Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
238-A/2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
INCUMPRIMENTO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 06/23/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1905º, 1874º, 1878º E 1880º. DO CÓD. CIVIL
Sumário: 1. Verificada uma situação de incumprimento da obrigação de prestar alimentos por parte de um progenitor relativamente ao filho menor, a solução mais correcta e a que melhor salvaguarda os interesses em jogo é aquela que atribui ao progenitor que teve a seu cargo a guarda desse filho e a quem este foi confiado, a legitimidade processual para reclamar judicialmente do progenitor faltoso – seja por via do incidente de incumprimento, seja através da acção executiva – as prestações de alimentos vencidas na pendência da menoridade e que estejam em dívida.

2. As responsabilidades parentais, pela sua origem (relação de filiação) e natureza jurídica (um conjunto de poderes-deveres, estruturados tendo em vista a salvaguarda do interesse do menor), dificilmente se coadunam com uma visão puramente contratualista, inexistindo o sinalagma funcional que é pressuposto da invocação da excepção de não cumprimento do contrato. Não tem justificação, pois, a invocação dessa excepção por parte do progenitor que não cumpre a obrigação de alimentos.

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

Em 23/08/2006, por apenso aos autos de regulação do poder paternal relativo aos menores A... e B... veio a mãe dos menores, C... deduzir contra D... , pai dos menores, incidente de incumprimento, peticionando que se proceda ao desconto no vencimento do requerido “das prestações vincendas, bem como as prestações em atraso”.

Para fundamentar a sua pretensão invoca que por acordo homologado por sentença proferida nos autos principais, o pai dos menores ficou obrigado a proceder ao pagamento da quantia mensal de 30.000$00, sendo 20.000$00 para o filho B...e 10.000$00 para a filha A..., a título de pensão de alimentos, acrescida de 1/2 das despesas médicas de ambos os filhos e 1/2 das despesas escolares do filho B...; o requerido não cumpre essa decisão, tendo deixado de pagar as prestações em Setembro de 2001, estando em dívida as prestações relativas aos meses de Setembro a Dezembro de 2001, anos de 2002, 2003, 2004, 2005 e Janeiro a Setembro de 2006 (atenta a data da entrada do requerimento), num total de € 9.128,00.

Notificado para alegar o que tivesse por conveniente, o requerido invocou, em síntese, que:

A requerente ausentou-se do país, levando consigo os filhos, sem dizer para onde ia nem indicando qualquer morada;

O requerido ficou privado de visitar os filhos e tê-los consigo;

A filha A..., ainda na pendência da regulação do poder paternal, já trabalhava e atingiu a maioridade em 2002;

O requerido desconhece a vida que os seus filhos fazem e se carecem de alimentos;

Face aos encargos diários (alimentos, vestuário, despesas domésticas e prestações do carro, seguros, da casa etc) também os não pode prestar;

A requerente “tinha obrigações acessórias, para com o requerido, os quais não cumpriu, excepção de não cumprimento que se invoca para todos os efeitos legais”.

Termina arrolando testemunhas e pedindo o depoimento de parte da requerente.

Realizou-se conferência de pais, não tendo as partes chegado a acordo.

Ordenou-se a notificação de ambos os progenitores para alegarem e oferecerem meios de prova.

O requerido apresentou alegações, reafirmando o que já havia dito e excepcionando, ainda:

. a ilegitimidade da requerente uma vez que a filha A... atingiu a maioridade em 27/12/2002;

. o pagamento de todas as prestações de alimentos relativas à filha A..., até à maioridade e as do B...até Maio de 2003, inclusive;

Ofereceu prova, nomeadamente testemunhal.

Proferiu-se despacho no sentido de notificar o requerido para esclarecer quais os factos que pretendia provar com recurso à prova testemunhal arrolada, tendo o mesmo indicado os factos n.°s 7 a 18 da sua alegação de fls. 129, prescindindo do depoimento de parte peticionado.

Foram solicitadas informações bancárias ao Millenium BCP.

O M.P. teve vista, promovendo que se designe dia para inquirição de testemunhas.

Foi proferida decisão, que concluiu da seguinte forma:

“Assim delimitado o objecto dos presentes autos, verifica-se que a audição das testemunhas arroladas se mostra destituída de utilidade atenta a matéria sobre a qual iriam depor, pelo que se indefere a mesma (sendo certo que, de acordo com o disposto no artigo 181°, n.° 4 da O.T.M., o tribunal praticará apenas as diligências que se afigurarem necessárias).

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

Invocou o requerido a excepção de ilegitimidade da requerente atenta a maioridade da filha A..., atingida em 27/12/2002.

Também o filho B...atingiu a maioridade em 17/09/2006 (já após a instauração do presente incidente). (…)

Por tal motivo se indefere a arguição da excepção de ilegitimidade da requerente.

(…)

Pelo exposto, julgo verificado o incumprimento do acordo de regulação do exercício do poder paternal por parte de D..., no que diz respeito às prestações de alimentos dos meses de Maio de 2002 a Dezembro de 2002 quanto à filha A... e aos meses de Junho de 2003 a Setembro de 2006 no que concerne ao filho B..., num total de € 4.239,80 (quatro mil, duzentos e trinta e nove euros e oitenta cêntimos).

Custas pelo requerido.

Registe e notifique”.

Notificado, o requerido recorreu desta decisão, formulando as seguintes conclusões:

“a) Os alimentos acordados na regulação do poder paternal de menores são devidos a estes;

b) Não são devidos àquele a quem foi atribuído o poder paternal;

c) Uma vez atingida a maioridade do menor, é este que tem legitimidade para requerer o pagamento dos alimentos em dívida,

d) Por ser quem tem interessa directo em demandar,

e) Ao não julgar a requerente parte ilegítima, mostra-se violado o art° 26/1 CPC.

f) Nas provas que o Tribunal considerou necessárias, nos termos do art° 1409/2 CPC, hão-de incluir-se àquelas que permitam ao recorrido a demonstração dos factos por si alegados;

g) Ao considerar destituída de utilidade a audição das testemunhas arroladas, crêem-se violadas as regras respeitantes à instrução da causa (515 CPC), ao julgamento da matéria de facto, quanto à análise crítica das provas (653/2 CPC) e ao contraditório e à igualdade das partes;

h) A ausência dos filhos para o estrangeiro, sem que deles saiba o pai, devedor de alimentos, confere a este a faculdade de não pagar os alimentos devidos;

j) Tendo a requerente decaído em cerca de metade do seu pedido deve ser tributada em custas, nos termos do art° 446 e sgs do CPC;

O M.P. apresentou contra alegações propugnando pela manutenção da decisão.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância deu por provados os seguintes factos:

1. Por acordo de regulação do exercício do poder paternal relativo aos menores A... e B..., homologado por sentença proferida nos autos principais a 6 de Junho de 2001 (fls. 26 e 27), ficou D... obrigado a proceder ao pagamento de 30.000$00 (€ 149,64) mensais, a título de prestação de alimentos, sendo 20.000$00 (€ 99,76) para o menor B...e 10.000$00 (€ 49,88) para a menor A..., acrescidas de 1/2 das despesas médicas da menor A... e do menor B...e 1/2 das despesas escolares do menor B....

2. Mais ficou acordado que as prestações alimentares vencer-se-iam até ao dia 8 de cada mês, com início em Junho de 2001, e seriam pagas por transferência bancária em conta a indicar pela mãe, com excepção da primeira a pagar por cheque.

3. A... nasceu no dia 27 de Dezembro de 1984.

4. B...nasceu no dia 17 de Setembro de 1988.

5. Entre Setembro de 2001 e 27 de Dezembro de 2002 as prestações de alimentos relativas à menor A... totalizaram € 798,08.

6. Entre Setembro de 2001 e 17 de Setembro de 2006 as prestações de alimentos relativas ao menor B...totalizaram € 6.085,36.

7. O requerido procedeu ao pagamento das seguintes quantias:

a. 30.000$00 (€ 149,64) em 06/07/2001;

b. 30.000$00 (€ 149,64) em 07/08/2001;

c. 30.000$00 (€ 149,64) em 10/09/2001;

d. 30.000$00 (€ 149,64) em 09/10/2001;

e. 30.000$00 (€ 149,64) em 15/11/2001;

f. € 149,64 em 09/01/2002;

g. € 149,64 em 11 /02/2002;

h. € 149,64 em 11/03/2002;

i. € 149,64 em 09/04/2002;

j. € 99,76 em 09/05/2002;

k. € 99,76 em 11 /06/2002;

l. € 99,76 em 08/07/2002;

m. € 99,76 em 12/08/2002;

n. € 99,76 em 11/09/2002;

o. € 99,76 em 08/10/2002;

p. € 99,76 em 07/11/2002;

q. € 99,76 em 10/12/2002;

r. € 99,76 em 07/01/2003;

s. € 99,76 em 10/02/2003;

t. € 99,76 em 10/03/2003;

u. € 99,76 em 08/04/2003;

v. € 99,76 em 12/05/2003.

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C. – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 664 do mesmo diploma.

No caso dos autos, assentamos que está em causa apreciar:

- da legitimidade da autora para a instauração de incidente de incumprimento;

- da necessidade de realização de diligências instrutórias prévias à prolação de decisão;

- do mérito do incidente deduzido;

2. A primeira questão colocada prende-se com a averiguação de um pressuposto processual, a saber, quem tem legitimidade para reclamar judicialmente o pagamento das prestações de alimentos vencidas e devidas ao filho menor, quando este atingiu, entretanto, a maioridade: se o progenitor a quem incumbia a guarda do menor e que exercia o poder paternal, se o filho, titular do direito a alimentos.

Na decisão recorrida considerou-se que a legitimidade para deduzir o incidente, reclamando, pois, o pagamento das prestações em falta, devidas até à data em que os menores atingiram a maioridade, pertence à progenitora a quem essas prestações deviam ser entregues, entendimento que partilhamos. Saliente-se que a questão colocar-se-ia de forma idêntica se, em vez de incidente de incumprimento, estivéssemos perante acção executiva.

Vejamos.

Regulado o exercício do poder paternal e fixados os alimentos devidos aos filhos menores, a cargo dos respectivos progenitores – arts. 1905º, 1874º e 1878º do Cód. Civil, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem –, a prestação de alimentos deve ser entregue ao progenitor a quem foi o menor foi confiado.

Acrescente-se que a experiência evidencia que, na maioria dos casos em que o progenitor obrigado a prestar alimentos não cumpre essa obrigação, é o outro progenitor quem assegura, efectivamente, o sustento dos filhos menores, provendo a todos os encargos que resultam da normalidade da vida quotidiana (com alimentação, vestuário, saúde …), fazendo-o, pois, por si e pelo progenitor faltoso.

Com o advento da maioridade cessa a incapacidade de exercício de direitos – art. 130º – mantendo-se a obrigação de alimentos a favor dos filhos e a cargo dos progenitores no estrito condicionalismo a que alude o art. 1880º.

Neste contexto, verificada uma situação de incumprimento, temos de admitir que a solução mais correcta e a que melhor salvaguarda os interesses em jogo é aquela que atribui ao progenitor que teve a seu cargo a guarda do filho menor e a quem este foi confiado, a legitimidade processual para reclamar judicialmente do progenitor faltoso – seja por via do incidente de incumprimento, seja através da acção executiva – as prestações de alimentos vencidas na pendência da menoridade e que estejam em dívida.    

Como se referiu no Ac. R.L de 05/12/2002, “se em tal caso o filho maior não requer a realização coactiva da prestação alimentar contra o progenitor que a ela estava obrigado, tem de aceitar-se que o progenitor que dele cuidou e lhe prestou, exclusivamente, alimentos, provendo ao seu sustento, segurança, saúde e educação na medida das suas capacidades (citado artigo 1879º) durante a sua menoridade, possa tornar efectivas as prestações em dívida, mesmo que fixadas em sentença proferida durante a menoridade do alimentando, ao abrigo da figura da sub-rogação legal de harmonia com o disposto o artigo 592º, n.º 1, do Código Civil” [ [1] ]

Assim, e com referência às prestações vencidas até à data em que cada um dos filhos atingiu a maioridade – a A... em 27 de Dezembro de 2002 e o B...em 17 de Setembro de 2006 –, a requerente tem legitimidade para deduzir incidente de incumprimento e requerer as diligências necessárias ao cumprimento coercivo – arts. 181º, nº1 e 189º da OTM. Saliente-se que. No caso, o B... atingiu a maioridade já na pendência do incidente.

Improcedem, pois, as conclusões de recurso.

2. A Sra. Juiz indeferiu a inquirição de testemunhas, por inutilidade, insurgindo-se o recorrente contra esta decisão e invocando a violação das “regras respeitantes à instrução da causa (515 CPC), ao julgamento da matéria de facto, quanto à análise crítica das provas (653/2 CPC) e ao contraditório e à igualdade das partes”.

Com todo o respeito, o recorrente limita-se a invocar princípios sem minimamente cuidar da sua aplicação ao caso concreto.

Vejamos, antes de mais, quais os factos controvertidos que o recorrente pretendia provar. É que, previamente à prolação da decisão, o recorrente foi notificado para esclarecer essa matéria – referia-se, no despacho, que o recorrente devia esclarecer “quais os factos concretos que pretende provar com recurso à prova testemunhal” –, tendo indicado que se tratava da factualidade invocada nos artigos “7 a 18 da alegação”. Estaria em causa, pois, a averiguação da seguinte factualidade:

- A requerente ausentou-se do país, levando os filhos consigo, dela e do requerido, sem dizer para onde ia, nem indicando qualquer morada (art. 7º);

- O requerido ficou de todo (e ainda agora) privado de visitar os filhos e tê-los consigo (art.8º);

- O requerido, face à saída do país, desconhece a vida que faz o filho B...; se estuda, se trabalha, se está doente ou de saúde (art. 9º);

- A requerente, após a sua ausência para o estrangeiro, não teve qualquer contacto com o requerido (art. 10º);

- Nem os filhos tiveram qualquer contacto com o requerido, nem este sabia para onde fazê-lo, caso o desejasse (art. 11º);

- O requerido nada sabe acerca dos filhos (art. 15º;

- Não os vê (art. 16º);

-Não falam com o pai há mais de quatro anos (art. 17º).

O recorrente chega a invocar, no art. 14º das alegações, e com base na factualidade aludida, “excepção de não cumprimento”.

Só é admissível recusar o cumprimento de uma obrigação com base na invocação de que a outra parte também não cumpriu, quando estamos perante um contrato bilateral ou sinalagmático, em que as obrigações a cargo dos contraentes se encontram “unidas uma à outra por um vínculo de reciprocidade ou interdependência” – art. 428º [ [2] ].

Como se salientou na decisão recorrida, as responsabilidades parentais [ [3] ], pela sua origem (relação de filiação) e natureza jurídica (um conjunto de poderes-deveres, estruturados tendo em vista a salvaguarda do interesse do menor), dificilmente se coadunam com uma visão puramente contratualista e inexiste o sinalagma funcional que é pressuposto da invocação da excepção de não cumprimento do contrato. Não tem justificação, pois, a invocação dessa excepção por parte do progenitor que não cumpre a obrigação de alimentos.

Pela linearidade e correcção do raciocínio, permitimo-nos transcrever a fundamentação exposta pela Sra. juiz:

“A invocada ausência de contactos entre o requerido e os filhos em nada colide com a obrigação de prestar alimentos. De facto, as distintas facetas em que usualmente se desdobra a regulação das responsabilidades parentais (para usar a terminologia adoptada pelas mais recentes alterações legislativas nesta matéria) — guarda, visitas, alimentos — não se reconduzem a um qualquer vínculo contratual, não constituem prestações de um contrato sinalagmático em que se fixaram prestações interdependentes para ambas as partes. Pelo contrário, tais dimensões, constitucional e legalmente consagradas, em obediência ao superior interesse da criança, não permitem sequer a menção à excepção de não cumprimento do contrato a que aludem os artigos 428° e ss do Código Civil”.

Resta-nos acrescentar que se o recorrente pai entendia que se alteraram os pressupostos fixados para a obrigação de alimentos que impendia sobre si, mais não tinha senão, com fundamento na factualidade que tivesse por pertinente, peticionar a alteração à regulação do poder paternal, podendo até, porventura, equacionar a cumulação do incidente de incumprimento com o pedido de alteração. O que não pode é, pura e simplesmente, deixar de contribuir para o sustento dos seus filhos, na pendência da menoridade destes. Efectivamente, no âmbito da menoridade, o juízo valorativo feito pelo recorrente é juridicamente irrelevante, sendo certo que o recorrente não invocou qualquer facto do qual se possa extrair que os filhos, enquanto menores, tinham condições para prover ao seu próprio sustento, único caso em que a lei reconhece que os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos (art. 1879º) [ [4] ].

Neste contexto, sendo a factualidade invocada pelo recorrente pai juridicamente irrelevante para a apreciação do mérito da defesa, impunha-se que o tribunal indeferisse a inquirição de testemunhas, uma vez que lhe compete a direcção do processo, devendo recusar “o que for impertinente ou meramente dilatório” – art. 265º, nº1 do C.P.C.

Daí não resulta qualquer violação dos princípios aludidos, maxime o princípio do contraditório – que, no plano da prova, significa que deve ser “facultada a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes par ao apuramento da realidade dos factos (principais ou instrumentais) da causa” – e da igualdade de armas – que “impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses” [ [5]  ].               

4. Por último e decorrendo do que se expôs, conclui-se que nem dos factos alegados pelo requerido pai nem dos factos que se consideraram provados, decorre que assista ao requerido a “faculdade de não pagar os alimentos devidos” ou, dito de outra forma, não se vislumbram factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que a requerente pretende fazer valer.

Assim sendo deve manter-se a decisão recorrida, que, saliente-se, se limitou a declarar a situação de incumprimento fixando o valor em dívida.

                                             *

Conclusões:

1. Verificada uma situação de incumprimento da obrigação de prestar alimentos por parte de um progenitor relativamente ao filho menor, a solução mais correcta e a que melhor salvaguarda os interesses em jogo é aquela que atribui ao progenitor que teve a seu cargo a guarda desse filho e a quem este foi confiado, a legitimidade processual para reclamar judicialmente do progenitor faltoso – seja por via do incidente de incumprimento, seja através da acção executiva – as prestações de alimentos vencidas na pendência da menoridade e que estejam em dívida.   

2. As responsabilidades parentais, pela sua origem (relação de filiação) e natureza jurídica (um conjunto de poderes-deveres, estruturados tendo em vista a salvaguarda do interesse do menor), dificilmente se coadunam com uma visão puramente contratualista, inexistindo o sinalagma funcional que é pressuposto da invocação da excepção de não cumprimento do contrato. Não tem justificação, pois, a invocação dessa excepção por parte do progenitor que não cumpre a obrigação de alimentos.

                                             *

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Notifique.


[1] Publicado na CJ, Ano XXVII, 2002, T. V, p. 90. No mesmo sentido vide os Acs. R.P. de 23/05/2002, proferido no processo 0230576 (Relator: Alves Velho) e da R.L. de 09/12/2008, processo 7602/2008-1 (Relator: José Augusto Ramos), acessíveis in www.dgsi.pt; na doutrina, vide Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores), Coimbra Editora, 2000, p.311.
Em sentido contrário, com argumentação que não nos convence, vai o Ac. R.E. de 27/09/2007, proferido no processo 585/07-2 (Relator: Gaito das Neves).
[2] Antunes Varela, Direito das Obrigações em geral, vol. I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 1982, p.316.

[3] A Lei 61/2008, que alterou o regime jurídico do divórcio, estabelece, no seu art. 3º, o seguinte:

“Alteração de epígrafes e designação

1 - São alteradas respectivamente para «Responsabilidades parentais» e «Exercício das responsabilidades parentais» as epígrafes da secção ii e da sua subsecção iv do capítulo ii do título iii do livro iv do Código Civil.

2 - A expressão «poder paternal» deve ser substituída por «responsabilidades parentais» em todas as disposições da secção ii do capítulo ii do título iii do livro iv do Código Civil”.

[4] No requerimento de resposta ao incidente deduzido o requerido afirmou que a filha A..., ainda na pendência da regulação do poder paternal, já trabalhava, mas nada mais acrescentou, sendo esse facto, por si só, inconclusivo. Aliás, a ser assim, então impunha-se a sua valoração no âmbito do processo de regulação, o que não aconteceu.  
[5] Lebre de Freiras, Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, páginas 98 e 105.