Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2928/22.8T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: INQUÉRITO JUDICIAL A SOCIEDADE
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
APRESENTAÇÃO DE CONTAS DO EXERCÍCIO ANUAL
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 277.º, AL. E), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 248.º, N.ºS 1 E 3, 259.º, 263.º, N.º 1 E 5, 248.º, N.º 3, E 65.º, N.º 1, DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário: I – A inutilidade e a impossibilidade superveniente da lide, previstas no art.º 277.º al. e), do Código do Processo Civil, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou se encontra fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar.

II – Impende sobre a sociedade, através do seu gerente ou gerentes, o dever de convocar a assembleia geral com vista à apresentação e aprovação das contas do exercício anual, apresentando o relatório de gestão e dos documentos de prestação de contas exigidos por lei – artigos 248.º, n.ºs 1 e 3, 259.º, 263.º, n.º 1 e 5, e 248.º, n.º 3, do CSC.

III – Por sua vez, compete aos sócios aprovar o relatório de gestão e as contas do exercício respetivo – artigo 246.º, n.º 1, alínea e), do CSC.

IV – Os documentos que devem ser apresentados correspondem aos mencionados no artigo 65.º, n.º 1, do CSC, ou seja, o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas previstos na lei, que podem variar conforme as normas contabilísticas a que a sociedade comercial esteja sujeita, nomeadamente as regras constantes do SNC - Sistema de Normalização Contabilística – cfr. Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13/07, alterado pelo Decreto-lei n.º 98/2015, de 02/06.

V – A falta de apresentação de contas pelo órgão de gestão competente, nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 5 do artigo 65.º do CSC, confere a qualquer sócio o direito de requerer ao tribunal que se proceda a inquérito com vista a ser fixado um prazo adequado, segundo as circunstâncias, para que as contas sejam apresentadas – artigo 67.º, n.º 1 e 2, do CSC.

VI – E esse objectivo, como decorre do n.º 2 do citado artigo 67.º, esgota-se com a apresentação das contas, seja voluntariamente pelos gerentes ou administradores, no prazo que a Justiça lhes indica, ou com a nomeação de um gerente ou administrador exclusivamente encarregado de, no prazo que lhe for fixado, elaborar o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas previstos na lei e de os submeter ao órgão competente da sociedade, podendo a pessoa judicialmente nomeada convocar a assembleia geral, se este for o órgão em causa.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 2928.22.8T8VIS

 

(Juízo de Comércio de Viseu - Juiz 1)

Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório

AA, casada, portadora do NIF ..., residente na Rua ..., ... ..., veio propor Ação Especial de Inquérito Judicial à Sociedade (artigo 1048.º nº3 do CPC) contra T..., Lda., pessoa coletiva nº..., com sede na Rua ..., ... e BB, portador do contribuinte fiscal nº..., residente na ..., ... ...., ..., ... ..., com os seguintes fundamentos:

A Autora é sócia da primeira requerida. O segundo requerido é também sócio da requerida, exercendo o cargo de gerente único da sociedade.

Os dois irmãos da Autora, também sócios da T..., Lda., são os únicos sócios de outras quatro sociedades que exercem uma atividade concorrente à sociedade Ré. Essa concorrência é ilícita e desleal.

A 1ª Ré não apresenta contas desde o ano de 2018. A Autora não foi sequer convocada para qualquer assembleia geral destinada à apresentação e aprovação das contas desses anos.

Pede que seja decretado inquérito judicial à sociedade requerida T..., Lda., nos termos do artigo 67º do CSC.

Em articulado superveniente a Autora veio alegar que foi convocada para uma assembleia geral da 1ª requerida, a realizar em 12-07-2022, com a seguinte ordem de trabalhos: “Aprovação das Contas do Ano de 2021”.

A Autora, acompanhada por contabilista certificado, tentou consultar os documentos relativos às contas a aprovar e ao relatório de gestão, nas instalações da sede da sociedade, em data previamente acertada. Todavia, não conseguiu, uma vez que tais documentos não lhes foram disponibilizados na altura.

Após, a Autora solicitou ao 2º requerido o envio, via eletrónica, dos seguintes documentos (Balanço e demonstração de resultados do ano de 2021; Reconciliação de caixa do ano de 2021; Reconciliações bancárias e extratos bancários a 31.12.2021; Balancete geral antes de fecho; e Inventário relativo ao ano de 2021).

O 2º requerido apenas endereçou à requerente o balancete geral mensal acumulado; o extrato de uma conta bancária do banco Caixa Geral de Depósitos relativo ao período de 01.12.2021 a 31.12.2021; e o relatório de contas do ano de 2021.

A Autora, por não ter informação suficiente e completa, não teve outra alternativa senão a de votar contra a aprovação das mesmas e justificar o seu sentido de voto.

As contas relativas ao exercício de 2021 foram aprovadas, com votos a favor dos sócios CC, BB, e M..., S.A. (representada pelo seu administrador único, o aqui 2º requerido)

Contestação.

Em nenhuma das sociedades comerciais por quotas nas quais a Autora é sócia em comum com os seus irmãos é hábito realizar-se assembleia de apresentação e aprovação de contas. A Autora nunca demonstrou não concordar e até incentivou tal prática. A Autora incorre, assim, em abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium

Perante a Autoridade Tributária foram tempestivamente apresentadas as contas de 2019 e 2020. Foi já convocada uma assembleia geral para apresentação e aprovação das contas para dia 23 de Setembro de 2022.

Nos termos do nº2 do art. 254º do CSC não há concorrência ilícita entre as sociedades detidas pelos irmãos da Autora e a Ré T..., ao que acresce que o direito da sociedade à destituição e indemnização do gerente tem uma atividade concorrente estaria prescrito. Pede que a ação improceda dado já não se verificarem os pressupostos legais para a sua realização, e os Réus absolvidos do pedido.

Os Réus vieram juntar a ata nº...9 relativa à assembleia geral que teve lugar no dia 23 de Setembro de 2022, onde estiveram presentes todos os sócios da sociedade Ré, inclusive a Autora, e na qual foram aprovadas as contas do ano 2019 e 2020.

Pede a extinção da ação por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277º, al. e) do C.P.C.

A Autora exerceu o contraditório relativamente ao pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, alegando:

Os requeridos depositaram as contas junto do registo comercial sem antes diligenciarem pela apresentação e aprovação das mesmas pelos sócios.

À Autora não lhe foram fornecidos elementos mínimos de informação que a habilitasse a votar as contas de forma informada e consciente e, por isso, votou contra a aprovação de tais contas.

A Autora entende que estando “demonstrado que as contas dos anos de 2019 e 2020 apesar de levadas a registo comercial, não foram submetidas à prévia apreciação e aprovação dos sócios, mais do que nunca se verificam os pressupostos erigidos pelo artigo 67.º nº1 do CSC para o deferimento do inquérito judicial tendente à real prestação dessas contas.”

Por essa razão, pugna pela improcedência do pedido de extinção de instância por inutilidade superveniente da lide.

Pelo Juízo de Comércio de Viseu - Juiz ... foi proferida a seguinte decisão:

- Declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide nos termos da al. e) do art. 277º do C.P.C.

Custas pelos Réus que a elas deram causa (art. 536º, nº3 do C.P.C.).

Registe e notifique”.

AA, requerente, não se conformando com tal decisão dela interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

I) Vem o presente recurso interposto da decisão proferida nos autos, que declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide nos termos do artigo 277.º al e) do CPC, por se entender que se impõe a modificação da mesma

II) Ora, a presente ação especial de inquérito judicial, requerida com base no disposto no artigo 67.º do CSC, tem como pressuposto a ausência de apresentação, aprovação e depósito das contas anuais da primeira requerida relativas aos exercícios de 2019 e 2020.

III) Apresentada a contestação, mostrou-se confessado pela requerida e provado (sem impugnação) que, de facto, os documentos de prestação de contas relativos aos exercícios do ano de 2019 e 2020 não foram apresentados e submetidos a deliberação da assembleia geral de sócios da sociedade requerida; Pelo que

IV) Mostraram-se, desde logo, verificados os pressupostos que o n.º 1 do artigo 67º, do CSC consigna como constituindo fundamento para o decretamento do inquérito requerido pela sócia da ora requerida.

V) E ao Tribunal “a quo” competia fixar um prazo ao 2º requerido para que este diligenciasse pela elaboração e apresentação das contas e demais documentação social prevista na lei, ou, ordenar, no imediato, a realização do inquérito judicial e nomear um gerente, exclusivamente encarregado de, em prazo que lhe viesse a ser fixado, elaborar os relatórios de gestão, contas e demais documentação de prestação de contas previsto na lei, relativa aos exercícios em falta.

VI) Porém e ao invés, a requerida levou a registo na Conservatória do Registo Comercial as contas relativas aos exercícios de 2019 e 2020, sem que previamente, o gerente da requerida tenha diligenciado pela elaboração e convocação de assembleia geral para a apresentação e aprovação das mesmas.

VII) E designou o passado dia 23.09.2022 para aprovação das referidas contas dos anos de 2019 e 2020.

VIII) Sendo que, claramente em fraude à lei, as contas relativas ao exercício de 2019 e 2020 foram aprovadas, sem que tenha sido possível apurar e aprovar as receitas e despesas realizadas e até da bondade da administração levada a cabo, pois que não foram apresentadas as contas, relatórios de gestão e demais documentação social, exigida por lei, conforme reconhece sentença em crise.

IX) Sendo certo que todos os sócios podem ter acesso à informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade de que são sócios (artigo 214º do CSC).

X) É do conhecimento funcional do Tribunal “a quo” que, nas sociedades tituladas pelos três irmãos (requerida, 2º requerido e CC) é sistematicamente violado o dever de prestar contas e a ora requerente é privada de toda e qualquer informação sobre as mesmas.

XI) Assim como também é do conhecimento funcional deste Tribunal “a quo” os conflitos existentes pelos atos de gestão fraudulentos e completamente delapidadores dos patrimónios sociais, levados a cabo pelo sócio CC e o aqui 2º requerido, não só na empresa requerida, mas também nas empresas familiares que detêm em conjunto.

XII) Pelo que, pese embora o princípio da livre apreciação da prova, este deve está vinculado às normas de experiência comum.

XIII) Ao agir desta forma, o Tribunal recorrido absteve-se de aplicar a lei e, ao arrepio das demais elementares normas e princípios de direito, proferiu sentença decretando a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

XIV) Ora, desde logo em face do supra exposto, verifica-se estarem reunidos os pressupostos para que o Tribunal a quo decretasse o inquérito judicial, revogando este Venerando Tribunal a sentença em crise.

XV) Ainda assim se diga que a sentença recorrida não elenca os fundamentos de facto e de direito em que se ancorou a decisão proferida;

XVI) O que, nos termos do disposto no artigo 615.º nº 1 al. b) do CPC, gera a nulidade da mesma, nulidade esta que expressamente se invoca para e com todos os efeitos legais.

XVII) Pelo que, ao decidir como o fez, ao decidir como o fez, o Tribunal  recorrido violou o disposto nos artigos 67.º e 214º do CSC, 154º, 1048.º n. º3 e 1049.º nº 1 ambos do CPC.

XVIII) Devendo este Venerando Tribunal dar provimento ao presente  recurso, com a consequente revogação da decisão proferida, ordenando-se o inquérito judicial à sociedade requerido, fazendo-se assim JUSTIÇA!

2. Do objecto do recurso

São as seguintes as questões a resolver:

I-Da nulidade;

Escreve a Apelante:

“XV) Ainda assim se diga que a sentença recorrida não elenca os fundamentos de facto e de direito em que se ancorou a decisão proferida;

XVI) O que, nos termos do disposto no artigo 615.º nº 1 al. b) do CPC, gera a nulidade da mesma, nulidade esta que expressamente se invoca para e com todos os efeitos legais”.

Sem razão.

Para que isso aconteça, exige a lei que o julgador, ao lavrar a sua sentença, não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Lendo-a, eles estão lá (a negrito):

Resulta dos autos que as contas relativas ao exercício do ano de 2021 foram aprovadas na assembleia geral de sócios da sociedade Ré que teve lugar em 12 de Julho de 2022 (ata nº...8); e que as contas relativas ao exercício de 2019 e 2020 foram aprovadas na assembleia geral de sócios realizada no dia 23 de Setembro de 2022. A Autora esteve presentes nestas assembleias. A Autora votou contra a proposta de aprovação das contas por não ter elementos de informação suficientes para emitir um voto consciente e informado.

Ora, no que diz respeito ao efeito que com o inquérito judicial é possível obter, ele encontra-se atingido pela iniciativa do gerente da sociedade que veio, assim, tomar a ação que há muito deveria ter tomado, apresentando as contas e convocando a assembleia geral de sócios com vista à sua aprovação. Foi, deste modo, atingida finalidade que inquérito judicial visava.

Outras, eventuais, irregularidades não são objeto de apreciação no inquérito judicial proposto pela Autora, designadamente, os apontados pela Autora: O depósito das contas junto do registo comercial sem antes as terem apresentado aos sócios para serem aprovadas; e a eventual causa de anulabilidade das assembleias realizadas por falta de fornecimento de elementos mínimos de informação à sócia Autora”.

Improcede, pois, a alegada nulidade.

II – Da extinção da instância;

T..., Ld.ª, e outro, Requeridos na presente acção, dizem:

1. A requerente intentou a presente ação judicial com o seguinte pedido:

“Termos em que, deve a presente ação, proceder, por provada e, em consequência ser decretado inquérito judicial à sociedade requerida, nos termos do artigo 67.º do CSC”

2. Ora, consta do art.º 67.º do CSC, sob o título “Falta de apresentação das contas e de deliberação sobre elas, logo no n.º 1: “Se o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas não forem apresentados nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado no artigo 65.º, n.º 5, pode qualquer sócio requerer ao tribunal que se proceda a inquérito.”

3. E no n.º 2 do mesmo artigo:

“O juiz, ouvidos os gerentes ou administradores e considerando procedentes as razões invocadas por estes para a falta de apresentação das contas, fixa um prazo adequado, segundo as circunstâncias, para que eles as apresentem, nomeando, no caso contrário, um gerente ou administrador exclusivamente encarregado de, no prazo que lhe for fixado, elaborar o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas previstos na lei e de os submeter ao órgão competente da sociedade, podendo a pessoa judicialmente nomeada convocar a assembleia geral, se este for o órgão em causa.” (Negrito nosso)

5. Ora, se é verdade que aquando da entrada do requerimento as contas não estavam registadas e publicadas, pelas razões já expostas pelos Requeridos na sua contestação, certo é que ainda antes do tribunal conceder prazo para tal os RR procederam ao registo e publicação das mesmas.

6. E convocaram assembleia geral de apresentação das contas e deliberação sobre as mesmas, na qual as contas dos exercícios de 2019 e 2020 foram aprovadas, não sem antes enviar à Requerente a documentação solicitada e necessária à deliberação sobre as contas dos exercícios de 2019 e 2020, conforme a mesma confessa com a junção do documento 5.

7. Conforme a Requerente confessa no requerimento inicial, as prestações de contas em causa cingem-se aos exercícios de 2019 e 2020.

8. Vir agora a Requerente solicitar documentos contabilísticos dos anos anteriores a 2019 (de 5 anos atrás? 10 anos atrás? Não o concretiza…) para deliberar sobre o exercício de 2019 e 2020 é apenas e tão só abusar da sua posição de sócia e dos direitos que lhe assistem, para dar a ideia de recusa de informação por parte do gerente da Requerida, o que nunca aconteceu.

9. Pois que, nos termos do art.º 263.º do CSC, o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas devem estar patentes aos sócios para consulta pessoal na sede da sociedade e durante as horas de expediente, a partir do dia em que seja expedida a convocação para a assembleia destinada a apreciá-los.

10. Não obstante, o gerente da Requerida enviou à Requerente a documentação necessária à tomada de posição relativa aos exercícios a aprovar na assembleia geral.

11. Pelo que não existiu recusa de informação à Requerente, nem o presente inquérito judicial tem essa finalidade.

Assim, encontrando-se as contas aprovadas em assembleia geral regularmente convocada para o efeito, registadas e publicadas, salvo melhor entendimento esgotado está o objeto do presente processo, nem a Requerente esclarece no seu requerimento qual o efeito útil que obterá com o seguimento da presente ação”.

Juntam a acta n.º ...9 da assembleia geral que decorreu no dia 23 de Setembro de 2022, na qual consta:

“Quanto ao ano de 2019---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

i) Balancete geral mensal acumulado;-----------------------------------------------------------------------------------------------

ii) Conciliação de saldos bancários a 31.12.2019;--------------------------------------------------------------------------------

iii) IES;------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

iv) Extrato de uma conta bancária do Banco Caixa Geral de Depósitos:-----------------------------------------------------

v) Balanço Modelo Reduzido:---------------------------------------------------------------------------------------------------------

vi) Demonstração dos resultados por naturezas;-----------------------------------------------------------------------------------

Quanto ao ano de 2020---------------------------------------------------------------------------------------------------------------

i) Relatório de contas;------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

ii) Balancete Geral Mensal Acumulado;---------------------------------------------------------------------------------------------

iii) Conciliação de saldos bancários a 31.12.2020;--------------------------------------------------------------------------------

iv) Extrato de uma conta bancária da Caixa Geral de Depósitos, referente ao compreendido entre 01.12.2020 e

31.12.2020;-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

v) IES;-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------“

“Assim, a Autora encontra-se já na posse de toda a documentação referente às contas dos anos de 2019 e 2020 e as contas de 2019, 2020 e 2021 encontram-se neste momento aprovadas, registadas e publicadas.

Sendo essa a causa de pedir e o fim último do inquérito judicial, deve a ação extinguir-se por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277, al.ª e) do CPC, sendo que dar seguimento à ação só trará prejuízos à Ré, desde logo com aumento dos custos do processo”.

AA, requerente e agora apelante, notificada que foi do requerimento apresentado pelos requeridos, com a referência citius 43465780 vem, quanto ao mesmo, dizer o seguinte:

“A) Da extinção da instância por inutilidade superveniente de lide

1- A presente ação foi proposta em 01.07.2022 e tem como pedido a realização de inquérito judicial à sociedade ré e, causa de pedir, a falta de prestação de contas relativas aos anos de 2019 e 2020.

2- Ora, os requeridos foram citados em 20.07.2022.

3- E, em 31.08.2022, a requerida procedeu à publicação das contas relativas aos anos 2019 e 2020, tudo conforme documentos nº1 e 2, que aqui se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para e com todos os efeitos legais.

4- Já, em 05.09.2022, como os requeridos confessam “foi feita a vontade à requerente” (cfr. artigo 17.º da contestação), tendo a mesma sido convocada para uma assembleia geral, a realizar em 23.09.2022, pelas 14:30 horas, com seguinte ordem de trabalhos: “Ponto Único: Aprovação das contas dos anos de 2019 e 2020” Tudo conforme documento nº 3, que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para e com todos os efeitos legais.

5- Tal significa que, os requeridos depositaram as contas junto do registo comercial sem antes diligenciarem pela apresentação e aprovação das mesmas pelos sócios!

6- Tudo em clara e manifesta violação do disposto no artigo 65.º do CSC e dos bons costumes.

7- Não obstante, em face da convocatória suprarreferida, a requerente solicitou, ao 2º requerido, o envio de diversos documentos contabilísticos, conforme documento nº 4, que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para e com todos os efeitos legais.

8- Documentação, que lhe foi parcialmente remetida, conforme decorre do documento nº 5, que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzida para e com todos os efeitos legais.

9- E que, por seu turno se revelou manifestamente escassa e incompleta para que a requerente conhecesse cabalmente a situação contabilística, patrimonial e financeira da requerida nos exercícios de 2019 e 2020.

10- Todavia, as contas foram aprovadas com votos a favor dos sócios CC, BB e M..., S.A. (representada pelo seu administrador único, o aqui 2º requerido) e com o voto contra da requerente, cfr. documento nº 5 supra junto.

11- Pese embora, as contas tenham sido aprovadas, a requerente desconhece se as contas depositadas correspondem aos escassos elementos contabilísticos que lhe foram enviados e que serviram de base à sua aprovação.

12- Por outro lado, a conduta do 2º requerido, em representação da 1ª requerida, visou tão só ludibriar este Tribunal, fazendo-o crer que o objeto dos presentes autos se encontra esgotado, com a prévia publicação das contas e posterior convocação de assembleia geral para aprovação das mesmas.

13- No entanto, resultando demonstrado que as contas dos anos de 2019 e 2020 apesar de levadas a registo comercial, não foram submetidas à prévia apreciação e aprovação dos sócios, mais do que nunca se verificam os pressupostos erigidos pelo artigo 67.º nº1 do CSC para o deferimento do inquérito judicial tendente à real prestação dessas contas.

Em face do exposto, deve improceder o pedido extinção de instância por inutilidade superveniente da lide e, ao invés ser o inquérito judicial requerido, decretado e, consequentemente, ser nomeado, pelo Tribunal um gerente para, no prazo fixado, elaborar o relatório de gestão e contas dos exercícios 2019 e 2020”.

Avaliando.

Como é sabido, a inutilidade e a impossibilidade superveniente da lide, prevista no art.º 277.º al. e), do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem -, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou se encontra fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio /neste preciso sentido, José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I Volume, 2ª Edição, Almedina, 2003 anotação 3 ao art.º 287.º, p. 512.

Sobre esta temática, escreveu-se no Acórdão do STJ de 25.3.2010 – Processo n.º 2532/05.5TTLSB.L1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol, disponível em www.dgsi.pt :

“A impossibilidade da lide ocorre por morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objecto do processo, ou por extinção de um dos interesses em conflito. Por sua vez, a inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (cf., sobre esta temática, JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, pp. 367-373, JOSÉ LEBRE DE FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pp. 510-512, e ainda CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 280-282)”.

A alínea e) do artigo 287.º prende-se com o princípio da estabilidade da instância, que se inicia com a formulação de um pedido consistente numa pretensão material com solicitação da sua tutela judicial.

A Autora vem propor acção de inquérito judicial contra a sociedade T..., Lda., aconchegada na norma do artigo 67º do CSC, tendo como fundamento a falta de apresentação pontual de contas relativas aos exercícios dos anos de 2019, 2020 e 2021.

Ora, o inquérito judicial a sociedade é um processo especial, de jurisdição voluntária, para exercício de direitos sociais, dispondo o art.º 1048º o seguinte:

“1- O interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alega os fundamentos do pedido de inquérito, indica os pontos de facto que interesse averiguar e requer as providências que repute convenientes.

2- São citados para contestar a sociedade e os titulares de órgãos sociais a quem sejam imputadas irregularidades no exercício das suas funções.

3- Quando o inquérito tiver como fundamento a não apresentação pontual do relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas, seguem-se os termos previstos no artigo 67.º do Código das Sociedades Comerciais.”

Diz-nos o citado artigo 67.º - falta de apresentação das contas e deliberação sobre elas -   que:

 1 - Se o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas não forem apresentados nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado no artigo 65.º, n.º 5 (O relatório de gestão, o relatório separado com a informação não financeira, quando aplicável, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas devem ser apresentados ao órgão competente e por este apreciados, salvo casos particulares previstos na lei, no prazo de três meses a contar da data do encerramento de cada exercício anual, ou no prazo de cinco meses a contar da mesma data quando se trate de sociedades que devam apresentar contas consolidadas ou que apliquem o método da equivalência patrimonial), pode qualquer sócio requerer ao tribunal que se proceda a inquérito.

2 - O juiz, ouvidos os gerentes ou administradores e considerando procedentes as razões invocadas por estes para a falta de apresentação das contas, fixa um prazo adequado, segundo as circunstâncias, para que eles as apresentem, nomeando, no caso contrário, um gerente ou administrador exclusivamente encarregado de, no prazo que lhe for fixado, elaborar o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas previstos na lei e de os submeter ao órgão competente da sociedade, podendo a pessoa judicialmente nomeada convocar a assembleia geral, se este for o órgão em causa.

Ou seja, nas sociedades por quotas os órgãos de administração, no caso, os gerentes, encontram-se sujeitos ao dever de relatar a gestão e apresentar contas como decorre dos artigos 65.º a 70.º e 263.º, do CSC. O dever de relatar a gestão e apresentar contas encontra-se sujeito a prazo.

Assim, impende sobre a sociedade, através do seu gerente ou gerentes, o dever de convocar a assembleia geral com vista à apresentação e aprovação das contas do exercício anual, apresentando o relatório de gestão e dos documentos de prestação de contas exigidos por lei - artigos 248.º, n.ºs 1 e 3, 259.º, 263.º, n.º 1 e 5, e 248.º, n.º 3, do CSC.

Por sua vez, compete aos sócios aprovar o relatório de gestão e as contas do exercício respetivo - artigo 246.º, n.º 1, alínea e), do CSC.

Os documentos que devem ser apresentados correspondem aos mencionados no artigo 65.º, n.º 1, do CSC, ou seja, o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas previstos na lei, que podem variar conforme as normas contabilísticas a que a sociedade comercial esteja sujeita, nomeadamente as regras constantes do SNC – Sistema de Normalização Contabilística - cfr. Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13/07, alterado pelo Decreto-lei n.º 98/2015, de 02/06.

Assim, o dever de prestar contas é correlativo do direito dos sócios a essa prestação de contas, independentemente dos direitos dos mesmos à informação ou consulta dos documentos societários - cfr. artigos 21.º, n.º1, alínea c), 214.º e 263.º, n.º 1, do CSC.

A falta de apresentação de contas pelo órgão de gestão competente, nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 5 do artigo 65.º do CSC, confere a qualquer sócio o direito de requerer ao tribunal que se proceda a inquérito com vista a ser fixado um prazo adequado, segundo as circunstâncias, para que as contas sejam apresentadas - artigo 67.º, n.º 1 e 2, do CSC.

E esse objectivo, como decorre do n.º 2 do citado artigo 67.º, esgota-se com a apresentação das contas, seja voluntariamente pelos gerentes ou administradores, no prazo que a Justiça lhes indica, ou com a nomeação de um gerente ou administrador exclusivamente encarregado de, no prazo que lhe for fixado, elaborar o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas previstos na lei e de os submeter ao órgão competente da sociedade, podendo a pessoa judicialmente nomeada convocar a assembleia geral, se este for o órgão em causa.

Ora, resulta dos autos, como bem escreve a 1.ª instância, que o “nº3 do art. 1048º do C.P.C. estabelece que a falta de apresentação pontual do relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas, é motivo suficiente para que o interessado possa pedir um inquérito judicial à sociedade, o qual seguirá os termos do art. 67º e seguintes do C.S.C.

Este inquérito judicial, e caso se confirme a não apresentação pontual, tem dois desfechos alternativos (art. 67º, nº2 do C.S.C.):

- Ou são procedentes as razões do gerente para a não apresentação pontual das contas e, nesse caso, o juiz fixa um prazo adequado para que elas sejam apresentadas através do procedimento legalmente estabelecido; ou

- tais razões não são procedentes, e o juiz nomeia um gerente exclusivamente encarregue de elaborar o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas, e convocar o órgão competente para as aprovar (a assembleia geral de sócios).

No caso em apreço,

Resulta dos autos que as contas relativas ao exercício do ano de 2021 foram aprovadas na assembleia geral de sócios da sociedade Ré que teve lugar em 12 de Julho de 2022 (ata nº...8); e que as contas relativas ao exercício de 2019 e 2020 foram aprovadas na assembleia geral de sócios realizada no dia 23 de Setembro de 2022. A Autora esteve presentes nestas assembleias. A Autora votou contra a proposta de aprovação das contas por não ter elementos de informação suficientes para emitir um voto consciente e informado.

Ora, no que diz respeito ao efeito que com o inquérito judicial é possível obter, ele encontra-se atingido pela iniciativa do gerente da sociedade que veio, assim, tomar a ação que há muito deveria ter tomado, apresentando as contas e convocando a assembleia geral de sócios com vista à sua aprovação. Foi, deste modo, atingida finalidade que inquérito judicial visava.

Outras, eventuais, irregularidades não são objeto de apreciação no inquérito judicial proposto pela Autora, designadamente, os apontados pela Autora: O depósito das contas junto do registo comercial sem antes as terem apresentado aos sócios para serem aprovadas; e a eventual causa de anulabilidade das assembleias realizadas por falta de fornecimento de elementos mínimos de informação à sócia Autora”.

Por isso, bem andou ao declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide nos termos da al. e) do art. 277º.

Assim, com todo o respeito pelas razões invocadas pela apelante, mantemos o decidido na 1.ª instância.


As conclusões (sumário):
(…).

Assim, na improcedência da instância recursiva, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Comércio de Viseu - Juiz ....

Custas a cargo da apelante.

Coimbra,2 de Maio de 2023

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(Arlindo Oliveira – 1.º adjunto)

( Emidio Santos - 2.º adjunto)