fax do mandatário da requerida, no qual, além do mais, informa que “(…) não comparecerá uma vez que pretende usar o disposto no artº 155º do Código de Processo Civil além de que a proximidade da data, já que julgamento está marcado para daqui a 2 horas, o impediu de contactar as testemunhas para apresentar em julgamento. Requer, pelo exposto o adiamento do julgamento propondo como datas para a sua realização os dias 09/03/2005, à tarde, 10/03/2005, à tarde, 14/03/2005, à tarde”.
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Consta da acta de audiência de julgamento que foi indeferido o adiamento requerido nesse fax, com o seguinte fundamento: “Dispõe o artº 35º, nº 1 do CIRE que tendo havido oposição do devedor (como foi o caso) é logo marcada

audiência de discussão e julgamento para um dos cinco dias subsequentes. Por essa razão, e salvo melhor entendimento, não tem aplicação no âmbito dos presentes autos o disposto no artº 155º C.P.Civil, sendo certo que, para mais, este é um processo que tem carácter urgente, como dispõe o artº 9º, nº 1, do CIRE”.
Mais consta da mesma acta que o julgamento prosseguiu com a selecção da matéria relevante considerada assente e da que constitui a base instrutória, a inquirição das testemunhas indicadas pela requerente e a resposta à matéria da base instrutória.
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A requerida agravou do despacho que indeferiu o adiamento da audiência, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1ª. Nos termos dos artºs 254º, nºs 1 e 3 do Código de processo Civil, 17º do CIRE e 279º do Código Civil o mandatário da recorrente foi notificado para estar presente no julgamento, no próprio dia da realização do julgamento.
2ª. Embora na prática tenha sido notificado com cerca de 2 horas antecedência, legalmente considera-se notificado às 24 horas desse mesmo dia, isto é, o julgamento foi realizado antes que a notificação se pudesse considerar validamente efectuada.
3ª. Para que se pudesse cumprir o prazo previsto no artº 35º do CIRE deveria ter sido usado o disposto no artº 176º, nº 5 do C.P.Civil por força do disposto no artº 9º, nº 2, do CIRE.
4ª. O julgamento não se podia realizar por não poder considerar-se a notificação devidamente efectuada.
5ª. O CIRE não proíbe e, por isso, autoriza (princípio da legalidade) o uso do disposto no artigo 155º do C.P.Civil, pelo que o requerimento solicitando o adiamento não poderia ser indeferido.
6ª. A interpretação feita pelo Tribunal a quo do disposto no artº 35º do CIRE no respeitante à realização da audiência nos 5 dias após a oposição, mesmo que nem todas as notificações se possam considerar efectuadas, viola o princípio da proibição de indefesa e, bem assim, o disposto no artº 20º da Constituição da República Portuguesa.
7ª. Deve, por isso, ser revogada aquela decisão com a anulação do julgamento realizado.
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Não se mostra que a requerente tenha contra-alegado
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O Sr. Juiz sustentou, tabelarmente, a decisão recorrida.
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Cumpre decidir, ao abrigo do disposto no artº 705º do Código de Processo Civil (diploma a que pertencerão os restantes normativos citados sem menção de proveniência), atenta a simplicidade das questões a apreciar.
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Começa a recorrente por alegar que o seu mandatário foi notificado para estar presente no julgamento no próprio dia da realização desse mesmo julgamento, pelo que não poderia ele realizar-se por não poder considerar-se a notificação devidamente efectuada.
Vejamos.
O artº 35º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.) (aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 200/2004, de 18 de Agosto) dispõe, no seu nº 1, que, se houver oposição do devedor, é logo marcada audiência de discussão e julgamento para um dos cinco dias subsequentes.
Por sua vez, o artº 9º do mesmo Código estabelece que o processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, tem carácter urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal (nº 1), e que, salvo disposição em contrário, as notificações de actos processuais praticados no processo de insolvência, seus incidentes e apensos, com excepção de actos das partes, podem ser efectuadas por qualquer das formas previstas no nº 5 do artº 176º do Código Processo Civil (nº 2).
Este último preceito estipula que, na comunicação de actos urgentes pode ser utilizado o telegrama, a comunicação telefónica ou outro meio análogo de telecomunicações.

No presente caso, o julgamento foi marcado para o dia 07/03/2005, por despacho exarado em 2 desse mês.
A secretaria, em vez de utilizar um dos meios referidos naquele nº 5 do artº 176º, dado o curto prazo designado para a diligência, notificou o mandatário da requerida pelos meios considerados normais, ou seja, por carta registada, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 254º.

Tal carta foi expedida no dia 3 de Março.
Como o dia 6 era um domingo, presume-se que a notificação foi feita no dia 7, ou seja, no dia designado para o julgamento (cfr. nº 3 daquele artº 254º).
Em face disso, e perante o fax remetido nesse mesmo dia pelo mandatário da requerida, informando da impossibilidade de contactar as testemunhas para o julgamento, deveria este ter sido adiado, conforme também era requerido por aquele mandatário, a fim de possibilitar à requerida o exercício do direito de defesa perante o tribunal, junto do qual se discutiam questões que lhe diziam respeito, em conformidade com o preceituado no artº 20º, nº 1, da Constituição (direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurídica) e, também, com o entendimento amplo da regra do contraditório prevista no artº 3º, nº 3, do Cód. Proc. Civil.
Com efeito, o princípio do contraditório – consagrado nesta última norma e que a jurisprudência constitucional tem considerado ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais previsto naquele artº 20º da Constituição – envolve, desde logo, como vertente essencial, “a proibição da «indefesa» que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito” (Constituição da República Portuguesa Anotada, J.J. Canotilho e Vital Moreira, pág. 164, citado por Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, I, 2ª ed., pág. 16/17).
In caso, a requerida foi privada do seu direito de defesa, ao ser-lhe coarctada a possibilidade de apresentar as suas testemunhas no julgamento, devido à forma pouco cuidadosa como foi efectuada a notificação do respectivo mandatário.
Por isso, não poderá o recurso deixar de ser provido no que a esta questão diz respeito.
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Levanta a recorrente, no entanto, também, a questão de saber se tem aplicação no processo de insolvência o disposto no artº 155º.
No despacho recorrido decidiu-se pela negativa, em virtude de o artº 35, nº 1, do C.I.R.E. dispor que a audiência de discussão e julgamento é designada para um dos cinco dias subsequentes e por se tratar de um processo que tem carácter urgente.
Como já vimos, o processo de insolvência – bem como todos os seus incidentes, apensos e recursos – tem carácter urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal.

Tal carácter urgente é realçado no preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004, que aprovou o CIRE, onde, no nº 15, se refere. “No plano da tramitação de processo já instaurado, a celeridade é potenciada por inúmeros factores, de que se destaca: a extensão do carácter urgente também aos apensos do processo de insolvência; a supressão da duplicação de chamamentos de credores ao processo, existindo agora uma única fase de citação de credores com vista à reclamação dos respectivos créditos; a atribuição de carácter urgente aos registos de sentenças e despachos proferidos no processo de insolvência, bem como aos de quaisquer actos praticados no âmbito da administração e liquidação da massa insolvente; a proclamação expressa da regra da insusceptibilidade de suspensão do processo de insolvência; o regime expedito de notificações de certos actos praticados no processo de insolvência, seus incidentes e apensos”.
Dada a natureza do processo, importa que ele avance com celeridade, para se chegar rapidamente a uma decisão.
Celeridade que não se compadece com o cumprimento do disposto no artº 155º, que diz respeito à marcação e ao adiamento de diligências que não revestem carácter de urgência.
Como refere Lopes do Rego (Ob. cit., pág. 166), “visa-se, através do regime estabelecido neste preceito, institucionalizar a designação da data para as diligências judiciais através de um tendencial encontro ou acordo de agendas entre magistrados e mandatários das partes, de modo a gradualmente inverter a excessiva proliferação dos primeiros adiamentos, causados pela falta a tais diligências dos mandatários judiciais”.
Isso mesmo ressalta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, ao destacar: “Como clara decorrência do princípio da cooperação, estabelece-se a regra da marcação das diligências, máxime das audiências preliminar e final, mediante prévio acordo de agendas (…). Supõe-se que a maior dificuldade na gestão da agenda pelo juiz seja, no sistema proposto, largamente compensada pela drástica redução do número de adiamentos das audiências finais – ao menos por falta de advogados – que o sistema preconizado seguramente implicará”.
Como se vê, a finalidade essencial do preceito é reduzir os adiamentos das audiências preliminar e final, problema não se põe no processo de insolvência, visto não ser admissível o adiamento do julgamento com base nos motivos indicados no artº 651º, nem em quaisquer outros, como resulta do disposto no artº 35º do CIRE, ao estabelecer uma cominação para a falta de comparência do devedor ou do requerente ou de um representante dos mesmos.

Conclui-se, assim, pela não aplicação do disposto no artº 155º ao processo de insolvência, improcedendo o recurso nessa parte.
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Pelo exposto, no parcial provimento do recurso, revogo o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que designe nova data para a audiência de julgamento, anulando todo o processado posterior.

Sem custas.