Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
246/1952.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: REMISSÃO
PENSÃO
VALOR DIMINUTO
OBRIGAÇÃO
Data do Acordão: 04/23/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 23º DA LEI Nº 1942 DE 27/07/1936 (LEI DE ACIDENTES DE TRABALHO); E 56º, Nº 1, AL. A), DO D.L. Nº 143/99, DE 30/04
Sumário: I – No regime da Lei nº 1942, de 27/07/1936, a remição das pensões estava sempre dependente de decisão judicial a ser proferida no processo que surgira em virtude da ocorrência de um sinistro laboral.

II – A determinação da remição de uma pensão (ou a sua denegação) no regime aludido apenas pode ser ordenada através de uma decisão judicial a ser prolatada no processo emergente de acidente de trabalho.

III – De acordo com o disposto no artº 56º, nº 1, al. a), do D.L. nº 143/99, de 30/04, são obrigatoriamente remidas as pensões anuais devidas a sinistrados cujo montante não seja superior a 6 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão.

IV – O STJ, por Ac. Uniformizador de Jurisprudência, publicado no D.R., 1ª série – A, de 2/05/2005, veio estabelecer que “para determinar se uma pensão vitalícia anual resultante de acidente de trabalho ocorrido antes de 1/01/2000 é de reduzido montante para efeitos de remição, atende-se ao critério que resulta do artº 56º, nº1, al. a), do D.L. nº 143/99, devendo os dois elementos – valor da pensão e r.m.g. mais elevada – reportar-se à data da fixação da pensão”.

V – Nos casos em que à data da fixação das pensões não existia r.m.g., as pensões deverão ser remidas logo (e se) que atingirem os escalões ali previstos.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Social do T. Relação de Coimbra

Em 25/8/52 foi participado pelo Exército Português um acidente de trabalho sofrido por A... , quando laborava para esta entidade.
Na fase conciliatória foi obtido acordo entre sinistrado e entidade patronal, fixando-se para aquele com base numa IPP de 30%, a pensão anual e vitalícia de 1. 971$80.
Com data de 26/8/03 a CGA (entidade que pagava a aludida pensão) enviou ao trabalhador acidentado uma carta ofício, onde referia que atendendo ao disposto nos artºs 41º nº 2 a) da L 100/97 de 13/9 e 74º do D.L. 143/99 de 30/4, procedeu à remissão da aludida pensão, que então era no montante de € 824, 16, procedendo por isso ao depósito a favor do trabalhador da quantia de € 6. 709, 94, assim se extinguindo a referida pensão
Em face disso o Ex mo Magistrado do MºPº, requereu que fosse a CGA notificada para vir ao processo indicar os valores da pensão e respectiva actualização após 1/1/00.
A Ex. ma Juíza, indeferiu ao requerido, determinando o arquivamento dos autos, já que embora tivesse sido declarada com força obrigatória a inconstitucionalidade do citado artº 74º na interpretação de impor a remição obrigatória geral a todas as pensões vitalícias atribuídas por IPPs, no casos em que tais incapacidades excedessem 30%, ( Ac. T. Constitucional publicado no D.R. de 8/2/06) a remição feita era intocável, já que o mesmo aresto limitou os seus efeitos às remições que se operassem após a sua publicação, o que não era o caso dos autos.
Discordando agravou o MºPº., alegando e concluindo:
1- O sinistrado A..., encontra-se afectado por uma IPP de 30%, em razão do acidente de trabalho sofrido no dia 25/8/52
2- E por isso, conforme sentença proferida a fls. 27 e v dos autos lhe foi atribuída a partir de 30/10/52, uma pensão anual de € 9, 84
3- Que era actualizável no domínio da legislação anterior à L. 100/97 de 13/9 e assim será de manter, até porque o sinistrado nada veio dizer ou requerer, para obter a remição da mesma pensão
4- A tal não obsta o Ac. do T. Constitucional nº 34/06 de 11/1/06, publicado no D.R. de 28/2/06, declarando inconstitucional com força obrigatória geral, o artº 74º do D.L. 143/99 de 30/4 quando “ interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total das pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/ sinistrado, nos casos em que estas incapacidades excedam em 30%, por violação do artº 59º nº 1 f) da CRP”
5- Na verdade dos autos não resulta que alguma vez o Tribunal fosse chamado a pronunciar-se sobre a remição ou actualização da pensão devida ao sinistrado
6- A CGA não pode percebendo ou não a existência do processo de acidente de trabalho, cometer desaforamento e proceder como procedeu à remição da pensão fixada pelo Tribunal
7- Apenas por manifesto lapso se pode afirmar o trânsito em julgado de qualquer decisão administrativa
8- De acordo com o preceituado pelos artºs 1º, 3º nºs 1 e 2 ambos do D.L. 668/75 de 24/11, na redacção introduzida pelo artº 1º do D.L. 39/81 de 7/3, a pensão anual e vitalícia fixada ao sinistrado era actualizável, cabendo à devedora informar os valores anuais actualizados e comprovar os respectivos pagamentos
9- E como actualizável se afigura de manter, face ao disposto pelo artº 41º nº 1 a) e 2 a) da L. 100/97
10- Ao não entender assim, violou a Mtª Juíza entre outras normas legais, o disposto pelos artºs 41º nº 1 a) e 2º a) da L. 100/97, 1º, 3º nºs 1 e 2 ambos do D.L 668/75 de 24/11 ( redacção do D.L. 39/81 de 7/3), 6º do D.L. 142/99 de 30/4
11- Termos em que deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que, dando sem efeito o ordenado arquivamento dos autos, declare actualizável a pensão fixada pela sentença de fls. 27 e v e sem prejuízo do cômputo do já pago pela CGA, lhe imponha a obrigação de actualização da pensão devida ao sinistrado.
Não houve contra alegações.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
DOS FACTOS
1- Em 25/8/52 foi participado pelo Exército Português, um acidente de trabalho sofrido por A..., quando laborava para esta entidade.
2- Na fase conciliatória foi obtido acordo entre sinistrado e entidade patronal, fixando-se para aquele com base numa IPP de 30%, a pensão anual e vitalícia de 1971$80
3- Com data de 26/8/03 a CGA (entidade que pagava a aludida pensão) enviou ao trabalhador acidentado uma carta ofício, onde referia que atendendo ao disposto nos artºs 41º nº 2 a) da L 100/97 de 13/9 e 74º do D.L. 143/99 de 30/4, procedeu à remissão da aludida pensão, que então era no montante de € 824, 16, procedendo por isso ao depósito a favor do trabalhador da quantia de € 6. 709, 94, assim se extinguindo a referida pensão
4- Em face disso o Ex mo Magistrado do MºPº, requereu que fosse a CGA notificada para vir ao processo indicar os valores da pensão e respectiva actualização após 1/1/00.
5- A Ex. ma Juíza, indeferiu ao requerido, determinando o arquivamento dos autos, já que embora tivesse sido declarada com força obrigatória a inconstitucionalidade do citado artº 74º na interpretação de impor a remição obrigatória geral a todas as pensões vitalícias atribuídas por IPPs, no casos em que tais incapacidades excedessem 30%,
( Ac. T. Constitucional publicado no D.R. de 8/2/06) a remição feita era intocável, já que o mesmo aresto limitou os seus efeitos às remições que se operassem após a sua publicação, o que não era o caso dos autos.
DO DIREITO
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação - artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
Pelo que no caso em apreço cumpre apenas resolver se é ou não válida a remição operada de “ motu proprio”, sem qualquer decisão jurisdicional sobre ela, pela entidade responsável pelo pagamento da pensão em causa.
Vejamos então, sendo certo que a solução para o problema há –de encontrar – no que determina sob o ponto de vista substantivo, o regime legal aplicável e ( naturalmente) relativo à problemática das remições das pensões derivadas de acidentes de trabalho/ doenças profissionais.
Ora bem.
Como se viu, o sinistro em causa data de 1952.
Do que resulta que a lei a ter em conta é a que então vigorava, ou seja a L. 1942 de 27/7/36 e legislação complementar ( Dec. 27.649 de 12/4/37 e D.L. 38.539 de 24/11/51).
E isto porque, quer a L. 2127 de 3/8/65 ( que veio revogar todos aqueles diplomas- cfr. sua Base LI nº2) quer a actual LAT, que sucedeu àquela, expressamente explicitam que apenas regem para os acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor(Base LI nº 1 e artº 41º nº 1 a) respectivamente).
Assim sendo temos que atentar que logo o artº 23º da L. 1942, dispunha:” É permitida a remissão de pensões que não excedam 240$00 por ano, havendo acordo das partes, ou 120$00 por ano quando uma das partes o requeira. Em ambos os casos porém, a remissão só será válida, depois da homologação do juiz, que deverá recusá-la sempre que presuma que o pensionista não dará ao capital equivalente à pensão remida um emprêgo razoável” ( itálico nosso ).
Na mesma linha o aludido D 27.649 (que vinha regulamentar segundo o seu próprio texto, as disposições sobre indemnizações provenientes de acidentes de trabalho ou doenças profissionais contidas na L. 1942) determinava no seu artº 33º : ” Os sinistrados ou os interessados na remissão de qualquer pensão, deverão requerê-la ao juiz do respectivo processo, que, se a autorizar, designará dia para o sinistrado ou o seu procurador bastante receber, por têrmo nos autos, o capital da pensão”.
Finalmente o DL. 38539, que alterou entre outros o já referido artº 23º da L. 1942 ordenava:” Serão obrigatoriamente remidas as pensões de montante inferior a 250$00 por ano, salvo se os pensionistas forem incapazes, e é permitida a remição das pensões que não excedam 400$00 por ano quando uma das partes o requeira, ou 700$00 por ano havendo acordo das partes, mas em ambos os casos a remição só será válida depois de autorização judicial.
É também permitida a remição das pensões que excedam 700$00, mas não ultrapassem 2.000$00 por ano, quando haja acordo entre as partes e o tribunal as autorize….”.( mais uma vez itálicos nossos).
Da análise interpretativa destes textos e tendo em conta o critério legal plasmado para o efeito no artº 9º do CCv, dúvidas não podem restar a nosso ver - e sempre com a ressalva do respeito devido por entendimento diverso – que no regime legal aplicável ao acidente em análise, a remição das pensões estava sempre dependente de decisão judicial a ser proferida no processo que surgira em virtude da ocorrência de um sinistro laboral.
Do que resulta que a “ remição” feita pela CGA, supra mencionada, é juridicamente inexistente (e não simplesmente nula) já que operada por entidade sem qualquer poder/ competência para tal.
Ou seja: para o direito tudo se passa como se nenhuma remição tivesse sido feita.
Daí que nunca – salvo o devido respeito - se poderia determinar o arquivamento dos autos, já que a determinação da remição de uma pensão ( ou a sua denegação) apenas pode ser ordenada através de uma decisão judicial a ser prolatado no processo emergente do acidente de trabalho.
Por isso não pode colher o apelo ao determinado no indicado acórdão do T.C. nomeadamente no que respeita à definição temporal da produção de efeitos da declaração da inconstitucionalidade do artº 74º do D.L 143/99 de 30/4, na interpretação aludida neste aresto, já que nenhuma remição foi efectuada.
Além do mais é de notar que o acórdão em causa debruçou - se somente no que concerne às IPP superiores a 30%, o que não sucede nos autos, uma vez que – como está provado – o sinistrado é portador de uma IPP de 30%.
Não tendo havido portanto qualquer remição, nunca poderia, como supra já dissemos, o processo ser arquivado.
Todavia e segundo parece pretender o Recorrente, a pensão em causa deve ser considerada actualizável.
Salvo o devido respeito, não concordamos.
Na realidade e de acordo com o disposto no artº 74º do D.L. 143/99 de 30/4( que é uma disposição transitória relativa à remição obrigatória de certo tipo de pensões) a concretização da remição daquelas que estão previstas no artº 17º nº1 d) da LAT e no artº 33º do mesmo diploma ( as denominadas pensões de reduzido montante) será feita de acordo com os “ plafonds” mencionados em tal artº.
Como é evidente a pensão atribuída ao sinistrado não cabe na previsão do artº 17º nº 1 d) da LAT actual, já que a IPP de que é portador não é inferior a 30%, como está demonstrado.
Resta pois averiguar se estamos perante uma pensão de reduzido montante, caso em que independentemente da incapacidade( que não é superior a 30%) ela deve ser obrigatoriamente remida.
De acordo com o disposto no artº 56 nº 1 a) do aludido D.L. 143/99, são obrigatoriamente remidas as pensões anuais devidas a sinistrados, cujo montante não seja superior a 6 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão.
E segundo o artº 41º nº 2 a) da L. 100/97 de 13/9 será estabelecido um regime transitório de remição, para as pensões que se encontram a pagamento à data da sua entradas em vigor.
Este regime consta do diploma regulamentar desta lei, que é como se sabe o D.L. 143/99.
Ora e pronunciando-se sobre esta temática o STJ, por Ac Uniformização de Jurisprudência, in D,R I-A de 2/5/05 veio estabelecer nomeadamente que “ para determinar se uma pensão vitalícia anual resultante de acidente de trabalho ocorrido antes de 1/1/00 é de reduzido montante para efeitos de remição, atende-se ao critério que resulta do artº 56º nº 1 a) do D.L. 143/99 devendo os dois elementos – valor da pensão e rmg mais elevada reportar-se à data da fixação da pensão.
No caso em apreço a pensão foi fixada em 30/10/52 e no valor anual de 1.971$30.
À data não existia salário mínimo nacional, que só veio a ser instituído em 1974 ( D.L. 217/74 de 27/5) e no valor de 3.300$00/mês.
Não deu o legislador portanto qualquer indicação relativamente ao que se deveria considerar reduzido montante, para as pensões fixadas antes desta data.
O que não significa, já que conduziria a situações de injustificada e absurda desigualdade, que estas pensões, não possam ser remidas.
Resta saber qual o valor a atender.
Pois para nós – e como já defendemos em outras decisões – os valores de referência apenas podem ser os que constam do artº 74º citado( e note-se que esta tese não vai contra o mencionado Ac Uniformizador porque este teve em vista uma pensão que se referia a acidente de trabalho ocorrido em 1996, portanto quando desde há muito existia já a tal rmg.).
Ou seja, porque à data da sua fixação, não existia rmg, as pensões ( já a pagamento como é o caso) deverão ser remidas logo ( e se ) atingirem os escalões ali previstos.
“ In casu” em 2003 a pensão paga ao sinistrado e que foi sendo sucessivamente actualizada, tinha o valor de € 824, 16.
E para esse ano o dito artº 74º estabeleceu o “plafond” de 400 contos ( € 1995, 19), para que a remição se operasse.
O que vale dizer que o valor da pensão em análise era muito inferior a tal montante.
E mesmo que se considerasse a rmg mais elevada para aquele ano (2003) o resultado seria o mesmo já que esta foi fixada em € 356, 60 /mês ( artº 1º do D.L. 320-C/02 de 30/12, já que a pensão é igualmente de valor muito inferior a 6 vezes este último valor ( € 356, 60x6= € 2139, 60).
Quer dizer. a pensão em causa passou a ser obrigatoriamente remível no ano de 2003.
E daí que não haja lugar a qualquer actualização, a partir desse momento.
Termos em que e concluído e por tudo o que se explanou decide-se:
a) revogar o despacho recorrido, no que concerne a ter decidido o arquivamento dos autos
b) Determinar que a pensão em causa passou a ser obrigatoriamente remível a partir de 2003, devendo oportunamente proceder-se ao respectivo cálculo de remição.
Sem custas por ambas as partes estarem isentas de tributação, atendendo à data do início do processo e ao disposto no artº 14º nº 1 do D.L. 324/03 de 27/12/03



Assim, não tendo havido remição por um lado e por outro não havendo qualquer obstáculo constitucional para que a pensão em causa seja remida importará determinar, se a mesma cabe ou não na previsão do regime transitório estabelecido no artº 74º do D.L. 143/99 de 30/4 (redacção do D.L. 382- A/99 de 22/9), o que apenas pode e deve ser feito na 1ª instância, já que é decisivo determinar o valor da pensão em 1/1/00 e actualizações que teve após essa data.
Foi no sentido da recolha desses elementos que foi a promoção do Ex. mo Magistrado do MºPº de fls. 46 e v.
A qual deveria, por tudo o que se explanou ter sido deferida.
Termos em que dando-se parcial provimento ao recurso, se decide revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que defira ao requerido a fls. 46 e v, decidindo-se oportunamente sobre a obrigatoriedade ou não de remir a pensão em causa.
Sem custas por ambas as partes estarem isentas de tributação, atendendo à data do início do processo e ao disposto no artº 14º nº 1 do D.L. 324/03 de 27/12/03