Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2448/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
INDEMNIZAÇÃO
ARBITRAGEM
Data do Acordão: 02/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 16.º DO DECRETO-LEI N.º 11/94, DE 13/01
Sumário: 1. A concessionária de gás natural deve indemnizar os expropriados, titulares dos imóveis onerados com servidões de gás, em função dos prejuízos que resultem da sua intervenção nesses imóveis, independentemente de quem e em que condições executa esses trabalhos.
2. Logo, devem ser incluídos no objecto da avaliação não só os custos da oneração do terreno da expropriada, como ainda os custos da estabilização do talude, que a intervenção da expropriante tornou necessário.

3. Compete à arbitragem a determinação do montante indemnizatório quando não haja acordo das partes. Não se trata de decidir uma questão de indemnização por acto ilícito ou pelo risco, mas de determinar a indemnização em função da acção expropriativa. Em causa está a relação jurídica de expropriação de que a expropriante e a expropriada são os únicos sujeitos.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A..., com sede em Lisboa recorreu, para o tribunal da comarca de Tondela, da decisão arbitral que fixou em 1.216.000$00 a indemnização a pagar à expropriada B..., sediada em Lageosa do Dão, pelo ónus da constituição de servidão administrativa para efeito de passagem duma conduta de gás natural sobre a parcela n.º 304, acrescendo ainda àquela quantia a de 32.940.600$00, correspondente às obras necessárias para suporte de uma barreira.
Na sua alegação concluía a recorrente que, sem fundamento, foi considerada uma área de 3040 m2 de terreno expropriado, quando a servidão apenas onera a parcela n.º 304 com a área de 581 m2; e que foi deferido um pedido de indemnização por perdas e danos por execução defeituosa dos trabalhos de implantação do gasoduto da responsabilidade do consórcio empreiteiro, terceiro neste processo de arbitragem, e sem garantias de contraditório, pelo que devia ser corrigida a indemnização para uma área de 581 m2 à razão de 400/m2 e nula a decisão que arbitrou a indemnização para as obras de suporte de terras.

2. Após resposta o recurso foi recebido e instruído nos termos legais, vindo a ser proferida decisão que considerou uma área expropriada de 1.519 m2, avaliada pelos peritos em 3.038 euros, condenou a A... a pagar esse montante à expropriada e decidiu que não era de pagar a quantia a de 32.940.600$00, para as obras necessárias ao suporte de terras, por entender que não era da competência da arbitragem.

3. É desta decisão que agora recorre a esta Relação a expropriada, concluindo.
1) A douta sentença sindicada concluiu e determina que a área onerada pela servidão se deve fixar em 1.519 m2, na esteira das conclusões retiradas pelos Srs. Peritos na Avaliação efectuada nestes Autos, mas contrariando as conclusões a que chegou a Comissão de Arbitragem que entendem ser tal área de 3.040 m2.
2) Tal decisão assenta no pressuposto de que a parcela 304, que a Recorrente pertence, "está classificada no Plano Director Municipal de Tondela como EspaçoNatural/Espaço Florestal" e que, por isso "nos termos e para os efeitos do art.º 25.º do Código das Expropriações, não compete discutir da possibilidade construtiva do terreno em causa, dentro ou para lá dos 10 metros contados do eixo do gasoduto ". Ora,
3) Por um lado, não existe prova nos Autos de que a parcela 304 tenha tal classificação no PDM de Tondela, com o que a douta sentença deve ser anulada por do art° 668.º n° 1, al. d) do CPC.
4) Por outro lado, por violar o disposto no art° 10.º do Dec.-Lei 374/89, na redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei 232/90, e art. 7.º do Dec.-Lei 11/94, que impõe a restrição de construção numa faixa de 10 metros para cada lado do eixo longitudinal do gasoduto.
5) E mesmo dando de barato, mas sem conceder, que a parcela 304 se achasse classificada daquele modo no PDM, ainda assim a área a considerar teria sempre de respeitar uma faixa de 10 m para norte do eixo longitudinal do gasoduto visto que o art° 10.º do Dec.-Lei 374/89 se refere a qualquer tipo de construção -incluindo as de apoio à agricultura (Barracões para recolha de tractores, alfaias e produtos agrícolas) e não apenas a construções urbanas.
6) Assim, salvo melhor opinião, a área onerada pela servidão outra não pode fixar-se que não a de uma faixa de 217 metros de comprimento, com 2 metros de largura para o lado Sul e 10 metros de largura para o lado Norte, contados do eixo longitudinal do gasoduto, ou seja: (217m X 2m = 432 m2) + (217 m X 10m = 2.170 m2) = 2.604 m2.
7) Que, ao preço de 2,50 €/m2, e respeitada a percentagem de 80% de ónus, resulta num montante indemnizatório de (2.604 m2 X 80% = 2.083,20 m2) X 2,50 € = 5.208.00€.
8) Também a douta sentença recorrida julgou procedente o Recurso interposto pela A... na parte em que o Acórdão da Comissão Arbitral se pronunciou sobre perdas e danos por execução defeituosa dos trabalhos de implantação do gasoduto, com o que, salvo melhor opinião, terá violado o disposto no n° 1 do art° 16.º (Direito à Indemnização) do Decreto-Lei n.º 11/94, de 13/01. De facto,
9) Tal disposição legal manda que os titulares dos prédio onerados com tal servidão sejam indemnizados “pela concessionária do gás natural”, não só em função da efectiva redução do rendimento, mas também “de quaisquer prejuízos objectivamente apurados e derivados da ocupação desses prédio, ainda que posteriores ao exercício desta”.
10) E na parcela que à Recorrente pertence foram “objectivamente apurados” prejuízos no talude ali existente, danificado pelas obras de implantação do gasoduto e cuja estabilidade ficou bastante afectada.
11) Tais prejuízos foram apurados, e também quantificados, quer pela Comissão Arbitral quer pelos Peritos ajuramentados em Tribunal, tendo até os mesmos sido tidos em consideração pela Meritíssima Juíz do Tribunal "a quo" para efeitos de fixação do valor da Acção em 170.372,40€.
12) Existe uma relação comitente/comissário entre a Recorrida A... e o Consórcio Empreiteiro, relação essa de que a Recorrente é terceira, podendo a Recorrida, se o entender, exercer o direito de regresso contra aquele Consórcio.
13) Quer os Árbitros quer os Peritos são concordes em que a estabilização da barreira deve passar pela solução de utilização de gabiões, cujo volume é de 1.302 m3, mas os primeiros entendem -e bem -que ao custo dos gabiões devem acrescer os "outros encargos", isto é, "mão-de-obra, maquinaria, remoção de materiais, compactação, etc ", que calculam que onere o custo dos gabiões em 15%.
14) Por isso que, mesmo podendo aceitar-se que o preço por metro cúbico do gabião seja o indicado pelos Peritos, ou seja, 75€, a correspondente indemnização deve fixar-se em: 1.302 m3 X 75E = 97.650€ + (19% de IVA = )18.553,5€ + (15% do valor base de 97.650 € =) 14.647,50 € = 130.851,00 €. (sic)
15) Não considerar esta indemnização, já objectivamente apurada e quantificada, seria ainda, salvo melhor opinião, violadora dos Princípios da Igualdade dos Cidadãos perante a Lei e os Encargos Públicos, e da Economia Processual.


4. Contra-alegou a agora recorrida em defesa do julgado. Estão colhidos os vistos legais. Cumpre conhecer e decidir.
Foi considerada na instância recorrida a seguinte matéria de facto:
1) A Recorrente é concessionária do serviço público de importação de gás natural e do seu transporte e fornecimento conforme contrato de concessão assinado com o Estado em 14 de Outubro de 1993;
2) As bases do contrato de concessão foram aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 274-C/93, de 4 de Agosto;
3) Entre as obrigações da Recorrente, enquanto concessionária, consta a construção e instalação do gasoduto e demais infra-estruturas e equipamentos (Base III), podendo para o efeito proceder às expropriações e à constituição de servidões necessárias (Base XX);
4) A aprovação administrativa do traçado do gasoduto e do projecto das infra-estruturas tem efeitos equivalentes à declaração de utilidade pública conforme dispõe o n.º 4 do artigo 2º, do Decreto-Lei n.º 232/90, de 16 de Julho;
5) O traçado do gasoduto de alta pressão Portalegre – Guarda, também designado por lote 6, foi aprovado pelo despacho do Ministro da Economia n.º 107/98, de 1 de Julho, publicado por Aviso da DGE no Diário da República, IIª Série, de 10 de Julho de 1998 (Suplemento);
6) A servidão onera a referida parcela n.º 304 com a área de 581 m2, e faz parte de um prédio com área muito superior, que se desenvolve em declive de norte para sul até uma barreira que vence um desnível de cerca de 6 metros (cfr. fls. 14 e 245);
7) A planta da parcela onerada foi publicada por Aviso da DGE, no Diário da República, IIª Série, de 2 de Outubro de 1998 (Suplemento);
8) A descrição e conteúdo do ónus em causa constam do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 232/90, de 16 de Julho, e do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 11/94, de 13 de Janeiro;
9) O terreno do prédio onde se integra tem aptidão agrícola e está ocupado com vinha ( cfr. fls. 14 e 245):
10) Por acórdão arbitral de 06.02.2001 fixou-se o valor de 1.216.000$00 (€ 6.065,40) como a justa indemnização devida pelos prejuízos decorrentes da constituição de servidão administrativa de Gás Natural sobre uma parcela de terreno com uma suposta área de 3.040 m2 ( cfr. fls. 19 e 20);
11) Não se conformando com o referido acórdão, a Concessionária veio dele a interpor recurso;
12) Todos os Peritos, os nomeados pelo Tribunal e os indicados pelas partes, entenderam arbitrar uma indemnização pelo ónus de servidão no valor de € 3.038 (três mil e trinta e oito euros) – (cfr. fls. 247)
13) Correspondente a uma área de 1.519 m2 (acrescenta-se).


5. Tal como no recurso da arbitragem, estão aqui duas questões para discussão: i) a competência da arbitragem para a fixação da indemnização pela reparação do talude; ii) a área a considerar na constituição da servidão de gás natural;
Ressalta claramente dos autos e é de considerar matéria de facto assente que a parcela expropriada se desenvolve num talude ou barreira de terra, de forte inclinação, que serve de suporte a um socalco, abrangendo também uma parte deste, onde se encontra instalada uma vinha, e que essa parcela expropriada é longitudinalmente atravessada, numa extensão de 217 metros, pela conduta de gás natural do gasoduto Coimbra-Viseu.
A intervenção da expropriante nesse talude obrigou à sua estabilização, cujos custos a arbitragem decidiu fixar em 32.940.600$00 (164.307,02 €.) e os peritos fixaram, por unanimidade, em 97.650,00 €.
Há, assim, a ter em conta mais estes factos.
A decisão recorrida, após pertinentes considerações sobre o tribunal arbitral necessário e a especialidade do regime das expropriações, escreveu, a certo passo: “justifica-se que tal especialidade do regime, quer a nível de competência, quer de tramitação resulta de os factores influentes no montante da justa indemnização, ou seja, na determinação de valor real dos bens expropriados, constituírem, quase sempre e só, matéria de facto a exigir conhecimentos técnicos específicos, mas a dispensar a análise de preceitos legais ou regulamentares.
Ora, in casu, a decisão arbitral pronunciou-se sobre danos susceptíveis de serem reparados, sendo possível a reposição da situação inicial, em intervenção a realizar pelo empreiteiro, que descreveu e quantificou em anexo a esta arbitragem, devendo este decidir da indemnização ou reparação do bem.
Nessa parte a comissão arbitral excedeu a sua competência, acrescendo que aquele não é parte no processo, e que a simplicidade e celeridade da tramitação não se adequa a dirimir a relação material controvertida, traduzida numa situação de facto complexa, eventualmente geradora de responsabilidade civil de terceiro.
Assim, julgo parcialmente procedente o recurso, anulando o acórdão da Comissão Arbitral e o seu anexo na parte em que se pronunciou sobre um pedido de indemnização por perdas e danos por execução defeituosa dos trabalhos de implantação do gasoduto, alegadamente da responsabilidade do consórcio empreiteiro, terceiro no processo de arbitragem.”

6. Vejamos se assim tem de ser.
Convirá ainda aqui ter em conta que a expropriante alega no processo ter dado instruções precisas ao executor da obra que, a serem respeitadas, teriam evitado a necessidade de agora ter de se proceder a obras de estabilização do talude. E esta ideia aponta para a existência duma relação de comitente-comissário, conducente à responsabilização da comitente A..., nos termos do artigo 500.º do Código Civil.
Todavia, apesar de alegadamente a entidade executora do projecto ter agido na qualidade de empreiteiro cujo contrato retiraria a relação de dependência entre as partes, caracterizadora da relação de comissão, ( Vide P. Lima e A. Varela, Código Civil anotado, 4.ª edição, vol.I, págs. 507 e 508.) nem por isso é de excluir, a nosso ver, da indemnização do expropriado a avaliação em causa.
Tudo está em saber o que abrange o próprio regime da expropriação aplicável às servidões necessárias à implantação e exploração das infra-estruturas das concessões de serviço público relativas ao gás natural, no seu estado gasoso (GN) ou líquido (GNL), e dos seus gases de substituição, designadas por “servidões de gás” estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 11/94, de 13 de Janeiro.
Estabelece este diploma, no seu artigo 16.º, sob a epígrafe “ direito à indemnização”, que:
1. Os titulares dos imóveis onerados com servidões de gás ou outras restrições de utilidade pública para a implantação das infra-estruturas das concessões de serviço público relativas ao gás natural serão indemnizados, pela concessionária do gás natural, em função da efectiva redução do respectivo rendimento ou de quaisquer prejuízos objectivamente apurados e derivados da ocupação desses prédios, ainda que posteriores ao exercício desta.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, serão ainda considerados os eventuais prejuízos resultantes da redução ou impossibilidade do uso e fruição pelos respectivos titulares das parcelas dos imóveis não directamente afectas ao exercício dos direitos referidos nos artigos 4.º e 5.º do presente diploma.
3. O montante da indemnização será determinado de comum acordo entre as partes ou, na falta de acordo, será fixado por arbitragem nos termos do disposto no artigo seguinte.
4. O quantitativo da indemnização corresponderá a um valor unitário, o qual poderá, no todo ou em parte, mediante acordo das partes ou por determinação da arbitragem, ser pago em prestações, sem prejuízo da sua satisfação através da cedência de bens ou direitos.
E logo no n.º 6 do artigo 17.º se estabelece que da decisão dos árbitros haverá recurso para os tribunais, nos termos do Código das Expropriações.
Parece claro que daqui emerge a obrigação da concessionária de gás natural de indemnizar os expropriados, titulares dos imóveis onerados com servidões de gás, em função dos prejuízos que resultem da sua intervenção nesses imóveis, independentemente de quem e em que condições executa esses trabalhos.
E parece claro também que está cometido à arbitragem a determinação do montante indemnizatório quando não haja acordo das partes. Não se trata, como se entendeu na sentença recorrida, de decidir uma questão de indemnização por acto ilícito ou pelo risco, mas de determinar a indemnização em função da acção expropriativa. Em causa está a relação jurídica de expropriação de que a expropriante e a expropriada são os únicos sujeitos.
Logo, devem ser incluídos no objecto da avaliação não só os custos da oneração do terreno da expropriada, como ainda os custos da estabilização do talude, que a intervenção da expropriante tornou necessário
A expropriante deve, assim, responder perante a expropriada, pelo pagamento da indemnização de 97.650,00 €, fixada no tribunal de comarca, em apreciação do recurso da arbitragem. E se porventura continua a entender que, apesar do exposto, a obrigação de indemnizar cabe a outra entidade a quem conferiu a execução da obra e se desviou das suas instruções, só lhe resta demandá-la em sede própria.
A propósito de um caso algo semelhante, neste particular da indemnização, decidiu-se recentemente nesta Relação ( Cfr. acórdão de 11-01-2005; Processo 3414/05, em www.dgsi.pt ) que “o fim único do processo de expropriação litigiosa consiste em fixar o justo montante da indemnização a pagar pela entidade expropriante ao expropriado, como contrapartida da ablação que este sofreu no seu direito de propriedade. Deve ser paga a indemnização que suporte a reconstrução dos muros ou vedações destruídos, caso se torne necessário, ou de construção de novos muros e vedações que eram inexistentes na parcela sobrante mas cuja necessidade veio a surgir em virtude da expropriação”, o que vem ao encontro do entendimento acabado de expor.

7. Vejamos agora a questão da a área a considerar na constituição da servidão de gás natural, que a decisão recorrida diz ser de 1.519 m2 e que a apelante diz ser de 2.604 m2, por entender que deve ser considerada toda a área que a lei reserva ao exercício da servidão, na medida em que não permite a construção.
Em breves traços a questão é a seguinte: de acordo com o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 374/89 de 25/10, a constituição do gasoduto implica, além do mais, as seguintes restrições: a) O terreno não poderá ser arado, nem cavado, a uma profundidade superior a 50 cm, numa faixa de 2 m para cada lado do eixo longitudinal do gasoduto; b) É proibida a plantação de árvores ou arbustos numa faixa de 5 m para cada lado do eixo longitudinal do gasoduto; c) É proibida a construção de qualquer tipo, mesmo provisória numa faixa de 10 m para cada lado do eixo longitudinal do gasoduto;
Os peritos consideraram que, tendo o prédio da expropriada cerca de 15.000 m2, sempre haveria mais onde construir se fosse permitida a construção e que esta não é mesmo permitida pelo PDM de Tondela, publicado no DR n.º 174, 1.ª Série B, de 30/07/97, que insere a parcela expropriada numa zona de Espaço Natural/Espaço Florestal.
Por isso consideraram que a área da faixa expropriada deveria ter em conta o comprimento da conduta e 5 metros para cada lado do eixo da conduta, e não os 10 metros para construções que não podem ter lugar; enquanto a recorrente entende que se deve ter em conta os 10 metros, porque, por um lado não está provado no processo que o PDM assim classifica aquela zona e, por outro, mesmo que proíba a construção, trata-se apenas da construção urbana e não já do tipo de construção rural/agrícola. E vai mesmo ao ponto de considerar nula a decisão que tomou por assente o facto PDM sem que tal conste dos autos, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil.
É isto, basicamente.
Ora, sobre a nulidade não se vê, com o devido respeito, onde esteja aqui o excesso ou omissão de pronúncia que aquele normativo sanciona com a nulidade da decisão. O que se passa é que foi tido em consideração um elemento de prova público e notório, na medida em que consta da publicação em Diário da República. E se não bastasse a ausência de iniciativa da recorrente em provar o contrário, para que se considerasse aceite o facto, sempre bastaria a sua notoriedade (artigo 514.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
E se assim é do ponto de vista formal, também do ponto de vista substantivo não colhe o argumento da recorrente, na medida em que não só a proibição da norma abrange a construção de qualquer tipo, seja ou não urbano, como ainda o seu espírito aponta para a preservação dos espaços de acordo com a sua classificação. Espaço Natural e Espaço Florestal é isso mesmo e implica a ausência de qualquer tipo de construção. A haver excepção deveria a recorrente tê-lo demonstrado.
Logo, é de manter o decidido neste particular.
Em suma:
A concessionária de gás natural deve indemnizar os expropriados, titulares dos imóveis onerados com servidões de gás, em função dos prejuízos que resultem da sua intervenção nesses imóveis, independentemente de quem e em que condições executa esses trabalhos.
Logo, devem ser incluídos no objecto da avaliação não só os custos da oneração do terreno da expropriada, como ainda os custos da estabilização do talude, que a intervenção da expropriante tornou necessário.
Compete à arbitragem a determinação do montante indemnizatório quando não haja acordo das partes. Não se trata de decidir uma questão de indemnização por acto ilícito ou pelo risco, mas de determinar a indemnização em função da acção expropriativa. Em causa está a relação jurídica de expropriação de que a expropriante e a expropriada são os únicos sujeitos.
A área a ter em conta é a referenciada pelos peritos.

8. Decisão
Por todo o exposto acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, em consequência do que mantêm a condenação da recorrida A... no pagamento de 3.038,00 € e condenam ainda a mesma recorrida no pagamento da quantia de 97.650,00 €, correspondente ao custos das obras de estabilização.
Custas em ambas as instâncias na proporção de vencimento.
Coimbra,
[Relator: Coelho de Matos; Adjuntos: Ferreira de Barros e Helder Roque]