Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
550/15.4GBFND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: FURTO
CONCURSO
RESOLUÇÃO ÚNICA
MEDIDA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
REGIME DE PROVA
Data do Acordão: 12/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JL CRIMINAL DE (...) )
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 30.º 40.º 50.º, 53, 54.º, 71.º, 72.º E 77.º DO CP
Sumário: I - Os arguidos tiveram uma única resolução criminosa, pois decidiram deslocar-se ao Santuário, com o propósito delineado de se apropriarem nesse dia concreto dos valores existentes nas caixas de esmolas das quatro Capelas, todas elas existentes, no mesmo recinto de culto religioso, pertencente à Irmandade.

II - E a resolução criminosa foi só uma e depois de ser tomada por ambos os arguidos, executaram-na num único acto seguido e na sequência imediata da decisão que tomaram, sem qualquer interrupção, apropriando-se dos valores que cada uma das capelas amealhava, fruto de esmolas ali deixadas pelos crentes, conforme o seu propósito firmado.

III - Nesta conformidade, estamos perante a prática de um único crime, relativamente à apropriação dos valores existentes nas quatro capelas no santuário.

IV - A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

V - Para que possa ocorrer a aplicação da suspensão da execução da pena é necessário que possa fazer-se um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.

VI - Sempre que estejam verificados os requisitos o julgador está perante um poder-dever, isto é, terá, obrigatoriamente, de suspender a execução da pena de prisão, como medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.

VII - Tudo evidencia que a dependência alcoólica do arguido está na origem de não adquirir hábitos de trabalho e consequentemente se direccionar para a prática de furtos, para subsistir, como aconteceu com os furtos em capelas de culto religioso donde com o seu irmão se apropriaram das quantias existentes nas caixas de esmolas.

VIII - Nesta conformidade, impõe-se que a suspensão da execução da pena seja condicionada a regime de prova, durante o tempo de duração da suspensão, cujo plano a elaborar pela DGRSP, dele dando conhecimento prévio ao tribunal de condenação, com vista a abandonar os hábitos alcoólicos e consequentemente a criar hábitos de trabalho ou ocupação, competindo ainda aos serviços de apoio de reinserção a vigilância e apoio da execução, devendo enviar semestralmente informação aos autos, quanto ao cumprimento das obrigações impostas, colaboração e evolução do arguido.

Decisão Texto Integral:








Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório
No processo supra identificado o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos:
A... , solteiro, desempregado, nascido a 06/02/1986, em (...) , filho de (...) e de (...) , residente na (...);
B... , solteiro, desempregado, nascido a 13/ 01/1992, em (...) , Covilhã, filho de (...) e de (...) , residente (...) .
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São imputados aos arguidos, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real, a prática de cinco crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do CP.
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A fls. 171 a 172 veio a ofendida C... deduzir pedido de indemnização cível contra os arguidos peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de 1.279,50 euros, a título de danos patrimoniais.
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O tribunal, com relevância no âmbito deste recurso, decidiu:
a) Condenar o arguido A... pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real, de cinco crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do CP, na pena de 2 (dois) anos e oito meses de prisão, por cada um dos crimes.
b) Condenar o arguido B... pela prática, em coautoria material, na forma consumada e em concurso real, de cinco crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do CP, na pena de 3 (três) anos e cinco meses de prisão, por cada um dos crimes.
c) Condenar o arguido A... na pena única de três (3) anos de prisão efectiva.
d)  Condenar o arguido B... na pena única de quatro (4) anos de prisão efectiva.
e) Julgar procedente e provado o pedido de indemnização cível deduzido pela ofendida C... e, em consequência condenar solidariamente os arguidos a pagarem-lhe a quantia de 1.279,50 euros (mil duzentos e setenta e nove euros e cinquenta cêntimos) a titulo de danos patrimoniais.
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Da sentença interpuseram recurso os arguidos, formulando as seguintes conclusões:
A) Do arguido A... :
«1 – Do depoimento do arguido A... , que referiu terem apurado o total de 270,00 € dos furtos praticados e do depoimento das testemunhas D... e E... , que referiram que normalmente o dinheiro retirado das caixas de esmolas das 4 capelas rondava, na totalidade, entre os 120,00€ e os 180,00€, só pode resultar que, no máximo, existia, na totalidade das 4 capelas, a quantia de 270,00 €.
2 - Assim, deve ser alterada a matéria dada como provada no ponto 4, alterando-se o valor aí constante de 120,00€ em cada uma das 4 capelas, para o máximo de 270,00€ na totalidade das 4 capelas.
3 - Na primeira parte do ponto 10. Dos factos provados, deu-se como provado que os arguidos se apoderaram do dinheiro que existia no interior da caixa de esmolas, em valor superior a 120,00 €.
4 - Ora, do depoimento do arguido A... , resulta que o mesmo declarou que a caixa de esmolas nem sequer uma moeda tinha, facto que não foi contrariado pela testemunha F... , única que prestou depoimento sobre este facto, como se poderá depreender do constante na análise ao seu depoimento feita na parte da motivação da sentença, tendo esta referido que normalmente a caixa de esmolas não tinha dinheiro ou, quando tinha, era pouco.
5 - Assim, deve ser eliminada a primeira parte do ponto 10. dos factos provados, mantendo-se apenas que” se apoderaram de 25 garrafas de vinho, estas de valor superior a 125,00 €”.
6 - O arguido A... foi condenado pela prática de 5 crimes de furto qualificado, sendo 4 cometidos em cada uma das capelas do lugar de x... e um na Capela de Y....
7 - Os furtos ocorridos nas 4 capelas sitas no local de x... , foram praticados na noite de 21 para 22 de Dezembro de 2015 e no mesmo local, conforme pontos 2 e 3 dos factos provados.
8 - Da análise da matéria provada nos pontos 2 a 4, resulta claro que os arguidos se deslocaram ao local da x... com o intuito de se apoderarem dos valores que existissem nas caixas de esmolas das capelas aí localizadas.
9 - A actuação dos arguidos foi assim homogénea e no quadro da mesma situação exterior ou seja, com base numa única resolução para o cometimento dos crimes.
10 - Assim, ao apropriarem-se dos valores existentes nas caixas de esmolas das 4 capelas sitas no lugar de x... , os arguidos cometeram não 4 crimes de furto, mas um crime de furto, na forma continuada, nos termos do n.º 2 do art. 30.º do Código Penal.
11 – Tendo o arguido sido condenado na pena de única de 3 anos de prisão pela prática de 5 crimes de furto qualificado e tendo o arguido praticado apenas 2 crimes de furto qualificado, sendo um continuado, deverá a pena aplicada ser reduzida.
12 - Na sentença foi decidido que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão não bastarão para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção criminais, invocando-se
- Que os arguidos têm antecedentes criminais, designadamente por delitos de idêntica natureza;
- Denotam ambos uma personalidade com traços anti-sociais, manifestando incapacidade para manter um desempenho profissional regular; e
- Que o arguido A... , tendo cumprido uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão, não interiorizou as normas de direito e de conduta de vida, sendo exemplo disso a factualidade em apreço.
13 - Ora, devendo o juízo sobre a possibilidade de suspensão de execução da pena reportar-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime, não será o facto de ter ou não cometido o crime que pode levar à conclusão de que o arguido tenha ou não interiorizado as normas de direito e de conduta de vida.
14 - Na data da sentença, o arguido A... , que confessou os factos, manifestou arrependimento, conforme ponto 17. dos factos provados e, no esclarecimento do circunstancialismo em que decorreu a sua actuação, explicou que, na ocasião, passava por grandes dificuldades financeiras e que o produto do furto se destinava a prover ao seu sustento.
15 - No entanto, na ponderação sobre a possibilidade de suspensão da pena, não se encontra, na sentença, qualquer referência a estes factos.
16 - Tendo-se dado como provado que o arguido A... manifestou arrependimento pelos factos praticados e que os mesmos o foram numa altura em passava por grandes dificuldades financeiras, destinando-se o produto dos furtos a prover ao seu sustento e tendo mostrado vontade de ressarcir os ofendidos, parece-nos que será de fazer um juízo favorável a que o simples censura do facto e a ameaça de prisão, sejam suficientes para realizar as finalidades da punição, Suspendendo-se a execução da pena que venha a ser aplicada ao arguido A... , ao abrigo do artº 50º do CP».
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B) Do arguido B... :
«1ª-Dos factos dados como provados resulta que quatro dos crimes foram praticados na noite de 21 de Dezembro de 2015 á mesma hora e local - Santuário de x... , pertencentes todas á mesma pessoa, C... .
2ª-O arguido deslocou-se com o seu irmão ao Santuário de x... com o intuito de se apoderarem de qualquer valor em dinheiro que se encontrasse nas caixas de esmolas das várias capelas ali localizadas.
3ª-A resolução criminosa foi apenas uma, seguindo-se sempre a mesma actuação na prática dos factos.
4ª- Dito de outra forma, o bem jurídico violado nos dois processos é o mesmo, violação essa que resultou de um único dolo.
5ª- Assim, nos temos do disposto no n.º 2 do artigo 30.º do Código Penal, ao apropriar-se das quantias em dinheiro existentes nas quatro capelas, o arguido cometeu não 4 crimes de furto qualificado, mas apenas um crime na forma continuada.
6ª-Pelo que, atento o supra disposto e o valor não elevado das quantias apropriadas, a pena a aplicar ao arguido deve ser substancialmente reduzida.
7ª-Quer se mantenha, quer seja diminuída a pena de prisão, aplicada ao arguido, sempre a mesma deverá ser suspensa na sua execução.
8ª- Pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena - acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta - «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade».
9ª- Para a formulação de um tal juízo - ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.
10ª- Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto.
11ª- O regime da suspensão da execução da pena enquadra-se na filosofia consagrada no sistema punitivo do Código Penal, no sentido de que a pena de prisão constitui a ultima ratio da política criminal, devendo sempre que possível ser aplicada pena não detentiva.
12ª-Ora in casu, da análise dos factos provados poderemos concluir que todas as condenações em processo-crime de que foi alvo o aqui recorrente, se referem a factos ocorridos entre 2008 e 2010, mas depois desse ano, durante cinco anos o arguido conformou a sua vida com o direito, agindo e vivendo em conformidade com a lei,
13ª- Também do registo criminal do arguido não consta que entre a data da prática dos factos e a data do julgamento o arguido tenha praticado qualquer ilícito criminal.
14ª- Assim, não se pode, de forma alguma, concluir que o arguido tem consistentemente desrespeitado a lei e o direito, nem que muito menos não tenha valorado devidamente as condenações em processo-crime de que foi alvo e qua a simples ameaça da pena não chega para o afastar da prática de novos crimes.
15º- Entende o arguido que a pena de prisão suspensa na sua execução, serviria perfeitamente a finalidade das penas penais, cumprindo as finalidades de prevenção geral e especial.
16ª- Foram assim violadas as normas constantes dos artigos 30.º, 50.º e artigos 70.º e seguintes do Código Penal.
Nestes termos, deverá a douta sentença ora recorrida ser substituída por outra, que diminua a pena de prisão aplicada ao arguido, devendo em qualquer dos casos a mesma ser suspensa na sua execução, assim se fazendo a acostumada».
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Notificado o Ministério Público e a queixosa demandante, nos termos do art. 411.º, n.º 6, para efeitos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, respondeu o primeiro no sentido de que o tribunal a quo fez uma correcta valoração da prova e uma adequada subsunção dos factos ao direito, devendo por isso ser negado provimento ao recurso.
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Nesta instância, os autos tiveram vista da Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, seguindo de perto a resposta Ministério Público na 1.ª instância, concluindo também pela improcedência do recurso.
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Notificados o arguido e C... , nos termos art. 417.º, n.º 2, do CPP, não responderam.
Vejamos a matéria de facto provada e respectiva motivação
A) Factos provados:
«1.Os arguidos A... e B... são irmãos entre si, os quais são vistos habitualmente juntos.
2. Em data não apurada, mas ocorrida entre as 17H00 do dia 21/12/ 2015 e as 09H-10H do dia 22/12/2015, os arguidos A... e B... , em comunhão de esforços e de fins, dirigiram-se às Capelas da Sr.ª (...) , (...) , (...) e (...) , sitas no Lugar da x... , no (...) , com o propósito de se apropriarem de algo que lá encontrassem e lhes interessasse.
3. Ali chegados, com recurso a um tubo em ferro, com as características assinaladas no auto de apreensão de fls. 5, os arguidos rebentaram com as quatro portas das mencionadas Capelas, por onde acederam ao interior das mesmas.
4. Uma vez lá dentro, após terem rebentado com os cadeados das caixas das esmolas, apoderam-se do dinheiro que existia em cada um delas, sendo que em cada uma das caixas das quatro Capelas existia mais de 120,00 €.
5. Na posse de tais quantias, que os arguidos fizeram suas, abandonaram o local.
6.Enquanto procediam ao rebentamento da caixa das esmolas no interior da Capela da (...) , o arguido A... feriu-se, tendo deixado no local vestígios do seu sangue.
7. Os arguidos causaram ainda danos nas mencionadas Capelas da (...) , (...) , (...) e (...) , cuja reparação é superior a 1500,00 €.
 8. Em data não apurada, mas ocorrida entre as 00H00 do dia 02/03/2016 e as 09H00 do dia 06/02/2016, os arguidos A... e B... , em comunhão de esforços e de fins, dirigiram-se à Capela Y..., sita no (...) de Y...e, com o propósito de se apropriarem de algo que lá encontrassem e lhes interessasse.
9, Ali chegados, com recurso a um objecto não identificado, mas supostamente um pé-de-cabra ou actuando como tal, os arguidos rebentaram com a porta da mencionada Capela, por onde acederam ao seu interior.
10.Uma vez lá dentro, após terem rebentado com o cadeado da caixa das esmolas, apoderam-se do dinheiro que existia no seu interior, o qual era em valor superior 120,00 €, como se apoderaram ainda de 25 garrafas de vinho, estas de valor superior a 125,00 C.
11.Na posse de tal dinheiro e garrafas, que os arguidos fizeram suas, abandonaram o local.
12. Os arguidos causaram ainda danos na Capela de Y... cuja reparação foi orçamentada em 1350,00 €.
13.Os ofendidos continuam desapossados de tais objectos e valores de dinheiro, bem assim do valor correspondente aos prejuízos causados nas infraestruturas das Capelas.
 14. Os arguidos A... e B... agiram de forma livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços e de fins, com intenção de se apropriarem dos referidos objectos e quantias monetárias, não obstante saberem que não lhes pertenciam e que actuavam sem autorização e contra a vontade dos seus proprietários, o que lograram conseguir.
15. Sabiam, os arguidos, também, que tal comportamento lhes era proibido e punido pela lei penal como crime.
16. O arguido A... confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe vinham imputados.
17.O arguido A... manifestou arrependimento em sede de audiência final.
DAS CONDIÇÕES PESSOAIS E ECONOMICAS DO ARGUIDO A...
18.O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
Nos autos de processo n. 614/08.0GBFND, do T. J. (...) , por decisão datada de 08-06-2009, transitada em julgado no dia 29-06-2009, o arguido foi condenado pela prática de crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203 e 204 , n. 2, al. e), ambos do C. Penal, na pena de 16 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova de submissão a regras de conduta, entre as quais e obrigatoriamente, o exercício de actividade profissional, o ressarcimento do prejuízo causado ao ofendido no valor de 265,00 euros e ainda a frequência de consultas de psicologia.
Nos autos de processo n. 163/09.0GCCVL, do T. J. Covilhã, por decisão datada de 22-10-2009, transitada em julgado no dia 25-11-2009, o arguido foi condenado pela prática de crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191, do C. Penal, na pena de 30 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros.
19.O arguido residia, desde 11/11/2015 na Pensão (...) sendo apoiado economicamente pela Segurança Social através do RSI, uma vez que se encontrava em situação de desemprego sem hábitos de trabalho, o arguido parece ter-se acomodado a esta situação de dependência dos serviços de acção social locais, beneficiando para além do RSI 188€, ainda da alimentação por parte da cantina social da Misericórdia do (...) .
O arguido esteve em acompanhamento em Liberdade Condicional de 01/12/2014 a01/12/2016 pela Equipa da DGRSP, cumprindo as apresentações sempre que foi convocado.
No meio social onde se insere, o arguido é referenciado pelos seus hábitos alcoólicos e pela impulsividade que assume quando alcoolizado.
O arguido cresceu num agregado familiar marcado por carências económicas e incapacidade por parte dos progenitores para lhe imporem regras e normas de conduta. Abandonou a escola prematuramente e durante a adolescência nunca adquiriu hábitos de trabalho que lhe permitissem iniciar um percurso profissional. Adquiriu hábitos alcoólicos que foi intensificando ao longo dos anos.
Actualmente, o arguido não dispõe de suporte familiar e ao nível laboral não existem projectos concretos.
DAS CONDIÇÕES PESSOAIS E ECONOMICAS DO ARGUIDO B...
20.O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
 Nos autos de processo n. 614/08.0GBFND, do T. J. (...) , por decisão datada de 08-06-2009, transitada em julgado no dia 29-06-2009, o arguido foi condenado pela prática de crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203 e 204, n. 2, al. e), ambos do C. Penal, na pena de 16 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova de submissão a regras de conduta, entre as quais e obrigatoriamente, o exercício de actividade profissional, o ressarcimento do prejuízo causado ao ofendido no valor de 265,00 euros e ainda a frequência de consultas de psicologia.
 Nos autos de processo n. 163/09.0GCCVL, do T. J. Covilhã, por decisão datada de 22-10-2009, transitada em julgado no dia 25-11-2009, o arguido foi condenado pela prática de crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191, do C. Penal, na pena de 30 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros.
Nos autos de processo n. 62/09.5GBFND, do T. J. (...) , por decisão datada de 19-11-2009, transitada em julgado no dia 21-12-2009, o arguido foi condenado pela prática de crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203 e 204, n. 1, ali e) ambos do C. Penal, na pena de 14 meses de prisão, substituída por 420 horas de trabalho.
Nos autos de processo n. 173/08.4GCCVL, do T. J. Covilhã, por decisão datada de 27-01-2010, transitada em julgado no dia 18-02-2010 , o arguido foi condenado pela prática de crime de furto qualificado , p. e p. pelos art. 203 e 204 , n. 1 , al. e )  ambos do C. Penal , na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período , subordinada ao ressarcimento dos ofendidos no prazo de oito meses e fazer prova nos autos .
21.O arguido residia, desde 11/11/2015 na Pensão (...) sendo apoiado economicamente pela Segurança Social através do RSI, uma vez que se encontrava em situação de desemprego Sem hábitos de trabalho, o arguido parece ter-se acomodado a esta situação de dependência dos serviços de acção social locais, beneficiando para além do RSI 188€, ainda da alimentação por parte da cantina social da Misericórdia do (...) .
O arguido esteve em acompanhamento em Liberdade Condicional de 01/12/2014 a 01/12/2016 pela Equipa da DGRSP, cumprindo as apresentações sempre que foi convocado.
No meio social onde se insere o arguido é referenciado pela sua rebeldia e impulsividade.
Todo o percurso de vida do arguido foi marcado por uma educação onde esteve sempre presente a permissiva e a ausência de normas. Sem uma supervisão parental efectiva, o arguido nunca fez qualquer esforço no sentido de conseguir formação ao nível escolar ou profissional que lhe permitisse a sua autonomização.
Atualmente, o arguido não dispõe de suporte familiar e ao nível laboral não existem projectos concretos.
DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVEL DEDUZIDO PELA C... :
22. Em consequência da atuação dos arguidos, ficaram destruídas quatro portas, um vidro e cadeados das capelas em causa, cuja reparação foi feita imediatamente pela ofendida, importando um custo global de 799,50 euros.
23.Os arguidos apoderaram-se de uma quantia de cerca de 480,00 euros, existente nas caixas de esmolas, não a tendo restituído, até agora, à ofendida.
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B) Factos não provados
Inexistem factos não provados.
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C) Motivação
Fundou o Tribunal a sua convicção no conjunto das declarações do arguido A... depoimentos prestados pelas testemunhas, bem como no teor da prova documental e pericial junta aos autos, analisada de forma crítica, no cotejo das regras de experiencia comum - cfr. Arts. 127 e 163, ambos do C. P. Penal.
I
Assim:
Para fundamentar a sua convicção, o Tribunal tomou em consideração:
As declarações do ARGUIDO A...
O qual confessou, na integra e sem reservas, os factos que lhes são imputados tendo esclarecido todo o circunstancialismo fáctico atinente aos factos em apreço e referindo que, na ocasião, passava por grandes dificuldades financeiras e que o produto do furto se destinava a prover ao seu sustento. Esclareceu, ainda, que, em toda a sua atuação, foi acompanhado pelo seu irmão, o arguido B... , o qual participou em todos de arrombamento das capelas, retirada dos valores , em moedas   existentes no interior das caixas de esmolas e com quem dividiu tudo.
 Referiu encontrar-se arrependido e esclareceu que o circunstancialismo de desajuste económico - familiar em que se encontrava na altura, propiciou a factualidade ocorrida. Mais esclareceu quanto à sua inserção sócio económica.
II
Os depoimentos prestados pelas testemunhas:
G...
Cabo da GNR, membro do NIC do (...) , o qual, depondo de uma forma profícua e convincente, esclareceu quanto ao «modus operandi» das diligências encetadas para a descoberta e efectiva identificação dos autores dos furtos.
D...
Juiz da C... , o qual, depondo de uma forma profícua e convincente, esclareceu quanto aos estragos ocorridos nas portas de entrada das capelas de (...) , da Sra. (...) e da (...) , arrombamento dos cadeados das caixas de esmolas e quebra de vidros das portas de entrada do (...) , assim como esclareceu e quantificou a falta dos valores existentes nas caixas das esmolas (recolhidos, regra geral, mensalmente ).
Referiu, igualmente, que os estragos detetados foram efectivamente reparados importando a respectiva reparação o valor elencado nas faturas juntas a fls. 173 e 174.
E...
Membro da C... , o qual, depondo de uma forma profícua e convincente, esclareceu quanto aos estragos ocorridos nas portas de entrada das capelas de (...) , da Sra. (...) e da (...) , arrombamento dos cadeados das caixas de esmolas e quebra de vidros das portas de entrada do (...) , assim como esclareceu e quantificou a falta dos valores existentes nas caixas das esmolas ( recolhidos , regra geral , mensalmente ).
F...
Membro representante da comissão de festas de Y..., o qual, depondo de uma forma profícua e convincente, esclareceu quanto aos danos existentes na porta principal e na grade metálica de protecção de vão de janela da capela de Y... assim como quanto ao respectivo valor orçamentado e necessário à reparação.
 Esclareceu, ainda, que no interior da respectiva capela de Y... existiam cerca de 25 garrafas de vinho, produzido pela C... e ali arrecadado para posterior venda, com o respectivo lucro a reverter para as obras e outros gastos necessários para o edifício religioso (esclarecendo que cada uma das garrafas destinava-se a ser vendida à razão de 10,00 / 15,00 euros , conforme o respectivo ano de produção). 
III
Foi considerado a nível documental:
O teor do auto de apreensão junto a fls. 5, igualmente identificativo dos instrumentos utilizados no arrombamento das portas das capelas e cadeados existentes nos cofres das esmolas.
O teor do relatório táctico de inspecção judiciária de fls. 16, 17, 59 e 60, efectuado no Santuário de x... ( (...) ) e Capela do (...) Y..., Alcaide respectivamente, nos dias 21-12-2015 e 02-02-2016 (cujo fim teve lugar a 06-02-2016).
 O teor do relatório táctico fotográfico de fls. 18 a 23, 28 a 30 e 61 a 65, evidenciando os danos existentes nas portas das capelas ( (...) , (...) , x... e (...) Y...), caixas de esmolas e respectivo interior.
O teor do relatório técnico de inspecção judiciária de fls. 26 e 27, evidenciando a recolha de vestígios hemáticos existentes em mosaico e no azulejo do cofre de esmolas da capela de x... .
O teor do orçamento junto a fls. 69, referente ao valor estimado na reparação dos danos existentes na porta principal e na grade metálica de protecção de vão de janela da Capela de (...) Y....
O teor das faturas juntas a fls. 173 e 174, identificativas do valor despendido pela C... para a reparação das quatro portas, do vidro e dos cadeados das capelas em causa.
O teor do C. R. C. junto a fls. 200 a 204, evidenciando a existência de antecedentes criminais do arguido A... .
O teor do C. R. C. junto a fls. 205 a 216, evidenciando a existência de antecedentes criminais do arguido B... .
O teor do relatório social elaborado pela DGRSP ao abrigo do disposto no art. 370.º do C. P. Penal, constante da referência 1278959, referente à recolha e descrição de elementos atinentes à situação sócio económica e familiar do arguido A...
O teor do relatório social elaborado pela DGRSP ao abrigo do disposto no art. 370 do C. P. Penal, constante da referência 1278958, referente à recolha e descrição de elementos atinentes à situação sócio económica e familiar do arguido B... .
IV
Foi considerado a nível pericial:
O teor dos exames periciais do LPC, constantes de fls. 44, 45, 157 e 158 evidenciando o resultado da análise de DNA dos vestígios hemáticos recolhidos a fls. 26 e 27 com a conclusão da respectiva identidade de polimorfismos dos referidos vestígios com a recolha zaragatoa bucal recolhida ao arguido A... .
Perante o cotejo da prova acima elencada e analisada, não tem este Tribunal qualquer duvida de que as circunstancias conhecidas e provadas ao nível da factualidade de cariz objectivo, permitem e impõem, mediante um raciocínio logico   pelo método indutivo , concluir de forma firme, segura e solida, no que concerne à prova dos factos de índole subjectiva , que os mesmos se passaram nos termos vertidos na acusação relativamente ao arguido B...  
Com efeito, no que concerne aos factos atinentes à intenção e motivação do arguido B... , convém recordar a lição de Cavaleiro Ferreira, in Curso de Processo Penal, vol. I, 1981, pag.282, quando refere que existem elementos do crime que , no caso da falta de confissão , só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica , aos quais apenas se poderá aceder através de prova indirecta - presunções naturais e não jurídicas - , a extrair de factos materiais comuns e objectivos dados como provados , o que sucede « in casu » .
«In casu», o arguido B... não prestou declarações e manteve esse propósito até ao final da audiência final. No entanto, e apesar do silêncio não o desfavorecer, tal circunstância não solidifica, por si só, a convicção do Tribunal.
Na verdade, o depoimento prestado pelo arguido A... , claro e coeso, permite-nos concluir que o mesmo é perfeitamente coerente quanto à dinâmica de atuação de ambos na execução do plano de arrombamento das capelas com destino à apropriação dos valores existentes no interior das caixas de esmolas, para fazer face às dificuldades económicas do dia-a-dia que ambos enfrentavam e para «matar a fome» (segundo seu próprio depoimento) que, igualmente, ambos passavam. Por outro lado, resultou do depoimento prestado pelo arguido A... que habitual e diariamente, o mesmo acompanha o arguido B... , factualidade esta  igualmente , corroborada pela testemunha G..., o qual referiu ser habitual ver «os irmãos a circularem juntos pelas ruas da cidade».
Em todos estes elementos assentou a convicção do Tribunal».
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II- O Direito
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.
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NB: Os recursos interpostos são independentes.
Porém, há duas questões comuns, suscitas por ambos os arguidos:
- Enquadramento jurídico-penal dos factos relativamente à sua actuação nas quatro capelas do Lugar de x... - (...) , pugnando ambos que deve ser tida como um só crime na forma continuada.
- Suspensão da execução da pena.
São questões que merecem tratamento conjunto, ainda que reportadas à particularidade de cada um dos recorrentes, implicando a aplicação de princípios comuns, ponderação e decisão em conjunto, por forma a assegurar-se que esta para cada um dos segmentos dos recursos seja coerente e respeite os princípios da igualdade e equidade, no sentido de se assegurar também uma ajustiça relativa entre os arguidos recorrentes.
A outra questão a decidir atinente apenas ao recurso do arguido A... é a seguinte:
- Impugnação da matéria de facto relativamente aos factos 4 e 10, dados como provados.
Estas são pois as três questões a decidir no âmbito dos dois recursos.
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QUESTÕES A DECIDIR:
a) Apreciar se houve erro notório na apreciação da prova, quanto os factos 4 e 10 provados e se os mesmos devem ser alterados, quanto ao facto 4 provado que os arguidos apenas se apropriaram de 270,00€ (em vez de 480,00€, isto é, correspondente a 120,00€, subtraída de cada uma das 4 caixas de esmolas) e quanto ao facto 10 provado que os arguidos apenas se apropriaram de 25 garrafas de vinho, no valor de 125,00€.
b) Apreciar se a conduta dos arguidos relativamente às quantias de que se apropriaram em cada uma das 4 capelas no Santuário de x... , todas pertencentes à C... é subsumível a um só crime na forma continuada. 
c) Apreciar se as penas aplicadas devem ser suspensas na sua execução.
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Apreciando:
a) Do erro notório na apreciação da prova quanto aos factos 4 e 10 provados.
O arguido A... alega que o facto 4 provado deve ser alterado, dando-se apenas como provado que os arguidos não se apoderaram mais de 270,00€, em vez de 480,00€ (120,00€ por cada uma das 4 capelas).
Quanto ao facto 10 provado, alega que os arguidos apenas se apropriaram de 25 garrafas de vinho, no valor de 125,00€, devendo alterar-se em conformidade.
Nos termos do art. 412.º, n.º 1, do CPP a motivação deve especificar os fundamentos do recurso, devendo terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, devendo ainda obedecer às prescrições dos n.ºs 2 a 5.
Em bom rigor, quando se faça uso, para a modificabilidade da matéria de facto, da impugnação ampla, por erro de julgamento, o art. 412.º, n.º 3, do CPP impõe o seguinte:
«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devam ser renovadas».
Formal e substancialmente o recorrente não cumpre minimamente as exigências legais de impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento.
O recorrente limita-se a referir que os valores devem ser reduzidos, nos termos por si alegados com base no seu depoimento e no depoimento das testemunhas D... e E... , respectivamente juiz e membro da C... .
O arguido admitiu A... admitiu terem subtraído o total de 270,00€ no Santuário de x... e que que no (...) de Y... apenas se apoderaram de vinho.
Quanto ao depoimento das testemunhas D... e E... limitaram-se a referir que retiravam de cada uma das 4 capelas cerca entre 120,00€ a 180,00€.
Esta é a argumentação do recorrente.
Nos termos do art. 412.º, n.º 4, do CPP, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações da al. b), devem ser feitas por referência ao consignado em acta, nos termos do disposto no n.º 2, do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Ora, no caso dos autos, o recorrente não impugnou a matéria de facto, com base em erro de julgamento, pois não satisfaz as exigências prescritas pelo art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP.
Ora, a reapreciação da prova, por erro de julgamento, é ouvir as pessoas nas passagens concretas indicadas do seu depoimento, em que no entender do recorrente está inquinado, para saber se disseram ou não o que se mostra vertido na decisão da matéria de facto e não se destina a apurar uma interpretação diferente do tribunal a quo.
No caso dos autos, como já atrás referimos, o recorrente limita-se a dar a sua versão, não impugnando a matéria de facto nos termos acima apontados, o que nos leva a rejeitar a impugnação pretendida.
Por outro lado importa esclarecer que também não pode haver lugar ao convite do recorrente a aperfeiçoar as conclusões formuladas (art. 417.º, n.º 3), sendo certo que, não cumprindo minimamente com as exigências prescritas pelo art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP, o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (art. 417.º, n.º 4).
Sobre esta questão se pronunciou de forma bem clara o Ac. do STJ de 19/5/2010 – Proc. 696/05.7TAVCD.S1, relatado pela Conselheira Isabel Pais Martins, www.dgsi.pt/jstj, de cujo douto aresto transcrevemos parte do sumário:
«(…)
IV - Versando o recurso matéria de facto, deve ser estruturado nos termos definidos pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP: as indicações aqui exigidas são imprescindíveis para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto e não um ónus de natureza puramente secundária ou meramente formal, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto.
V - É o próprio ónus de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto.
VI - A garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto não se destina a assegurar a realização de um novo julgamento, de um melhor julgamento, mas constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1.ª instância.
VII - O uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.
VIII - O convite ao aperfeiçoamento pressupõe que não se esteja perante uma deficiência substancial da própria motivação, que necessariamente se reflectirá em deficiência substancial das conclusões.
IX - Não se estando perante deficiências relativas apenas à formulação das conclusões mas perante deficiências substanciais da própria motivação, o princípio constitucional do direito ao recurso em matéria penal não implica que ao recorrente seja facultada oportunidade para aperfeiçoar em termos substanciais a motivação do recurso quanto à matéria de facto.
X - Tal equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso, o que o legislador reconheceu ao estatuir que o aperfeiçoamento das conclusões, na sequência do convite formulado nos termos do n.º 3 do art. 417.º d CPP, não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (n.º 4 da norma)»
No mesmo sentido se vem pronunciando a jurisprudência dos Tribunais de Relação, citando a título de exemplo o Ac. do TRC de 20720/2008 – Proc. 1121/03.3TACBR.C1, relatado pelo Ex.mo Desembargador Jorge Gonçalves, disponível in www.trc.pt/index. Também assim vimos decidindo, conforme Ac. do TRC de 9/1/2017 – Proc. 182/13.1JACBR.C1, in www.trc.pt/index e www.dgsi.pt/jtrc.  
Face ao exposto rejeita-se a impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento.
Porém, questão diferente é saber se o tribunal a quo apreciou devidamente a prova, isto é, se a alteração da matéria de facto deve resultar da constatação de vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.
Por isso, cabe-nos neste segmento apreciar se os factos 4 e 10, dados como provados, estão mal julgados, por estarem inquinados de uma incorrecta apreciação da prova, mas tal deve resultar, não de elementos extrínsecos à sentença, ouvido as concretas passagens dos depoimentos, mas sim de elementos intrínsecos, isto é, do próprio texto da sentença recorrida.
Postas as coisas assim, o erro notório na apreciação da prova deve resultar da matéria de facto que foi dada como assente e da motivação que serviu de base à convicção da senhora juíza.
Não há dívidas que consta que o arguido A... confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados, como consta da acta, motivação da sentença e do próprio dispositivo, quanto à redução de custas a metade, nos termos do art. 344.º, n.º 2, al. c), do CPP.
Não obstante a senhora juíza não se ficou pelas declarações do arguido A... , como resulta da acta e da motivação da sentença.
E sobre os factos 4 e 10, dados como provados foram ouvidos, para além do arguido A... , as testemunhas D... e E... , respectivamente juiz e membro da C... (factos 4) e F..., mordomo da Comissão de Festas de Y... (facto 10).
Importa ter em conta que relativamente às capelas da Sr.ª (...) , (...) , (...) e (...) , Santuário de x... , no (...) , as testemunhas D... e E... , não foram precisas quanto aos montantes existentes em cada uma das capelas, apenas referindo que os valores eram recolhidos, regra geral mensalmente, no montante de 120,00€ a 180,00€.
 Por sua vez a testemunha F..., mordomo da Comissão de Festas, disse apenas que da Capela de Y..., no (...) de Y..., em Alcaide, os arguidos subtraíram 25 garrafas 
Porém, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos, pelo que se consideram provados os factos, conforme constam da acusação, pois, em consequência da confissão integral e sem reservas, com advertência do que dispõe o art. 344.º, n.º 1, do CPP, nenhum dos factos foi considerado como não provado.
Nesta conformidade, nenhuma reserva nos merece a factualidade dada como provada nos termos dos factos 4 e 10, dados como provados e dado que nenhuma questão suscitou o arguido quanto à sua confissão integral e sem reservas.
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b) Enquadramento jurídico-penal dos factos
Neste segmento do recurso importa apreciar se a conduta dos arguidos relativamente às quantias de que se apropriaram em cada uma das 4 capelas no lugar de x... , todas pertencentes à C... é subsumível a um só crime, na forma continuada. 
O tribunal a quo deu como provado o seguinte:
«2. Em data não apurada, mas ocorrida entre as 17H00 do dia 21/12/ 2015 e as 09H-10H do dia 22/12/2015, os arguidos A... e B... , em comunhão de esforços e de fins, dirigiram-se às Capelas da Sr.ª (...) , (...) , (...) e (...) , sitas no Lugar da x... , no (...) , com o propósito de se apropriarem de algo que lá encontrassem e lhes interessasse.
3. Ali chegados, com recurso a um tubo em ferro, com as características assinaladas no auto de apreensão de fls. 5, os arguidos rebentaram com as quatro portas das mencionadas Capelas, por onde acederam ao interior das mesmas.
4. Uma vez lá dentro, após terem rebentado com os cadeados das caixas das esmolas, apoderam-se do dinheiro que existia em cada um delas, sendo que em cada uma das caixas das quatro Capelas existia mais de 120,00 €.
5. Na posse de tais quantias, que os arguidos fizeram suas, abandonaram o local».
O sublinhado é nosso para vincar que, resulta claro da matéria de facto, que não estamos perante a prática de quatro crimes, mas apenas perante de um só crime.
E aqui a senhora juíza não andou bem.
A questão não oferece quaisquer dúvidas.
Se não vejamos o que dispõe o art. 30.º, do CP:
«1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
 2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
(…)».
Em primeiro lugar diremos que os arguidos tiveram uma única resolução criminosa, pois decidiram deslocar-se ao Santuário de x... , com o propósito delineado de se apropriarem nesse dia concreto dos valores existentes nas caixas de esmolas das quatro Capelas da Sr.ª (...) , (...) , (...) e (...) , todas elas existentes, no mesmo recinto de culto religioso, pertencente à C... .
E a resolução criminosa foi só uma e depois de ser tomada por ambos os arguidos, executaram-na num único acto seguido e na sequência imediata da decisão que tomaram, sem qualquer interrupção, o que ocorreu entre as 17:00h do dia 21/12/ 2015 e as 10:00 do dia 22/12/2015, apropriando-se dos valores que cada uma das capelas amealhava, fruto de esmolas ali deixadas pelos crentes, conforme o seu propósito firmado.
E nestas circunstâncias, para levarem a cabo a sua acção criminosa, pelo mesmo processo, fazendo uso dum tubo de ferro, rebentaram com as portas das 4 capelas por onde acederam ao interior das mesmas e depois actuando do mesmo modo, rebentaram os cadeados das caixas das esmolas, apoderam-se do dinheiro que existia em cada um delas, fazendo-o seu, ausentando-se de seguida do local.
Não é pelo facto de estarmos perante a entrada em quatro capelas que os arguidos praticaram quatro crimes de furto, pois que se encontravam dentro do mesmo santuário e pertencente á mesma entidade, a C... .
Nesta conformidade, estamos perante a prática de um único crime, relativamente à apropriação dos valores existentes nas quatro capelas no santuário.
E dizemos que está afastada a hipótese de crime continuado, previsto nos termos do art. 30.º, n.º 2, do CP, pois que este não obedece a uma só resolução dolosa, implicando que o agente se determine por uma pluralidade de acções autónomas que visam a violação do mesmo bem jurídico, executadas de forma idêntica e essencialmente homogénea, face a uma situação que estimula a sua repetição e por isso susceptível de diminuir consideravelmente a culpa do agente.
Neste sentido em anotação ao art. 30.º, do Código Penal, o Ac. do TRP 9/07/2014, Ac. do TRE de 7/04/2015, Ac. STJ de 8/01/2014, in www.pgdlisboa.pt.
Para que a actuação dos arguidos se enquadrasse na prática de um crime de furto na forma continuada, era pressuposto que estivéssemos perante a realização plúrima dos quatro furtos, não executados de uma só vez, na sequência de uma só resolução tomada de se apropriarem dos valores existentes nas quatro capelas do mesmo santuário pertencente à C... , mas que cada uma das apropriações fosse resultado de resoluções diferentes, dentro das circunstâncias definidas no art. 30.º, n.º 2, do CP.
 Em síntese, podemos dizer que a diferença entre crime único simples e crime continuado é que o primeiro exige uma só resolução e uma acção e o crime continuado pressupõe várias resoluções e várias acções, isto é, a cada uma das acções executadas, corresponde uma resolução independente tomada e não com referência a um único desígnio inicialmente formado de, através de actos sucessivos, ocorrer a violação do mesmo bem jurídico.
Face ao exposto, concluímos que a conduta dos arguidos relativamente aos valores de que se apropriaram das quatro capelas existentes no mesmo recinto de culto religioso, o Santuário de x... e pertencente à mesma entidade, a C... , constitui um único crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do CP.
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Medida da pena:
Uma vez alterado o enquadramento jurídico-penal dos factos importa determinar a pena aplicada relativamente ao crime de furto praticado nas quatro capelas do Santuário de x... .
A moldura penal abstracta para o crime de furto qualificado, é de 2 a 8 anos de prisão.
A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).
A prevenção e a culpa são pois instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.
Feito o enquadramento jurídico-penal dos factos há que determinar a medida concreta das penas, tendo em conta os limites mínimo e máximo apontados pela moldura penal abstracta, devendo o tribunal ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme os trilhos apontados pelo art. 71.º, n.º 1, do CP.
E a concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o agente do crime, conforme art. 71.º, n.º 2, do CP.
E aquele preceito prevê, “nomeadamente”, nas al. a) a f), que o julgador deve ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.
A lei ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, mais não diz que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta.
Nesta conformidade, na determinação concreta das penas há que atender às seguintes circunstâncias influenciadoras consideradas na sentença que na motivação de recurso não foram postas em causa e que por isso aqui se dão por reproduzidas, pelo que há a considerar o facto de se tratar de um único crime.
E assim sendo importa considerar o valor total das quantias de que os arguidos se apropriaram ou seja o total de 480,00€.
Face ao exposto, considerando a moldura penal abstractas acima apontada e ponderadas as circunstâncias a favor e desfavor do arguido, de acordo com os critérios enunciados pelos art. 40.º e 71.º, do CP, a pena justa e adequada, de acordo com a gravidade da conduta dos arguidos no cometimento do crime e a culpa com que actuaram e de acordo com a sua personalidade de cada um deles e a conduta posterior à prática dos factos, sendo certo que o arguido A... confessou os factos de forma integral e sem reservas e o arguido B... se remeteu ao silêncio, considerando ainda os antecedentes criminais de cada um, serão justas e adequadas as penas (crime nas capelas do Santuário de x... ) de 2 anos e 8 meses de prisão para o arguido A... e 2 anos e 10 meses de prisão para o arguido B... .
Obviamente que a conduta dos arguidos no Santuário de x... é mais grave que a conduta do furto praticado na Capela do (...) de Y....
Porém, apenas o sancionamento da conduta dos arguidos nas capelas do Santuário de x... foi posta em causa nos recursos interpostos, estando deste modo este tribunal de recurso limitado às questões suscitadas pelos recorrentes, independentemente da justiça relativa que daqui advier, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98.
Nos termos do artigo 77.º n.º 1 do Código Penal, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena” sendo que, por força do n.º 2 do artigo 77.º do mesmo Código, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretas aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Importa, na punição do concurso considerar as penas de 2 anos e 8 meses de prisão por cada um dos dois crimes de furto qualificado relativamente ao arguido A... e as penas parcelares de 3 anos e 5 meses de prisão (furto da capela de Y...) e 3 anos de prisão (furto nas quatro capelas do Santuário de x... ) relativamente ao arguido B... .
A pena única aplicável à punição do concurso será assim encontrada dentro de uma moldura abstracta entre 2 anos e 8 meses a 5 anos e 4 meses de prisão, quanto ao arguido A... .
E a moldura abstracta será entre 3 anos e 5 meses a 6 anos e 3 meses de prisão, quanto ao arguido B... .
Por força do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, na medida da pena são considerados, em conjunto os factos e a personalidade do agente.
Assim, atendendo ao conjunto dos factos praticados, as circunstâncias em que os mesmos ocorreram e a personalidade de cada um dos arguidos evidenciada pelos factos acima demonstrados, independentemente da alteração das penas parcelares têm-se por adequadas as pensa únicas de 3 anos de prisão para o arguido A... e 3 anos e 8 meses de prisão para o arguido B... .
*
c) Da suspensão da execução das penas
Nos termos do disposto no artigo 50.º, do Código Penal, “O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.
No caso dos autos, como bem decidiu o tribunal a quo, é manifesto que falece a possibilidade de efectuar um juízo de prognose favorável relativamente ao recorrente B... , desde logo, atendendo à personalidade revelada pelo arguido, à conduta de relativa censurabilidade e aos antecedentes criminais.
O arguido B... respondeu por furto qualificado em 8/6/2009, tendo sido condenado em 16 meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova de submissão a regras de conduta, entre as quais e obrigatoriamente, o exercício de actividade profissional, o ressarcimento do prejuízo causado ao ofendido no valor de 265,00€ e ainda a frequência de consultas de psicologia.
Respondeu por crime de introdução em lugar vedado ao público, tendo sido condenado em 22/10/2009, na pena de 30 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros.
Respondeu por crime de furto qualificado, tendo sido condenado em 19/11/2009, na pena de 14 meses de prisão, substituída por 420 horas de trabalho.
Respondeu por crime de furto qualificado, tendo sido condenado em 27/01/2010, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada ao ressarcimento dos ofendidos no prazo de oito meses e fazer prova nos autos.
     No caso dos autos, como bem decidiu o tribunal a quo, é manifesto que falece a possibilidade de efectuar um juízo de prognose favorável relativamente ao recorrente B... , desde logo, atendendo à personalidade revelada pelo arguido, à sua conduta merecedora de acentuada censurabilidade e conduta posterior ao crime desvalorizando os actos praticados e às circunstâncias em que ocorreram.
A finalidade que a lei visa com a suspensão da execução da pena é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, estando aqui em causa uma questão de “legalidade” e não de “moralidade” - Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – Das Consequências Jurídicas do Crime, pág.343.
Sempre que estejam verificados os requisitos o julgador está perante um poder-dever, isto é, terá, obrigatoriamente, de suspender a execução da pena de prisão, como medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.
Nesta matéria de opção por uma pena de prisão efectiva ou suspensa na sua execução são tomadas em conta apenas as exigências de prevenção geral e especial, sendo que o juízo de culpa já foi feito ao aferirmos da adequação das penas concretas aplicadas a cada um dos arguidos.
Para que possa ocorrer a aplicação da suspensão da execução da pena é necessário que possa fazer-se um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do mencionado arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
Tal juízo tem de se fundamentar em factos concretos que apontem de forma clara na forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de actos ilícitos.
No caso concreto do arguido B... , é manifesto que não pode beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, tendo em conta os seus antecedentes criminais e pela circunstância dos crimes em que foi condenado ser considerado de bastante gravidade.
Para além disso, o arguido nenhuma satisfação deu aos ofendidos, designadamente em teros de indemnização.
Não podemos assim concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, impondo-se o cumprimento de pena de prisão efectiva relativamente a este arguido, por ser a única que assegura de forma eficaz a protecção dos bens jurídico postos em causa e as finalidades da punição, designadamente de prevenção especial.
O arguido A... respondeu por crime de furto qualificado em 8/6/2009, tendo sido condenado em 16 meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova de submissão a regras de conduta, entre as quais e obrigatoriamente, o exercício de actividade profissional, o ressarcimento do prejuízo causado ao ofendido no valor de 265,00€ e ainda a frequência de consultas de psicologia.
Respondeu por crime de introdução em lugar vedado ao público, tendo sido condenado em 22/10/2009, na pena de 30 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros.
O mesmo confessou de forma integral e sem reservas os factos que lhe eram imputados e mostrou arrependimento.
Nesta conformidade, relativamente a este arguido é de crer que a simples censura da sua conduta e a meça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que se justifica a suspensão da execução da pena de prisão, pelo período de 3 anos.
Consta da sentença que no meio social onde se insere, o arguido é referenciado pelos seus hábitos alcoólicos e pela impulsividade que assume quando alcoolizado.
O mesmo abandonou a escola prematuramente e durante a adolescência nunca adquiriu hábitos de trabalho que lhe permitissem iniciar um percurso profissional.
Adquiriu hábitos alcoólicos que foi intensificando ao longo dos anos.
Actualmente, o arguido não dispõe de suporte familiar e ao nível laboral não existem projectos concretos.
Tudo evidencia que a dependência alcoólica do arguido está na origem de não adquirir hábitos de trabalho e consequentemente se direccionar para a prática de furtos, para subsistir, como aconteceu com os furtos em capelas de culto religioso donde com o seu irmão se apropriaram das quantias existentes nas caixas de esmolas.
Nesta conformidade, impõe-se que a suspensão da execução da pena seja condicionada a regime de prova, durante o tempo de duração da suspensão, cujo plano a elaborar pela DGRSP, dele dando conhecimento prévio ao tribunal de condenação, com vista a abandonar os hábitos alcoólicos e consequentemente a criar hábitos de trabalho ou ocupação, competindo ainda aos serviços de apoio de reinserção a vigilância e apoio da execução, devendo enviar semestralmente informação aos autos, quanto ao cumprimento das obrigações impostas, colaboração e evolução do arguido, nos termos dos art. 50.º, 53.º e 54.º, do CP.
Elaborado o plano de reinserção o arguido deverá ser formal e expressamente avertido para a obrigação do seu cumprimento, com a advertência do disposto no art. 55.º, do CP.
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III- Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em conceder parcial provimento aos recursos interpostos pelos arguidos A... e B... , e, em consequência decide-se:
a) Revogar a sentença recorrida, na parte em que condenou os arguidos por quatro crimes de furto qualificado, relativamente às quantias monetárias de que se apropriaram nas quatro capelas do Santuário de x... , a qual se substitui nesta parte pela condenação dos arguidos num único crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do CP, embora sancionado com a mesma pena de 2 anos e 8 meses de prisão relativamente ao arguido A... e reduzindo a pena para 2 anos e 10 meses de prisão, relativamente ao arguido B... .
b) Manter no entanto em cúmulo jurídico desta pena de 2 anos e 8 meses de prisão com a pena parcelar não impugnada de 2 anos e 8 meses de prisão quanto ao crime de furto qualificado da Capela de Y..., a mesma pena única de 3 (três) anos de prisão ao arguido A... .
Reduzir em cúmulo jurídico desta pena de 2 anos e 10 meses de prisão com a pena parcelar não impugnada de 3 anos e 5 meses de prisão, aplicada ao crime da Capela de Y..., para a pena única de 3 (três) anos e 8 meses de prisão ao arguido B... .
c) Suspender a execução da pena de prisão ao arguido A... , pelo período de 3 anos, sujeita ao regime de prova, durante o tempo de duração da suspensão, a elaborar e a executar com vigilância e apoio da DGRSP, com vista a abandonar os hábitos alcoólicos e a promover hábitos de trabalho ou actividades ocupacionais no exercício deveres cívicos.
Com vista a assegurar uma intervenção multidisciplinar, devem os serviços de reinserção social enviar semestralmente informação aos autos, quanto ao cumprimento das obrigações impostas e sobre colaboração e evolução do arguido.
Elaborado o plano de reinserção o arguido deverá ser formal e expressamente avertido para a obrigação do seu cumprimento, com a advertência do disposto no art. 55.º e 56.º, do CP.
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Sem custas, nos termos do art. 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPP.
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NB: O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 
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Coimbra, 13 de Dezembro de 2017
(Inácio Monteiro (Relator)
(Alice Santos (Adjunta)