Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
552/22.4T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DE DESPEDIMENTO
DEVERES DO TRABALHADOR
ASSÉDIO SEXUAL
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 05/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 29.º, N.ºS 1 A 3, 128.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E C), E 351.º, N.º 1 E N.º 2, ALÍNEAS B), D), I) E J), DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – O dever laboral de zelo e diligência, integrante do dever principal da prestação, impõe ao trabalhador que realize as tarefas que lhe cabem com a atenção, cuidado e esforço razoavelmente exigíveis.

II – Os deveres laborais de respeito e probidade assumem a natureza de deveres jurídicos e exigem do trabalhador uma obrigação de tratamento do empregador, dos seus superiores e dos seus colegas de trabalho com o respeito e consideração que lhes são devidas, sendo que o elemento probidade apela à verticalidade de carácter e honradez.

III – No abuso sexual relevam os efeitos – ainda que não visados pelo agente – de perturbação, constrangimento, afetação da dignidade pessoal ou criação de “um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.

IV – Para que se verifique justa causa de despedimento, é necessário um comportamento culposo e ilícito do trabalhador e que desse comportamento, pela sua gravidade e/ou consequências, decorra a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral, a ser aferida não em termos de impossibilidade objetiva, mas de inexigibilidade para a outra parte da manutenção daquele vínculo laboral em concreto, considerando “o entendimento de um bonus pater familias, de um empregador razoável”, pautando-se este juízo por critérios de razoabilidade e de proporcionalidade.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Tribunal Judicial da Comarca de Leiria

Juízo do Trabalho de Leiria - Juiz 1

552/22.4T8LRA.C1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

AA instaurou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra V..., S.A.

A ré apresentou articulado motivador do despedimento, invocando ter procedido ao mesmo com justa causa.

 O autor contestou, por impugnação, sustentando inexistir justa causa de despedimento, e excecionando a caducidade do direito de a ré instaurar procedimento disciplinar quanto aos factos aduzidos nos arts 16º a 22 º da nota de culpa e a invalidade do procedimento discuplinar.

Também deduziu reconvenção, peticionando a condenação da ré:

-A pagar o valor respeitante a formação não facultada, com referência à diferença entre o valor que foi pago e o valor corretamente calculado no montante de €320,85.

-A pagar ao autor, indemnização, nos termos do art.º 389º, nº 1 al. b) e 391º do Código do Trabalho, no valor de €34.426,65.

-A pagar ao autor indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, no montante de €500,00.

-Ainda, a liquidar ao Autor as retribuições que deixou de auferir ou o diferencial entre a que aufere ou eventualmente auferirá, desde a data de cessação da relação laboral até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal.

-Nos juros legais que venham a vencer-se desde a data de citação até efetivo e integral pagamento, sobre os valores que vierem a ser fixados em sentença;

Respondeu a ré, pugnando, no essencial, pela improcedência das exceções arguidas pelo autor, bem como da reconvenção.

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto julgamos o despedimento do autor promovido pela ré ilícito.

Em consequência condenamos a ré a:
1. Pagar ao autor uma indemnização em substituição da reintegração no valor total, à presente data, de €17.587,31, acrescida do valor que se for vencendo até ao trânsito em julgado da presente decisão, a calcular à razão de 30 dias de retribuição base por ano completo ou fração de antiguidade, nos temos do art.º 391º do Trabalho, tendo em conta o valor da retribuição mensal de €1.115,31.

2. Pagar ao autor as retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento, datado de 14.12.2021, até ao trânsito em julgado desta decisão, à razão de 1.115,49€/mês acrescido de subsídios de férias e de natal, deduzidas das importâncias referidas nas alíneas a) a c) do nº 2 do art.º 390º do CTrabalho, nomeadamente da remuneração por trabalho dependente que o autor entretanto começou a desenvolver, a apurar em sede de liquidação em execução de sentença dado ainda não ter sido junto aos autos documento comprovativo do início de relação de trabalho com outra entidade (v.g. declaração da Segurança Social ou Contrato de Trabalho).

3. Pagar ao autor a quantia de 500,00€ a titulo de danos não patrimoniais.

4. Pagar ao autor os juros vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre todas as quantias em que vai condenada, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento

No mais vai a ré absolvida.

Custas por autor e ré na proporção do seu decaimento.

Valor da ação: € 18.087,31

Registe e notifique.”

A ré interpôs recurso, com as seguintes conclusões:

“I – O Tribunal a quo deu como provados, com relevância para os autos, os seguintes factos, que se aceitam:

“1 - O autor foi contratado pela ré no dia 05.02.2007 para o exercício das funções de auxiliar de serviço, tendo exercido, desde outubro de 2018 até ao momento da cessação do contrato de trabalho, as funções de supervisor de armazém.

2 – No exercício destas funções competia ao autor, nomeadamente: a receção e confirmação de entradas de mercadorias; o registo e lançamento de mercadorias via contrato; a organização do armazém; a criação de requisições de compra com base nas características técnicas que lhe foram enviadas; o controlo e lançamento de pedidos de compra periódicos; o acompanhamento das entregas de gasóleo no TMB.

3 – A partir de 01.02.2021 passou a integrar também as funções do autor a entrega de fardamento e equipamentos de proteção individual aos colegas.

4 – O superior hierárquico do autor era o Engenheiro BB.

(…)

6 – No dia 30.08.2021, após uma ação de formação, o trabalhador CC dirigiu-se, em conjunto com outros colegas, ao local que lhes foi indicado para receber o fardamento necessário ao exercício das suas funções.

7 – Numa mesma sala todos os trabalhadores se despiram para experimentar a farda, ficando apenas em roupa interior.

8 – Os trabalhadores foram saindo da sala à medida que recebiam o fardamento que se adequava ao seu tamanho.

9 – O autor entregou a CC calças de fardamento de tamanho 42, as quais lhe estavam apertadas, tendo feito este experimentar 5 calças do mesmo tamanho.

10 – Quando se encontravam na sala apenas o autor e o trabalhador CC, aquele disse: “os brasileiros têm um peru grande”.

11 – No Brasil usam o termo “peru” para se referir ao pénis.

12 – O autor disse então a CC que já trabalhava na ré há 15 anos e perguntou-lhe se o mesmo tinha alguma questão relativamente a homens que gostam de homens, ao que o mesmo respondeu que não, que no Brasil é muito comum, mas gosta de mulheres e que ia buscar a sua esposa na semana seguinte.

13 – De seguida o autor perguntou a CC há quanto tempo estava em Portugal sozinho, tendo o mesmo respondido que estava há mais de 3 anos, juntando todo o tempo, uma vez que regressou por períodos ao Brasil.

14 – O autor perguntou há quanto tempo é que estava sozinho em Portugal desde a última vez que tinha ido ao Brasil, todo aquele respondido “há quase três meses”.

15 – O autor comentou então” não sei como é que você aguenta ficar tanto tempo sozinho!” “você está a precisar de se aliviar”.

16 - CC entendeu esta frase do autor como sendo referida a sexo.

17 - CC perguntou então ao autor: “você é casado, tem filhos ou alguma coisa do tipo?”, e o autor respondeu “não exatamente, eu estou, como vocês dizem, pegando”, tendo aquele perguntado ao autor: “pegando, mas o quê exatamente?”, tendo o autor respondido “o que vier”.

18 – No final da conversa, CC estendeu a mão ao autor, o qual, ao apertar a mão daquele passou o dedo na palma da mão do mesmo.

19 - CC entendeu esse gesto como convite para a prática de ato sexual, significado que tem no Brasil.

20 – No dia 03.05.2021, após uma ação de formação, o trabalhador DD dirigiu-se, em conjunto com outros colegas ao local que lhes foi indicado para receber o fardamento necessário ao exercício das suas funções.

21 – O autor referiu aos colegas o que existia em termos de fardamento e todos começaram a experimentar o fardamento, tendo o autor permanecido na sala enquanto os colegas experimentavam a roupa.

22 – Os trabalhadores despiram-se para experimentar a farda ficando apenas de roupa interior, à exceção de DD que não usava roupa interior.

23 – O autor olhou para o trabalhador DD.

24 – O autor tocou o seu órgão sexual.

25 – Quando se encontravam na sala apenas o autor e o trabalhador DD, no momento em que este se encontrava agachado a calçar-se, o autor agachou-se junto do mesmo e referiu-lhe que se soubesse que ele não usava roupa interior o teria colocado numa sala à parte.

26 – Ao comentário do autor o trabalhador DD não respondeu nada, tendo saído da sala.

(…)

30 – No âmbito das funções de entrega de fardamento e epi’s aos colegas, o autor faz a entrega das peças de roupa da seguinte forma: aguarda que os colegas terminem a formação de acolhimento e de seguida estes dirigem-se ao autor, no armazém, o qual procede à entrega dos fardamentos e epi’s.

(…).

34 - O autor contactava com estes colegas uma única vez, aquando da prova da roupa, sendo que os trabalhadores vêm em grupos de 6, 7 ou 8 colegas, sendo o grupo nunca inferior a 3 colegas.

(…).

42 – Nunca foi arguido em nenhum processo disciplinar.

(…).

47 – Em 13.09.2021, a Administração da ré proferiu despacho ordenando a abertura de processo disciplinar ao autor.

48 – O processo disciplinar foi aberto em 14.09.2021.

(…).

55 – O autor deslocou-se à empresa no dia normal de trabalho a fim de prestar trabalho e no final foi-lhe entregue a nota de culpa.

(…).”

II – Atentas as declarações prestadas pelas testemunhas CC, DD e EE, e acima transcritas, o Tribunal a quo devia ter julgado provados, também, os seguintes factos:

-que a testemunha CC, quando o recorrido lhe referiu que precisava de se aliviar, lhe perguntou “em que sentido?” tendo o recorrido respondido “aliviar no sentido homem, sexo!”, ao que a testemunha respondeu que isso ia acontecer quando estivesse junto da esposa.

-que enquanto falava com CC o recorrido tocava o seu próprio órgão sexual como se estivesse a “arrumar” alguma coisa nas calças.

-que o recorrido tentou acariciar o órgão sexual de CC, tendo passado com as costas de uma das mãos em frente e muito próximo do órgão sexual deste, apenas não o tendo conseguido fazer porque a testemunha CC aproveitou a entrada no local de um colega de trabalho para fugir do local, de imediato.

-que o toque que o recorrido fez na mão da testemunha CC tinha para o mesmo o sentido de convidar o colega à prática de acto sexual.

- que o modo como o recorrido olhava para DD, enquanto este provava o fardamento era lascivo e obsceno, e era acompanhado de toque no eu órgão sexual, com a intenção de constranger o colega, condicionando-o e pondo em causa a sua liberdade, sujeitando-o a uma situação de abuso indesejada pelo mesmo.

III – O princípio da livre apreciação da prova não permite ao Tribunal a quo julgar e decidir em sentido contrário ao da prova produzida.

IV – Ficou cabalmente demonstrado nos autos a prática pelo recorrido de actos que consubstanciam assédio sexual contra dois dos seus então colegas de trabalho, os quais são expressão da falta de respeito para com os mesmos.

V - Sob o ponto 39 dos “Factos Provados” o Tribunal a quo refere-se à antiguidade de 14 anos do recorrido. Como é entendimento comum na Jurisprudência, a maior antiguidade de um trabalhador torna-o mais responsável, recaindo sobre o mesmo uma maior exigência no cumprimento dos seus deveres.

VI - No caso concreto, ao recorrido, com 14 anos de antiguidade na empresa, era-lhe exigível o desempenho das suas funções com respeito pelos seus colegas de trabalho, zelo e diligência, não esquecendo que os factos em causa nos autos e que determinaram o despedimento do recorrido ocorreram no primeiro dia de trabalho das vítimas.

Consequentemente,

VII - Os comportamentos adoptados pelo recorrido e descritos sob as conclusões I e II constituem a violação de forma muito grave e reiterada, nomeadamente, dos deveres de respeitar os colegas de trabalho e de os tratar com urbanidade e probidade, tendo praticado em relação às testemunhas CC e DD actos que consubstanciam assédio sexual, nomeadamente constrangendo-os e pondo em causa a sua dignidade.

VIII- Conforme decisão do STJ, proferida no âmbito do proc.º 1117/21.3T8LSB.L1.S2:

“I – O conceito de assédio sexual (cfr. Artigo 29º, nº 3 do C(P)T) não exige, seja qual for a posição hierárquica do agressor e da vitima, qualquer reiteração, podendo bastar para a sua verificação uma única conduta grave, não sendo necessária uma intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para esclarecer tal conceito.”

IX – Com a adopção de tais comportamentos o recorrido violou ainda o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, deveres estes a que estava obrigado por força da sua relação laboral, relativamente aos colegas e para com a sua entidade patronal.

XI- – Conforme decisão proferida pelo TRP, no âmbito do proc.º nº 07/12.0TTVNF.P1:

“I – O dever laboral de zelo e diligência, integrante do dever principal da prestação, impõe ao trabalhador que realize as tarefas que lhe cabem com a atenção, cuidado e esforço razoavelmente exigíveis.

II – Os deveres laborais de respeito e probidade assumem a natureza de deveres jurídicos e exigem do trabalhador uma obrigação de tratamento do empregador, dos seus superiores e dos seus colegas de trabalho com o respeito e consideração que lhes são devidas, sendo que o elemento probidade apela à verticalidade de carácter e honradez.

(…)

IV – A exigência geral da boa fé na execução dos contratos assume especial acentuação no desenvolvimento de um vinculo que se caracteriza pelo carácter duradouro, por um estreito contacto entre as esferas pessoais das partes e pela existência de subordinação de uma parte à outra, constituindo neste âmbito fonte de deveres acessórios de conduta.

V – A necessidade de subsistência de um estado de confiança entre as partes como fundamento objectivo de permanência do vínculo é particularmente premente nos casos em que o trabalhador exerce funções correspondentes a cargos de maior confiança, não relevando uma antiguidade de mais de 20 anos quando aquela confiança se quebra irremediavelmente.”

XII- Os comportamentos do recorrido descritos sob as alienas I e II consubstanciam a violação do disposto, nomeadamente, sob as alíneas a) e c), do nº 1, do art.º 128º e nºs 2 e 3, do art.º 29º, ambos do CT.

XIII – Tais comportamentos são ilícitos, dolosos e muito graves, fazendo quebrar a confiança da recorrente no recorrido, constituindo, assim, nos termos do disposto, nomeadamente, no nº 1 e alíneas b), d), i) e j) do nº 2, do art.º 351º do CT, justa causa de despedimento, já que pela sua gravidade e consequências, colocam irremediavelmente em causa a relação de trabalho entre o recorrido e a recorrente, não sendo, por isso, exigível à recorrente a manutenção da relação de trabalho.

XIV – Neste sentido atente-se na decisão proferida pelo TRL no âmbito do processo nº 1117/21.3T8LSB.L1 nos termos do qual, estando em causa a prática por parte de um trabalhador de assédio sexual sobre outro trabalhador, foi decidido

“(…)

Constitui dever do empregador, nos termos do art.º 127º, C do CT, “proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral”.

Daqui decorre que recai sobre a empregadora o dever de preservar um bom ambiente de trabalho na empresa, não podendo admitir nem pactuar com comportamentos de trabalhadores seus que o comprometam e pondo-lhes termo quando eles se verificam, sob pena de ser considerada permissiva ou deles conivente.

A apurada conduta integra ainda a violação pelo trabalhador do dever de lealdade para com a sua empregadora que o obriga a abster-se de assumir comportamentos susceptíveis de o porem em causa, sendo que, no caso concreto, esse dever se mostra violado na medida em que a conduta do Autor afectou o bom ambiente de trabalho que é obrigação daquela preservar

(…)

Essa conduta acarreta uma grave e irremediável crise de confiança da empregadora neste seu trabalhador, por esta justamente recear que práticas idênticas se possam repetir, criando no seu espirito a dúvida legítima sobre a sua idoneidade futura.

Por outro lado, é natural que a empregadora tenha legitimas preocupações em impedir focos de indisciplina dos seus trabalhadores, sendo mesmo essencial que não admita qualquer manifestação de desrespeito entre colegas de trabalho, sob pena de se criar, no âmbito da empresa, um ambiente incompatível com o saudável clima de trabalho e bom relacionamento que deve existir entre colegas em prol do seu bom funcionamento.

E perante este quadro factual, as atenuantes decorrentes de não terem ficado provados antecedentes disciplinares, bem como a sua considerável antiguidade (cerca de 10 anos), não são suficientes para arredar o seu comportamento do conceito de justa causa, sendo de concluir que a aplicação da sanção de despedimento não se revela desproporcionada (…)”.

XV - Os comportamentos adoptados pelo recorrido, para além de se traduzirem na prática de ilícito de natureza disciplinar revestem, também, a natureza de ilícito de natureza criminal, concretamente a prática do crime de importunação sexual, p.p. nos termos do disposto, nomeadamente, no art.º 170º do Código Penal.

Donde,

XVI – O Tribunal a quo decidiu mal a matéria de facto, ao não considerar provados os factos a que se alude sob a conclusão II e procedeu à incorrecta aplicação do Direito aos factos provados, ao julgar ilícito o despedimento do recorrido promovido pela recorrente.

XVII - A douta decisão recorrenda ao julgar ilícito o despedimento do recorrido promovido pela recorrente, condenando a recorrente nos termos em que o fez, viola o disposto, nomeadamente, nas alíneas a) e c), do nº 1, do art.º 128º e nºs 2 e 3, do art.º 29º, e nº 1 e alíneas b), d), i) e j) do nº 2, do art.º 351º todos do CT.

XVIII – Ao presente recurso deve ser atribuído efeito suspensivo, nos termos do disposto, nomeadamente, sob o nº 2 do art.º 83º do CPT, tendo a recorrente prestado caução no valor correspondente ao valor fixado à acção na douta sentença recorrenda, ou seja, no valor de 18 087,31 Euros.

Termos em que a douta decisão recorrenda dever ser revogada na parte recorrida sendo, consequentemente, proferida decisão que reconheça a licitude do despedimento do recorrido, promovido pela recorrente, com todas as consequências legais, por assim ser de Justiça!

O recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

(…).

O PGA junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de que apelação deverá ser julgada improcedente.

As partes não responderam ao parecer.

O recurso foi admitido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se a matéria de facto se encontra incorretamente julgada, devendo ser alterada.
2. Se in casu se configura uma situação de assédio sexual.
3. Se existe justa causa de despedimento.

FUNDAMENTOS DE FACTO

A matéria de facto fixada pela na sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados:
1- O autor foi contratado pela ré no dia 05.02.2007 para o exercício das funções de auxiliar de serviço, tendo exercido, desde outubro de 2018 ate ao momento da cessação do contrato de trabalho, as funções de supervisor de armazém.
2- No exercício destas funções competia ao autor, nomeadamente: a receção e confirmação de entradas de mercadorias; o registo e lançamento de mercadorias via contrato; a organização do armazém; a criação de requisições de compra com base nas caraterísticas técnicas que lhe eram enviadas; o controlo e lançamento de pedidos de compra periódicos; o acompanhamento das entregas de gasóleo no TMB.
3- A partir de 01.02.2021 passou a integrar também as funções do autor a entrega de fardamento e equipamentos de proteção individual aos colegas.
4- O superior hierárquico do autor era o Engenheiro BB.
5- Como contrapartida da sua prestação laboral o autor tinha um vencimento base de €1.115,49.
6- No dia 30.08.2021, após uma ação de formação, o trabalhador CC dirigiu-se, em conjunto com outros colegas, ao local que lhes foi indicado para receber o fardamento necessário ao exercício das suas funções.
7- Numa mesma sala todos os trabalhadores se despiram para experimentar a farda, ficando apenas em roupa interior.
8- Os trabalhadores foram saindo da sala à medida que recebiam o fardamento que se adequava ao seu tamanho.
9- O autor entregou a CC calças de fardamento de tamanho 42, as quais lhe estavam apertadas, tendo feito este experimentar 5 calças do mesmo tamanho.
10- Quando se encontravam na sala apenas o autor e o trabalhador CC, aquele disse: “os brasileiros têm um peru grande”.
11- No Brasil usam o termo “peru” para se referir ao pénis.
12- O autor disse então a CC que já trabalhava na ré há 15 anos e perguntou-lhe se o mesmo tinha alguma questão relativamente a homens que gostam de homens, ao que o mesmo respondeu que não, que no Brasil é muito comum, mas que gosta de mulheres e que ia buscar a sua esposa na semana seguinte.
13- De seguida o autor perguntou a CC há quanto tempo estava em Portugal sozinho, tendo o mesmo respondido que estava há mais de 3 anos, juntando todo o tempo, uma vez que regressou por períodos ao Brasil.
14- O autor perguntou há quanto tempo é que estava sozinho em Portugal desde a última vez que tinha ido ao Brasil, tendo aquele respondido “há quase três meses”.
15- O autor comentou então “não sei como é que você aguenta ficar tanto tempo sozinho!” “você está a precisar de se aliviar.”.
16- CC entendeu esta frase do autor como sendo referida a sexo.
17- CC perguntou então ao autor: “você é casado, tem filhos ou alguma coisa do tipo?” e o autor respondeu “não exatamente, eu estou, como vocês dizem, pegando”, tendo aquele perguntado ao autor: “pegando, mas o quê exatamente?”, tendo o autor respondido “o que vier”.
18- No final da conversa, CC estendeu a mão ao autor, o qual, ao apertar a mão daquele passou o dedo na palma da mão do mesmo.
19- CC entendeu esse gesto como convite para a prática de ato sexual, significado que tem no Brasil.
20- No dia 03.05.2021, após uma ação de formação, o trabalhador DD dirigiu-se, em conjunto com outros colegas ao local que lhes foi indicado para receber o fardamento necessário ao exercício das suas funções.
21- O autor referiu aos colegas o que existia em termos de fardamento e todos começaram a experimentar o fardamento, tendo o autor permanecido na sala enquanto os colegas experimentavam a roupa.
22- Os trabalhadores despiram-se para experimentar a farda ficando apenas de roupa interior, à exceção de DD que não usava roupa interior.
23- O autor olhou para o trabalhador DD.
24- O autor tocou o seu órgão sexual.
25- Quando se encontravam na sala apenas o autor e o trabalhador DD, no momento em que este se encontrava agachado a calçar-se, o autor agachou-se junto do mesmo e referiu-lhe que se soubesse que ele não usava roupa interior o teria colocado numa sala à parte.
26- Ao comentário do autor o trabalhador DD não respondeu nada, tendo saído da sala.
27- Durante o tempo que trabalhou para a ré o autor nunca foi alvo de qualquer repreensão verbal ou escrita ou processo disciplinar.
28- Nunca foi apresentada ao autor qualquer reclamação ou participação por algum comportamento menos correto que tivesse adotado, no desempenho das suas tarefas, designadamente na distribuição do fardamento e epi´s.
29- As funções de entrega de fardamento e equipamentos de proteção individual aos trabalhadores são desempenhadas no armazém, sendo que este armazém é composto por três salas diferentes: uma sala onde exercia funções administrativas, outro espaço que é o armazém geral e uma outra sala onde se encontra o fardamento e epi´s onde se deslocam os trabalhadores para fazerem a prova das roupas.
30- No âmbito das funções de entrega de fardamento e epi´s aos colegas, o autor faz a entrega das peças de roupa da seguinte forma: aguarda que os colegas terminem a formação de acolhimento e de seguida estes dirigem-se ao autor, no armazém, o qual procede à entrega dos fardamentos e epi´s.
31-  À data os colegas homens faziam a prova do fardamento no armazém, numa sala com cerca de 9 metros, e as colegas trabalhadoras experimentavam o fardamento no balneário.
32- No fim de todos experimentarem as peças e dizer qual o tamanho certo, o autor ia ao armário fazer a troca das peças necessárias e entregas a colegas.
33- Quando todos terminavam a prova eram encaminhados em conjunto para aguardarem na rua e depois de o autor terminar de preencher todos os impressos eram chamados em conjunto à sala, para assinarem os impressos entretanto preenchidos pelo autor.
34- O autor contactava com estes colegas uma única vez, aquando da prova da roupa, sendo que os trabalhadores vêm em grupos de 6, 7 ou 8 colegas, sendo o grupo nunca inferior a 3 colegas.
35- Habitualmente, enquanto os colegas experimentam o fardamento e epi´s o autor não se aproximava de nenhum colega, ficando junto a uma secretária onde tratava de preencher a documentação necessária à listagem das peças de roupa que ia entregando aos colegas, ficando em contacto com o grupo de trabalhadores o máximo de 20 a 30 minutos.
36- O autor é um homem sério, íntegro e respeitador.
37- O autor viveu em união de facto durante vários anos e atualmente é casado com FF, que também já foi trabalhador da empresa.
38- É do conhecimento da empresa e dos colegas a sua orientação sexual.
39- Tem vínculo laboral com a empresa há 14 anos e ao longo destes anos sempre teve um comportamento exemplar e de confiança e respeito quer pela empresa quer pelos colegas.
40- O autor é pessoa de bem, educado, trabalhador exemplar, dedicado, colaborante, respeitador e bom colega de trabalho, sempre teve excelente relacionamento com todos os colegas e superiores hierárquicos.
41- O autor, ao longo dos anos, foi ascendendo na carreira.
42- Nuca foi arguido em nenhum processo disciplinar.
43- Foi promovido pela empresa, que reconheceu o seu mérito, respeito e competência, lealdade e dedicação à empresa.
44- A ré colocou o autor durante três meses num armazém sem atribuição de tarefas, sem lhe ser atribuída qualquer trabalho a executar.
45- Face a esta conduta da ré, o autor não apresentou discórdia ou se manifestou contra ordens superiores.
46- O autor é uma pessoa sem caráter conflituoso.
47- Em 13.09.2021, a Administração da ré proferiu despacho ordenando a abertura de processo disciplinar ao autor.
48- O processo disciplinar foi aberto em 14.09.2021.
49- Aquando do términus do contrato e acerto de contas finais, em 31 de dezembro de 2021, a ré pagou ao autor o valor de € 677,35 a título de horas de formação não ministrada.
50- No ano de 2018 foram ministradas ao autor 35 horas de formação.
51- No ano de 2019 foram ministradas ao autor 3 horas de formação.
52- No ano de 2020 foram ministradas ao autor 9 horas de formação.
53- No ano de 2021 foram ministradas ao autor 4 horas e 30 minutos de formação.
54- Os factos invocados pela ré para fundar o despedimento do autor foram conhecidos de diversos trabalhadores da ré, que o questionaram sobre a razão do processo disciplinar e da suspensão da prestação de trabalho como medida preventiva.
55- O autor deslocou-se à empresa no dia normal de trabalho a fim de prestar trabalho e no final foi-lhe entregue a nota de culpa.
56- O autor sentiu-se envergonhado e humilhado perante todos os colegas de trabalho e colaboradores.
57- A única fonte de rendimento do autor era a resultante da sua prestação de trabalho, tendo ficado sem auferir qualquer remuneração.
58- A expetativa de não conseguir outro emprego causou-lhe desgaste emocional e físico.
*

Factos Não Provados:

-que CC, quando o autor referiu que precisava de se aliviar, lhe tenha perguntado” em que sentido?” e o autor tenha respondido “aliviar no sentido homem, sexo!”, tendo o referido colega respondido que isso ia acontecer quando estivesse junto da esposa.

-que enquanto falava com o trabalhador CC o autor tenha tocado o seu próprio órgão sexual como se estivesse a “arrumar” alguma coisa nas calças.

-que o autor tenha tentado acariciar o órgão sexual de CC, tendo passado com as costas de uma das mãos em frente e muito próximo do órgão sexual deste, não o tendo conseguido por o referido CC ter fugido do local de imediato.

-que o toque na mão do trabalhador CC tivesse para o autor o sentido de convidar outro homem para a prática de ato sexual.

-que o modo como o autor olhava para DD fosse lascivo ou obsceno e que o toque no órgão sexual tivesse o objetivo de constranger ou limitar a liberdade sexual deste.

-que a ré tenha apresentado participação criminal, despoletada pela Engª GG, denunciando o trabalhador e o marido de factos forjado.

-que o despedimento assenta em razões de ordem homofóbica e preconceito.”

FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Se a matéria de facto se encontra incorretamente julgada, devendo ser alterada.

(…)

Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto, com as seguintes alterações:
I- Adita-se aos factos provados o seguinte facto que passa a ter o nº 59:

-O toque na mão do trabalhador CC tinha para o autor o sentido de convidar outro homem para a prática de ato sexual.

II- Elimina-se dos factos não provados:

- O toque que o recorrido fez na mão da testemunha CC tinha para o autor o sentido de convidar o colega à prática de ato sexual

-O modo como o autor olhava para DD, enquanto este provava o fardamento era lascivo e obsceno.


2. Se in casu se configura uma situação de assédio sexual

O art.º 29º, nº 1, do Código do Trabalho proíbe a prática de assédio, definido genericamente no nº 2 “o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”. O assédio sexual é especificamente referido no nº 3 que considera como tal “o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objetivo ou o efeito referido no número anterior”.

                  “O assédio sexual tem como elemento comum a rejeição do comportamento do assediador por parte da vítima e a sua consideração como inapropriado em face das circunstâncias. Conforme refere o art.º 29º, nº 3, o assédio sexual pode ocorrer por forma física, verbal ou não verbal. Constituirão formas físicas de assédio quaisquer contactos não desejados com o corpo da vítima, independentemente da forma que revistam, podendo ir desde simples toques à tentativa de constranger a vítima por meios físicos à prática de actos sexuais. Já as formas verbais de assédio podem passar por comentários de natureza sexual, referências à vida íntima da vítima ou mesmo propostas para encontros sexuais, sejam elas assumidas ou disfarçadas.”[1].

                  Conforme refere Monteiro Fernandes[2] “Tratando-se de comportamentos de carácter sexual, é mais provável o preenchimento de crime de importunação sexual”[3].

                  Depois, o que é “de carácter sexual” é, tipicamente, o objectivo final – a obtenção do consentimento da vítima para o relacionamento desejado pelo assediante. Só raramente existirá a intenção de atingir a vítima nos termos que, por remissão para o nº 2 do mesmo artigo, são considerados na definição legal. Aí, sim, relevam os efeitos – ainda que não visados pelo agente – de perturbação, constrangimento, afectação da dignidade pessoal ou criação de “um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.

                  Consideramos, por isso, que o elenco de elementos estruturais proposto para a definição de assédio mantém a sua validade plena no tocante ao assédio sexual. De resto, e para além da circunstância de poder consistir, não numa conduta reiterada, mas num só acto, o assédio sexual, enquanto objecto de reprovação jurídica, enquadra-se bem no regime geral do assédio. Afinal, o que está em causa é sempre, em primeira linha, “a dignidade da pessoa humana”.

Segundo Leal Amado[4] “A prática de assédio por parte de um trabalhador legitima a utilização do poder disciplinar patronal, podendo dar azo ao despedimento com justa causa do autor do assédio, nos casos mais graves. Aliás, ainda que, em regra, o poder disciplinar se analise num direito subjetivo do empregador, de conteúdo egoísta e de exercício livre e não vinculado, o certo é que, neste caso do assédio, ele parece perfilar-se como um autêntico poder dever, visto que, segundo o nº 1, al. l), do art.º 127º do CT, o empregador deve (note-se: não pode, deve) instaurar procedimento disciplinar sempre que tiver conhecimento de alegadas situações de assédio no trabalho”.

Vejamos agora os factos dados como provados com eventual relevância para esta questão:

-No dia 30.08.2021, após uma ação de formação, o trabalhador CC dirigiu-se, em conjunto com outros colegas, ao local que lhes foi indicado para receber o fardamento necessário ao exercício das suas funções.

-Numa mesma sala todos os trabalhadores se despiram para experimentar a farda, ficando apenas em roupa interior.

-Os trabalhadores foram saindo da sala à medida que recebiam o fardamento que se adequava ao seu tamanho.

-O autor entregou a CC calças de fardamento de tamanho 42, as quais lhe estavam apertadas, tendo feito este experimentar 5 calças do mesmo tamanho.

-Quando se encontravam na sala apenas o autor e o trabalhador CC, aquele disse “os brasileiros têm um peru grande”.

-No Brasil usam o termo “peru” para se referir ao pénis.

-O autor disse então a CC que já trabalhava na ré há 15 anos e perguntou-lhe se o mesmo tinha alguma questão relativamente a homens que gostam de homens, ao que o mesmo respondeu que não, que no Brasil é muito comum, mas que gosta de mulheres e que ia buscar a sua esposa na semana seguinte.

- De seguida o autor perguntou a CC há quanto tempo estava em Portugal sozinho, tendo o mesmo respondido que estava há mais de 3 anos, juntando todo o tempo, uma vez que regressou por períodos ao Brasil.

-O autor perguntou há quanto tempo é que estava sozinho em Portugal desde a última vez que tinha ido ao Brasil, todo aquele respondido “há quase três meses”.

-O autor comentou então “não sei como é que você aguenta ficar tanto tempo sozinho!” “você está a precisar de se aliviar.”.

-CC entendeu esta frase do autor como sendo referida a sexo.

-CC perguntou então ao autor: “você é casado, tem filhos ou alguma coisa do tipo?” e o autor respondeu “não exatamente, eu estou, como vocês dizem, pegando”, tendo aquele perguntado ao autor: “pegando, mas o quê exatamente?”, tendo o autor respondido “o que vier”.

-No final da conversa, CC estendeu a mão ao autor, o qual, ao apertar a mão daquele passou o dedo na palma da mão do mesmo.

-CC entendeu esse gesto como convite para a prática de ato sexual, significado que tem no Brasil.

-Que o toque na mão do trabalhador CC tivesse para o autor o sentido de convidar outro homem para a prática de ato sexual

-No dia 03.05.2021, após uma ação de formação, o trabalhador DD dirigiu-se, em conjunto com outros colegas ao local que lhes foi indicado para receber o fardamento necessário ao exercício das suas funções.

-O autor referiu aos colegas o que existia em termos de fardamento e todos começaram a experimentar o fardamento, tendo o autor permanecido na sala enquanto os colegas experimentavam a roupa.

-Os trabalhadores despiram-se para experimentar a farda ficando apenas de roupa interior, à exceção de DD que não usava roupa interior.

-O autor olhou para o trabalhador DD.

-O autor tocou o seu órgão sexual.

-Quando se encontravam na sala apenas o autor e o trabalhador DD, no momento em que este se encontrava agachado a calçar-se, o autor agachou-se junto do mesmo e referiu-lhe que se soubesse que ele não usava roupa interior o teria colocado numa sala à parte.

Em face destes factos, entendemos que a ré/entidade empregadora não provou que os comportamentos de cariz sexual parte do autor/trabalhador tenham de forma intensa e inequívoca, infringido os valores protegidos pelo artigo 29º do CT, ou seja, que tivessem tido como efeito perturbação ou constrangimento dos trabalhadores  CC e DD , de modo a afetar-lhes a sua dignidade ou de lhes criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.

Em conclusão, entendemos que não se provou o assédio sexual e como tal a sentença recorrida não violou o disposto no artigo 29º, nºs 1, 2 e 3, do CT.


3. Se existe justa causa de despedimento.

A apelante suscita a questão da justa causa para despedimento, levando em conta sobretudo a pretendida alteração da matéria de facto, o que não acolhemos integralmente como acima ficou dito.

Na decisão recorrida concluiu-se que não e, consequentemente, pela ilicitude do despedimento, com base na seguinte argumentação que, em síntese, se transcreve:

“CC e DD entenderam os comportamentos do autor como sendo “assédio sexual”.

Contudo, salvo o devido respeito pelo entendimento destes, não pode atribuir-se aos comportamentos do trabalhador a intenção específica, ou o efeito, de constranger estes colegas de trabalho, afetar a sua dignidade, ou de lhes criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, conforme é exigido para a aplicação do art.º 29º nºs 1 e 2 do CTrabalho.

Com efeito era necessária intenção, o dolo, por parte do autor (não conduta meramente negligente), que tivesse essas consequências ou efeitos.

O facto de olhar ou de tocar o próprio órgão sexual, sem se apurar o significado de tais condutas, não implica só por si um atentado contra a liberdade do trabalhador DD. Não se provou que tais atos violassem a sua liberdade sexual, nomeadamente que houvesse o perigo de prática de atos sexuais indesejados posteriormente.

Quanto à troca de palavras e ao gesto na mão do trabalhador CC não resultou provada a intenção específica de constranger ou afetar a dignidade deste. Não resultou que a conversa tivesse teor sexual explícito ou que fosse essa a vontade do autor. Não resultou que o gesto efetuado fosse praticado com a intenção de convite para ato sexual

Ambos os trabalhadores revelaram pelas suas posturas, imagem e discurso, que são pessoas adultas, independentes, não facilmente constrangidos a atos sexuais contra vontade, com capacidade para rejeitar comportamentos indesejados.

Por fim, do facto de os atos e palavras do autor, dados por provados, poderem ferir a moral/pudor (sempre levados ao extremo) dos trabalhadores em causa, nunca poderia resultar a aplicação da sanção disciplinar máxima, o despedimento, que é configurado pela nossa Ordem Jurídica como a ultima ratio.

De facto, resultou da prova que o autor era um profissional dedicado, muito trabalhador, valorado muito positivamente pelos seus colegas e pela hierarquia, promotor do bom ambiente na empresa, com mérito, respeito e competência reconhecidos, leal e dedicado à empresa. Ponderados estes factos, havendo infração a punir, sempre bastaria uma sanção conservatória.

Pelo que, por tudo o exposto, não se verificaram os elementos subjetivo e objetivo exigíveis para a aplicação da sanção máxima, isto é não se provou um comportamento ilícito, intencional do trabalhador, que tivesse tamanha gravidade que determinasse a impossibilidade prática da manutenção do contrato de trabalho.

Pelo que o despedimento é ilícito.”

Nos termos do art.º 351º, nº 1, do Código do Trabalho constitui justa causa de despedimento «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho».

A justa causa de despedimento (conceito indeterminado) é assim, integrada pelos seguintes requisitos cumulativos:

“-um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjetivo da justa causa);

-a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objetivo da justa causa);

 -a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efetivamente, do comportamento do trabalhador”[5].

Na efetivação destes juízos, deve o tribunal atender às circunstâncias enunciadas no n.º 3 do art.º 351.º do Código do Trabalho, ou seja, ao “quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”.

Não basta, pois, que se verifique um comportamento culposo e ilícito do trabalhador, sendo ainda necessário que esse comportamento tenha como consequência necessária a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral.

Nas palavras de  Monteiro Fernandes[6] “a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória”.

Em sentido próximo, escreve Menezes Cordeiro[7]: «A justa causa visa, com clareza, sancionar situações laborais que, por razões imputáveis ao trabalhador, tenham entrado de tal modo em crise, que não mais se possam manter».

A justa causa de despedimento, segundo João Leal Amado[8] “As diversas condutas descritas nas várias alíneas do nº 2 do art.º 351º possibilitam uma certa concretização ou densificação da justa causa de despedimento, muito embora deva sublinhar-se que a verificação de alguma dessas condutas não é condição necessária (dado que a enumeração é meramente exemplificativa), nem é condição suficiente (visto que tais alíneas constituem «proposições jurídicas incompletas», contendo uma referência implícita à cláusula geral do no 1) para a existência de justa causa. Esta traduz-se, afinal, num comportamento censurável do trabalhador, numa qualquer ação ou omissão que lhe seja imputável a título de culpa (não se exige o dolo, ainda que, parece, a negligência deva ser grosseira) e que viole deveres de natureza laboral, quando esse comportamento seja de tal modo grave, em si mesmo e nos seus efeitos, que torne a situação insustentável, sendo inexigível ao empregador (a um empregador normal, razoável) que lhe responda de modo menos drástico”.

A justa causa traduz-se, assim, numa situação de impossibilidade prática, de inexigibilidade no confronto dos interesses opostos das partes – essencialmente o da urgência da desvinculação do empregador e o da conservação do vínculo por parte do trabalhador.

Alega a recorrente que o trabalhador violou também os artigos 128º, nº 1, alíneas a) e c) e 351º, nº 1, nº 2, alíneas b), d), i) e j), do Código do Trabalho.

Dispõe o artigo 128º do CT, sob a epígrafe “Deveres do trabalhador”:

“1- Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade.
b) (…).
c) Realizar o trabalho com zelo e diligência.

Os deveres genéricos de respeito e probidade enunciados na alínea a) do artigo 128.º, assumem aqui a natureza de deveres jurídicos[9] e exigem do trabalhador uma obrigação de tratamento do empregador, dos seus superiores e dos seus colegas de trabalho com o respeito e consideração que lhes são devidas, sendo que o elemento probidade apela à “verticalidade de carácter e honradez”[10].

O dever laboral de zelo e diligência, integrante do dever principal da prestação, impõe ao trabalhador que realize as tarefas que lhe cabem com a atenção, cuidado e esforço razoavelmente exigíveis (cf. art.º 128º, n.º 1 c), do CT).

No artigo 351º do CT, sob a epígrafe “Noção de justa causa de despedimento” dispõe-se:

“1. Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

2. Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;
(…)
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;”.

(…)
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais, ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes.

j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior.”

Contudo, como é pacífico na doutrina e na jurisprudência, da constatação do preenchimento das citadas alíneas do nº 2 do art.º 351º não decorre, de forma inapelável, a existência de justa causa de resolução do contrato. Exige-se, também, que os comportamentos ali enunciados, quer pela sua gravidade quer nas suas consequências, sejam de molde a concluir-se pela impossibilidade e subsistência da relação de trabalho, conforme decorre do nº 1, do mesmo artigo.

No caso em apreço, entendemos que o comportamento do trabalhador acima descrito traduz um comportamento culposo, violador dos deveres de respeito e probidade, e de zelo e diligência previstos nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho, mas não assume gravidade, nem as suas consequências, são de molde a concluir pela impossibilidade e subsistência da relação de trabalho, conforme decorre do nº 1 do artigo 351º do CT. Ou seja, por outras palavras, teria sido adequada e proporcional a aplicação ao trabalhador, ora recorrido, de sanção disciplinar conservatória do vinculo laboral prevista na lei  (cf. o artigo 328.º, n.º 1 do Código do Trabalho).

Contrariamente ao defendido pela recorrente, não se nos afigura que em consequência do comportamento apurado do trabalhador, tendo deixado de subsistir o estado de confiança entre as partes que constitui o fundamento objetivo da permanência do vínculo. Com efeito, tem vinculo laboral com a empresa há 14 anos e ao longo destes anos sempre teve um comportamento exemplar e de confiança e respeito quer pela empresa, quer pelos colegas; é educado, trabalhador exemplar, dedicado, colaborante, respeitador e bom colega de trabalho, sempre teve um excelente relacionamento com colegas e superiores hierárquico; ao longo dos anos, foi ascendendo na carreira; nunca foi arguido em nenhum processo disciplinar, foi promovido pela empresa, que reconheceu o seu mérito, respeito e competência, lealdade e dedicação à empresa e é uma pessoa sem caráter conflituoso (factos provados 39), 40), 41), 42), 43) e 46) que não foram impugnados nas conclusões do recurso).

Assim sendo, a presente apelação improcede, confirmando-se, em consequência, a sentença recorrida.

Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC):

(…).

DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, em consequência, a sentença recorrida.

Custas pela apelante, atendendo ao seu vencimento- artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do CPC.

                                                                                                    Coimbra, 12 de maio de 2023

Mário Rodrigues da Silva- relator

Felizardo Paiva- relator

Paula Roberto- relatora

Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original



([1]) Luís Menezes Leitão, Direito do Trabalho, 2021, p, 181.
([2]) Direito do Trabalho, 2022, p. 318.
([3]) Art.º 170º do Código Penal: “Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais  grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
([4]) Direito do Trabalho- Relação Individual-2020, p. 217.
([5]) Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6ª edição, 2016, p. 804.
([6]) Direito do Trabalho”, 21ª edição, 2022, pp. 730-731.
([7]) Direito do Trabalho, vol. II, Direito Individual, 2019, p. 954.
([8]) Contrato de Trabalho- Noções Básicas, 2022, p. 378.
([9]) Vide Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra 1985, p. 68.
([10]) Ac. do TRP, de 20-10-2014, proc. 707/12.0TTVNF.P1, relatora Maria José Costa Pinto, www.dgsi.pt.