Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1119/10.5TBPBL-J.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
HIPOTECA
INDIVISIBILIDADE
Data do Acordão: 09/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 129 CIRE, 696 CC
Sumário: 1 – Existindo várias hipotecas sobre o mesmo prédio, cada uma delas está restringida no seu conteúdo pelas hipotecas anteriores.

2 – Sendo que as hipotecas específicas anteriores são as “primeiras” a garantir o crédito e conservam a sua validade apesar da garantia genérica posterior.

3 – A definição da concreta extensão da garantia existente, face às regras legais existentes sobre a hipoteca, como questão de direito que é, é da exclusiva competência e incumbência do Juiz, devendo ser operada por este na sentença de graduação de créditos.

4 – Importa assim concretizar e definir, relativamente a cada relação creditória autónoma reclamada, o exacto montante de cada um desses créditos – e respectivos acessórios – que está provido de garantia real.

Decisão Texto Integral:             Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 - RELATÓRIO

Por apenso aos autos de insolvência nº1119/10.5TBPBL, nos quais foi declarada a insolvência de MM (…) e de ML (…), mediante sentença de 6 de Julho de 2010, devidamente transitada em julgado veio a Sra. Administradora da Insolvência juntar aos autos a Relação de Créditos Reconhecidos e de Créditos não Reconhecidos, nos termos do disposto no art. 129º, nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[2], em que, no que ora releva, na Relação do primeiro grupo de situações, a fls. 2 destes autos (vol.I), figura o reconhecimento pela mesma de um total de 11 créditos do credor “ C..., CRL”, entre os quais os parcelares respeitantes aos “Contrato de Mútuo nº 59060594592”, com a natureza de crédito garantido, no valor de € 368.824,44 (capital, € 319.582,00; juros até 13-09-2010, € 47.348,42; taxa de juro, 8,00%; imposto de selo, € 1.894,02) e “Contrato de Mútuo nº 59054505449”, com a natureza de crédito garantido, no valor de € 1.377.902,40 (capital, € 958.323,00; juros até 13-09-2010 € 465.017,06; taxa de juro 8,00%; e imposto de selo € 18.600,76), relativamente a ambos os quais, em termos de “Garantias”, consignou o seguinte “Hipoteca sobre o prédio misto (art. ...), da freg. de (...), descrição nº. (...), Ap. 38 de 07..01.93, da Ap. 25 de 19.07.94, e Ap. 28 de 10.12.03 da 1ª CRP de Coimbra, até ao montante máximo de capital de 2.320.000,00€ e juros e despesas calculadas para efeitos de registo, de 232.000,00€. Montante máximo assegurado: 3.665.600,00€”; por sua vez, de fls. 14 a 17 destes autos (vol.I) figura a notificação efectuada a esse mesmo credor “ C..., CRL” dos motivos pelos quais 9 dos seus reclamados créditos haviam sido reconhecidos de maneira diferente, sendo que, no que ora releva, quantos aos ditos “Contrato de Mútuo nº 59060594592” e “Contrato de Mútuo nº 59054505449” aí consta a explicação de que quanto a esse primeiro, não haviam sido reconhecidos o valor das despesas judiciais e extrajudiciais reclamadas e quanto a este segundo, não haviam sido reconhecidos o valor das despesas judiciais e extrajudiciais reclamadas e que os juros haviam sido reconhecidos de maneira diferente quanto à sua natureza, tudo em concretos termos aqui dados por reproduzidos.

                                                           *

Por este credor “ C..., CRL” não foi oportunamente apresentada neste particular qualquer impugnação no quadro do previsto pelo art. 130º do C.I.R.E..

                                                           *

            Na sequência processual, cuidou-se de tramitar os autos quanto à deduzida impugnação a essa Relação (por parte de uma outra credora), a qual foi objecto de resposta por parte da Sra. Administradora de insolvência, sendo que designada data para

realização de tentativa de conciliação, na data em que ela teve lugar não foi aprovado o crédito reclamado.

*

Concluída a tentativa de conciliação procedeu-se ao saneamento do processo nos

termos do disposto no artigo 136.º do C.I.R.E., sendo que por se encontrarem incluídos na lista de credores reconhecidos e não terem sido impugnados, nos termos do artigo 136º, nº4 do C.I.R.E., foram desde logo declarados verificados os créditos dos credores Banco F..., S.A., “ C..., CRL”, CA (…), D (…) e Cª Lda, E..., S.A., Fazenda Nacional, ITAF – (…), Lda, Massa Insolvente de Construções (…) Lda, P (…)Lda, nos termos constantes da lista supra referida (do art. 129º do mesmo C.I.R.E.), que se deram por reproduzidos.

                                                                       *
Por sentença de 8 de Abril de 2013, veio então a ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos, designadamente com referência aos 9 bens imóveis apreendidos aos insolventes (numerados sob as alíneas “a)” a “h)”), aí figurando e para o que ora releva os seguintes:

(…)

f) um prédio misto composto de casa de habitação com dois pavimentos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 131; um terreno de cultura inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2318; um pinhal inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2321; um eucaliptal inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...); sito em (...), freguesia de (...), concelho de Coimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o artigo (...)/19920910 (cfr. Fls. 517 a 519);

            (…)

h) lote de terreno para construção identificado sob o n.º20, sito em (...), (...), concelho de Coimbra, desanexado do n.º 877, a confrontar do norte e nascente com limite de terreno, de Sul e poente com Rua 3, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º1399/20000302 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1584 (cfr. Fls. 520 a 522).
De referir que através da dita sentença foram verificados/reconhecidos entre outros, e para o que ora releva, pelo modo que se reproduz os seguintes créditos:

- garantidos por hipoteca:

* da C..., CRL :

I - nos montantes de 368.824,44 €, 1.377.902,40 €, 2.023.367,66 €, 200.574,61 €, 862.698,60 €, 136.595,70 €, 623.038,65 €, 428.920,38 €, 1907,85 €, 19.648,64 €, garantidos por hipotecas voluntárias registadas sobre o prédio supra descrito sob a alínea f), pelas Ap. 38 de 07.01.1993, Ap.25 de 19.07.1994 e Ap.28 de 10.12.2003, até ao montante máximo assegurado de 3.665.600,00 €;

II – no montante de 57.484,61 € garantido por hipoteca voluntária registada sobre o prédio supra descrito sob a alínea h) pela Ap. 5 de 13.12.2006 até ao montante máximo assegurado de 63.200,00 €.

Sendo certo que a final, e para o que ora releva, se proferiu graduação correspondente nos seguintes termos:

“(…)

F) Pelo produto da venda de um prédio misto composto de casa de habitação com dois pavimentos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 131; um terreno de cultura inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2318; um pinhal inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2321; um eucaliptal inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...); sito em (...), freguesia de (...), concelho de Coimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o artigo (...)/19920910;

1.º) Em primeiro lugar, o crédito reclamado pela Fazenda Nacional a título de IMI com a limitação temporal supra-descrita;

2.º) Em segundo lugar, o crédito reclamado pela C..., CRL nos montantes de 368.824,44 €, 1.377.902,40 €, 2.023.367,66 €, 200.574,61 €, 862.698,60 €, 136.595,70 €, 623.038,65 €, 428.920,38 €, 1907,85 €, 19.648,64 €, garantidos por hipotecas voluntárias registadas pelas Ap. 38 de 07.01.1993, Ap.25 de 19.07.1994 e Ap.28 de 10.12.2003, até ao montante máximo assegurado de 3.665.600,00 €;

3.º) Em terceiro lugar, o crédito reclamado pela C..., CRL no montante de 57.484,61 € garantido por hipoteca voluntária registada pela Ap. 5 de 13.12.2006 até ao montante máximo assegurado de 63.200,00 €;

4.º) Em quarto lugar, o rateadamente todos os créditos comuns, incluindo os respectivos juros vencidos até à data da declaração de insolvência;

5.º) Em quinto lugar, rateadamente os juros dos créditos comuns não subordinados vencidos após a declaração de insolvência;

(…)

H) Pelo produto da venda de lote de terreno para construção identificado sob o n.º20, sito em (...), (...), concelho de Coimbra, desanexado do n.º 877, a confrontar do norte e nascente com limite de terreno, de Sul e poente com Rua 3, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º...99/20000302 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1584;

1.º) Em primeiro lugar, o crédito reclamado pela Fazenda Nacional a título de IMI com a limitação temporal supra descrita;

2.º) Em segundo lugar, rateadamente todos os créditos comuns, incluindo os respectivos juros vencidos até à data da declaração de insolvência;

3.º) Em terceiro lugar, rateadamente os juros dos créditos comuns não subordinados vencidos após a declaração de insolvência.”

                                                           *

Não se conformando com a sentença proferida, na parte em que esta verificou e  graduou os seus reclamados créditos em relação aos ditos imóveis numerados sob as alíneas “f)” e “h)”, veio REQUERER A RECTIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS E/OU REFORMA DA SENTENÇA (ARTºs 667º e 669º DO CPC) e bem assim interpor RECURSO o credor “ C..., CRL”,  apresentando as seguintes conclusões:

«1. Ainda que por ostensivo lapso, a douta decisão, nos dois segmentos destacados, enferma de manifesta oposição entre os fundamentos e a decisão, sendo nula, nos termos do art. 668º, nº 1, alínea c) do CPC

2. Incidindo sobre um mesmo bem imóvel várias hipotecas registadas sucessivamente, garantindo sucessivos créditos de um mesmo credor, o montante máximo assegurado, a satisfazer pela venda desse bem é o máximo assegurado por cada uma dessas hipotecas, sucessivamente e por ordem de antiguidade registral.

3. A final, o máximo assegurado pela garantia hipotecária do credor, no caso, haverá de corresponder à soma dos montantes máximos assegurados por cada uma delas.

4. Ao considerar, apenas, o montante máximo assegurado pela última das hipotecas registadas (Ap.28 de 10.12.2003) o tribunal a quo não interpreta, nem aplica correctamente (por lapso, sublinhe-se) as regras atinentes ao instituto da hipoteca.

5. Ao relativizar uma inscrição hipotecária de um prédio a prédio distinto, comete, por manifesto lapso, um erro interpretação e aplicação dos factos, com consequências directas, imediatas e relevantes na justa composição da causa, no caso, na graduação dos créditos reconhecidos.

6. Importa, pois, em conformidade, revogar a douta decisão, de forma a que, na graduação dos créditos, passe a constar:

F) Pelo produto da venda de um prédio misto composto de casa de habitação com dois pavimentos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 131; um terreno de cultura inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2318; um pinhal inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2321; um eucaliptal inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...); sito em (...), freguesia de (...), concelho de Coimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o artigo (...)/19920910;

1.º) Em primeiro lugar, o crédito reclamado pela Fazenda Nacional a título de IMI com a limitação temporal supra descrita;

2.º) Em segundo lugar, os créditos reclamados pela C..., CRL nos montantes de 368.824,44 €, 1.377.902,40 €, 2.023.367,66 €, 200.574,61 €, 862.698,60 €, 136.595,70 €, 623.038,65 €, 428.920,38 €, 1907,85 €, 19.648,64 €, garantidos por hipotecas voluntárias registadas pelas Ap. 38 de 07.01.1993, Ap.25 de 19.07.1994 e Ap.28 de 10.12.2003, até aos montantes máximos, respectivamente, de 343.671,156 €, 1.284.903,38 € e 3.655.600,00, ou seja com o máximo total assegurado de 5.294.174,53;

3.º) Em Terceiro lugar, o rateadamente todos os créditos comuns, incluindo os respectivos juros vencidos até à data da declaração de insolvência;

4.º) Em quinto lugar rateadamente os juros dos créditos comuns não subordinados vencidos após a declaração de insolvência;

E,

H) Pelo produto da venda de lote de terreno para construção identificado sob o n.º20, sito em (...), (...), concelho de Coimbra, desanexado do n.º 877, a confrontar do norte e nascente com limite de terreno, de Sul e poente com Rua 3, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º1399/20000302 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1584;

1.º) Em primeiro lugar, o crédito reclamado pela Fazenda Nacional a título de IMI com a limitação temporal supra descrita;

2.º) Em segundo lugar, o crédito reclamado pela C..., CRL no montante de 57.484,61 € garantido por hipoteca voluntária registada pela Ap. 5 de 13.12.2006 até ao montante máximo assegurado de 63.200,00 €;

3º) Em terceiro lugar, rateadamente todos os créditos comuns, incluindo os respectivos juros vencidos até à data da declaração de insolvência;

4º) Em quarto lugar rateadamente os juros dos créditos comuns não subordinados vencidos após a declaração de insolvência.»

                                                           *

Não foram produzidas quaisquer contra-alegações, mas notificada para, querendo, se pronunciar, a Sra. Administradora de Insolvência veio declarar nada ter a opor à rectificação a operar à alínea “h)” da parte decisória da sentença, por a mesma efectivamente padecer de lapso, o mesmo já não se verificando quando ao aduzido relativamente à alínea “f)”, sustentando, neste último particular, em síntese, que tendo sido reconhecido a essa credora o crédito global de 6.232.758,33€, com fundamento em vários contratos de mútuo, contratos esses que se encontram garantidos pela hipoteca genérica, a favor da credora (registada em 10.12.2003, pela Ap. 28), sobre o prédio misto descrito na CRP de Coimbra sob o n.º (...), da freguesia de (...), e que garante o montante máximo de 3.655.600,00€, ocorre que dois desses contratos de mútuo se encontram ainda garantidos por duas hipotecas específicas anteriores, registadas a favor da credora, sobre o mesmo imóvel (respectivamente em 07.01.1993, pela Ap.38 e em 19.07.1994 pela Ap.25), mas nem por isso pode ou deve constar da sentença de graduação de créditos o montante máximo assegurado por cada uma das sobreditas hipotecas (da hipoteca genérica registada em último lugar, e das duas hipotecas específicas), pois de contrário correr-se-ia o risco de sobregarantir o crédito da credora, donde, o limite máximo garantido a considerar é o que consta da hipoteca genérica registada em 10.12.2003, pela Ap. 28, ou seja 3.655.600,00€.

De referir, ainda, que o Ministério Público acompanhou a posição manifestada pela Sra. Administradora do Insolvência.

Por sua vez, notificada a credora reclamante “ C..., CRL” do teor do requerimento da Sra. Administradora de Insolvência, veio a mesma dar como reproduzido o teor do requerimento supra, bem como, subsidiariamente, alegar que a confirmar-se que a Sra. Administradora reconheceu os créditos da reclamante em termos diversos dos invocados deveria ter dado cumprimento ao disposto no artigo 129º, n.º4 do CIRE, o que não fez, pelo que tal omissão gera nulidade processual susceptível de afectar de forma grave os direitos do reclamante, assim peticionando a nulidade de todos os termos do processo subsequentes à apresentação da lista de credores.

                                                           *

Foi na sequência proferido despacho judicial de atendimento apenas parcial do pedido de rectificação formulado, perfilhando entendimento consentâneo com o propugnado pela Sra. Administradora de Insolvência, o que se traduziu mais concretamente no seguinte “dispositivo”.

«Termos em que se indefere o requerido pela credora reclamante quanto à rectificação a operar na alínea h) do segmento decisório da sentença proferida.

Nos termos e com os fundamentos expostos, deferindo parcialmente requerido, determino que a alínea h) do segmento decisório da sentença proferida (cfr. Fls.672) onde consta “H) Pelo produto da venda de lote de terreno para construção identificado sob o n.º20, sito em (...), (...), concelho de Coimbra, desanexado do n.º 877, a confrontar do norte e nascente com limite de terreno, de Sul e poente com Rua 3, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º1399/20000302 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1584;

1.º) Em primeiro lugar, o crédito reclamado pela Fazenda Nacional a título de IMI com a limitação temporal supra descrita;

2.º) Em segundo lugar, rateadamente todos os créditos comuns, incluindo os respectivos juros vencidos até à data da declaração de insolvência;

3.º) Em terceiro lugar, rateadamente os juros dos créditos comuns não subordinados vencidos após a declaração de insolvência;” deverá passar a constar:

H) Pelo produto da venda de lote de terreno para construção identificado sob o n.º20, sito em (...), (...), concelho de Coimbra, desanexado do n.º 877, a confrontar do norte e nascente com limite de terreno, de Sul e poente com Rua 3, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º...99/20000302 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (...);

1.º) Em primeiro lugar, o crédito reclamado pela Fazenda Nacional a título de IMI com a limitação temporal supra descrita;

2.º) Em segundo lugar, o crédito reclamado pela C..., CRL no montante de 57.484,61 € garantido por hipoteca voluntária registada pela Ap. 5 de 13.12.2006 até ao montante máximo assegurado de 63.200,00 €;

3º) Em terceiro lugar, rateadamente todos os créditos comuns, incluindo os respectivos juros vencidos até à data da declaração de insolvência;

4º) Em quarto lugar rateadamente os juros dos créditos comuns não subordinados vencidos após a declaração de insolvência.

Introduza a rectificação em local próprio que faz parte integrante da decisão proferida.

Custas pela credora C..., CRL que se fixam em 1 UC – artigo 7º, n.º4 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais.

Notifique e decorrido o prazo legal conclua a fim de ser admitido o recurso apresentado.»

                                                                       *

 Notificada desta decisão, o credor “ C..., CRL”, interpôs novamente recurso, cujas alegações finalizou com as seguintes conclusões:

« 1. A nulidade por falta de cumprimento, por parte da Administradora da Insolvência, do ónus de notificar expressamente (por carta registada) a reclamante C... dessa divergência (art. 129º, nº 4 do CIRE), devem ser arguidas nos dez dias subsequente ao conhecimento da mesma;

2. Tendo reclamado os seus créditos e invocado que os mesmos se encontram garantidos pelas TRÊS HIPOTECAS (e não apenas pela última); tendo consultado a lista de créditos (em formato quase ilegível, que não deveria sequer ser admitido) e verificado que os seus créditos haviam sido reconhecidos pela totalidade e consideradas as três hipotecas; e, finalmente, que tendo a AI enviado carta aos credores cujos créditos não foram reconhecidos nos termos reclamados (a avaliar pela informação prestada nos autos), nenhum conhecimento teve da (agora) alegada desconformidade), nem dela poderia ter razoavelmente dado conta.

3. Só com a decisão do tribunal a quo, que afirma reproduzir integralmente a lista definitiva e a reafirmação da divergência entre o reclamado e o graduado pela Senhora AI, a recorrente teve conhecimento de tal alegada divergência.

4. Assim, dando prevalência à justiça em prejuízo da forma, não se clamando por nenhum atropelo a esta, crê a recorrente absolutamente razoável considerar em tempo a invocada nulidade.

5. Devendo declarar-se a nulidade de todos os termos do processo subsequentes à apresentação da lista de credores de fls…, devendo a Sra administradora da insolvência dar cumprimento ao disposto no art.º 129.º, n.º 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas relativamente à reclamante.

6. Outrossim, tendo dado razão à reclamante em parte muito relevante da sua reclamação, Assim, nesta parte, a decisão, para além de falha de fundamentação de direito, é manifestamente injusta, não cumprindo o princípio geral contido no art. 527º, nº 1 do CPC. .»

                                                                       *

            Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações

*

De referir que quanto à arguição de nulidade da decisão proferida, a Exma. Juiz de 1ª instância, remeteu para a sua anterior posição nos autos, indeferindo a verificação da mesma, sendo certo que, a existir, a nulidade já se encontrava sanada.

                                                                       *

            Antes de mais, impõe-se fazer um ponto de ordem, no sentido de deixar esclarecido face aos termos processuais seguidos, qual seja o objecto do presente recurso.

            É que tendo tido lugar um pedido de rectificação/reforma da sentença, no quadro do C.P.Civil (anterior à reforma operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Julho), o qual nos termos legais aplicáveis – por caber recurso da decisão – foi feito na alegação (cf. art. 669º, nº4 do C.P.Civil), aplicava-se ao caso o disposto no art. 670º do mesmo C.P.Civil, designadamente o seu nº3 – por no conhecimento do pedido em referência por parte da Exma. Juiz de 1ª instância, ter tido lugar uma procedência parcial – , no qual se preceitua da seguinte forma:

3. O recurso que tenha sido interposto fica a ter por objecto a nova decisão, podendo o recorrente, no prazo de 10 dias, dele desistir, alargar ou restringir o respectivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida, e o recorrido responder a tal alteração no mesmo prazo.

Ora o que se constata é que notificada da decisão sobre o dito pedido de rectificação/reforma da sentença, o credor “ C..., CRL”, interpôs novamente recurso, sem que no mesmo tivesse expressamente providenciado por restringir o anterior recurso, mas cuidando de o alargar à nova questão da “nulidade” que subsidiariamente deduzira anteriormente.

Contudo, na medida em que a decisão do dito pedido de rectificação/reforma deu acolhimento parcial ao aspecto da graduação dos créditos reclamados por esse credor em relação ao imóvel numerado sob a alínea “h)”, tem que se entender que esse credor reclamante desistiu do recurso anteriormente interposto nessa parte. 

Sendo certo, em todo o caso, que essa questão recursiva se encontra agora prejudicada na sua apreciação, o que expressamente se declara.

Consequentemente, subsiste por apreciar neste recurso o aspecto da graduação dos créditos reclamados por esse credor em relação ao imóvel numerado sob a alínea “f)”.

                                                                       *

            Tendo em conta o vindo de dizer, com referência ao objecto do recurso delimitado pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações[3], com sentido processual útil é possível eleger as seguintes questões:

            - errada decisão quanto ao montante máximo assegurado que foi considerado garantido pelas várias hipotecas registadas sobre o imóvel em causa,  havendo uma hipoteca genérica posterior e duas hipotecas específicas anteriores?;

            - subsidiariamente, nulidade por falta de cumprimento, por parte da Sra. Administradora da Insolvência, do ónus de notificar expressamente (por carta registada) a reclamante/recorrente da divergência no quadro do previsto no art. 129º, nº 4 do C.I.R.E.?;

            - errada decisão quanto a custas tal como determinadas a final da decisão sobre o pedido de rectificação/reforma da sentença?

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.

                                                           *                    

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 – questão da errada decisão quanto ao montante máximo assegurado que foi considerado garantido pelas várias hipotecas registadas sobre o imóvel em causa,  havendo uma hipoteca genérica posterior e duas hipotecas específicas anteriores:

Em nosso entender – e releve-se o juízo antecipatório – assiste efectivamente razão ao credor reclamante ora recorrente “ C..., CRL”, sem embargo de tal não decorrer de uma qualquer errada desconformidade entre o que tinha sido reclamado pelo próprio e o que foi reconhecido pela Sra. Administradora de Insolvência.

Efectivamente, do nosso ponto de vista, não havia justificação em sustentar uma decisão nesta matéria estribada na relação de créditos reconhecidos elaborada pela Sra. Administradora de Insolvência.

Na verdade, a incumbência da Sra. Administradora de Insolvência à luz do disposto no art. 129º, nº2 do C.I.R.E. afere-se pelo critério legal constante desse mesmo normativo, a saber “Da lista dos credores reconhecidos consta a identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável, e as eventuais condições suspensivas ou resolutivas.

  Assim, o aspecto da delimitação do montante máximo assegurado pelas garantias hipotecárias, isto é, a concreta extensão das garantias que afectem um determinado imóvel, constitui claramente uma questão de direito, que será incumbência do Juiz a operar por este na sentença de graduação de créditos.

O que tudo serve para dizer que se a Sra. Administradora de Insolvência não “exorbitou” as suas competências/funções neste particular, também não é pelo facto de o julgador declarar “reconhecido” o crédito tal como constante da relação elaborada, por não haver sido o mesmo objecto de qualquer impugnação – cf. art. 136º, nº4 do C.I.R.E. – que inibe ou impede esse mesmo julgador de no momento e operação da graduação dos créditos sobre os bens, definir a concreta extensão da garantia existente, “in casu”, face às regras legais existentes sobre a hipoteca, como questão de direito que é, e da sua exclusiva competência e incumbência.

Ora o que é que nos diz o direito neste particular.

Com referência à garantia que constitui a hipoteca, tem ela como característica o princípio da indivisibilidade a que alude o art. 696º do C.Civil, à luz do qual ela (hipoteca) subsiste “por inteiro sobre cada uma das coisas hipotecadas”, donde, por aplicação deste princípio, ao credor é reconhecida a faculdade de executar o seu crédito, por inteiro, sobre qualquer dos imóveis compreendidos na garantia, e, designadamente em caso de constituição de novas hipotecas – havendo garantias específicas anteriores, passou a existir uma genérica posterior – obviamente que a garantia genérica posterior nem implicou a extinção das garantias específicas anteriores, nem muito menos pode subverter o princípio geral nesta matéria, a saber, o de que existindo várias hipotecas sobre o mesmo prédio, cada uma delas está restringida no seu conteúdo pelas hipotecas anteriores.[4]

Assim, as hipotecas específicas anteriores são as “primeiras” a garantir o crédito e conservam a sua validade apesar da garantia genérica posterior, donde, revertendo ao caso presente, no que ao imóvel em causa diz respeito, não é correcto nem legalmente fundamentado dizer-se que o limite máximo garantido a considerar é o que constava da hipoteca genérica registada em 10.12.2003, pela Ap. 28, ou seja € 3.655.600,00.

Mas como é que se traduz na prática o vindo de afirmar, numa operação de graduação de créditos como a em causa na situação ajuizada, quando é certo que o crédito global da credora reclamante ora recorrente “ C..., CRL” reconhecido é de € 6.232.758,33, e que apenas 2 (dois) dos 11 (onze) créditos/contratos de mútuo integrantes desse global se encontram ainda garantidos por duas hipotecas específicas anteriores?

Através da concretização e definição, relativamente a cada relação creditória autónoma reclamada, do exacto montante de cada um desses créditos – e respectivos acessórios – que está provido de garantia real.[5]

Dito de outra forma: em relação aos dois créditos parcelares respeitantes aos “Contrato de Mútuo nº 59060594592 e “Contrato de Mútuo nº 59054505449” (melhor identificados e discriminados supra no “Relatório” deste acórdão), impõe-se uma especificação em função das garantias conferidas pelas duas hipotecas específicas de que gozam, para além da hipoteca genérica igualmente existente, sendo correspondentemente reformulada a sentença de verificação e graduação de créditos oportunamente proferida quanto ao seu segmento constante da al.“F)” .

Procede assim, e nesta medida, este fundamento recursivo.

                                                           *

4.2 – questão, subsidiariamente, da nulidade por falta de cumprimento, por parte da Sra. Administradora da Insolvência, do ónus de notificar expressamente (por carta registada) a reclamante/recorrente da divergência no quadro do previsto no art. 129º, nº 4 do C.I.R.E.:

Cremos que a resposta a esta questão já se adivinha.

É que estando ela colocada em termos subsidiários, ao ter-se dado procedência ao recurso nos termos da decisão à questão antecedente, encontra-se o recurso enquanto fundado neste outro argumento prejudicado na sua apreciação.

                                                           *

  4.3 – questão da errada decisão quanto a custas tal como determinadas a final da decisão sobre o pedido de rectificação/reforma da sentença:

Está em causa a tributação pelo pedido de rectificação/reforma da sentença em 1 UC ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 7º, n.º4 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo DL nº 34/2008 de 26 de Fevereiro e doravante designado por “R.C.P.”),

De referir que, quanto a nós, na lógica e consequência jurídico-processual daquela que foi a decisão do tribunal a quo sobre esse incidente, a tributação era efectivamente devida e tal como imputada à aqui credora reclamante ora recorrente “ C..., CRL”, por esta haver deduzido esse incidente e se ter considerado que nele decaíra parcialmente, donde a moderação da tributação a cargo dela em 1 UC, considerando o leque/variabilidade legalmente previsto – entre 0,25 a 3 UC (cf. respectiva Tabela II anexa do R.C.Processuais) – e o disposto no art. 446º, nº1 do C.P.Civil.

Acontece que vindo agora a proceder o recurso pela mesma deduzido, essa condenação fica sem justificação e, como tal, em sua substituição tem lugar nesse particular uma decisão através da qual se declara e reconhece que não são devidas quaisquer custas pelo incidente em causa.

Procede nesta medida esta questão recursiva.

                                                           *

De referir que sempre se constata a necessidade de igualmente reformular a graduação constante da sentença recorrida quanto ao seu segmento constante da al.“F)”, como consequência do despacho judicial de atendimento parcial do pedido de rectificação/reforma da sentença que havia sido concomitantemente formulado ao recurso, a saber, quanto ao segmento da sentença constante da al.“H)” – o que igualmente será feito constar da “decisão” que infra será proferida.

                                                           *

5 - SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Existindo várias hipotecas sobre o mesmo prédio, cada uma delas está restringida no seu conteúdo pelas hipotecas anteriores.

II – Sendo que as hipotecas específicas anteriores são as “primeiras” a garantir o crédito e conservam a sua validade apesar da garantia genérica posterior.

III – A definição da concreta extensão da garantia existente, face às regras legais existentes sobre a hipoteca, como questão de direito que é, é da exclusiva competência e incumbência do Juiz, devendo ser operada por este na sentença de graduação de créditos.

IV – Importa assim concretizar e definir, relativamente a cada relação creditória autónoma reclamada, o exacto montante de cada um desses créditos – e respectivos acessórios – que está provido de garantia real.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se, a final, na procedência do recurso do credor reclamante ora recorrente “ C..., CRL”, reformular a sentença de verificação e graduação de créditos oportunamente proferida quanto ao seu segmento constante da al.“F)”, de forma a que, nesse particular, passe a constar:

F) Pelo produto da venda de um prédio misto composto de casa de habitação com dois pavimentos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 131; um terreno de cultura inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2318; um pinhal inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2321; um eucaliptal inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (...); sito em (...), freguesia de (...), concelho de Coimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o artigo (...)/19920910;

1.º) Em primeiro lugar, o crédito reclamado pela Fazenda Nacional a título de IMI com a limitação temporal supra descrita;

2.º) Em segundo lugar, os créditos reclamados pela C..., CRL nos montantes de 368.824,44 €, 1.377.902,40 €, 2.023.367,66 €, 200.574,61 €, 862.698,60 €, 136.595,70 €, 623.038,65 €, 428.920,38 €, 1907,85 €, 19.648,64 €, garantidos os dois primeiros por hipotecas voluntárias registadas pelas Ap. 38 de 07.01.1993, Ap.25 de 19.07.1994 e Ap.28 de 10.12.2003, e todos os demais pela referenciada Ap.28 de 10.12.2003, sendo os ditos créditos parcelares de € 368.824,44 (capital, € 319.582,00; juros até 13-09-2010, € 47.348,42; taxa de juro, 8,00%; imposto de selo, € 1.894,02) e de € 1.377.902,40 (capital, € 958.323,00; juros até 13-09-2010 € 465.017,06; taxa de juro 8,00%; e imposto de selo € 18.600,76) até aos montantes máximos, respectivamente, de € 343.671,156 , € 1.284.903,38 e € 3.655.600,00 (ou seja com o máximo total assegurado de € 5.294.174,53) e todos os demais créditos com o máximo total assegurado de € 3.655.600,00 (correspondente à hipoteca referenciada em último lugar);

3.º) Em terceiro lugar, e rateadamente, todos os créditos comuns, incluindo os respectivos juros vencidos até à data da declaração de insolvência;

4.º) Em quarto lugar, e rateadamente, os juros dos créditos comuns não subordinados vencidos após a declaração de insolvência.

            Sem custas, quer o pedido de rectificação/reforma da sentença, quer o presente recurso.

                                                           *

                                                                                   Coimbra, 16 de Setembro de 2014

                       

 Luís Filipe Cravo ( Relator)

António Carvalho Martins

Carlos Moreira


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Carvalho Martins
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira
[2] Doravante designado abreviadamente como “C.I.R.E.” (aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18 de Março, e alterado pelo DL nº 200/2004, de 18 de Agosto, que o republicou).
[3] Sendo certo que ao presente recurso é aplicável o regime constante do C.P.Civil no regime anterior ao DL nº 303/07, de 24 de Agosto – como oportunamente sublinhado pela Exma. Juíza a quo.
[4] Mais aprofundadamente sobre esta matéria, vide VAZ SERRA, in “Hipoteca”, item nº10, no BMJ nº 62, a págs. 51-54.
[5] Neste sentido o acórdão do S.T.J de 12-07-2011, no proc. nº 317/04.5TBVIS-C.C1.S1,  acessível em www.dgsi.pt/jstj.