Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
435/07.8PATNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: PROVA
APRECIAÇÃO GLOBAL
INDÍCIOS
Data do Acordão: 04/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 127º DO CPP
Sumário: 1. As provas produzidas têm de ser apreciadas não apenas por aquilo que isoladamente valem, mas também valorizadas globalmente, isto é no sentido que assumem no conjunto de todas elas.
2. O indício não tem apenas uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos, por isso que o seu valor probatório seja extremamente variável. Um indício revela o facto probando e revela-o com tanto mais segurança quanto menos consinta a ilação de factos diferentes.
3. Quando um facto não possa ser atribuído senão a uma causa, o indício diz-se necessário e o seu valor probatório aproxima-se do da prova directa. Quando o facto pode ser atribuído a várias causas, a prova de um facto que constitui uma dessas causas é também somente um indício provável ou possível. Para dar consistência à prova será então necessário afastar toda a espécie de condicionamento possível do facto probando menos um.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

Em processo comum singular do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, por acórdão de 08.11.26, foi, para além do mais, decidido:
Condenar o arguido R..., como autor de um crime previsto e punido pelo artº 25 a) do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C, na pena de 13 meses de prisão, cuja execução lhe foi suspensa pelo mesmo período.
Inconformado o arguido interpôs recurso, concluindo:
“ 1. Os elementos fornecidos pelo processo, especialmente o depoimento das testemunhas, impõem claramente decisão diversa da que foi proferida no que concerne à prática do crime de tráfico de menor gravidade, uma vez não foi para além disso sido produzida em sede de audiência de julgamento prova bastante da prática do crime daquele crime.
2. Consideram-se incorrectamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto constantes do acórdão:
- Fls. 4, parágrafo 1 (alínea B), quando refere que não se deu por provado que o produto estupefaciente encontrado se destinava a apenas ao uso pessoal do arguido (cfr. depoimento do Senhor Agente da PSP A... e depoimento de M...,
- Fls.8, parágrafo 1, onde refere que tendo em conta que o arguido estava na posse de uma quantidade tão significativa de cannabis, recorrendo aos princípios da prova indirecta e indiciária, ter-se-á que concluir que ele não destinava a totalidade da mesma ao seu consumo, sendo que uma dessas partes era necessariamente destinada à cedência a outrem que, para o efeito, o abordasse (vide depoimento do Senhor Agente da PSP A...,
- Fls. 8, parágrafo 2, quando se menciona que pretendia utilizar a balança de precisão para pesar as doses do produto estupefaciente retirado das folhas de cannabis e acondicioná-las nos sacos de plástico... tendo esse acondicionamento o objectivo a posterior cedência a terceiros (cfr. auto de busca e apreensão junto a fls. 40, depoimento do Senhor Agente da PSP A… e do depoimento de M...,
- Fls. 9, continuação do 2. ° parágrafo da folha 8, quando se refere o cultivo sistemático deste tipo de plantas de cannabis, e a criação do ambiente para que as mesmas pudessem florescer livremente, ou seja, a forma cuidada como fez, não teve certamente por base alguma curiosidade que tivesse tido ou objectivo de as utilizar apenas para o seu consumo (vide o depoimento de M...).
- Fls. 9, parágrafo 1, quando refere que o objectivo do arguido seria o de ceder parte da substância estupefaciente que tinha em seu poder a terceiros, daí a colocação da mesma em doses individuais nos sacos de plástico encontrados na sua posse (cfr. auto de busca e apreensão junto a fls. 40, o depoimento do Senhor Agente da PSP A... e do depoimento de M...,
- Fls. 10, parágrafos 2 e 3, quando refere que o douto tribunal a quo não considerou para efeitos de prova a justificação apresentada pelo arguido nem o depoimento da testemunha M.... Contudo, dá por assente e como prova indirecta e indiciária da cedência de produto de estupefaciente atendendo à quantidade significativa de cannabis, que o arguido anteriormente teria tido outras plantas de cannabis na sua marquise. Ora tais factos resultam única e exclusivamente das declarações prestadas por ambos, declarações essas não levadas em consideração, por não convincentes, pelo douto tribunal a quo! (vi de depoimento de M…).
Fls. 10, parágrafo 4, quando refere que o arguido, sendo ex-toxicodependente teria que saber necessariamente que o produto em causa era uma substância estupefaciente, designadamente cannabis., facto este confessado pelo mesmo, cfr. atesta a douta sentença a fls. 5, parágrafo 2.
3. Por um lado as provas atrás referidas e por outro a insuficiência de prova, impunham decisão diversa da recorrida.
4. Da análise de todo o processo, inclusive dos autos de busca e apreensão à residência do arguido e do depoimento das testemunhas, não se fez prova de qualquer acto de compra, cedência, oferta de qualquer produto estupefaciente.
5. Acresce que a testemunha A..., agente da PSP que procedeu à investigação e à realização da busca e apreensão, da vigilância efectuada antes e depois daquela, atesta que não se apurou ali pela prática de qualquer acto de venda, cedência ou mesmo que tenha o arguido proporcionado a terceiros qualquer produtos estupefacientes.
6. Motivo pelo qual não se pode conclui pela prova produzida em sede de audiência de julgamento, que o arguido vendia, cedia ou proporcionava folhas de cannabis a terceiros, como consta a Fls. 9, par.2 da douta sentença.
7. Até porque aquela a testemunha, que conhecia já ao arguido, afirmam que não relacionava ou o reconhecia sequer como consumidor, mas apenas que se relacionava com indivíduos consumidores.
8. Ficou provado em audiência que o arguido era toxicodependente, sendo que o arguido sabia de que plantas se tratava quando as semeou assim como era conhecedor das técnicas necessárias ao seu crescimento e consumo.
9. Por sua vez a existência devidamente justificada pelas declarações do arguido assim como das testemunhas M… e o Agente A…, de uma balança digital e os sacos de plástico, não são elementos probatórios suficientes para concluir pelo tráfico de estupefacientes.
10. Além da balança, avariada, não foram encontrados na posse do arguido qualquer outros objectos normalmente indiciadores de tráfico ou mesmo sinais exteriores de riqueza, muito pelo contrário, características do tráfico conforme demonstra o auto de busca e apreensão e o extracto de conta do arguido junto aos autos a fls.
11. No que respeita à fundamentação também é o douto acórdão bastante insuficiente nomeadamente, porque, não se encontrando provado o tráfico, este foi fundamentado mediante interpretação meramente indiciária e indirecta, que se relacionada com a concreta e actual situação do arguido, é descabida
12. Pois os factos dados provados em sede de audiência de julgamento, não são susceptíveis de integrar o tipo de ilícito considerado praticado pelo arguido pela douta sentença.
13. Em consequência é o douto acórdão nulo nos termos do artigo 374° nº 2 e 379° nº l alínea a) do C.P.P.
14. Relativamente à subsunção dos factos ao direito entendeu o Tribunal recorrido subsumir os mesmos no preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo do artigo 21. ° e 25º do DL15/93 de 22 de Janeiro.
15. Assim sem prescindir do que atrás foi dito, o D.L.15/93 de 22 de Janeiro gradua as penas de tráfico de estupefacientes conforme a sua gravidade, pressupondo uma certa tipologia de traficantes: os grandes traficantes (artigo 21º e 22°) os médios e pequenos traficantes (artigo 25°) e os traficantes consumidores (artigo 26°), contudo a douta sentença recorrida não ponderou devidamente a possibilidade de enquadrar o crime supostamente praticado pelo arguido no do tipo do artigo 26° do referido D.L.
16. Não tendo levado em linha de conta o facto de o arguido ser toxicodependente e portanto não ser indiferente às técnicas do cultivo e consumo do produto estupefaciente em causa.
17. Para além do exposto, refere a douta sentença que agrava a responsabilidade do arguido a quantidade dos estupefacientes que existia na sua residência e consequentemente prova esta que não poderia a mesma ser apenas para consumo próprio.
18. Contudo, a suposta e significativa quantidade resulta de declarações que, no entendimento do douto Tribunal a quo não foram convincentes, excepto, com o devido respeito, no que se reporta aos restantes factos.
19. Nem foram apreendidos ao arguido quaisquer objectos normalmente indiciadores do tráfico, objectos que manifestassem sinais exteriores de riqueza ou até mesmo dinheiro, que provassem os lucros do arguido ou uma organização.
20. Por outro lado embora a lei não inclua a intenção lucrativa na definição do tipo legal, o certo é que ela não pode ser indiferente, o tráfico tem implícita, como regra, a intenção, o móbil do lucro. E essa intenção lucrativa, e a sua intensidade e desenvolvimento, podem ser decisivos para auxiliar no enquadramento legal do arguido com grande, médio ou pequeno traficante, ou traficante - consumidor - STJ acórdão de 30 de Novembro de 2000 proc. nº 2849/2000.
21. Motivo pelo qual foi violado o artigo 26° do D.L.15/93 de 22 de Janeiro na medida em que o ilícito praticado pelo arguido se deveria subsumir no artigo 26° do referido D.L., dada a qualidade de toxicodependente do arguido, os seus parcos recursos económico que demonstram que o mesmo não detinham avultadas quantias em dinheiro, a inexistência de organização e outros elementos característicos de tráfico.
22. Pelo que em consequência também foi violado o artigo 71° do C.P. no que diz respeito à medida da pena aplicada ao arguido.
23. Na ponderação concreta da pena, tendo em atenção os critérios do artigo 71° do C.P., cumpre determinar a medida da sanção tendo como limite e suporte axiológico a culpa do agente e em função das exigências da prevenção de futuros crimes, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente,
24. No modelo que enforma o regime penal vigente, norteado, como decorre do artigo 40° do CP, pelo binómio prevenção-culpa, cumpre encontrar primeiro uma moldura de prevenção geral positiva, determinada em função da necessidade de tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada
25. Fixada esta, deve o julgador encontrar a medida concreta da pena em conjugação com as exigências de prevenção especial de socialização do agente, sem ultrapassar a culpa revelada na conduta antijurídica.
26. Pelo que a admitir-se a prática de qualquer crime este enquadrar-se-ia no âmbito do artigo 26 D.L. nº 15/93 de 22/01 e não no 21 ° do mesmo diploma.
27. A sentença recorrida violou claramente o princípio in dúbio pro réu, o artigo 355° do C.P.P., o artigo 71 ° do C.P. o dever de fundamentação previsto da sentença previsto no artigo 374 nº 2 do CPP, e ainda o D.L. nº15/93 de 22/01”.
Respondeu o MP, concluindo que o recurso deve ser julgado improcedente.
No mesmo sentido é o parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação.
Foi dado cumprimento ao disposto no artº 417º nº 2 CPP.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância:
“1. No dia 21 de Dezembro de 2007, pelas 7 horas e 30 minutos, o arguido tinha na marquise da sua residência, sita na Quinta Entre Águas, lote 6, r/c direito, nesta cidade e comarca de Torres Novas, duas plantas Cannabis sativa (vulgo, cânhamo), cada uma delas no seu vaso e com aproximadamente um metro de altura.
2. O arguido cultivava as referidas plantas para o seu consumo e para a cedência a terceiros.
3. Na referida marquise encontrava-se um plástico, colocado de modo a criar um efeito de estufa, necessário ao cultivo e crescimento de uma planta como a cannabis.
4. Na mesma ocasião, o arguido tinha ainda na sua residência os seguintes objectos: a) uma garrafa de plástico com líquido cor-de-rosa para regar as ditas plantas; b) uma balança de precisão com a seguinte inscrição: “X150 – Super mini – Néon Back Light”, em plástico de cor preta e metal de cor cinza; c) um saco de plástico contendo 67 pequenos sacos de plástico, com as dimensões de 8 cm x 5,5 cm, de fecho fácil, em estado novo (sem terem sido utilizados), que se encontravam acondicionados por baixo da balança.
5. A balança e os 67 sacos serviam para o arguido pesar e acondicionar, respectivamente, doses individuais, após preparar as mesmas, provenientes das folhagens e ramagens das plantas referidas supra.
6. O arguido já tinha tido na sua residência outras plantas da espécie das acima mencionadas, todas cultivadas em vasos e seguindo os trâmites descritos.
7. Após as referidas plantas apreendidas na posse do arguido terem sido submetidas a exame pericial, revelou tratar-se de folhas de cannabis, com o peso líquido de 249,79 gramas.
8. O arguido conhecia perfeitamente a natureza estupefaciente das plantas que cultivava e possuía, e que destinava ao seu próprio consumo e à cedência a terceiros, que quis efectuar.
9. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente.
10. Sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
11. O arguido é um ex-toxicodepente.
12. O arguido declarou que aufere o vencimento mensal de cerca 1.000 euros da sua actividade de técnico de telecomunicações.
13. Vive com uma companheira, que é doméstica, em casa pertencente a esta última.
14. Não tem filhos a seu cargo.
15.Tem como habilitações literárias o 6º ano.
16. Do certificado do registo criminal do arguido nada consta.”.
Factos não provados:
“Por outro lado, o tribunal considerou que não ficaram provados os seguintes factos, com relevância para o presente processo:
A) O arguido destinava as plantas referidas supra e que foram encontradas na sua posse igualmente à venda.
B) As plantas referidas supra que foram encontradas na sua posse destinavam-se apenas ao uso pessoal do arguido.
C) Fruto dos tratamentos a que se submeteu quando regressou da Alemanha, decorridos 9 anos, desde então o arguido não mais foi consumidor de estupefacientes ou quaisquer substâncias psicotrópicas.
D) O arguido semeou todas as sementes de cannabis que obteve, em simultâneo, para depois prepará-las para as fumar.
E) Verificando o número exagerado de pés de cannabis que resultaram daquele sementeira, o arguido viu-se obrigado a arrancar a deitar fora as restantes de forma a ficar apenas com as duas plantas que lhe foram apreendidas.
F) A balança referida supra, que foi apreendida, foi adquirida pelo arguido na Festa do Avante, quando regressou da Alemanha, nunca funcionou dado ter saído daquela referida festa já avariada.
G) Enquanto frequentou um curso profissional de técnico de manutenção hoteleira na Escola Profissional de Tomar, o arguido partilhou a mesma residência com alguns colegas.
H) Como foi o último a abandonar aquela residência, o arguido trouxe consigo os sacos de plástico que foram apreendidos nos autos, que haviam sido deixados por algum dos seus colegas.
I) O arguido utilizava os sacos que foram aprendidos para guardar os materiais necessários aos trabalhos em pele (malas, carteiras, bijutarias, etc.) que faz nos seus tempos livres, nomeadamente as missangas.
J) Entretanto deixou de utilizar os sacos em causa, dado que actualmente usa pequenos sacos de vidro para acondicionar os materiais referidos em I).
L) O arguido é cidadão cumpridor dos seus deveres e obrigações.”.
Motivação de facto:
“ O Tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos supra descritos como estando provados nas declarações do arguido e das testemunhas arroladas na acusação, prestadas em audiência de discussão e julgamento, nos documentos juntos aos autos e na ponderação daí advinda.
Designadamente, o arguido admitiu que os factos se terão passado na data, hora e local que constam na acusação. Confirmou ainda que tinha na marquise de sua casa duas plantas de cannabis, com cerca de 1 metro de altura, que tinha semeado e cultivado. Confirmou ainda que teria tido outras plantas de cannabis, para além daquelas que foram encontradas. Informou ainda que foi consumidor de estupefacientes, mas que fez um tratamento e libertou-se das drogas duras, embora continue a esporadicamente a consumir cannabis.
Por outro lado, levou-se igualmente em consideração o depoimento da testemunha A… que foi um dos agentes da PSP que efectuaram a busca à casa do arguido na situação em causa nos autos e que aí encontraram as duas plantas de cannabis que estão aqui em causa. Esta testemunha confirmou que a data e hora em que efectuaram a busca à casa do arguido é a que se encontra indicada no auto de busca e apreensão junto a fls. 40. Confirmou igualmente que verificou que na marquise da casa encontravam-se duas plantas de cannabis, cada uma em seu vaso, com cerca de 1 metro de altura. Referiu que a marquise estava tapada com um plástico certamente para que as plantas não fossem visíveis e para criar o ambiente adequado ao seu crescimento. Referiu ainda que encontraram uma garrafa de água com fertilizante, certamente para regar as plantas. Que na busca encontraram ainda uma balança digital, que permitia a pesagem de pequenas quantidades das plantas para posterior utilização e ainda um saco com vários pequenos sacos de plástico no seu interior. Esclareceu ainda que a balança e os sacos estavam juntos no mesmo local da casa, designadamente num móvel existente no quarto do arguido. Confrontada com as mesmas, esta testemunha confirmou que as fotos juntas a fls. 18 e 19 representam as plantas em causa. Confirmou ainda o teor do auto de busca e apreensão junto a fls. 40 e ainda os objectos nele constantes que foram apreendidos. Finalmente, confrontado com as fotos juntas a fls. 43 e 44, confirmou que as mesmas representam a casa do arguido. Designadamente, na foto nº 5 consta a balança de precisão e os sacos de plástico que foram encontrados na casa. Já a foto nº 6 representa a garrafa de água com o fertilizante. Confirmou ainda que o plástico colocado na marquise e que permitia dar ambiente para o crescimento das plantas é o que vem representado.
Com base nesses elementos de prova se fez assim a demonstração dos factos constantes nos pontos 1) a 6) e 11).
Para se concluir pela prova das características das plantas e dos objectos que foram apreendidos na posse do arguido, utilizou-se o auto de apreensão junto a fls. 40, as fotografias dos mesmos juntas a fls. 18, 19, 43 e 44, e o auto de exame e avaliação de objectos junto a fls. 118.
Para se concluir pela prova da quantidade das folhas e sumidades de cannabis em causa apreendidas ao arguido, e para realizar a prova de que tipo de substância está em causa e qual o seu peso líquido, e que constam do ponto 7) dos factos provados, utilizou-se o relatório do exame toxicológico junto aos autos a fls. 96, que foi elaborado pelo Laboratório da Polícia Científica. A partir deste relatório foi possível concluir que as plantas que foram encontradas na posse do arguido consistiam em canabis, que é um produto estupefaciente.
Para dar como demonstrado o facto de o arguido destinar as plantas de cannabis que tinha em seu poder não só ao seu consumo, mas também à cedência a terceiros, o Tribunal recorreu à denominada pela doutrina de “prova indiciária ou indirecta”.
Esta, segundo o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Volume II, Verbo, pág. 96, refere-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova. Citando. Por sua vez, o Dr. Tolda Pinto, in A tramitação do Processo penal, Coimbra Editora, pág. 644 e seguintes, nota (782): Conforme refere ANDRÉ MARIETA (La Prueba em Processo Penal, p. 59), são dois os elementos da prova indiciária: Em primeiro lugar o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele está relacionado (DELAPLANE define-o como todo o resto, vestígio, circunstância e em geral todo o facto conhecido, ou melhor devidamente comprovado, susceptível de levar, por via da inferência ao conhecimento de outro facto desconhecido). O indício constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ou a uma regra da experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar. Este elemento de prova requer em primeiro lugar que o indício esteja plenamente demonstrado, nomeadamente através de prova directa (v. g. prova testemunhal no sentido de que o arguido detinha em seu poder objecto furtado ou no sentido de que no local foi deixado um rasto de travagem de dezenas de metros). b) Em segundo lugar é necessária a existência da presunção que é a inferência que obtida do indício permite demonstrar um facto distinto. A presunção é a conclusão do silogismo construído sobre uma premissa maior: a lei baseada na experiência, na ciência ou no sentido comum que apoiada no indício – premissa menor – permite a conclusão sobre o facto a demonstrar. A inferência realizada deve apoiar-se numa lei geral e constante e permite passar do estado de ignorância sobre a existência de um facto para a certeza, ultrapassando os estados e dúvida e probabilidade. A prova indiciária realizar-se-á para tanto através de três operações. Em primeiro lugar, a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.
Esclarecem, por sua vez, os Drs. Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal anotado, I Volume, Rei dos Livros, pág. 684, que: É legítimo o recurso à prova por presunção, aquela que partindo de determinado facto, chega por mera dedução lógica à demonstração da realidade de um outro facto. A presunção consiste na dedução, na inferência, no raciocínio lógico por meio do qual se parte de um facto certo, provado ou conhecido e se chega a um facto desconhecido (Ac. do STJ de 5-7-1984, BMJ nº 339,pág. 364). Esta prova reveste-se de grande importância prática, pois muitos factos hão insusceptíveis de prova directa: “As presunções naturais, judiciais ou de facto são aquelas que se fundam nas regras da experiência, nos ensinamentos aurido através da observação empírica dos factos. É nesse saber de experiência feito que mergulham as suas raízes as presunções continuamente usadas pelo juiz na apreciação de muitas situações de facto (cfr. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, pág. 502).
Ora, os indícios que o Tribunal utilizou para concluir pela prova que o arguido destinava parte das plantas de cannabis apreendidas para a cedência a terceiros foram os seguintes: A quantidade de plantas de cannabis que foram encontradas na posse do arguido, ou seja com o peso líquido de 249,79 gramas ultrapassa significativamente o valor normal para o consumo. Se o arguido pretendia utilizar aquele produto estupefaciente para o seu consumo apenas, conforme alega, não teria em sua casa uma quantidade tão grande, nem teria o trabalho de cultivar a mesma. Além disso, ficou demonstrado que o arguido anteriormente teria tido outras plantas de cannabis na sua marquise. Deste modo, a quantidade em causa encontrada na posse do arguido corresponde a cerca de 100 doses de consumo diário de acordo com o limite estabelecido legalmente na tabela anexa à Portaria nº 94/96. Esta define como limite quantitativo máximo para cada dose média individual diária do consumo da substância estupefaciente em causa, ou seja as folhas de canabis, o de 2,50 gramas. Tendo em conta que o arguido estava na posse de uma quantidade tão significativa de cannabis, recorrendo aos princípios da prova indirecta ou indiciária, ter-se-á que concluir que ele não destinava a totalidade da mesma ao seu consumo. Uma dessas partes era necessariamente destinada à cedência a outrem que, para o efeito, o abordasse.
Por outro lado, ficou igualmente demonstrado nos autos que foram encontrados dentro da casa do arguido uma balança de precisão e pequenos sacos de plástico. Esses objectos estavam juntos uns dos outros. Certamente que o arguido pretendia utilizar a balança de precisão para pesar as doses de produto estupefaciente retirado das folhas de cannabis e acondicioná-las nos sacos de plástico. Esse acondicionamento tinha, por sua vez, como objectivo a posterior cedência a terceiros dessas doses. Na verdade, se utilizasse apenas as folhas de cannabis para o seu consumo, conforme sustentou no seu depoimento, não necessitava da balança de precisão. Na verdade, resulta do senso comum que nenhum consumidor necessita de balanças para consumir, visto que o doseamento da droga é feito a “olho”. Deste modo, se o arguido destinasse as folhas de cannabis das duas plantas para o seu consumo não necessitaria da balança digital e da grande quantidade de saquetas de plástico que foram encontradas na sua posse. Na verdade, poderia o arguido simplesmente colher as folhas das plantas e consumi-las. Certamente que o cultivo sistemático deste tipo de plantas de cannabis, e a criação do ambiente para que as mesmas pudesse florescer livremente, ou seja a forma cuidada como o fez, não teve certamente por base alguma curiosidade que tivesse tido ou objectivo de as utilizar apenas para o seu consumo.
Consequentemente, de acordo com o senso comum ter-se-á necessariamente que concluir que o objectivo do arguido seria o de ceder parte da substância estupefaciente que tinha em seu poder a terceiros. Daí a colocação da mesma em doses individuais nos sacos de plástico encontrados na sua posse.
Consequentemente, tendo em conta todos esses indícios, ou seja premissas menores, o Tribunal concluiu, sem qualquer dúvida e com plena certeza, que o arguido destinava as plantas de cannabis que cultivou e que foram encontradas na sua posse não só para o seu consumo, mas também para a cedência posterior a terceiros.
Neste tipo de situações o Tribunal não tem que concluir necessariamente pela inconcludência, pela dúvida e pela aplicação do princípio do “in dúbio pró réu”, dando assim o facto em causa como não provado. Por outro lado, não é necessário que o arguido venha confessar a actividade ilícita ou que alguém tenha visto o arguido a praticar a mesma, para o Tribunal dar como provado que foi ele a praticá-la.
O artigo 127º, do Código de Processo Penal, determina que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (ou seja do julgador). Como referem os Drs. Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal anotado, I volume, 1999, Rei dos Livros, pág. 683, citando a Drª. Teresa Beleza: o valor dos meios de prova...não está legalmente pré-estabelecido. Pelo menos tendencialmente, todas as provas valem o mesmo: o tribunal apreciá-las-á segundo a sua “livre convicção”. O mesmo é dizer: a liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência de vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação dada pelo treino profissional, o “saber de experiência feito e honesto estudo misturado”. Também no Ac. do STJ de 11-11-2004, Proc. nº 04P3182, in www.dgsi.pt, se decidiu que: O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através de uma espécie de presunções. O recurso às presunções naturais não viola o princípio do in dúbio pró réu.
Consequentemente, e atentos os meios de prova referidos supra o Tribunal deu como provado que o arguido efectivamente destinava as plantas de cannabis em causa para ceder a terceiros, para além do seu consumo, na medida em que ficou firmemente convicto da veracidade de tal facto.
Por outro lado, o Tribunal não deu qualquer credibilidade à justificação apresentada pelo arguido, sem qualquer outro meio de prova convincente para a sustentar, para o mesmo deter em seu poder as plantas de cannabis, a balança digital, e as saquetas de plástico, na medida em que nos pareceu que a mesma é totalmente destituída de lógica e bastante forçada e rebuscada.
Também não considerou para efeito de prova destes factos o depoimento da testemunha M…, na medida em que pareceu ao Tribunal que o mesmo foi tendenciosamente favorável à versão apresentada pelo arguido, ou seja o seu companheiro. Além disso, o conhecimento dos factos referentes à balança digital e aos sacos de plástico resultava apenas daquilo que ouviu dizer pelo arguido.
Tendo em conta que o arguido era consumidor teria necessariamente que saber que o produto em causa era uma substância estupefaciente, designadamente cannabis. Para além disso, é do senso comum que a venda ou a cedência a qualquer título do produto em causa era proibida. Daí a prova dos factos referidos de 8) a 10).
O conhecimento da situação económica e familiar do arguido resultou das suas declarações.
Para a prova da falta de antecedentes criminais do arguido utilizou-se o seu Certificado de Registo Criminal junto aos autos a fls. 173.
A conclusão de que os factos referidos acima não se encontram provados, resultou do facto de não ter sido realizada qualquer prova, ou prova convincente sobre os mesmos.”.
*
Da análise das conclusões resulta serem as seguintes as questões colocadas pelo recorrente:

- Impugnação da matéria de facto e da motivação de facto;

- Nulidade da sentença;

- Enquadramento jurídico;

- Medida da pena

Passemos então à sua análise.

A) Recurso versando a matéria de facto e a motivação de facto.
Alega o recorrente que os pontos da matéria de facto que impugna são os que relaciona na conclusão 2ª.
Ora analisando os “ alegados” pontos de facto constata-se que apenas indica a alínea B) da matéria de facto provada.
Todos os restantes pontos impugnados são as considerações feitas pelo Sr. Juiz no âmbito motivação de facto a propósito dos factos que considerou provados e não provados.
Ora como é sabido a impugnação da matéria de facto, faz-se com referência aos pontos de facto e não ao raciocínio exposto pelo Sr. Juiz na fundamentação da matéria de facto.
Basta tão só ler o artº 412º nº 3 e 4 CPP, que se transcreve, para chegar a essa conclusão:
“ Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”
Acresce que como é também sabido a sentença tem uma estrutura própria (Cfr. artº 374º CPP) e conforme se alcança da leitura do nº 2 do referido preceito, a fundamentação é constituída por duas partes:
- A enumeração dos factos provados e não provados
- A exposição de motivos que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Quer isto dizer que da conjugação das referidas disposições legais fácil é constatar que ao recorrente apenas é possível impugnar a matéria de facto e não a motivação de facto, da qual pode como é evidente discordar, mas terá sempre que o fazer por referência a pontos da matéria de facto que não indicou.
Daí que nessa impossibilidade nos resta apenas apreciar se a matéria de facto dada como não provada no ponto B), foi ou não correctamente julgada.
Dispõe o artº 127º CPP que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
É pois no equilíbrio entre as aludidas vertentes (experiência e livre convicção), que a prova é apreciada.
Mas, como é por demais evidente isso não equivale a prova arbitrária.
É que não é como muito bem lhe apetece, por cima das provas produzidas, que o juiz pode decidir.
Daí que a sua convicção não possa ser subjectiva e imotivável.

É o que decorre desde logo no nº 2 do artº 374º CPP, ao estabelecer que a sentença deverá conter “ uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal”.

E isto sem esquecer como refere Figueiredo Dias Direito Processual Penal, Vol. I, ed. 1974, pág. 204., que a decisão do juiz há-de ser sempre “ uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocional”.

E adianta ainda o referido autor Direito Processual Penal, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pág. 140. que, essa convicção existirá quando “ o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará pois, na “ convicção”, de uma mera opção “voluntarista” pela certeza de um facto e quanto à dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”.
Mas acresce ainda que ouvir o CD é completamente diferente de ouvir, ver, apreciar as hesitações ou o tom de voz, o que significa que a livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade.
E é de tal envergadura a importância desse princípio que o Prof. Alberto dos Reis afirmava Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 566. “ A oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio das livre convicção do juiz, em oposição ao sistema da prova legal.... Ao juiz que há-de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar”.
Isto não significa, como é evidente, que o tribunal de recurso fique impedido de controlar a convicção do juiz da 1ª instância, especialmente quando essa convicção possa assentar em raciocínios ilógicos ou ao arrepio das regras da experiência ou dos conhecimentos científicos, sendo certo que também não pode o tribunal de recurso ignorar que situações existem em que, face, às regras da experiência, mais do que uma solução é possível. E nesses casos, se a decisão proferida, estiver devidamente fundamentada, não pode a mesma ser atacada pelo tribunal de recurso sob pena de desrespeito do princípio da livre convicção, com base no qual se julgou.
É pois dentro destes parâmetros que terá de ser apreciado o recurso sobre a matéria de facto.
Vejamos então.
Foi considerado não provado na referida alínea:
“As plantas referidas supra que foram encontradas na sua posse destinavam-se apenas ao uso pessoal do arguido”.
Por outro lado pese embora o arguido não impugne o segmento da matéria de facto dada como provada no ponto 2, entende este tribunal de recurso apreciar igualmente se existe nos autos prova de que o arguido cultivava as referidas plantas também para a cedência a terceiros, já que esta matéria se encontra de alguma forma ligada àquele facto dado como não provado.
Invoca para o efeito o arguido os depoimentos prestados pelas testemunhas A… e M… .
E o que desde já se dirá é que face ao conjunto da prova produzida, discordamos frontalmente do recorrente.
Como é sabido as provas produzidas têm de ser apreciadas não apenas por aquilo que isoladamente valem, mas também valorizadas globalmente, isto é no sentido que assumem no conjunto de todas elas.
A prova, como resultado, é nas palavras do Prof. Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal II, pág. 96. “ a convicção formada pela entidade decidente de que os factos existiram ou não existiram, isto é que ocorreram ou não. “
E acrescenta o referido autor “É clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se imediatamente aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem com o auxílio de regras de experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
Assim, se o facto probatório (meio de prova) se refere imediatamente ao facto probando, fala-se de prova directa, se, porém, se refere a outro do qual se infere o facto probando, fala-se em prova indirecta ou indiciária.
A palavra indício usa-se também para designar não só o facto indiciante, mas também o facto indiciado e acontece ainda que o facto indiciante pode por sua vez ser indiciado por outro.
O indício não tem apenas uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos, por isso que o seu valor probatório seja extremamente variável. Um indício revela o facto probando e revela-o com tanto mais segurança quanto menos consinta a ilação de factos diferentes.
Quando um facto não possa ser atribuído senão a uma causa, o indício diz-se necessário e o seu valor probatório aproxima-se do da prova directa. Quando o facto pode ser atribuído a várias causas, a prova de um facto que constitui uma dessas causas é também somente um indício provável ou possível. Para dar consistência à prova será então necessário afastar toda a espécie de condicionamento possível do facto probando menos um. A prova só se obterá, assim, excluindo, por meio de provas complementares, hipóteses eventuais e divergentes conciliáveis com a existência do facto indiciante. Por meio destas investigações se poderá transformar a mera possibilidade, que o indício revela, em necessidade.
Na valoração da prova indiciária devem distinguir-se claramente a prova dos indícios, por uma parte, e a dedução lógica, o juízo de relação necessária que há-de estabelecer-se entre o indício e os factos que constituem elementos ou circunstâncias do crime e que relevam para efeitos de determinação da responsabilidade penal do arguido e responsabilidade civil dos civilmente responsáveis, por outra. “.
Por outro lado e salvo quando a lei dispuser em contrário, não estando o valor dos meios de prova pré-estabelecido, devem elas ser apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
Como diz o Prof. Figueiredo Dias Direito Processual Penal, 1988-89, pág. 139. essa “ livre” ou “íntima” convicção do juiz é uma convicção objectivável e motivável, portanto, capaz de impor-se aos outros.
“ Uma tal convicção existirá quando e só quando – parece-nos este um critério adequado, de que se tem servido com êxito a jurisprudência anglo-americana – o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará pois, na “ convicção” de uma mera opção “ voluntarista” pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”.
Incide assim a prova indirecta sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.
Simas Santos e Leal Henriques, a propósito deste tema dizem Código de Processo Penal Anotado, I Volume, pág. 684. “ É legítimo o recurso à prova por presunção, aquela que, partindo de determinado facto, chega por mera dedução lógica à demonstração da realidade de um ou outro facto. A presunção consiste na dedução, na inferência, no raciocínio lógico por meio do qual se parte de um facto certo, provado ou conhecido e se chega a um facto desconhecido (Ac. do STJ de 84-07-05, BMJ, 339-364). Esta prova reveste-se de grande importância prá­tica, pois muitos factos há insusceptíveis de prova directa. «As presunções naturais, judi­ciais ou de facto são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação empírica dos factos. É nesse saber de expe­riência feito que mergulham as suas raízes as presunções continuamente usadas pelo juiz na apreciação de muitas situações de facto» (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 502). “
É que se assim não fosse ficariam impunes muitas actividades criminais.
Chegados aqui diremos que pese embora, ninguém tenha visto o arguido a ceder a terceiros estupefaciente, é evidente que da conjugação de toda a prova documental e testemunhal produzida, outra não pode ser a conclusão que não seja a de que era também para esse fim que o arguido cultivava a cannabis sativa.
Desde logo temos que, conforme resulta da audição dos depoimentos prestados pelas testemunhas A…, agente da PSP que participou na busca à casa do arguido e M…, companheira deste, em nada relevam quanto à matéria impugnada, isto é a de saber se as plantas se destinavam igualmente à cedência a terceiros, o primeiro porque não sabe e a segunda porque prestou um depoimento claramente preocupado em não responsabilizar o seu companheiro nessa actividade, referindo que pensava que os sacos de plástico “ era para pôr missangas” e que a balança não funcionava, o que não deixa neste caso de ser curioso que alguém compre uma balança avariada.
Quanto às declarações do arguido, temos que este, que assumiu ser consumidor esporádico, não convence ninguém ao dizer que os 67 sacos de plástico que lhe foram encontrados junto da balança de precisão, eram para colocar missangas e que esta foi apenas comprada “ por curiosidade na festa do Avante”.
É que ainda que se admita que o arguido gostasse muito de missangas ou que as utilizasse para outro qualquer fim, não só não se vê à luz da experiência comum que o mesmo necessitasse para elas de uma tal quantidade de sacos de plástico e que curiosamente os arrumasse junto de uma balança de precisão, sendo certo que esta não servia seguramente para pesar missangas.
O que acontece e como é por demais sabido, as balanças de precisão são utilizadas pelos traficantes de droga, exactamente para serem utilizadas na pesagem de estupefacientes para cedência a terceiros.
Por isso face à quantidade de estupefaciente apreendido - 249,79 g reveladora de que não poderia ser apenas para seu consumo próprio, outra conclusão não é possível que não seja a de que o arguido destinava seguramente parte desse estupefaciente para ceder a terceiros e por isso, uma vez pesada com tal balança, seria embalada nos referidos sacos.
Assim, nenhuma razão existe para pôr em causa a decisão quanto à matéria de facto dada como provada e como não provada, e que foi objecto de impugnação.
Contudo o arguido invoca também como suporte da impugnação da matéria de facto a violação do princípio in dubio pro reo, por entender existirem dúvidas, manifestando assim uma total divergência sobre a forma como o tribunal apreciou a prova.
Pois bem o que sobre esta matéria se nos oferece dizer, para além daquilo que já anteriormente se referiu é que da leitura da sentença e da apreciação da matéria de facto anteriormente feita, não se vislumbra que tivesse existido qualquer dúvida no espírito do julgador e que nessa situação tivesse decidido contra o arguido.
Como é sabido tal princípio tem o seu campo de aplicação no âmbito da matéria de facto e consiste na regra segundo a qual a dúvida sobre os pressupostos da decisão a proferir deve ser valorada a favor da pessoa visada.
Por isso aquele é violado sempre que seja proferida pela entidade competente decisão “contra reum”.
Assim sendo é evidente que tal princípio apenas seria de pôr em causa se da decisão recorrida resultasse que o tribunal “a quo”, chegando a uma situação de dúvida insanável, tivesse escolhido a tese que fosse desfavorável ao arguido, condenando-o em vez de o absolver, o que não é o caso, como vimos.
Nestes termos não se vislumbrando na decisão recorrida qualquer um dos vícios a que alude o artº 410º nº 2 CPP, de que o tribunal conhece oficiosamente, considera-se fixada toda a matéria de facto provada.
Improcede por isso o recurso neste ponto
B) Da nulidade
Com a mesma fundamentação que o levou a discordar da matéria de facto e que acima já apreciámos, argumenta o recorrente que a sentença recorrida não contém suficiente fundamentação da motivação de facto nesse ponto, pois na sua perspectiva foi apenas fundamentado mediante interpretação meramente indiciária e indirecta.
Nos termos do disposto no artº 374º nº 2 CPP “ Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.
Significa isto que, para além da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tenha ainda que expressar o respectivo exame crítico das mesmas, isto é o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas.
Como escreve Marques Ferreira Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 229. “ Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência”.
Também a propósito da fundamentação das sentenças refere Eduardo Correia "só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, “convencer” as partes e a sociedade da sua justiça, função que em matéria penal a própria designação do condenado por “convencido” sugere" Parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre o artigo 653º do Projecto, em 1ª Revisão Ministerial, de alteração do Código de Processo Civil, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XXXVII (1961), pág. 184..
Impõe-se pois, a nosso ver, que esse exame crítico, indique, no mínimo, e não necessariamente por forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
Ora no caso dos autos, conforme decorre da análise da fundamentação apresentada, constata-se que o Mmº Juiz cumpriu cabalmente tal exigência, permitindo a este tribunal de recurso, acompanhar todo o processo lógico que foi seguido para tomar a decisão, bem como para demonstrar o acerto da mesma, como se viu no ponto anterior.
Não merecendo tal fundamentação qualquer censura.
Improcede assim manifestamente a invocada nulidade.
C) Do enquadramento jurídico
No entendimento do recorrente os factos integram a prática do crime revisto no artº 26º do Dec. Lei 15/93 de 22/1, pois não levou em conta ser o arguido toxicodependente.
Ora estabelece-se no referido artº 26º nº 1 do Dec. Lei 15/93 de 22/1 que:
“ Quando pela prática de algum dos factos referidos no artigo 21º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de…..”
Como não ficou provado que o arguido ao cultivar tais plantas, o fizesse apenas para obter proventos para adquirir produtos estupefacientes para seu uso pessoal, é manifesto que a sua conduta não pode integrar o tipo do traficante-consumidor, conforme o exige o invocado artigo.

Improcede por isso manifestamente o recurso neste ponto.

D) Medida concreta da pena

Discorda o recorrente da medida da pena.

Conforme resulta da matéria de facto provada, mostra-se praticado pelo arguido um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artº 25º a) do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro.

A medida concreta da pena determina-se em função da culpa da arguida e das exigências da prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (Aartº 71º nºs 1 e2 CP).

E em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (Artº 40º nº 2 CP).

A moldura penal abstracta do referido crime é a de prisão de um a cinco anos.

No caso em análise foram apreendidos ao arguido 249,79 gramas de folhas de cannabis.
Tal droga traz consigo enormes malefícios para as pessoas, para as famílias e para a própria sociedade.

Para além disso ficou provado que o arguido conhecia a natureza e características do produto que cultivava, não ignorando que a não podia cultivar, ceder ou transaccionar. Actuando livre e conscientemente e não ignorando que incorria em responsabilidade criminal, o que é muito grave.

É pois elevado o grau de ilicitude do facto, tendo o arguido agido com dolo directo.

Os tribunais não podem deixar de reagir com severidade para com tais condutas.

Assim face a todo o circunstancialismo já anteriormente referido, e considerando ainda o aumento significativo do tráfico de estupefacientes a que se vem verificando e em que são cada vez mais importantes as exigências de prevenção geral;

Considerando igualmente no sentido atenuativo as condições pessoais e a situação económica da arguido, bem como a ausência de antecedentes criminais;

Concluímos que nenhuma censura há a fazer à pena concreta de 13 meses de prisão que lhe foi aplicada.

E igualmente nenhuma censura merece a opção pela pena de substituição traduzida na suspensão da sua execução a qual constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico adequada à presente situação e, cremos também suficientemente dissuasora.

DECISÃO


Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto, confirmando-se inteiramente a douta decisão recorrida.
Fixar a taxa de justiça devida pelo recorrente em oito Ucs.
Honorários de tabela à ilustre defensora.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP)
Coimbra, 28 de Abril de 2009.