Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3013/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: ARRESTO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Data do Acordão: 03/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 407.º, N.º 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E ARTIGOS 605.º, 610.º, A) E 619.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: É lícito o arresto em bens transmitidos pelo devedor antes da dívida, sempre que ocorram condições de viabilidade de impugnação das transmissões face à norma do nº 2, do artigo 407º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

1. A... requereu no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria a presente Providência Cautelar de Arresto contra B..., e Outros, a qual, sem a audiência prévia destes últimos, lhe foi deferida.

2. Efectuado o arresto dos indicados bens, os Requeridos, uma vez notificados do competente despacho e irresignados com este, interpuseram –com excepção da predita B...-, o vertente recurso de Agravo, o qual encerram com as seguintes conclusões:
1- Face aos elementos apurados e face ao que não foi possível apurar a providência cautelar de arresto sobre todos os bens móveis e imóveis, veículos automóveis e contas bancárias dos agravantes não devia ter sido deferida.
2 - O tribunal deu como provado que apenas é devedora à requerente a 1.ª requerida.
3 - Ordena a penhora aos bens dos agravantes por considerar que estes não pagaram e que a 1.ª requerida, a devedora, fechou as instalações, o que deixa em sério risco a satisfação do crédito da requerente.
4 - O tribunal considera ainda provado que a requerente e a 1.ª requerida mantiveram relações comerciais de compra e venda de material sanitário e de acessórios, sendo que a 1.ª requerida nunca veio a proceder ao pagamento de diversas facturas vencidas e não pagas que totalizam o valor de € 3.606,77.
5 - Que em conformidade a requerente intentou a respectiva acção que sob o n.º440/2000 correu termos no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, que condenou a aqui 1.ª requerida ao pagamento da referida quantia acrescida de juros de mora.
6 - Em momento algum o tribunal deu como provado a data em que se constitui o crédito da requerente e tal facto é importante uma vez que o que é alegado, e o que é dado como provado, é que de forma concertada os requeridos actuaram no sentido de subtrair à 1.ª requerida os bens que constituíam a garantia patrimonial do crédito da requerente.
7 - Consultados os autos n.º 440/200 que correu termos no 4.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Leiria, resulta que o crédito da requerente sobre a 1.ª requerida se constituiu no período de 7 de Agosto de 1999 a 15 de Novembro de 1999.
8 - Ou seja até 7 de Agosto de 1999 a requerente não reclama qualquer crédito à 1.ª requerida. Não existe qualquer divida.
9 - Não apurando o tribunal a data em que se constituiu o crédito não podia ter decretado a providência de arresto.
10 - E a data do crédito da requerente é de tal modo importante que o seu desconhecimento resulta no seguinte: «16.º - Tais documentos demonstram que à data a 1.ª requerida possuía um extenso património que em abstracto se revelava largamente suficiente para a satisfação do crédito da requerente.». Mas qual data!? Se o Tribunal não cuidou de apurar nenhuma data em concreto, ou seria uma data em abstracto. . .
11 - O tribunal deu como provado que em 22 de Janeiro de 1999 a 1.ª requerida cedeu a sua posição contratual à 2.ª requerida em contratos de leasing sobre três imóveis (Cfr. facto 17°).
12 - O tribunal deu ainda como provado que os 3.º e 4.º requeridos detinham no seu património pessoal e conjugal a propriedade da fracção "A" do prédio urbano sito na Rua João da Regras, n.º 11, nas Paivas, inscrito na matriz predial sob o n.º 3698 e descrito sob o n.º 160-A e que em 7.07 .1998 transferiram tal propriedade para a 2.ª Requerida (Cfr. facto 17°).
13 - Resultou provado que a 1.ª requerida vendeu um determinado prédio urbano ao 3.º requerido em 23 de Novembro de 1994 (cfr. facto 17, alínea e)).
14 - Mais uma vez provou o tribunal que os 3.º e 4.º requeridos detinham a propriedade da fracção "Q", num outro prédio e que o venderam à 2.ª requerida em 26.01.1998...
15- Deu o tribunal como provado que em 16.12.1998, 15.05.1998 e 1.10.1998 a 1.ª requerida transmitiu a favor da 2.ª requerida cinco viaturas (alínea g) e h) do facto provado a 17°);
16 - Deu o tribunal como provado que a requerente apurou que o 3.º e 4.º requeridos são casados entre si e os 5.º e 6.º requeridos são seus filhos;
17 - Que à data da constituição da 1.ª requerida os 3.º e 4.º requeridos eram os seus sócios e que em 4.11.1999 cederam as suas participações a favor de Estevam Augusto Neves;
18 - Relativamente à 2.ª requerida deu o tribunal como provado que a mesma foi registada em 16.01.1998, e que são titulares das quotas os 4.º e 5.º requeridos, o que se trata de um lapso de escrita, pois o que se queria dizer é que eram os 5.º e 6.º requeridos.
19- Considerando tais factos como provados não podia o tribunal considerar provado que a 1.ª requerida transmitiu o seu património à 2.ª requerida com o propósito de prejudicar a satisfação dos créditos dos seus credores, tal como aqui se apresenta a requerente.
20 - Nem poderia dar como provado que tudo o que fizeram os seis requeridos, conjunta e concertadamente, teve como único propósito evitar a execução do património da 1.ª requerida.
21 - Como é possível que o tribunal considere que factos praticados entre duas sociedades e praticados no ano de 1998 e em Janeiro de 1999, visavam prejudicar a satisfação de um crédito que só se constituiu em Julho de 1999 e se começou a vencer em Agosto do mesmo ano.
22 - À data da constituição da divida o património da devedora, 1.ª requerida, manteve-se inalterado, ou pelo menos nenhuma transmissão entre os requeridos afectou o património da devedora;
23 - A requerente não alega, e o tribunal não dá como provado, um único facto praticado entre os seis requeridos onde exista qualquer transferência de património que resultasse em diminuição de quaisquer garantias patrimoniais a favor da requerente.
24 - E o que dizer quando o tribunal reproduz o alegado pela requerente ao invocar o facto de a última declaração entregue pela 1.ª requerida se reportar ao ano de 1998, para provar que esta não mantém qualquer actividade;
25 - Percebe-se claramente porque não convinha à requerente alegar a data em que o seu crédito se constituiu. Caso o tribunal não cuidasse de apurar a data da constituição do crédito e pudesse ser levado a considerar que tal data era de 1998 ou anterior a tal ano, então estariam reunidas as condições para que fosse decretada a providência cautelar de arresto.
26 - O Tribunal não tem perdão, competia-lhe a ele cuidar de apurar tal facto, sob pena de não o apurando não decretar a providência requerida.
27 - Mas a imprudência do Tribunal foi mais longe e perante um crédito de € 5.938,89 decretou que fosse arrestado tudo e mais alguma coisa de todos os requeridos, inclusivamente das transmissões em que os 3.º e 4.º requeridos apareciam como vendedores, eles que nada deviam à requerente.
28 - Ao ordenar o arresto das contas bancárias dos seis requeridos, o arresto de imóveis urbanos, o arresto de veículos automóveis, o arresto de todo o recheio desde logo de uma sociedade comercial que se dedica à venda de materiais de construção o tribunal violou grosseiramente o disposto no n.º 2 do art.º 408 do C PC;
29 - Mas o Tribunal na ânsia de se limitar a reproduzir o alegado pela requerente dá como provados factos absolutamente contraditórios.
30 - O tribunal dá como provado: «27.º - Com efeito, será pertinente chamar a atenção para os seguintes factos: a) todos os actos supra descritos de transmissão do património da 1.ª para a 2.ª requerida ocorreram entre 16.12.1998 e 6.07.1999.»
31 - Ora resulta dos factos dados como provados que as transmissões ocorreram entre 15 de Maio de 1998 e 22 de Janeiro de 1999, em 6.07. 1999 e segundo os factos dados como provados aconteceu não a transmissão de qualquer bem entre a 1.ª e a 2.ª requeridas, mas tão só o registo da transmissão ocorrida em 22 de Janeiro de 1999 (cfr. alíneas a) a d) do facto provado a 17°)
32 - Ou seja o tribunal confunde o registo com a transmissão.
33 - E vem a decretar o arresto sobre bens de terceiros, ou seja bens de pessoas diferentes do devedor. A lei prevê a possibilidade de o arresto ser requerido contra o adquirente de bens do devedor - Cfr. n.º 2 do art.º 407.º do C PC.
34 - Acontece que como resulta dos factos provados na decisão agravada as aquisições foram anteriores à existência da divida. Não existindo divida à data da aquisição, é forçoso concluir que não foram adquiridos bens do devedor. A 1.ª requerida só se torna devedora em Agosto de 1999 e a última transmissão que efectuou para a 2.a requerida foi em 22 de Janeiro de 1999.
35 - É que não sendo os bens arrestados do devedor, não tendo existido aquisição de bens do devedor, nunca o tribunal poderia ter decretado a providência cautelar de arresto, contra os bens dos agravantes.
36- Também não logrou o tribunal acautelar nada, pois se os bens arrestados à data da constituição da divida já não eram pertença da devedora, nunca pode a credora vir invocar que tinha legitimas expectativas de ter garantias patrimoniais que garantissem o seu crédito.
37 - Acontece que o tribunal acabou por decretar o arresto não com base em julgar procedente o preceituado no n.º 2 do art.º 407 do C PC, o que sempre não se admitia pela razões já explanadas, mas antes ao abrigo do n.º 1 do art.º 406° do C PC.
38 - Ao decretar o arresto contra todos os bens dos agravantes o tribunal violou as seguintes normas: art.º 406/n.º1 (uma vez que os bens arrestados não eram do devedor), art.º 407/n.º2 (uma vez que nenhum dos agravantes foi adquirente de bens do devedor, dado que à data das transmissões é muito anterior à existência da divida), art.º 408/n.º2 (uma vez que tendo o arresto sido requerido em mais bens que os suficientes para segurança normal do crédito, o tribunal não reduziu os bens a arrestar aos justos limites) todos do Código do Processo Civil (C PC).
39 - Termos em que revogando-se a decisão agravada que arrestou bens que não são pertença do devedor, nem foram adquiridos ao devedor, na pendência do crédito da requerente, se fará a melhor Justiça.

3. A Requerente apresentou, por seu turno, contra-alegações, pugnando pela manutenção da recorrida decisão.

Igual procedimento assumiu também a Mm.ª Juíza.

Colhidos que se mostram os competentes vistos legais, cumpre decidir.

II – DOS FACTOS.
Na douta decisão recorrida foi a matéria dada como indiciariamente provada inscrita da forma seguinte:

1.º - A requerente dedica-se à importação, produção e exportação de produtos sanitários, artigos de decoração, cerâmica e outros similares e respectiva comercialização.
2.º - A 1.ª requerida dedica-se à comercialização de materiais de construção, fabricação de exaustores, indústria de construção civil, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos - cfr . doc. n.º 1 ora junto.
3.º - A requerente e a 1.ª requerida mantiveram entre si diversas relações comerciais de compra e de venda de material sanitário e de acessórios, sendo que a esta última nunca veio a proceder ao pagamento de diversas facturas vencidas e não pagas que totalizam o valor de € 3.606,77.
4.º - Em conformidade a requerente intentou a respectiva acção que sob o n.º 440/2000 correu termos no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria que condenou a aqui 1.ª requerida ao pagamento da quantia de € 3 606,77, acrescida da quantia de E 343,76 a título de juros de mora, contabilizados que foram até data da propositura da acção (11 de Julho de 2000), e ainda ao pagamento de juros de mora vincendos à taxa legal até efectivo e integral pagamento - cfr . doc. n.º 2 ora junto.
5.º- Até à presente data a 1.ª requerida nada pagou, pelo que ao valor do capital em dívida acresce ainda o pagamento dos juros de mora que se venceram desde 04.05.2002 até 30 de Março de 2005 e que perfazem o montante de € 1 205,17.
6.º- Deve assim a 1ª requerida à requerente a quantia actualizada de € 5 938,39.
7.º - Ora sucede que, transitada em julgado a respectiva sentença, e não tendo a 1.ª requerida procedido ao pagamento da quantia em que foi condenada nos referidos autos de acção declarativa, a requerente intentou, por apenso ao identificados autos, a respectiva execução de sentença.
8.º - No âmbito da referida execução a requerente nomeou à penhora todos os bens móveis da 1ª requerida que se encontrassem na sua sede, à data, na Rua Políbio Gomes dos Santos, n.º 3, Fogueteiro, Amora, Seixal. - cfr. doc. n.º 3.
9.º- No dia 6 de Janeiro de 2003 deslocou-se o funcionário judicial do serviço externo do Tribunal Judicial do Seixal à sede da 1.ª requerida no propósito de proceder à penhora dos bens móveis aí existentes e que fossem sua propriedade - cfr. . doc. n.º 4.
10.º- A referida penhora não foi levada a efeito porquanto o aqui 5.º requerido apresentou escritura pública de compra e venda do imóvel da 1.ª requerida para a aqui 2.ª requerida.
11.º - Constatando a venda do imóvel sede da 1.ª requerida, veio então a requerente indicar à penhora todos os bens móveis existentes na nova sede da requerida sita em Rua João de Deus 35.º-A, Seixal, que, aí chegado, uma vez mais não veio a ter lugar porquanto " a firmo executada não labora há cerca de 4 anos; quanto ao paradeiro da actual sede da firma executada é ali desconhecido" - cfr. .docs. nºs 5 e 6.
12.º- Seguidamente foi requerido o seguinte,
a) A notificação do Banco de Portugal para difusão da ordem de penhora dos saldos bancários existentes em nome da 1.ª requerida nas instituições financeiras sediadas em Portugal;
b) A notificação da Repartição de Finanças do Seixal para informar sobre domicílio fiscal, bens móveis ou imóveis, titularidade de direitos ou títulos de crédito, benefícios fiscais, e junção da última declaração anual de IRC;
A notificação da 1ª requerida para indicar bens móveis ou imóveis de que fosse proprietária, titularidade de direitos ou títulos de crédito - cfr . doc. n.º 7.
13.º - Realizadas as diligências foi a requerente notificada da "frustração da notificação do gerente da executada para informar quais os bens móveis e imóveis que a executada possui” e " de que os ofícios bancários juntos aos autos consta não existir qualquer saldo penhorável.”- cfr. doc. n.º 8.
14.º - Respondeu por oficio o Serviço de Finanças de Setúbal reiterando que da sua base de dados consta que a sede da 1.ª requerida tem lugar na Rua João de Deus, 25.º-A, Casal do Marco Seixal, local este que, como supra se referiu e constatou, há muito que a 1ª requerida ali não labora ou é vista.
15.º - Mais informou o referido Serviço de Finanças que não foram encontrados quaisquer bens imóveis inscritos a favor da executada, ora 1.ª requerida, bem como cópia da última declaração modelo 22 de IRC que se reporta ao exercício fiscal de 1998, respectivo balancete de razão e mapa de reintegrações.
16.º - Tais documentos demonstram que à data a 1ª requerida possuía um extenso património que em abstracto se revelava largamente suficiente para a satisfação do crédito da requerente.
17.º - Depois de todos estes desencontros, e à luz das informações alcançadas em sede executiva, a requerente saiu dos seus cuidados para vir a apurar o seguinte:
a) Em 4.11.1999 a 1ª requerida alterou a sua sede na Rua Políbio Gomes dos Santos n.º 3, Fogueteiro, Amora, Seixal, para a Rua João de Deus, n.º 25-A, Casal do Marco, Arrentela, Seixal;
O prédio onde anteriormente a 1.ª requerida tinha a sua sede é agora um estabelecimento da 2.ª requerida, depois desta última o ter adquirido em 11.09.2002 ao Santander Central Hispano Leasing, S.A. (anteriormente designado MCLOC, S.A. e posteriormente Tottaimo, S.A.), e após a 1.ª requerida lhe ter cedido por escritura pública de 22.01.199 a posição contratual no referido, beneficiando assim das rendas pagas por esta última - cfr. doc. n.º 3;
b) A 1.ª requerida detinha no seu património a fracção " AA ", correspondente ao rés-do-chão destinada a armazém, do prédio urbano sito na Rua Políbio Gomes dos Santos nºs 7, 7-A, 7-B, 7-C, 7-D, 7-E, 7-F, 7-G, 7-H, e na Rua Marco Severino nºs 1, 1-A, 1-B, 1-C, Fogueteiro, inscrito na respectiva matriz predial sob o n.º 3 891 e descrito sob o n.º 509, na Conservatória do Registo Predial de Amora, Freguesia de Amora, prédio esse que:
1. Em 10.02.1992 tomou de locação à Tottaimo SA, por meio de contrato de locação fmanceira imobiliária, por período de 10 anos;
2. Por escritura pública realizada no dia 22.01.1999, registada em 06.07.1999, a 1.ª requerida cedeu a sua posição contratual à 2.ª requerida que assim beneficiou das rendas até aí pagas pela primeira;
No dia 11.09.2002, findo o contrato de locação financeira, a 2.ª requerida adquiriu a propriedade do imóvel ao Santander Central Hispano Leasing, S.A., aquisição que registou em 23.09.2002- cfr. docs. n.º 3 e 9;
d) A 1.ª requerida detinha no seu património a fracção "A", do prédio urbano sito na Av. 1.º de Maio, nºs 45, 45-A, 45-B, Fogueteiro, inscrito na respectiva matriz predial sob o n.º 1 050 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n.º 1 654-A, Freguesia de Amora, que:
1. Em 10.02.1992, por um período de 10 anos, foi tomado em locação financeira imobiliária pela 1.ª requerida ao Santander Central Hispano Leasing, S.A. (anteriormente designado MCLOC, S.A. e posteriormente Tottaimo, S.A.);
2. Por escritura pública realizada no dia 22.01.1999, registada em 06.07.199, a 1.ª requerida cedeu a sua posição contratual à 2.ª requerida que assim beneficiou das rendas até aí pagas pela primeira;
No dia 11.09.2002, findo o contrato de locação financeira, a 2.ª requerida adquiriu a propriedade do imóvel ao Santander Central Hispano Leasing, S.A., aquisição que registou em 23.09.2002 - cfr. docs. n.º 3 e 9;
Os 3.º e 4.º requeridos detinham no seu património pessoal e conjugal a propriedade da fracção " A " do prédio urbano sito na Rua João das Regras, n.º 11, Azinhaga do Roque, Paivas, inscrito na respectiva matriz predial sob o n.º 3 698 e descrito sob o n.º 160-A na Conservatória do Registo Predial de Amora, Freguesia de Amora, que em 7.07 .1998 transferiram do seu património conjugal a favor da aqui 2.ª requerida - cfr. docs. n.º 3 e 9;
e) A 1.ª requerida detinha no seu património o prédio urbano sito na Rua Miguel Cândido, n.º 13, Cabanas, inscrito na respectiva matriz predial sob o n.º 5 207, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º 1 002, freguesia de Quinta do Anjo, que:
3. No dia 21.06.1994 a 1.ª requerida adquiriu o supra referido prédio que integrou no seu património social;
4. No dia 23.11.94 o vendeu o prédio ao seu sócio gerente Arménio da Silva Francisco, aqui 3.º requerido, que o integrou no seu património pessoal;
5. No dia 08.07.98, o 3.º requerido vendeu o prédio à 2.ª requerida - cfr doc nº10.
f) O 3.º e 4.º requeridos detinham no seu património conjugal a propriedade da fracção "Q" correspondente ao rés do chão do prédio sito em Rua Miguel Cândido, n.º 13, Cabana Palmela, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o n.º 4 450 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n.º 01166- "Q", Freguesia de Amora, que em 26.01.1998 transferiram do seu património conjugal a favor do património social da aqui 2.ª requerida- cfr . doc. n.º 11 ;
g) A 1.ª requerida detinha no seu património social a propriedade dos veículos de matrículas QO-50-30, 29-07-BI e XS-02-57 conforme melhor resulta do mapa junto como doc. n.º 8, que:
6. O veículo de matrícula QO-50-30, que a 1.ª requerida havia adquirido em 06.07.1988, foi por esta transmitido em 16.12.1998 a favor da 2.ª requerida - cfr. doc. n.º 12;
7. O veículo de matrícula 29-07-BI, que a 1.ª requerida no dia 23.01.1993 tomara em locação financeira à sociedade Sofinloc, SA, e que em 31.01.1996 havia adquirido a seu favor a respectiva propriedade, foi, no dia 16.12.1998, transmitido a favor da sua trabalhadora Hortense do Rosário Simões Fradinho Marques que, nesse mesmo dia 16.12.1998, o vendeu à 2.ª requerida, tendo ambos os contratos de compra e de venda sido apresentados a registo no mesmo dia 22.12.1998- cfr. doc. n.º 13;
O veículo de matrícula XS-02-57 que a 1.ª requerida no dia 20.04.1995 comprara à Sofinloc, SA, foi, no dia 16.12.98, transmitido a favor da sua trabalhadora Hortense do Rosário Simões Fradinho Marques que, nesse mesmo dia 16.12.1998, o vendeu à 2.ª requerida, tendo ambos os actos de compra e de venda sido apresentados a registo no mesmo dia 22.12.1998- cfr. doc. n.º 14;
h) A 1.ª requerida detinha no seu património social, por meio de contrato de locação financeira o veículo de matrícula 95-26-AC e do qual esta dispunha ao seu serviço conforme melhor resulta do mapa junto como doc. n.º 8, veículo esse que tomado em locação pela B..., por meio de contrato com início em 8.04.1992 e com termo em 08.04.1995, veio o mesmo a ser adquirido em 15.05.1998 pela 2.ª requerida que desta forma beneficiou das rendas até pagas pela 1.ª requerida - cfr. doc. n.º 15.
A 1.ª requerida detinha no seu património social o veículo de matrícula 28-71-FQ conforme melhor resulta do mapa de reintegrações junto como documento 8, veículo esse que em 3.10.1995 foi adquirido pela Totta Leasing, S.A., e que, pese embora o contrato de locação financeira não haja sido registado, em 110.199 é transmitido a favor da aqui 2.ª requerida - cfr. doc. n.º 16.
18.º - A requerente apurou ainda que o 3.º e 4.º requeridos são casados entre si, e os 5.º e 6.º requeridos, seus filhos - cfr. docs. n.º 17 e 18.
19.º - Relativamente à 1.ª requerida, esta - cfr . doc. n.º 1 :
a) Tem como objecto social a comercialização de materiais de construção, fabricação de exautores, indústria de construção civil, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos;
b) Desde a data do registo da sua constituição tinha como seus sócios os aqui 3.º e 4.º requeridos;
c) Ambos os sócios transmitiram em 4.11.1999 as suas participações sociais a favor de Estevam Augusto Neves;
d) Desde a data do registo da sua constituição até dia 4.11.1999 eram gerentes da 1.ª requerida os aqui 3.º e 4.º [queria-se dizer 5º e 6º] requeridos;
e) A partir de 4.11.1999 a gerência da 1.ª requerida coube ao seu único sócio e gerente Estevam Augusto Neves;
1) Desde a data do registo da constituição da 1.ª requerida até 04.11.1999 o aqui 3.º e 4.º requeridos detinham a capacidade de obrigar a 1.ª requerida apenas por meio da sua assinatura de um deles;

g) A 1.ª requerida tinha a sua sede na Rua Políbio Gomes dos Santos, n.º 3, Fogueteiro. Amora, Seixal.
20.º - Relativamente à 2ª requerida – cfr. doc. n.º 19:
a) Esta tem como objecto social o comércio, importação, exportação e representações de grande variedade de mercadorias; indústria de construção civil, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e a prestação de serviços na área da construção civil;
b) A mesma foi registada no dia 16.01.1998;
c) O capital social desdobra-se em duas quotas de € 174.579,26 de que são titulares os aqui 4.º e 5.º [queria-se dizer 5º e 6º ] requeridos;
d) São gerentes da 2.ª requerida ambos os sócios supra referidos e, desde 1.07.1999, também o pai de ambos, o aqui 3.º requerido;
e) A 2.ª requerida obriga-se mediante a assinatura conjunta de dois dos gerentes;
A 2.ª requerida tem a sua sede na Rua João das Regras, n.º 11-A, Fogueteiro, Amora, Seixal.
21.º - A 1ª requerida transmitiu o seu património à 2ª requerida com o propósito de prejudicar a satisfação dos créditos dos seus credores, tal como aqui se apresenta a requerente.
22.º - Tudo o que fizeram os seis requeridos, conjunta e concertadamente, teve como único propósito evitar que a execução do património da 1ª requerida.
23.º- Não se conhecem actualmente quaisquer bens que sejam propriedade da 1.ª requerida.
24.º - Não se conhece à requerida qualquer actividade, conforme melhor o demonstra aliás o facto de a última declaração entregue se reportar ao exercício de 1998.
25.º- A 1.ª requerida não desenvolve a sua actividade na sua sede, nem se lhe conhecem quaisquer instalações.
26.º - Não se consegue notificar o actual sócio gerente da 1.ª requerida.
27.º - Com efeito, será pertinente chamar a atenção para os seguintes factos:
a) Todos os actos supra descritos de transmissão do património da 1.ª para a 2.ª requerida ocorreram entre 16.12.1998 e 6.07.1999;
b) Previamente, entre 26.01.1998 e 8.07.1998, os 3.º e 4.º requeridos, à data sócios gerentes apenas da 1.ª requerida, "salvaguardaram" o seu património conjugal transmitindo-o a favor da 2.ª requerida que tinha como sócios gerentes os seus filhos, aqui se incluindo um prédio que estes fizeram sair da 1.ª requerida para o seu património conjugal para o virem a transmitir para a 2.ª requerida;
c) Entre 1.10.1998 e 22.01.1999 a 1.ª requerida cedeu a sua posição contratual nos contratos de leasing a favor da aqui 2.ª requerida que assim beneficiou das rendas até então pagas por aquela;
d) Todos os actos supra descritos tiveram lugar enquanto os 3.º e 4.º requeridos eram gerentes da 1.ª requerida;
e) Entre 1.07.1999 e 27.10.1999 o 3.º requerido cumulou a gerência na 1.ª e 2.ª requerida;
f) Quer a 1.ª quer a 2.ª requerida desenvolvem a mesma actividade;
g) Os 3.º e 4.º requeridos eram gerentes da 1.ª requerida quando transferiram todo o património para a sociedade dos filhos, ou seja, para a 2.ª requerida;
h) Em 4.11.1999, formalizadas todas as transmissões do património da 1.ª requerida para a 2.ª requerida, cessam os 3.º e 4.ª requeridos as funções de gerentes e transmitem as suas participações sociais na 1.ª requerida para aquele ir então assumir a gerência da 2.ª requerida conjuntamente com os seus filhos, para onde previamente, e conluiados, haviam transmitido todos os bens;
i) Em 4.11.1999, formalizadas todas as transmissões do património da 1.ª requerida para a 2.ª requerida, alteram a sede da 1.ª requerida para um local onde não lhe é conhecida qualquer actividade, de modo a que a 2.ª requerida possa aí, na até então sede da 1.ª requerida, instalar o seu estabelecimento;
Pese embora a personalidade jurídica distinta de cada um dos requeridos, a vontade de todos eles, agindo concertadamente, é só uma e um só o propósito: descapitalizar a 1.ª requerida em prejuízo dos créditos dos seus credores sociais;
29.º- Os 3.º e 4.º requeridos eram os sócios-gerentes da 1ª requerida ao tempo em que esta transmitiu o seu património societário a favor da 2ª requerida, sociedade da qual são sócios e gerentes os seus filhos.
30.º- O 3.º requerido foi nomeado gerente da 2.ª requerida sendo ainda sócio gerente da 1.ª requerida.
31.º - Entrou assim em conflito, uma vez que a 1.ª e 2ª requeridas têm o mesmo objecto social.
32.º - Os 3.º e 4.º requeridos, conhecendo bem a situação económica da 1.ª requerida, praticaram conjuntamente os factos acima descritos com o claro intuito de se oporem e prejudicarem os créditos devidos por esta, fazendo desaparecer o seu património societário.
33.º- Já os 5.º e 6.º requeridos são filhos dos 3.º e 4.º requeridos.
34.º - São ainda sócios-gerentes da 2.ª requerida conjuntamente com o 3.º requerido que dela é também gerente.
35.º- Não podiam desconhecer, como efectivamente não desconhecem, a proveniência das aquisições em nome da 2.ª requerida, bem como a situação de acumulação de funções de gerência pelo 3.º requerido em ambas as sociedades.
36.º - Bem como das aquisições efectuadas pela 2.ª requerida de bens provenientes da 1.ª requerida, quando aquela era apenas gerida pelos requeridos filhos.
37.º- Até mesmo porque contrataram o seu pai para gerente da sociedade enquanto este ainda era sócio gerente de uma sociedade com o mesmo objecto social.
38.º - Os contratos supra descritos foram celebrados entre os 3.º e 4º requeridos com os 5.º e 6.º requeridos em representação e exercício de actos de gerência da 1.ª e 2.ª requeridas, respectivamente.
39.° - Tais transmissões fraudulentas mais não visaram do que esquivar tal património dos devedores.

III – DO DIREITO
1. O âmbito do recurso, como é de todos conhecido, é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) Recorrente(s), de harmonia com o estipulado nos arts. 684º, nº3 e 690º, nº 1, do Cód. Proc. Civil (Diploma ao qual pertencerão os demais preceitos a citar sem menção de origem), circunscrevendo-se, em princípio, às questões aí equacionadas.
Assim, e atentando nas acima transcritas conclusões, vejamos das questões ali suscitadas.

2. Os Requeridos e ora Agravantes sustentam antes de mais a ilegalidade do decretado arresto na medida em que, sendo a data das transmissões muito anterior à existência da dívida, nenhum dos Requeridos foi adquirente de bens da devedora (a 1ª Requerida, empresa B...).
Salvo o muito respeito, desde já se diga, não lhes assiste razão.
Como deflui do art.º 619º do Cód. Civil, o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer, não só ao arresto dos bens do devedor (nº 1), mas também os bens de terceiro adquiridos por este àquele (nº 2). Neste último caso, tendo em conta o prescrito nesse nº 2 em conjugação com o nº 2 do art.º 407º, necessário se torna que o credor insatisfeito tenha já impugnado judicialmente a transmissão ou, a assim não ter acontecido, que alegue (e sumariamente comprove) os factos que tornam provável a procedência da futura impugnação.
Conforme se elucida no Cód. Civil Anotado de P. Lima e A. Varela, Vol. I, 4ª ed., C. Editora, pág. 637, a lei ao referir-se à “impugnação” da transmissão, conquanto não afaste a possibilidade da invocação da sua nulidade –nos termos do art.º 605º do CC-, prevê directa e fundamentalmente a impugnação pauliana, regulada nos arts. 610º e ss. do mesmo Código.
Ora, na al. a), deste art.º 610º, estabelece-se um dos requisitos para a procedência da impugnação ou acção pauliana. Segundo tal disposição, esse requisito consubstancia-se em “Ser o crédito anterior ao acto ou sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor.”
Portanto, ainda que o acto de que deriva a insuficiência patrimonial do devedor seja mais antigo que a data da constituição do débito –como no caso dos autos sucede-, viável se apresenta sempre a reacção do credor contra tal acto em vista a torná-lo ineficaz quanto a si.
Tem-se em vista, como expende A. Varela, in Das Obrigações em geral, Vol. II, 7ª ed., Almedina, pág. 450, obviar aos casos de fraude preordenada.
Todavia, podendo esse acto determinativo da incapacidade do devedor ser, como bom é de ver, de natureza gratuita ou onerosa, nesta hipótese –única que para o caso “sub judice” interessa-, a lei, ao já apontado requisito, acrescenta um outro, inserto no nº 1 do subsequente art.º 612º, onde se diz que “O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé.”
E quando é que se verifica essa conjunta actuação maléfica?
Responde-nos o nº 2 desse mesmo art.º 612º: “Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.”
Ora, tendo presentes estes postulados e olhando ao caso dos autos, verifica-se que ao serem os bens -reportados nos nºs 17), als. a), b), d), e), g) e h) –veículos 95-26-AC e 28-71-FQ-, dos factos provados(f. p.)- transferidos da devedora e 1ª Requerida, B..., para a 2ª Requerida, Moviplus, Ldª, tanto os sócios e gerentes daquela (3º e 4º Requeridos), como os sócios e gerentes desta última (5º e 6º Requeridos), actuaram com a perfeita consciência de que com tais transmissões prejudicavam –iriam prejudicar-, a Requerente, na medida em que impossibitavam esta de obter a cobrança do crédito que a 1ª Requerida, mediante a contratação de fornecimentos, iria constituir junto da mesma Requerente.
Tal conclusão dimana iniludivelmente dos f. p. nºs 27), als. h) e i), 32), 35), 38) e 39), impressivamente se consignando neste que “tais transmissões mais não visaram que esquivar tal património [da 1ª Requerida] dos devedores.”
Nestes termos, pois, constata-se que a acção de impugnação das transmissões em apreço, ulteriormente a intentar pela Requerente contra a 1ª e 2ª Requeridas, se evidencia com condições de viabilidade, pelo que, pese a posteridade do respectivo crédito, à Requerente/Agravada era e é lícito perseguir os bens nessa transmissões envolvidos e, portanto, e face à apontada norma do nº 2, do art.º 407º, obter –como logrou-, a prévia apreensão cautelar de tais bens.
No que a estes bens concerne, por conseguinte, a douta objecção recursória em análise, pelos fundamentos que vimos de apontar, naufraga.

3. Mas ainda que tais fundamentos não fossem de subscrever –o que apenas a benefício de argumentação se equaciona-, por uma outra razão essa douta objecção não poderia deixar de improceder – e não só relativamente a esses bens transferidos da 1ª Requerida para a 2ª, mas no tocante a todos os bens sobre os quais se fez recair a providência ora em crise, seja, também os bens dos demais Requeridos (2ª a 6º).

Na verdade, analisando a matéria assente, constatamos que as pessoas ou entidades contra as quais foi promovido o ventilado arresto (os seis Requeridos) se analisam em duas sociedades comerciais e quatro pessoas singulares, sendo estas sócias e gerentes daquelas.
Ora, como é sabido, e emerge do art.º 5º do Cód. das Soc. Comerciais, a sociedade comercial goza de personalidade jurídica, é um autónomo sujeito de direitos e, por isso, uma entidade jurídica distinta dos sócios. Como observa o Prof. Luís Brito Correia, in Sociedades Comerciais, Vol. II, 1993, AAFDL, pág. 327, esta separação entre a sociedade e os sócios é sobretudo importante do ponto de vista patrimonial, tornando-se assim a sociedade um instrumento jurídico ao serviço da vida económica.
Todavia – e como o mesmo Mestre também adverte (ibidem) -, nem sempre este instrumento é utilizado para fins lícitos, pelo que a doutrina e a jurisprudência, perante certos tipos de utilização abusiva, têm vindo a construir uma solução conhecida por desconsideração (ou superação) da personalidade jurídica.
Em que consiste tal figura?
No dizer de Pedro Cordeiro, A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Soc. Comerciais, in Novas Perspectivas do Dir. Comercial, Almedina, 1998, pág. 291, “Entendemos por desconsideração o desrespeito pelo princípio da separação entre a pessoa colectiva e os seus sócios ou, dito de outro modo, desconsiderar significa derrogar o princípio da separação entre a pessoa colectiva e aqueles que por detrás dela actuam.”
Portanto, e tal como expende Alexandre Soveral Martins, Da Personalidade e Capacidade Jurídica das Soc. Comerciais, in Estudos de Dir. das Sociedades, 6ª ed., Almedina, pág. 80, “trata-se de fazer o ´levantamento´ da personalidade jurídica, deixando de considerar para certos efeitos, que existe ´autonomia jurídico-subjectiva e/ou patrimonial da pessoa colectiva em face dos seus membros´.”
E –pergunta-se ainda-, em que situações se justificará tal desconsideração –também designada de “levantamento -da personalidade colectiva?

Entre muitos outros, Pedro Cordeiro (ob. cit., pág. 293), elenca, desde logo, o caso de um sócio que mistura o seu capital pessoal com o da sociedade ou vice-versa, e em caso de execução do seu património pessoal, movida por credores da sociedade, ou de execução do património da sociedade, movida por credores pessoais, esse sócio defende-se com a limitação de responsabilidade da sociedade; outro caso paradigmático enunciado pelo mesmo Autor, é o de um sócio gerente de uma sociedade que faz negócios ruinosos para esta em favor de uma outra sociedade controlada por familiares seus (id., pág. 294).
No mesmo conspecto, João Aveiro Pereira, in O Contrato de Suprimento, C. Editora, pág. 36, configura o caso de uma descapitalização intencional de sociedade com o objectivo de a liquidar e constituir outra ou outras, sucessivamente, deixando os credores sem possibilidades de reembolsarem os seus créditos.
Ora, tendo em conta os factos que lograram adesão de prova, não podemos deixar de concluir pela recondução da espécie dos autos a esse quadro de actuações justificativo da desconsideração da personalidade jurídica do ente societário, “in casu”, mais precisamente, das duas sociedades requeridas.
Na verdade, de tais factos resulta que ambas essas sociedades têm o mesmo objecto social. Por outro lado, havendo a quase totalidade dos bens da 1ª Requerida sido transferidos para a 2ª Requerida no ano de 1998, tendo presumivelmente aquela cessado toda a sua actividade nessa mesmo ano –f. p. nºs 11), 14) e 15)-, as compras de mercadorias efectuadas por ela à Requerente verificaram-se no ano de 1999.
Sendo os 3º e 4º Requeridos únicos sócios e gerentes da 1ª Requerida -desde a data da respectiva constituição e ainda à data dessas compras de mercadorias à Requerente-, constituída a 2ª Requerida, tendo como únicos sócios e gerentes os 4ª e 5º Requeridos, veio mais tarde o 3º Requerido -então ainda sócio-gerente da 1ª Requerida-, a ingressar na gerência da mesma. Por fim, que não por último, os 3º e 4º Requeridos, sendo casados entre si, são também pais dos dois demais Requeridos.
Ora, perante este acervo factual –que em larga medida poderia ser ainda avantajado-, não restam dúvidas que as sociedades constituídas pelos Requeridos não são mais do que um meio, um expediente, de estes, e notadamente o 3º Requerido, se furtarem ao cumprimento de direitos creditícios, em detrimento e fraude dos atinentes titulares activos. Até ao momento, essa fuga constata-se em relação à 1ª Requerida, mas, atentando na vontade e desígnios por eles manifestados –cfr. f. p. nº 27), al. i) e nº 39)-, nada exclui que não se venha a repetir em futuras situações, desde logo envolvendo a 2ª Requerida.
De tal sorte, constata-se que os Requeridos fizeram dessas sociedades um fim contrário ao direito, impondo-se, por isso, desconsiderar a autonomia de tais sociedades –levantar-lhes esse “véu”-, e reconduzir os respectivos patrimónios aos dos Requeridos. No fundo, retiradas as “máscaras” societárias, não se verificou pois qualquer transferência de bens entre a 1ª Requerida e a 2ª, não se podendo assim falar em dívidas anteriores ou posteriores a tal transferência, antes os bens permaneceram sempre na mesma esfera, no mesmo raio de acção, a dos Requeridos -especialmente os 3º e 4º, progenitores dos dois restantes.
Como se costuma dizer, não há maior eloquência que a dos factos, eles próprios, e conforme sentenciou o Supremo Tribunal da Alemanha, ao versar justamente uma situação de abuso de personalidade societária (apud António Menezes Cordeiro, O Levantamento da Personalidade Colectiva no Dir, Civil e Comercial, Almedina, pág. 104), “O juiz deve dar mais valor ao poder dos factos e às realidades da vida do que à construção jurídica.”
Mas assim sendo, como se nos afigura, temos que os 4 últimos Requeridos incorreram em abuso de direito, por isso que–como observa o Prof. Brito Correia, ob. cit., pág. 244-, se é certo que a generalidade das pessoas tem o direito de constituir pessoas colectivas e de exercer actividades por intermédio delas, menos certo não é que esse direito tem –ut art.º 334º do CC-“... limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito.” –no mesmo sentido, cfr. também João Aveiro Pereira, ob. e loc. cits., Miguel J. A. Pupo Correia, in Dir. Comercial, 8 ª ed., Ediforum, pág. 543 e, entre outros, Ac. do S.T.J. de 9-15-02, in Col./STJ, Vol. II, pág. 53 e Ac. R.P. de 1-06-00, in Col., Vol. III, pág. 196.
Ora, foram esses limites que os Requeridos manifesta e censuravelmente excederam, consoante deriva à saciedade dos factos provados –maxime, nº 27), al. i), e nºs 29) a 39)-, havendo assim lugar à responsabilização dos mesmos, pelos prejuízos que, com as suas concertadas actuações, quiseram e efectivamente causaram aos aqui Requerentes.
Essa responsabilidade, de natureza delitual ou aquiliana –art.º 483º do CC-, constituiu assim os 4 Requeridos, para os efeitos do enfocado arresto, e à semelhança da 1ª Requerida, em “devedores” da Requerente, pelo que, nos termos do apontado nº 1 do art.º 619º do CC e nº 1 do art.º 406º do CPC, bem se houve a Mm.ª Juíza ao fazer impender tal providência também sobre os bens próprios de tais Requeridos.
Nesta conformidade, a douta objecção recursória em apreço queda-se insubsistente, sendo certo que, como dissemos e uma vez mais repetimos, todos os bens sobre que o arresto em questão incidiu eram passíveis, considerando a respectiva natureza e titularidade, desse meio provisório de tutela.

4. Os Requeridos e ora Agravantes defendem, porém, que ainda que assim se conclua, como acabamos de fazer –isto é, no sentido da integral legalidade do arresto-, sempre ao Tribunal “a quo” se impunha providenciar nos termos prescritos no nº 2 do art.º 408º, onde se reza que “se o arresto houver sido requerido em mais bens que os suficientes para segurança normal do crédito, reduzir-se-à a garantia aos justos limites.”
Assistirá agora razão aos Recorrentes?
Ressalvando sempre melhor entendimento, pensamos que sim.
Conforme ensina Lebre de Freitas, in Cód. Proc. Civil Anot., Vol. II, C. Editora, pp. 127-128, o normativo acima transcrito é uma manifestação do princípio da proporcionalidade e impõe que, se considerado o valor do crédito e o dos bens, este se mostra excessivo em face daquele, o juiz circunscreva o objecto do arresto –salvaguardada uma margem de segurança-, aos bens suficientes para que, em condições normais, a execução forçada fique garantida.
Assim, e ainda que –consoante António S. Abrantes Geraldes opina, in Temas da Reforma do Proc. Civil, Vol. IV, Almedina, pág. 189-, não se justifique a adopção de um critério excessivamente benévolo para o(s) requerido(s), sob pena de se frustrar o objectivo último da medida, atendo-nos aos condicionalismos do caso em apreciação afigura-se-nos, como avançámos, que a Mm.ª Juíza devia ter limitado o contingente de bens a abranger pela providência.
Com efeito, sabe-se que a soma em dívida à Requerente se cifra na quantia actualizada de € 5.938, 39, correndo ainda juros de mora sobre a importância de € 3.606, 77, desde 30-03-2005, até integral pagamento –f. p. nºs 3) a 6).
Ora, para garantir o pagamento dessa cifra, e ainda que se conjecturem múltiplas e adversas vicissitudes –como seja um longo tempo a decorrer até à venda executiva dos bens-, pensamos que apenas alguns dos bens imobiliários outrora pertencentes à 1ª Requerida –e “transferidos” para a 2ª Requerida- são perfeitamente suficientes para assegurarem o ressarcimento da Requerente, necessidade ou justificação alguma havendo de manter o comprometimento de outros bens ou valores.

Tais bens em relação aos quais se nos afigura dever manter-se a providência são os identificados nas nas subalíneas u) e w), da alínea D) (fls. 276) do douto despacho ora em crise.
No que concerne aos demais bens enumerados no mesmo despacho cumpre, pois, providenciar pelo levantamento da sua eventual apreensão.
Na parte ora apreciada, portanto, o douto recurso logra vitória, nessa medida se impondo a revogação do douto despacho por ele adversado.

IV - DECISÃO
Termos em que, conferindo-se parcial provimento ao recurso de agravo, revoga-se em parte o despacho recorrido, mantendo o nele decretado arresto apenas no tocante aos seguintes bens:

- Fracção " AA ", correspondente ao rés-do-chão destinada a armazém, do prédio urbano sito na Rua Políbio Gomes dos Santos nºs 7, 7-A, 7-B, 7-C, 7-D, 7-E, 7-F, 7-G, 7-H, e na Rua Marco Severino nºs 1, 1-A, 1-B, 1-C, Fogueteiro, inscrito na respectiva matriz predial sob o n.º 3 891 e descrito sob o n.º 509, na Conservatória do Registo Predial de Amora, Freguesia de Amora; e
- Fracção "A", do prédio urbano sito na Av. 1.º de Maio, nºs 45, 45-A, 45-B, Fogueteiro, inscrito na respectiva matriz predial sob o n.º 1 050 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n.º 1 654-A, Freguesia de Amora.
No que aos demais bens concerne, dá-se sem efeito esse decretado arresto, ordenando-se o levantamento da apreensão porventura sobre eles incidente.

Custas por Agravantes e Agravada, na proporção de ¾ para os primeiros e ¼ para a última.

Coimbra, 08/03/2006