Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
931/07.7TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: COMPLEMENTO DE REFORMA
REGRAS A ATENDER NO CÁLCULO DA PENSÃO
ORDEM DE SERVIÇO
Nº 10/81
DE 16/12/1981
DA SOCIEDADE “SANTOS BAROSA –VIDROS SA"
Data do Acordão: 10/08/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: D. L. Nº 329/93, DE 25/09
Sumário: I – Para quantificar o complemento de reforma eventualmente devido a um trabalhador pela entidade patronal, deverá atender-se a todos os elementos de facto que se verifiquem à data em que o trabalhador atinge a reforma, quer ao ponderar o valor da “reforma total”, quer ao ponderar o valor da pensão estatutária atribuída ou concedida pela Previdência, que será calculada pela Segurança Social de acordo com os critérios legais vigentes à data da reforma do trabalhador – D.L. nº 329/93, de 25/09.

II – No confronto destes dois valores, assim calculados, se concluirá pela existência e âmbito do direito do trabalhador reformado ao complemento de reforma instituído pela entidade patronal.

II – O critério/as regras da Segurança Social a utilizar para quantificar o eventual crédito relativo a um instituído complemento de reforma, são as vigentes à data da reforma do trabalhador.

III – O valor da remuneração relevante/ou de referência a considerar para efeitos do cálculo do complemento de reforma devido a um trabalhador é o correspondente ao previsto para as respectivas categorias profissionais, e não o da remuneração efectivamente recebida, quando superior.

Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:


I –

1.
A... e outros, casados, com os demais sinais dos Autos, demandaram no Tribunal do Trabalho de Leiria a R. «B...», pedindo, a final a sua condenação a ver declarado que têm direito a receber desta mensalmente, desde a data da reforma e durante toda a sua restante vida, uma quantia que, somada à pensão de reforma da Segurança Social, perfaça o valor das suas ‘reformas totais’, anualmente actualizado, calculado nos termos da Ordem de Serviço da R., n.º 10/81, de 16.12.1981, num mínimo de 10% do salário-base previsto à data da sua reforma para o grupo 8 da Tabela Salarial, pagando-lhes os montantes liquidados, com juros , conforme discriminado no petitório.

2.
A R. contestou, alegando basicamente, desde logo, que os eventuais créditos dos AA., vencidos há mais de 5 anos, estão prescritos, por se tratar de prestações periodicamente renováveis.
Depois, aduziu, em contraposição, que a pensão social relevante para o cálculo do benefício reclamado deve ser determinada de acordo com as regras legais vigentes à época em que aquele benefício foi instituído e não com base nas regras jurídicas supervenientes, nessa matéria.
Por fim, mesmo que assim se não entendesse, sempre se chegaria a idêntico resultado por via da necessária integração interpretativa motivada pela alteração substancial das circunstâncias em que o referido complemento foi criado.
Os AA. responderam, refutando a interpretação defendida pela R. e pugnando pela improcedência de todas as excepções invocadas na contestação.

3.
Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, com condenação da R. no pagamento aos AA., nos termos descritos, das quantias discriminadas no dispositivo de fls. 371-373, a que nos reportamos.

4.
Irresignada, a R. veio apelar.
Alegando, concluiu assim:
[…]

5.
Contra-alegaram os recorridos, concluindo, em síntese, que bem decidiu o Tribunal ‘a quo’ quando considerou atendível para efeitos de cálculo da ‘reforma total’ o valor auferido pelos recorridos a título de remuneração, quando superior à que tinham direito pela categoria profissional que exerciam, pelo CCT aplicável.
Não estando reunidos os requisitos exigíveis à aplicação do art. 437.º do C.C., deve manter-se a decisão recorrida.

Exposto esquematicamente o desenvolvimento da lide e colhidos os vistos legais devidos – com o M.º P.º a tomar posição, conforme fls. 480-482, Parecer a que a Recorrente ainda reagiu – cumpre agora analisar, ponderar e decidir.

II –
DOS FUNDAMENTOS.

A – DE FACTO.
Vem assente a seguinte factualidade:
[…]
59. No dia 18 de Dezembro de 1981, a Ré emitiu e divulgou junto dos seus trabalhadores a seguinte ordem de serviço (n.º 10/8 1):
ORDEM DE SERVIÇO N.° 10/81
Comunica-se a todos os trabalhadores que o regulamento para a concessão pela Empresa, de Complementos de Subsídio de Reforma, passa a regular-se pelas seguintes normas:
1- COMPLEMENTO DE REFORMA
1.1- A empresa concede um subsídio complementar de reforma aos trabalhadores reformados pela Previdência Social, que tenham, à data da reforma, uma antiguidade não inferior a 10 ou 5 anos, conforme tenham sido admitidos com idade inferior ou superior a 45 anos respectivamente.
1.2- O subsídio complementar é sempre um complemento de pensão de reforma atribuída pela Previdência Social e o seu montante mensal será aquele que, somado àquela pensão, perfizer a Reforma Total, definida a seguir.
1.3- A reforma total é determinada pelo somatório do produto de 2% pelo número de anos de antiguidade do trabalhador, na empresa, vezes a sua remuneração actual, mais 5% da remuneração base em vigor para o Grupo 1 da tabela de salários do CCTV, à data da reforma.
1.4- A antiguidade a tomar em conta para o cálculo da reforma total é reduzida a 40 anos sempre que superior.
1.5- O valor do subsídio complementar não será nunca inferior a 10% do salário base do Grupo 1 do CCTV em vigor à data da reforma.
1.6- Para o cálculo da Reforma Total, considera-se o somatório dos seguintes elementos:
1.6.1- O maior salário mensal a que, em função da categoria profissional, o trabalhador tiver direito por força do CCTV ou doutra tabela, durante o ano civil em que a reforma seja concedida pela Previdência Social. Inclui diuturnidades, quando existam.
1.6.2- O subsídio de turno auferido pelo trabalhador à data da reforma.
1.6.3- A média aritmética, mensal, dos prémios: recebidos durante os últimos doze meses em que o trabalhador prestou serviço.
1.7.- Para calcular o valor do subsídio complementar, a Pensão de Reforma da Previdência Social a considerar é aquela que for concedida pela respectiva Instituição de Previdência, descontada de quaisquer complementos familiares.
1.8- O complemento de reforma é concedido a partir da data em que a Previdência Social considera o trabalhador reformado.
(6) Factos admitidos por acordo nos articulados (cfr. art. 659° n°3 do C.P.Civil).

1.9- O valor da reforma total será actualizado, cada ano, com referência ao dia 1 de Janeiro pelo acréscimo de 750$00 ou 500$00 conforme o trabalhador reformado tenha mais ou menos de 30 anos, na empresa.
Este acréscimo poderá sempre ser revisto, em face do ritmo de inflação verificada, da evolução dos salários ou de quaisquer outros factores relevantes.
Quando a reforma ocorrer depois de 1 de Julho, não se fará actualização no dia 1 de Janeiro seguinte.
1.10- Esta Ordem de Serviço aplica-se a todos os Subsídios complementares para reformas concedidas a partir de 1 de Outubro de 1981.
60. Esta Ordem de Serviço não foi objecto de contestação por parte dos trabalhadores da Ré.
61. A remuneração base para o Grupo 1, prevista no ponto 1.3 e 1.5 da referida Ordem de Serviço, passou a corresponder, em 1984, à remuneração base em vigor para o Grupo 8 da tabela salarial do CCTV, resultante das alterações do mesmo.
62. A Ré nunca actualizou o acréscimo previsto no ponto 1.9 da Ordem de Serviço n.º 10/81.
63. As taxas de inflação verificadas em Portugal nos anos de 1981 a 2006 são as que constam no documento de fls. 305 e 306, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
64. Os AA. são os sócios n.ºs 2.824, 4.427, 3.055, 2.451, 288, 2.159, respectivamente, do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira (S.T.I.V.).
65. O S.T.I.V. está federado na Federação dos Sindicatos das Indústrias de Cerâmica, Cimento e Vidro de Portugal.
66. Entre 1940 e 1970 a taxa bruta de natalidade em Portugal manteve alguma estabilidade.
67. Porém, desde meados da década de 1970, aquela taxa tem vindo a decrescer.
68. A taxa de fecundidade em Portugal teve a seguinte evolução:
a) Em 1960, 3,1;
b) Em 1970, 3;
c) Em 1980, 2,2;
d) Em 1990, 1,5;
e) Em 1995, 1,4.
69. A esperança média de vida em Portugal, no final da década de 1970, situava-se acima dos 70 anos.
70. No final da década de 1995 a 2005 essa esperança média de vida subiu para cerca de 77 anos.
___________

B – CONHECENDO.
A R./recorrente, estabelecendo preambularmente o âmbito da sua reacção, circunscreve-o a dois concretos pontos, a saber: (1) Na determinação do montante do complemento de reforma releva a remuneração efectiva do trabalhador ou, antes, a correspondente à respectiva categoria profissional?; (2) As regras da Segurança Social atendíveis são as que estiverem em vigor no momento da atribuição do complemento ou, antes, as que vigoravam aquando da implementação do benefício?

São estas, pois, basicamente, as questões que integram o ‘thema decidendum’.

Tal como também reconhecemos, são manifestas as declaradas dificuldades da solução.
(A sentença revidenda, não obstante, adianta mesmo compreender a luta da R., na actual conjuntura, reconhecendo ter já subscrito conclusão diversa da ora preconizada, com respaldo na Jurisprudência então dominante, nomeadamente desta Relação – vide fls. 358/9).

Na verdade, também já sustentámos conclusão diferente da ora adoptada, cedendo aqui, pelo menos em parte, à bondade dos argumentos que suportam a actual Jurisprudência do S.T.J. sobre a matéria.
É nesse convencimento que revemos parcialmente a nossa posição relativamente a alguns pontos adiante identificados.

O melindre da solução, como bem se equacionou, consiste em eleger o correcto sentido e alcance da declaração negocial escrita em que se analisa a famigerada Ordem de Serviço n.º 10/81.
Que regras devem presidir ao cálculo da pensão estatutária a cujo diferencial os AA. se reclamam com direito?
A decisão sob protesto, enfrentando o problema, seguiu no essencial a seguinte fieira argumentativa, que reproduzimos em síntese.
…’Tratando-se de uma declaração negocial escrita, o primeiro elemento interpretativo a atender é o próprio texto’…
E a este propósito dispõe o ponto 1.2 da citada Ordem de Serviço:
“O subsídio complementar é sempre um complemento de pensão de reforma atribuída pela Previdência Social e o seu montante mensal será aquele que, somado àquela pensão, perfizer a Reforma Total, definida a seguir”.
Por sua vez, o ponto 1.7 estabelece que “Para calcular o valor do subsídio complementar, a Pensão de Reforma da Previdência Social a considerar é aquele que for concedida pela respectiva Instituição de Previdência, descontada de quaisquer complementos familiares”.
Em qualquer uma das regras, há um elemento comum, que, de resto, tivemos o cuidado de sublinhar: a pensão de reforma da Segurança Social (anteriormente designada de Previdência) é aquela que for ‘atribuída’ ou ‘concedida’.
… …
Logo, por este elemento literal, somos levados a concluir, tal como um declaratário normal colocado na posição dos AA. (art.236.º/1 do C.C.), que a única pensão que releva para os citados efeitos é aquela que é efectivamente atribuída pela Segurança Social no momento em que esta concede o direito de passagem à situação de reforma do trabalhador.
E mais adiante:
Com efeito, como foi acentuado pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão proferido no citado P.º n.º 3/2002, além da inexplicável diferenciação temporal de critérios que a tese da R. comporta (…), a verdade é que “não é crível que à data em que foi emitida a O.S., 16.12.81, qualquer declaratário normal não pudesse prever que o regime jurídico resultante do DL. n.º 486/73 não viesse a sofrer alterações”.
E não era crível porque se há áreas em que, por natureza, são alteráveis, uma delas é justamente o ordenamento jurídico. Seja pela necessidade de aperfeiçoamento das regras instituídas, seja mesmo pela necessidade de adaptação aos novos contextos que as mesmas visam regular.
Portanto, o teor literal das citadas regras emitidas pela R., nestas circunstâncias, só pode ser interpretado no sentido de que a pensão social relevante para o cálculo do complemento de reforma em causa é aquela que é atribuída ao trabalhador no momento em que o mesmo passa à situação de reforma’.

Tudo ponderado, cremos ser este o entendimento certo quanto a este ponto.
A Jurisprudência do S.T.J. – maxime a plasmada no Acórdão de 18.10.2006, in www.dgsi.pt, Proc. 06S4140, N.º do documento SJ2006101800441404, Relator Conselheiro Mário Pereira, onde se identificam outros Arestos que foram objecto de pronúncia consonante sobre idênticos pedidos – é aliás clara nesse sentido, quando, tratando expressamente o tema, sob a epígrafe “Do valor de reforma da Previdência Social a atender para os cálculos enunciados na OS n.º 10/81”, expressamente considera que …’a referência da Ordem de Serviço à pensão que for concedida ou atribuída pela Previdência (pontos 1.7 e 1.2. da OS) inculca claramente a um declaratário normal a ideia de que o que releva é a pensão que for concedida pela Segurança Social ao trabalhador reformado, tendo em conta o regime legal vigente à data em que este se reforma.
Na verdade, se através da Ordem de Serviço a R. estava a definir um quadro factual e jurídico que se prolongaria no tempo, não é crível que não tivesse ponderado factores tão aleatórios como a antiguidade do trabalhador na empresa, a retribuição do mesmo e eventuais alterações do regime jurídico da Segurança Social, com reflexos na pensão de reforma e subsequentes custos a suportar pela empresa com os complementos de reforma.
Assim, é de considerar - como o faria um declaratário normal colocado na situação do trabalhador que se reforma e pretende verificar se tem ou não direito ao complemento instituído na Ordem de Serviço – que ao mandar atender à pensão que for concedida ou atribuída pela Previdência, o Regulamento Interno se reporta à pensão estatutária a que o trabalhador em causa tem direito segundo a legislação em vigor à data em que se reforma e que a Segurança Social efectivamente lhe atribui, e não à pensão que resultaria da aplicação das regras legais que vigoravam na altura em que o Regulamento foi emitido.
Deste modo – e em conclusão – para quantificar o complemento de reforma eventualmente devido pela R. …deverá atender-se a todos os elementos de facto que se verifiquem à data em que o trabalhador atinge a reforma, quer ao ponderar o valor da ‘reforma total’…quer ao ponderar o valor da pensão estatutária atribuída ou concedida pela Previdência, que será calculada pela Segurança Social de acordo com os critérios legais vigentes à data da reforma do trabalhador (in casu, o DL. n.º 329/93, de 25.9).
No confronto destes dois valores, assim calculados, se concluirá pela existência e âmbito do direito do trabalhador reformado da R. ao complemento de reforma instituído pela Ordem de Serviço n.º 10/81’.

Acertando a nossa posição, relativamente a este ponto, pelo entendimento das coisas superiormente estabelecido, conforme sobredito, fica solucionada que segunda questão proposta pela Apelante.
Assim – sem necessidade de outras delongas, que visariam refutar as razões aduzidas pela Apelante, postergadas pela adesão ao juízo prevalecente – diremos, em remate, que o critério/as regras da Segurança Social a utilizar para quantificar o eventual crédito relativo ao instituído complemento de reforma são as vigentes à data da reforma do trabalhador.
Implicitamente respondida fica também, por isso, a questão na perspectivada alteração das circunstâncias, pretextada no âmbito da previsão constante do art. 437.º do C.C., sem prejuízo do que adiante se acrescenta, complementarmente.


Sensíveis embora às (boas) razões invocadas no sentido de que o ‘histórico legislativo’ demonstra, senão uma inversão, ao menos um claro recuo relativamente ao crescendo de garantias pensionísticas assumidas nas idas décadas de 60 a 80 – e não desvalorizando que a generosidade da R., ao tempo, implicava um esforço económico bem menor do que actualmente, pelos consabidos motivos… – não vemos que se mostrem factualizadas circunstâncias relevantes que a desonerem do seu objectivo de então, de grande alcance social aliás, o de assegurar aos seus trabalhadores mais dedicados um estatuto de desafogo sustentado, para além da data (…e dos valores) da reforma dita estatutária, conferidos pela Segurança Social.
Se outrora tal complemento se impunha, aos olhos da R., hoje mais se justificará, por óbvias circunstâncias, à luz do mesmo tipo de preocupação social…
…Compreendendo-se perfeitamente, não obstante, que a R. pondere o limite da sua suportabilidade…
…Sem com isso significar, (não o subscrevemos, note-se, com o devido respeito), que a Recorrente possa ser apodada de negligente, por não ter previsto, nos idos de 1981, a possibilidade de uma redução tendencial dos valores da pensão estatutária, quando até assume que …foi assimilando, na implementação da OS, as alterações ao modo de cálculo das pensões que conduzissem a pensões mais elevadas, como foi o caso do Decreto Regulamentar n.º 9/83, de 7 de Fevereiro – fls. 391.


Mantendo-nos no âmbito da interpretação/alcance que vimos fazendo da O.S. – e entramos já no tratamento da outra questão proposta – não subscrevemos o entendimento preconizado, com o devido respeito, em cujos termos se optou pela consideração, no cálculo da ‘reforma total’, da remuneração efectivamente recebida, (‘o maior salário mensal a que o trabalhador tiver direito’), em detrimento da remuneração de referência para a respectiva categoria profissional.

Poderemos adiantar que a formulação constante da Ordem de Serviço é, senão contraditória, pelo menos infelizmente equívoca.
Nela se consignou nomeadamente – depois de ter definido que o subsídio complementar é sempre um complemento de pensão de reforma atribuído pela Previdência Social e que o seu montante será aquele que, somado àquela pensão, perfizer a Reforma Total, definida a seguir – que (vide pontos 1.2, 1.3 1.5, 1.6 e 1.6.1, no rol dos factos, a fls. 353):
“A reforma total é determinada pelo somatório do produto de 2% pelo número de anos de antiguidade do trabalhador, na empresa, vezes a sua remuneração actual, mais 5% da remuneração base em vigor para o Grupo I da tabela de salários do CCTV, à data da reforma”.
“Para o cálculo da Reforma Total considera-se o somatório dos seguintes elementos:
- O maior salário mensal a que, em função da categoria profissional, o trabalhador tiver direito por força do CCTV ou doutra tabela, durante o ano civil em que a reforma seja concedida pela Previdência Social”; (bold nosso).
- …
- …

Aceitando que a lógica/ratio subjacente à implementação do complemento em causa visou, como se alega, valores/limiares mínimos, (formatando horizontalmente a atribuição do benefício, com favorecimento dos trabalhadores com categorias salariais inferiores e não dos trabalhadores com remunerações superiores, na proporção dos respectivos salários), o certo é que o texto da previsão correspondente da O.S., vindo de transcrever, não aponta inequivocamente nesse sentido.
E, diremos, lamentavelmente, se na verdade era isso, como cremos, que se pretendia…
Acreditamos que o acto gracioso e unilateral da R., com o alcance social que a sua generosidade implicita, não seria de todo justo se visasse assegurar a consagração de benefícios assentes em diferenciais salariais subjectivos e contingentes.
A justeza da medida não se compatibiliza razoavelmente, enquanto dirigida a um universo indiscriminado/não personalizado de trabalhadores, com a garantia de regalias estribadas em ganhos retributivos diferenciados/acima da tabela negociada para a categoria.

Ora, perante isto – vistas as palavras do texto em que a declaração se analisa e ponderado o respectivo contexto sistemático à luz das regras básicas da interpretação da vontade negocial, constantes do art. 236.º e ss. do C.C., aqui aplicáveis no pressuposto de que a referida O.S. assume a nítida feição de um Regulamento Interno, conforme arts. 7.º e 39.º da LCT – afigura-se-nos que é francamente duvidoso o sentido da declaração.
(O valor efectivamente pago, concretamente ao A. Norberto Santos, sendo superior ao da tabela para a correspondente categoria profissional, não pode dizer-se sequer que resulte do previsto noutra tabela …interna, que se desconhece. Sabe-se apenas que era diferentemente remunerado, mas não a que título…
…Sendo perfeitamente admissível que estivessem previstos diferentes salários mensais no CCTV …ou noutra tabela…para diversos graus da mesma categoria profissional).
Não vemos, por isso, que se imponha a leitura eleita.
Persistindo dúvidas sérias sobre o sentido da declaração negocial interpretanda – e tratando-se seguramente de um negócio gratuito, como tal considerado aquele em que, segundo a comum intenção dos contraentes, um deles proporciona ao outro uma vantagem patrimonial, sem qualquer correspectivo ou contraprestação – impõe-se convocar o disposto no art. 237.ºdo C.C., fazendo prevalecer o sentido da declaração menos gravoso para o disponente.

Assim, em conclusão, o valor da remuneração relevante/ou de referência, a considerar para efeitos do cálculo do complemento eventualmente devido aos AA., é o correspondente ao previsto para as respectivas categorias profissionais, e não, contrariamente ao ajuizado, o da remuneração efectivamente recebida, quando superior.

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Uma nota final, como anunciado, para reforçar o juízo adiantado que não acolheu a tese da pretendida alteração das circunstâncias, nos termos constantes da previsão do art. 437.º do C.C.
Na verdade, só uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, e cuja exigência da obrigação assumida afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato, é que é susceptível de conduzir à resolução deste ou à sua modificação segundo juízos de equidade.
Como se sabe, este instituto funciona como uma ‘válvula de segurança’ do sistema, uma via final de integração de lacunas quando se esgotaram as soluções típicas.
Não basta para o efeito alegar a excessiva onerosidade superveniente.
É necessário comprovar a erosão da base factual desse negócio, com tal intensidade ao nível substancial que se deva concluir que as consequências danosas sobrevindas não estavam/não poderiam estar incluídas na aleatoriedade daquele – Apud Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pg. 462, e Acórdão do S.T.J. de 2.10.2001, in www.dgsi.pt, Rec. 2A254, referidos a propósito na decisão ‘sub judicio’).
Não se nos afigura ser o caso, a avaliar tão-só pelos elementos de facto disponíveis, cujos efeitos e repercussão na estrutura económico-financeira da R. objectivamente se desconhecem.

É pelo exposto – de forma não tão desenvolvida e eloquente quanto desejaríamos – que se conclui pelo acolhimento parcial das razões que enformam a reacção da Apelante.
Os valores dos (eventuais) créditos correspondentes aos reclamados complementos hão-de por isso ser recalculados em conformidade, o que, à míngua dos elementos bastantes para o efeito, se remete para liquidação em execução de sentença, de acordo com o previsto no art. 661.º/2 do C.P.C.
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III –
Assim, delibera-se julgar parcialmente procedente a Apelação, e, revogando a sentença, como sobredito, na parte em que considerou como relevante para o cálculo do complemento de reforma a remuneração realmente auferida, em detrimento da correspondente à respectiva categoria, condena-se a R. a pagar aos identificados AA. os valores eventualmente devidos a esse título, com juros, a recalcular em conformidade, em execução de sentença.
No mais, vai a decisão confirmada.
Custas em função do decaimento.
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Coimbra,