Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
58/08.4GATBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 10/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 40º E 71º CP
Sumário: 1.- A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial), visando-se com a sua aplicação a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente.
2.- Mas a pena só cumpre a sua finalidade, se efectivamente for sentida pelo condenado, sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei.
3.- Só assim se entende a designação de penas, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infracções, se não fossem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferido acórdão que julgou parcialmente procedente a acusação deduzida contra o arguido:
A..., casado, residente na Rua …, X...
Sendo decidido:
- absolver o arguido da prática de um (1) crime de violência doméstica, p.p., pelo art. 152º: n.º 1, aI. d) e 2 do Código Penal, praticado na pessoa de B...;
- condenar o arguido, pela prática em autoria material de um (1) crime de violência doméstica, p.p., pelo art. 152º: n.º 1, aI. a) e 2 do Código Penal, na redacção conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, praticado na pessoa de C... na pena de 3 (três) anos de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida C...., devendo afastar-se na residência e local de trabalho desta pelo período de 5 anos (art. 152.º/4 do CP).
- condenar o arguido, pela prática em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º n.s 1 e 2 al.b) , 14º n.1, 22º n.s 1 e 2 al.b), 23º n.s 1 e 2 , 73º n.s 1 als. a) e b) todos do C. Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico das penas parcelares supra mencionadas, condena-se o arguido A..., na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- Julgar procedente o pedido cível formulado nos autos pela ofendida C.... condenando o arguido/demandado, a pagar à demandante a quantia de 198,80 € a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4% a contar da notificação do demandado do pedido de indemnização e da quantia de 7.500,00€ a título de danos não patrimoniais à taxa legal de 4%, contados desde a presente decisão, até efectivo pagamento da quantia em dívida.
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Inconformado interpôs recurso o arguido.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação dos recursos, que delimitam o objecto dos mesmos:
1. A sentença recorrida viola o art. 40, 70 e 55 do Código Penal;
2. Com efeito, de tais normativos legais decorrem, genericamente, várias regras a que se tem de atender na aplicação das medidas concretas da pena de prisão designadamente que esta deve ser adequada e proporcional cada caso; a sentença recorrida não observou destas orientações, em vigor no nosso ordenamento jurídico ao aplicar as medidas de pena de prisão que aplicou aos dois crimes a que o arguido foi condenado;
3. Atento o que foi dado por provado na sentença ora recorrida (quanto à personalidade do arguido, ás suas condições de vida, profissionais, sociais e afectivas actuais, bem como às circunstâncias do crime em referência), as regras norteadoras da determinação concreta da medida da pena de prisão em vigor (supra referenciadas), as necessidades de prevenção geral e especial aplicáveis ao caso sub judice, tudo será respeitado e devidamente acautelado com a aplicação quanto ao crime de violência doméstica, de uma pena de prisão não superior a um ano e seis meses;
4. Quanto ao crime de homicídio sob a forma tentada, de uma pena de prisão não superior a três anos;
5. Sendo que, o respectivo cumulo jurídico das penas parcelares deverá ser na pena única não superior a quatro anos de prisão,
6. Suspendendo-se a mesma a por igual período ao de duração das penas acessórias aplicadas.
7. Os factos dados por provados, as regras de experiência comum, os tempos que vivemos na actualidade em termos económico-financeiros, de forte crise, instalada e sem previsão de melhorar a curto e a médio prazo, a certeza de, já a partir Janeiro de 2011, o custo de vida básico, ou seja, de alimentação e saúde vir aumentar significativamente, levam a concluir ser exagerada a quantia fixada antes sendo razoável, adequada e proporcional um quantitativo que não exceda os 4.500,00€.I
Foi apresentada resposta pelo magistrado do Mº Pº, na qual conclui dever manter-se o acórdão recorrido, julgando-se o recurso improcedente.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em parecer emitido, sustenta a improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Foi apresentada resposta pelo recorrente, em que mantém as alegações e conclusões do recurso.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto:
Após a realização da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido foi casado com a assistente C... desde o dia 3 de Agosto de 1996, com quem viveu até 27 de Abril de 2008, data em que esta se ausentou da residência comum sita na Rua …, X..., para ir viver com os seus filhos em casa da sua madrinha, tendo-se o casal divorciado em 28.04.2010.
2. Do casamento entre o arguido e a assistente C.... nasceram três filhos, B..., nascido a 9/10/1997, D... ., nascido a 2/8/2000 e E... ., nascida a 9/8/2006.
3. Ao longo dos vários anos de vida em comum, principalmente depois do nascimento do filho mais velho e até ao ano de 2003, em datas não concretamente apuradas mas com uma periodicidade de pelo menos uma vez por mês, o arguido, em parte devido a sentimentos de ciúme e influenciado pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas, dirigiu-se à assistente chamando-lhe vaca e puta e outras expressões de idêntica natureza, tendo-lhe dado também bofetadas no rosto e murros em várias partes do corpo.
4. Numa dessas ocasiões, em Julho de 1997, quando a assistente se encontrava grávida do filho mais velho, o arguido, sem que nada o fizesse prever, deu-lhe várias bofetadas na face e empurrões, que lhe provocaram dores mas não exigiram tratamento médico.
5. A partir do ano de 2006, em datas também não concretamente apuradas, o arguido voltou a agredir a assistente com regularidade, nos mesmos moldes já descritos, o que aconteceu cerca de uma vez por semana, insistindo em chamá-Ia de puta e vaca.
6. Numa dessas ocasiões o arguido pegou numa faca, cujas características não foi possível apurar e disse-lhe que a matava, facto que aconteceu na presença do filho mais velho do casal.
7. Já em 2008, obcecado com a possibilidade de infidelidade da esposa, e numa insistência quase diária, o arguido passou a persegui-Ia de carro acompanhando o seu percurso para o local de trabalho, o Restaurante …, sito em X..., onde exerce as funções de cozinheira.
8. Em 2008, o arguido disse à ofendida, em tom sério e intimidatório «se eu fosse a ti não me deitava a dormir. Podes adormecer e não acordar mais».
9. No dia 27 de Abril de 2008, a hora não concretamente apurada, mas durante a tarde, o arguido chamou mais uma vez a assistente de puta e vaca, tendo-lhe ainda dito «não venhas a casa logo à noite senão mato-te».
10. Perante tal ameaça a assistente decidiu ir pernoitar a casa da madrinha, na Rua …, onde se deslocou depois do trabalho que prestou das 19:00 às 21:30 horas.
11. Aí chegada, cerca das 22:00 horas, apercebeu-se que necessitava de roupa para a filha, pelo que se deslocou à sua residência acompanhada do filho mais velho, B....
12. Já na posse do que pretendia, desceu as escadas, pedindo ao B...que, atrás de si, apagasse as luzes, o que aquele fez. Foi então que surgiu o arguido vindo da zona da adega, munido de um machado, com cabo de 72 cm e uma lâmina em ferro de 10 cm (melhor identificado a fls. 23) e lhe disse: «eu não te disse para não apareceres aqui?».
13. Assustada, a assistente ainda retorquiu para que o arguido se acalmasse, mas este voltou a dizer-lhe «Eu não te disse que não saías daqui com vida?”
14. Acto seguido, utilizando a machada que trazia na mão, desferiu na assistente pelo menos três golpes na cabeça e um na orelha do lado esquerdo.
15. Esta caiu desamparada no chão, inanimada, tendo-a ao arguido arrastado durante alguns metros para uma zona mais esconsa, num corredor de acesso a um barracão, convencendo-se que já estaria sem vida.
16. Como consequência directa e necessária desta conduta sofreu a assistente C.... as dores e lesões descritas no exame médico-legal constante de relatório de fls. 129 a 131, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente dores no pavilhão auricular esquerdo, três feridas inciso-contusas no couro cabeludo, na região parietal e temporal esquerda, com cerca de 3,5cm x 4mm cada uma e uma ferida inciso-contusa, com cerca de 4 cm de comprimento, no pavilhão auricular da orelha esquerda, das quais resultaram uma cicatriz com 3 cm de comprimento na região parietal esquerda, 2 cicatrizes na região occipital à esquerda da linha média, uma com 2 cm e outra com 1,5 cm de comprimento e uma cicatriz com 5,5 cm de comprimento na porção média do pavilhão auricular esquerdo.
17. Tais dores e lesões determinaram um período de doença de dez dias com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
18. Embora sujeito a medidas de coacção de afastamento e de proibição de contactos, o arguido voltou a perseguir a ofendida, aproximando-se da sua residência.
19. Com estes seus comportamentos o arguido violou de forma grave e reiterada os deveres mais elementares inerentes à vida conjugal, como os deveres de respeito, de assistência e de colaboração, humilhando a esposa, ferindo-a na sua honra, dignidade e consideração, afectando a sua saúde física e psíquica, fazendo-a temer pela sua vida e integridade física e cerceando a sua liberdade.
20. O arguido actuou sempre de forma livre voluntaria e consciente, sem outra motivação que não fosse a de agredir fisicamente, provocar danos na saúde, temor de ofensa à vida ou integridade física e ofender a honra e consideração da visada sua mulher, o que fez múltiplas vezes na presença dos filhos menores de ambos, sempre na residência comum do casal (até Abril de 1999, sita em …, X... e depois desta data na Rua …, X...).
21. Mais quis o arguido, com a conduta de 27 de Abril de 2008, pôr termo à vida da assistente, sua mulher, tanto mais que o meio utilizado (machado), cujas características bem conhecia, a forma como actuou (desferindo vários golpes e deslocando-a para um local mais recolhido) e a parte do corpo atingida (cabeça), eram aptos a provocar a morte.
22. Intento que só não foi alcançado por circunstâncias alheias à sua vontade e em virtude de a assistente ter sido socorrida rapidamente por intervenção do filho B...que diligenciou por socorro, vindo aquela a ser prontamente assistida e encaminhada para o Centro de Saúde de X..., onde foi suturada e depois para os HUC onde fez exames complementares.
23. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei como ilícitos criminais.
24. No dia 27.04.2008, o arguido havia ingerido elevadas quantidades de bebidas alcoólicas, como era seu hábito fazer.
25. O arguido é de modesta condição social e económica.
26. Trabalha há cerca de 6 meses numa …, para “ …”, fazendo serviços …, auferindo cerca de 422,00€ por mês.
27. Tem o 6º ano de escolaridade.
28. O arguido tem um novo relacionamento há cerca de 3 meses.
29. O arguido é considerado no meio em que vive como sendo trabalhador.
30. O arguido não tem antecedentes criminais.
31. Segundo as conclusões apostas na perícia de avaliação psicológica efectuada ao arguido, este “- (…) sofre de Síndrome de Dependência Alcoólica, associada a uma Deficiência Mental Ligeira. (…) sendo que “Do ponto de vista psiquiátrico-forense e para os factos descritos nos autos, não há razões de natureza psiquiátrica que permitam excluir a imputabilidade.” - conforme relatório de fls. 371 a 375 dos autos, que se dá por reproduzido.
32. No dia 27.04.2008, foi C...., assistida no Centro de Saúde de X... em consequência dos ferimentos causados pela conduta supra descrita do arguido, tendo tal assistência importado encargos na quantia de 157,00€ (Cento e cinquenta e sete euros).
33. No dia 28.04.2008, foi C...., assistida nos Hospitais da Universidade de Coimbra, em consequência dos ferimentos causados pela conduta supra descrita do arguido, tendo tal assistência importado encargos na quantia de 143,50€ (Cento e quarenta e três euros e cinquenta cêntimos).
34. Em consequência da conduta do arguido, a ofendida C.... esteve incapacitada de trabalhar durante 14 dias, tendo por tal motivo, deixado de auferir 198,80€.
35. Em consequência das lesões supra descritas, a ofendida C.... sentiu dores intensas, sentindo-se igualmente nervosa e amedrontada.
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Foram estes os factos provados e mais nenhum outro se provou, com relevância para a decisão da causa, designadamente não se provou:
a) Que em data não concretamente apurada, mas nos primeiros dias do mês de Abril de 2008, quando se encontravam na residência comum, o arguido dirigiu-se à ofendida e chamou-a de puta e vaca, tendo-a empurrado com força.
b) Que nos dias seguintes, por diversas vezes, o arguido tenha dito à ofendida o que se provou em 8.
c) No dia 11 de Abril de 2008, pelas 23:00 horas, quando a ofendida se encontrava na sala da residência comum, depois de regressar do trabalho, o arguido dirigiu-se à mesma proferindo as seguintes expressões: «és uma puta, uma vaca, vai ter com os teus cavaleiros».
d) Acto seguido desferiu na mesma um murro na face do lado esquerdo e empurrou-a, tendo esta embatido na parede.
e) Como consequência directa e necessária de tal conduta sofreu a ofendida dores no rosto e nas costas, que não exigiram tratamento médico.
f) Que o arguido tenha dito à ofendida em 27.04.2008, “Os nossos filhos vão para uma Instituição. Primeiro mato-te a ti e depois mato-me a mim».
g) Que no dia 27.04.2008 quando a ofendida se encontrava caída no solo, o arguido ainda lhe tenha apertado o pescoço.
h) Que o arguido, também por diversas vezes, em datas não concretamente apuradas, mas pelo menos desde que o menor B... fez quatro ou cinco anos, o agride sem qualquer razão justificativa, dando-lhe palmadas no rosto e batendo-lhe com um pau no rabo e nas pernas, o que fez quer em casa, quer nos terrenos que cultivava e para onde o menor o costumava acompanhar.
i) Que como consequência directa e necessária de tais condutas ficou o menor B...com vermelhidão no rosto, nódoas negras e hematomas no rabo e nas pernas, o que lhe provocou dores, sem contudo ter recorrido a assistência médica.
j) Que em Julho de 2008, designadamente nos dias 15 e 16 o arguido tenha dito aos filhos mais velhos que iriam ficar sem mãe e sem pai, pois este iria matá-Ia e de seguida matar-se-ia a si.
k) Que o arguido actuou com total frieza de ânimo, no cumprimento de um desígnio há muito já alcançado, como supra descrito, aguardando o momento oportuno e preparando-se para surpreender a assistente num local pouco iluminado e sem condições adequadas a que se pudesse defender.
l) Que relativamente ao filho B... o arguido actuou, em todas as ocasiões, também de forma livre voluntária e consciente, com a intenção de o molestar fisicamente e lhe provocar lesões e dores, bem sabendo que a sua conduta era a adequada a produzir tal resultado, humilhando-o na sua relação parental com o progenitor e perante os demais membros do agregado familiar.
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Na escolha e determinação concreta da pena foi tido em conta no acórdão:
Determinação concreta da pena:
Feito o enquadramento jurídico dos factos haverá que proceder à escolha e determinação da medida da pena a aplicar.
O artigo 40 do Código Penal dispõe que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos, no sentido de tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa.
Na ponderação da pena a aplicar tomar-se-ão em conta os critérios consignados no artigo 71 do C. Penal e, designadamente, a culpa do agente e as necessidades de prevenção.
Sublinhe-se que estes constituem os princípios regulativos que deverão estar subjacentes à determinação de qualquer pena, funcionando a culpa como fundamento da punição em obediência ao princípio “nulla poena sine culpa” e limite máximo inultrapassável da pena, atendendo à dignidade da pessoa humana. A prevenção, na sua vertente positiva ou de integração, mostra-se ligada às necessidades comunitárias da punição do caso concreto, e irá fixar os limites dentro dos quais a prevenção especial de socialização irá determinar, em última instância, a medida concreta da pena. Na verdade, só se justificará a aplicação de uma pena se ela for necessária e na exacta medida da sua necessidade, ainda que sempre subordinada a uma incondicionável proibição de excesso, conquanto, ainda que necessária, a pena que ultrapasse o juízo de censura que o agente mereça é injusta e dessa forma inadmissível.
O crime de violência doméstica é punido com pena de prisão de dois a cinco anos (art. 152.º/1 a) e 2 do CP), podendo ainda ser aplicada uma pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a cinco anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
No caso concreto importa considerar que o arguido agiu com dolo directo, a ilicitude do facto é acentuada atendendo ao extenso período temporal ao longo da qual a conduta agressiva do arguido se manifestou, além da intensidade da mesma e proximidade temporal entre as condutas.
Tais condutas revelam uma especial agressividade e um acentuado grau de violência por parte do arguido – bofetadas e empurrões frequentes, inclusive quando a ofendida se encontrava grávida, injúrias, ameaças de morte, inclusivamente com arma branca.
Revela ainda o comportamento do arguido uma especial perversidade tendo atitudes persecutórias relativamente à sua mulher, seguindo-a e vigiando-a, o que continuou a fazer mesmo após a tentativa de homicídio desta.
Há que considerar ainda que o arguido não tem antecedentes criminais e que se encontra actualmente a trabalhar, tendo uma nova companheira;
As necessidades de prevenção geral deste tipo de comportamentos apresentam-se elevadas nestes tipos de ilícitos atendendo ao papel que a Família, enquanto instituição, representa para a sociedade e para o Estado, ao facto de este ilícito ser gerador de considerável alarme social e à necessidade de uma consciencialização da inadequação, da gravidade e perniciosidade desses comportamentos;
As necessidades de prevenção especial, revelam-se acentuadas em face da personalidade criminógena do arguido, todavia o mesmo não possui antecedentes criminais e encontra-se socialmente inserido, além de já não residir com a ofendida ( o que todavia, não impediu as condutas persecutórias relativamente à mesma).
Assim, por se mostrarem devidamente asseguradas as finalidades de punição que ao caso se impõem, temos por adequada a condenação do arguido na pena de três anos de prisão.
No que respeita à medida da pena a aplicar ao arguido importa também atender ao disposto no artigo 152.º n.º 4 do Código Penal, segundo o qual pode ser aplicada a pena acessória de proibição de contacto com a vítima bem como a frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, pelo período máximo de cinco anos.
No caso dos autos, e face à personalidade do arguido e ao comportamento do mesmo, designadamente o facto de as condutas persecutórias apenas terem cessado com a aplicação ao arguido de medida de coacção de permanência na habitação com vigilância electrónica, considera-se adequado e proporcional a condenação do arguido na proibição de contacto com a ofendida C...., devendo afastar-se na residência e local de trabalho desta pelo período de 5 anos.
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Relativamente ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada é o mesmo punível com pena de prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias até 16 anos e 8 meses de prisão (por força da atenuação especial, a que alude o artigo 73º 1 al.a) e b) ex vi artigo 23º n.2 do C. Penal).
Vertendo agora a nossa atenção sobre os concretos factores de medida da pena, previstos no nº2 do artigo 71º do Código Penal, há que considerar a gravidade da ilicitude, indiciada pelo número e grau de violação dos interesses ofendidos, suas consequências e eficácia dos meios utilizados, e que no caso é bastante acentuada, tendo em conta o interesse protegido, a vida, valor supremo, as consequências da actuação, mormente as lesões sofridas pela ofendida e acima descritas e respectivo período de incapacidade (10 dias de doença com afectação da capacidade de trabalho; as zonas atingidas (cabeça), a forma de actuação do arguido e sua violência, bem como o meio empregue (machado); ao dolo, na sua forma mais intensa, de dolo directo, o arguido conhecendo o carácter ilícito da sua conduta quis praticar os factos.
Em favor do arguido a sua inserção profissional e social e a inexistência de antecedentes criminais.
A considerar, por último, as acentuadas necessidades em termos de prevenção geral e as fortes exigências do sentimento comunitário no que se refere à tutela do bem jurídico violado (bem vida, situado no ponto mais alto da hierarquia dos valores fundamentais) e necessidade da pena.
Tudo ponderado, considerando o que da generalidade dos factos sobressai sobre a personalidade do arguido, bem como a necessidade de prevenir a prática de futuras infracções e os limites fixados na lei, atendendo às circunstâncias dos factos, desvalor da conduta e suas consequências, a sua inserção profissional e social e a inexistência de antecedentes criminais, bem como aos demais factores referidos, o tribunal considera ajustada a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
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Procedendo agora ao cúmulo jurídico das penas parcelares ora aplicadas ao arguido, nos termos do art. 77.º do CP, e considerando que a moldura ora aplicável é de 5 anos e 6 meses a 8 anos e seis meses de pena de prisão, considera-se adequado atendendo aos factos e à personalidade do arguido, a aplicação ao mesmo da pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
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Conhecendo:
O recorrente insurge-se contra a medida das penas aplicadas, considerando-as exageradas.
Igualmente pugna pela suspensão da execução da pena.
Tem como exagerada a quantia fixada como indemnização por danos morais.
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A matéria de facto é a supra transcrita, que se encontra fixada, uma vez que o recurso versa, apenas, matéria de direito.
Medida da pena:
No acórdão recorrido, foram observados os critérios legais de escolha e determinação da medida da pena, como resulta da transcrição supra.
Importa atender ao critério legal, o inserto do art. 71 do código, ou seja, “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo a “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.
Individualizando a pena a aplicar, verifica-se a concordância com os critérios legais, enunciados no art. 71 do código, nos seus nºs 1 e 2, o Tribunal Colectivo procedeu em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, ou seja, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.
Na aplicação da medida da pena deve ter-se em conta o disposto no art. 71º do C. Penal.
Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).
Visando-se, com a aplicação das penas, a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, art. 40 nº1 do Cód. Penal.
No que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a "gravidade do facto" assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade (na sociedade ocidental releva os crimes cometidos contra a vida ou contra a integridade física) e satisfazer as exigências de protecção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito (cfr. ANABELA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374) ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar "satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos" (Ac. STJ de 4-7-1996, CJSTJ, II, p. 225).
Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, art. 40 nº 2 do C. Penal.
Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.
Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – art. 71 nº 2 do C. Penal.
Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
Tendo em conta estes considerandos, importa referir que as exigências de prevenção neste tipo de situações demandam necessidade de punição.
É intensa a ilicitude do facto e as consequências só não foram mais gravosas por circunstâncias alheias à vontade do recorrente, pois que poderia ter acontecido a morte (o arguido se convenceu que a tinha morto – ponto 15 dos provados).
O arguido desferiu quatro golpes com a machada, que apanharam a vítima três na cabeça e um na orelha do lado esquerdo.
Assim como a ofendida foi vítima do comportamento desajustado do arguido ao longo de quase toda a vida em que viveram um com o outro, sendo constantes as ofensas e ameaças, “extenso o período temporal ao longo do qual a conduta agressiva do arguido se manifestou”, como se refere no acórdão.
O arguido agiu sempre com dolo directo sendo acentuada a ilicitude da sua actuação.
De salientar o grau de violência, inclusive em alturas de gravidez, as atitudes persecutórias, mesmo após os factos que constituíram o crime de homicídio tentado.
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.
A pena só cumpre a sua finalidade enquanto sentida como tal pelo seu destinatário – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infracções, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
Tendo em conta os vectores apontados, tendo em conta a moldura penal, dos crimes pelos quais o arguido foi condenado, (o crime de violência doméstica tem como limite mínimo da pena 2 anos, pelo que não se ajustaria a pena de 1 ano e 6 meses como pretende o arguido na conclusão 3), temos como em nada exageradas as penas em concreto encontradas para cada um, bem como a unitária, tendo também em conta toda a actuação.
Pelo que se mantêm as penas aplicadas ao arguido/recorrente, as quais se mostram bem doseadas e bem merecidas.
Pelo que fica prejudicado o conhecimento dos requisitos de eventual suspensão da execução.
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Montante da indemnização:
Tem o recorrente como exagerada a indemnização, face à actualidade económica e financeira que se vive, sem previsão de mudar a curto ou médio prazo.
Assim que o recorrente nenhum argumento válido invoca para questionar e considerar exagerada a indemnização.
De acordo com o art. 129 do CP, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.
O que significa que têm de ser chamados à colação os arts. 483, 496 e 566 do C. Civil.
No caso em apreço apenas estão em causa (não se questiona a indemnização por danos patrimoniais), danos não patrimoniais que envolvem, quer os chamados danos morais – ofensas à honra e à dignidade, humilhações, vexames e desgostos de ordem afectiva – quer os sofrimentos físicos – dores corporais e padecimentos (cfr. A. Varela in RLJ 123, pág. 253, e “Das Obrigações em Geral”, 7ª ed. , vol. I, pág. 595 e segs.).
Face aos factos provados é evidente que os danos não patrimoniais peticionados são merecedores da tutela do direito, art. 496 nº 1 do Cód. Civil, sendo que o nº 3 aponta para que a indemnização nesta sede seja fixada equitativamente pelo Tribunal.
Em face da factualidade probatoriamente demonstrada, afigura-se como certo que os factos praticados pelo arguido foram causa adequada da ocorrência de danos de natureza não-patrimonial na esfera pessoal da ofendida, que se traduziram, essencialmente, no sofrimento, angústia, medo, humilhação e natural nervosismo que sentiu.
No acórdão recorrido e sobre a matéria se refere: “Resultou provado que a ofendida foi vítima de agressões físicas e morais de forma reiterada, que foi ameaçada de morte inclusive com arma branca, que sofreu as supra mencionadas lesões na cabeça e orelha na sequência das machadadas desferidas pelo arguido, as quais lhe determinaram 10 dias de doença, com incapacidade para o trabalho; que a mesma esteve ausente do trabalho durante 14 dias, que sofreu dores intensas e que os factos praticados pelo arguido causaram na ofendida medo e nervosismo a que acresce as sequelas permanentes no crânio e face, ou seja, as cicatrizes extensas mencionadas nos factos provados, danos esses que revestem a gravidade merecedora da tutela do direito”.
Dúvidas não restam, também, de que ao agir da forma descrita, o arguido violou, ilícita e dolosamente, a personalidade moral da demandante, pelo que se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual supra referidos, constituindo-se o arguido/demandado na obrigação de indemnizar os danos resultantes daquela violação.
Nestes termos, tudo visto e ponderado, julgo equitativo, atentas as circunstâncias do caso, fixar o montante indemnizatório por danos de natureza não patrimonial sofridos pela demandante C...., no montante de 7.500€ (sete mil e quinhentos euros), a pagar pelo demandado.
Verifica-se que a indemnização de 7.500,00€ não pode considerar-se exagerada, já que se mostra justa e equitativamente quantificada.
Pelo que se mantém.
Assim se julgando improcedente o recurso, por improcedentes todas as conclusões.
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Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em:
- Julgar improcedente o recurso do arguido A... e, em consequência, mantém-se o acórdão recorrido
Custas pelo recorrente, com 5 Ucs de taxa de justiça.

Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins