Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1289/06.7YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
PROCESSO PENAL
Data do Acordão: 10/18/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: ARGUIÇÃO DE NULIDADE
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 359º, N.º 1 , 374º, N.º 3, AL. B) E 376º, DO C. P. PENAL
Sumário: Em processo penal a figura de absolvição da instância tem cabimento, doutrinalmente, e revela-se como forma ajustada a evitar absolvições injustas e decorrentes tão só de falhas processuais que verificadas impedem a realização da justiça material, não sendo excluída pelos artigos 374º, n.º 3, al. b) e 376º, do C. P. Penal.
Decisão Texto Integral: Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Relatório.

Desavindo com a decisão que, na procedência da acusação pública, o condenou, como autor material de um crie de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, nº1, al.a) do Cód. Penal, conjugado com o art. 152º, nº3 do Cód. da Estrada, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), no montante global de € 425,00 (quatrocentos e vinte e cinco euros) e ainda, nos termos do disposto no artº 69º nº 1, al. e) do C. Penal, na sanção acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 5 (meses) meses, recorre o arguido A..., com os sinais identificativos constantes de fls. 24, concluindo a parcimoniosa motivação pela forma sequente:

- O tribunal deu como provado que no dia 25 de Novembro de 2005, pelas 4 h. e 22 minutos, no eixo TCT – junto á Cooperativa da Covilhã – o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matricula 86-44-FD, e ao se submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, pelo aparelho Seres, o arguido recusou;

- Aquele concreto facto, “o arguido conduzia o veículo de matrícula 86-44-FD”, não consta do auto de noticia (acusação) de fls.;

- O tribunal a quo estava impedido de dar tal facto como provado;

- A sentença recorrida violou, designadamente, o art. 32º, nº5 da Constituição da República Portuguesa e o art. 359º,nº1, com referência ao art. 1º, nº1, al. f), ambos do CPP, sendo por via disso nula – cfr. art. 379º,1, al.b) e nº2 do CPP.

Na comarca, o Ilustre Magistrado do Ministério Público, respondeu, tendo concluído pela forma sequente:

- Deverá ser declarada improcedente a invocada questão de o facto de que: “o arguido conduzia o veículo de matrícula 86-44-FD”, não constar do auto de notícia;

- Ser igualmente julgada improcedente a invocada questão de o tribunal ter dado como provado um facto que não constava do auto de notícia, este vale como acusação, estando assim, impedido de dar tal facto como provado;

- Ser igualmente julgada improcedente a invocada questão de a sentença recorrida ser nula, nos termos do art. 379º,nº1, al.b) do CPP, por violação do art. 32º,nº5 da CRP e do art. 359º,nº1, com referência ao art. 1ºnº1, al. f) do CPP.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto acompanha a posição defendida pelo Ministério Público na primeira instância.

À luz das conclusões supra extractadas, perfila-se como única questão a dirimir, a de saber se ocorreu uma alteração substancial dos factos constantes da acusação. Conexa com esta, e a ela, inextrincavelmente, conecta, a de apurar se, em caso afirmativo, ocorreu a anunciada nulidade da sentença.

II. Fundamentação.

II. A. – De facto.

Considerou o tribunal adquirido para a decisão que proferiu, a sequente facticidade:

No dia 25 de Novembro de 2005 pelas 04:22 horas, no Eixo TCT – Junto à Cooperativa da Covilhã, o arguido, conduzia um veículo de matrícula 86-44-FD, ligeiro de passageiros e ao ser submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado pelo aparelho SERES, o arguido recusou.

- Foi o arguido informado que incorria num crime de desobediência, caso se recusasse a efectuá-lo.

O arguido agiu deliberadamente, livre e conscientemente, bem sabendo que não podia recusar-se a ser submetido ao exame de alcoolemia.

O arguido sabia ser a sua conduta contrária à Lei Penal.

- O arguido é casado, encontrando-se neste momento separado, e tem duas filhas menores a cargo.

- O arguido é conselheiro técnico da Peugeot e aufere € 1.150,00 líquidos, mensalmente.

- O arguido paga renda de casa, no montante de € 275,00.

- Tem como habilitações literárias o 9º ano.

- O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados.

– O arguido tem antecedentes criminais.

A convicção do Tribunal quanto aos factos apurados resultou da confissão integral e sem reservas do arguido e quanto à sua situação económica, familiar e cultural e do depoimento da testemunha, a qual depôs com isenção e dos documentos juntos aos autos.

II.B. – De Direito.

II.B.1. – Alteração substancial dos factos. Nulidade da sentença.

Para o recorrente o facto de no auto noticia, que o Ministério público – cfr. fls. 10 –transmigrou para a acusação, não se referir, expressamente, à actividade de condução do arguido e de na sentença se ter dado como adquirido que “o arguido conduzia o veículo com a matricula 86-44—FD”, constitui uma alteração substancial dos factos, a justificar a nulidade da sentença. – cfr. artigos 1º,nº1,al.f); 359º,nº1 e 379º,nº1,al.b) e nº2, todos do CPP.

Ocorre uma alteração substancial dos factos quando, ao arguido, for imputado um crime diverso ou for operada uma agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis –al.f) do nº1 do art. 1º do CPP. Se uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia ocorrer, “não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso” – nº1 do art.359º do CPP.

O arguido, no dia 25 de Novembro de 2005, pelas 4 h e 22 minutos, na comarca da Covilhã, recusou-se a ser submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo com este comportamento preenchido os pressupostos de punibilidade contidos na previsão legal do art. 348º do Cód. penal, por referência ao art. 152º, nº3 do Cód. da Estrada. Já depois de ter recusado submeter-se a exame, o arguido “ao volante da viatura, 86-44-FD, identificada no auto de noticia de fls. 3, ter-se-á dirigido ao posto da força policial “tendo efectuado manobras perigosas”- cfr. apartado das “observações”, do auto de noticia.

São elementos constitutivos do tipo de ilícito imputado ao arguido: a) – a representação subjectivo-intelectual da existência de um dever ou obrigação legal, plasmado e decorrente de ordem ou mandado; b) – legitimidade, formal e substancial, do mandado ou ordem; c) - comunicação regular dessa ordem ou mandado; d) – proveniência estatutária legítima e competente dessa ordem ou mandado, atenta a qualidade da entidade ou pessoa que a dimana; e) – que o adstrito ao cumprimento da ordem, por dever e imposição legalmente adquirida, tenha formado a vontade de rechaçar e abjurar no dever que a ordem jurídica lhe injunge.

Não constitui, como deflui da enunciação dos pressupostos de punição elencados supra o facto (necessário e legalmente constitutivo da previsão jurídico-penal) de o sujeito passivo, ou seja o obrigado ou adstrito ao cumprimento da ordem, estar ou não no exercício da condução. Representação axial e cardeal é que tendo sido intimado por autoridade com competência para transmitir a ordem, consubstanciada na adopção de uma determinada atitude, no caso expirar ar para ser avaliada a taxa de álcool no sangue, o arguido, animado de vontade de incumprimento dessa ordem, se haja recusado a cumpri-la. Não era necessário que o arguido estivesse no exercício da condução, tanto mais que o artigo 152º do Código da Estrada não restringe a fiscalização do exame do álcool ou substâncias psicotrópicas às pessoas que estejam no exercício da condução. Já, no entanto, será mister que o arguido, para ser fiscalizado revista uma das qualidades indicadas no nº 1 do citado preceito, isto é, que se encontre na qualidade de condutor; seja um peão que haja intervindo num acidente de trânsito; ou seja uma pessoa que se proponha a iniciar a condução.

O auto de notícia, tal como se encontra redigido (de forma estandardizada) não é feliz na redacção do apartado referente ao item em que fixa os termos de adesão de preenchimento respeitantes ao casos em que o agente tenha de aderir à situação prefigurada no item delimitador de “recusa do exame de pesquisa do álcool”. Seria mais explícito e ficaria mais arrimado com a realidade se, no apartado respectivo, se tivesse plasmado que “ao ser fiscalizado na qualidade de: …, o sujeito supra identificado, enquanto condutor do veículo supra identificado, peão ou com disposição de encetar a condução, recusou-se …”. Redigido desta forma, ou numa outra que poderia ainda ser mais completa, perceptível e compreensível, o auto assumiria um conteúdo mais explicito e deixaria de ser prestar a interpretações esquivas e dubitativas, que mais não servem do que para conferir relevância a casos que efectivamente a não têm, mas que pela equivocidade e dubiedade dos termos e expressões utilizadas tornam legitima a impetração de veredictos mais seguros.

Tal como se encontra redigido o item adrede presta-se à confusão, dado que ao não se fazer a indicação da qualidade em que o individuo é fiscalizado, se de condutor, de peão ou de pessoa que se propõe a iniciar a condução, impede que se avalie a legitimidade da ordem e de saber se o seu destinatário, vale por dizer o sujeito passivo, está adstrito ao seu cumprimento.

Acresce que para efeitos da aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista na al. c), do nº1 do art. 69º do Cód.Penal, esta consequência penal só é possível desde que o sujeito passivo haja sido condenado “por crime de desobediência cometido mediante a recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para a detecção de condução do veículo sob efeito do álcool …”.

Não é possível, à luz dos preceitos enunciados, proceder à incriminação de quem quer pela prática de um crime de desobediência, referenciado ao art. 152º do Cód. da Estrada, se a recusa não tiver como sujeito passivo alguém que se encontre colocado numa das situações previstas numa das alíneas do nº1 do citado preceito. A ordem de se submeter ao exame é ilegítima desde que endereçada a qualquer pessoa que não se encontre numa das situações elencadas nos citados segmentos de norma.

Do mesmo passo não será possível impor uma condenação numa pena acessória prevista na alínea c) do nº1 do art.69º do Cód. Penal se o sujeito que se haja recusado a submeter-se a exame de pesquisa de álcool no sangue não haja sido detectado no exercício da condução. Não será juridico-penalmente admissível sancionar um indivíduo na pena acessória prevista no nºa1, al.c) do art. 69º Cód.Penal, senão quando colocado na posição de efectivo condutor de um veículo. Assim, não será possível aplicar a predita sanção se a recusa da submissão a exame for verificada no momento em que o individuo se propõe iniciar o processo de condução. Ocorre, como é possível surpreender no cotejo dos preceitos que impõem a necessidade/possibilidade administrativa e policial de efectuar a fiscalização e o preceito que prescreve para o caso de possibilidade de aplicação de uma sanção acessória no caso de se verificar uma atitude de recusa por parte do sujeito ao poder de fiscalização, uma dissonância ou discrepância jurídico-normativa que opera um corte na unidade jurídica que se deveria constituir na organização normativa do sistema sancionatório. Se a fiscalização não for efectuada a individuo que se encontre no exercício da condução não será possível o sancionamento á luz do preceito inserto no compêndio de leis adrede.

Na tentativa, estrénua e donairosa, de salvar a decisão, a ilustre Procuradora-Adjunta, faz intervir na consolidação do material probatório que se fixou na decisão, o raciocínio lógico-abdutivo, que por vezes tem de intervir no razoar probatório.[ Vide Paolo Tonini, “La Prova penale”, CEDAM, Verona, 2000, p. 37. ](“il raggionamento dii tipo abduttivo muove da un fatto particolare per arrivare ad affermare l’esistenza di un altro fatto particolare”). Ou para ser mais explicito, e em português, “o objectivo de um processo abdutivo é assim o e alcançar uma explicação para um determinado acontecimento ou conjunto de acontecimentos. A abdução, pode, portanto ser vista como um género de inferência por meio do uso do qual se podem gerar explicações de acontecimentos”.[ “Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos”, João Branquinho e Desidério Murcho, Gradiva, 2001, p. 17.] Exemplo: “Se choveu a rua está molhada; a rua está molhada; logo choveu”, ambas as premissas são verdadeiras mas a conclusão pode ter sido ocasionada por outro facto, por exemplo, a passagem de um camião cisterna de lavagem das ruas, e não a queda de chuva. È o tipo de raciocínio que alenta o raciocínio de investigação criminal e que ceva uma parte auxiliar desta actividade, qual seja a análise da informação.

Para a distinta magistrada o facto de, logo a seguir à atitude de recusa ao exame de expiração do ar para detecção do nível de álcool no sangue, o arguido ter sido detectado pelos agentes de autoridade nas imediações do posto, faz sedimentar a ideia de que o arguido havia sido fiscalizado na qualidade de condutor do veículo supra identificado. Se logo a seguir foi visto a conduzir o veículo, então era ele quem o conduzia quando algum tempo antes havia recusado a sujeição ao exame. Se estava no local no momento logo a seguir e se havia constatado uma infracção antes, com o mesmo veículo e a mesma pessoa, então não poderia, numa inferência lógico-abdutiva, deixar de ser o arguido. Se havia sido fiscalizado momentos antes e foi visto a conduzir momentos depois, então a pessoa fiscalizada não podia deixar de ser o condutor. As premissas estão verificadas e podem ser considerados pólos de inferência verdadeiros, mas e a conclusão? Não poderemos estar a cais naquilo a que os lógicos apodam de “falácia da afirmação consequente”. Exemplo: “se o João está Paris está em França; o João está em França; logo está em Paris”.

A inferência pode estar correcta, mas também pode estar incorrecta. Ia mais alguém no veículo? Seria esse alguém o condutor e o arguido um passageiro? Depois de haverem sido fiscalizados, o arguido terá passado a condutor e ido até ao posto da autoridade que havia procedido á fiscalização? As hipóteses poderiam ser desfiadas, com alguma verosimilhança, por bem mais um conjunto de situações.

Em nosso juízo, o auto da entidade policial está deficientemente estruturado, e o Ministério Público deveria ter aditado, quando introduziu o feito em juízo, que o arguido havia sido fiscalizado na qualidade de condutor, ou quando se encontrava no exercício da condução (pela fórmula que mais lhe aprouvesse, desde que evidenciasse e exibisse a qualidade em que o individuo havia sido fiscalizado).

Tal como se encontra formulada a acusação, transmigrada do auto de notícia, torna-se juridicamente insustentável a verificação dos pressupostos jurídico-formais e materiais de incriminação pelo crime de desobediência imputado ao arguido. Ao não atribuir ao arguido uma das condições em que poderia ser fiscalizado, condutor, peão interveniente em acidente de viação ou pessoa que se proponha a iniciar a condução, a acusação não deveria ter sido recebida, ou a sê-lo, deveria ter, na audiência de julgamento, o tribunal, advertido o arguido da alteração substancial dos factos, de modo a possibilitar a sua defesa.[ No sentido de que se torna imprescindível a comunicação de factos novos que substanciem uma nova imputação jurídico-penal, os Acórdãos do STJ, de 16.6.2005, proferido no proc. nº1576/05-5ª secção. “A observância do disposto nos arts. 358º e 359º não tem tempo específico e preciso para ter lugar. Como resulta da lei e do seu escopo, o que importa salvaguardar é que, no decurso da audiência, seja o arguido colocado perante a possibilidade de o tribunal levar avante uma alteração, substancial ou não, dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, com evidente objectivo de lhe assegurar todos os direitos de defesa também quanto à alteração anunciada. Mas tendo em conta o objectivo da lei - que ao arguido seja proporcionada oportunidade de se defender, em plenitude, dessa alteração de factos - aquele decurso da audiência só termina com a prolação da sentença”. ]

Ao não ter procedido da forma prescrita, a decisão proferida é nula.[ Cfr. a este propósito o acórdão do STJ de 5.2.2003, proferido no proc. nº2776/02-3ª secção , que, por exemplificativo e esclarecedor se transcreve o respectivo sumário. “I. – No caso de estacionamento em lugar proibido, aparece como circunstância com carácter probatório essencial a identificação da viatura que era usada pelo arguido; não se tendo provado que o arguido estivesse a conduzir o veículo da matrícula indicada no auto de notícia, falta o elemento de ligação do arguido à condução dessa viatura e, portanto, não é possível imputar-lhe a prática da contra-ordenação de vem acusado, absolvendo-se da instância; II. – Mas embora não se tenha provado que o veículo automóvel estacionado na passadeira de peões detivesse determinada matricula, permanece imputada ao arguido a conduta de condução de uma viatura que estacionou indevidamente, existindo, assim, uma alteração substancial dos factos imputados conduziria outra viatura que não a de matricula mencionada no auto de noticia – descritos na peça equivalente à acusação, a qual não pode ser tomada em conta pelo tribunal para efeito de condenação no processo em curso. III.- Nos termos do nº2 do art. 359º, ordena-se a comunicação da alteração ao MºPº, para perseguição contraordenacional. IV. – Não se verifica prescrição do procedimento uma vez que a infracção imputada ao arguido, desde o inicio, ao arguido, a partir dos mesmos factos – estacionamento de uma viatura na passadeira de peões – é a mesma e o arguido o mesmo, continuando, porém, ainda por esclarecer se, não conduzindo embora o veículo cuja matricula foi por lapso mencionado no auto de noticia, conduzia outro que estacionou naquele dia, hora e local, e em relação ao qual foi aí identificado.” ]

Na esteira do acórdão transcrito (o sumário) na nota 4, deverá, o arguido, ser absolvido da instância o Ministério Público iniciar novo procedimento, tendo por base o auto de notícia em que descreve a fiscalização do mesmo e apurar em que qualidade foi fiscalizado, para poder ser incriminado, ou não, pela prática do ilícito por que foi condenado neste procedimento.

II. – Decisão.

Na defluência do que se deixou explanado, decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal do tribunal da Relação de Coimbra, em:

- Absolver o arguido da instância;

- Ordenar a comunicação ao Ministério Público, nos termos do art. 359º, nº2 do CPP, que com base na participação da autoridade fiscalizadora, averigúe em que qualidade o arguido foi fiscalizado e prossiga o procedimento, se for apurado responsabilidade penal.

- Sem tributação.

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Acórdão, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. – Relatório.

O arguido A..., já identificado nos autos, vem requerer a nulidade do acórdão proferido a fls. 61 a 68, com a fundamentação seguinte:

“Subscrevendo, com a devida vénia, o que se expende na declaração de voto vertida no aludido acórdão, dir-se-á que em face da consabida inexistência da figura jurídica da absolvição da instância (e, já agora, da absolvição do pedido) no direito processual penal, deveria in casu ter sido proferida decisão que, pura e simplesmente, absolvesse o recorrente da prática do crime por que vinha acusado.

Ao invés, entendeu este Tribunal absolver o arguido da instância (!?) e, outrossim, ordenar que fosse efectuada a comunicação a que se alude no artigo 359º, nº 1 do Código de Processo Penal (C.P.P.) – e não no artigo 359º, nº 2 do C.P.P. como, certamente por lapso, é referido no acórdão em análise.

Ora, afigura-se inequívoco que não existe qualquer correspondência ou equivalência entre tal decisão de absolvição da instância e o conceito de sentença absolutória ínsito nos artigos 374º, nº 3 – b) e 376º do C.P.P..

Assim, para além de manifestamente inadmissível e insustentável do ponto de vista jurídico-processual-penal, crê-se que a decisão de fls. enferma também da nulidade prevista nas disposições conjugadas dos artigos 374º, nº 3 - b), 376º, 379º, nº 1 - a), todos do C.P.P., nulidade que aqui expressamente se argúi para os devidos e legais efeitos”.

Nesta instância, o Exmo. Senhor Proc.-Geral Adjunto, depois de assinalar o lapso, que se confessa, por mais que patente e óbvio, do dispositivo a cumprir na 1ª instância, considera que não ocorre nulidade da decisão proferida.

II. – Fundamentação.

É sabido, e não será o recorrente que se poderá arrogar o topete de nos ensinar o que quer que seja, que a legislação adjectiva processual penal não contempla a figura da absolvição da instância.

No entanto, tivesse o recorrente atentado no último dos acórdãos citados, relatado por um dos mais sapientes Juízes Conselheiros que lavraram no nosso mais Alto Tribunal, o Dr. Lourenço Martins, e talvez não se arrojasse na sua apodíctica prosa.

A figura de absolvição da instância não se encontra especialmente prevista no ordenamento jurídico-processual, mas doutrinariamente é defendida por tratadistas, dada a necessidade de acorrer a situações similares aquelas que ocorreram nos autos. Isto é, não poder o infractor quedar impune, por factos que, indiciariamente, terá praticado, e que se não se utilizasse a figura da absolvição da instância formar-se-ia relativamente ao crime cometido caso julgado material que impediria a perseguição por factos similares, na obediência ao principio do ne bis in idem.

O Código Processo Penal não é um diploma completo – a prova desta asserção vem que desde que foi publicado já sofreu duas ou três alterações e está prestes a sofrer outra – e contém lacunas que ele próprio prevê poderem ser colmatadas com recurso a figuras existentes no ordenamento adjectivo civil.

No caso que ocupou a decisão ora acoimada de nula, por ter decidido absolver o arguido da instância, o que terá ocorrido foi uma deficiência na descrição factual de uma actividade que é pressuposto da infracção noticiada. Não se indicou que o arguido era quem na altura exercia a condução, sendo certo que todos os factos posteriores evidenciam ter sido ele o condutor que se recusou e ser fiscalizado e pantominou juntou ao posto da autoridade policial. O acto de desobediência, acto matricial e axial do ilícito pelo qual o arguido se mostra acusado, está demonstrado faltando um pressuposto formal, qual seja a qualidade de condutor que não vem expressamente referida no auto de noticia mas que ressalta de toa a materialidade factual que ressuma dos autos. É por isso que, nestas circunstâncias, em que a materialidade substantiva está demonstrada, mas que falha um pressuposto formal decorrente de uma deficiente padronização dos formatos utilizados pelas forças de segurança, que entendemos que a solução deve ser atalhada com recurso à figura da absolvição da instância de modo a impedir que se frustre a realização da Justiça histórico-social.

Repontar-se-á que com este expediente a justiça penal, que se rege pelos princípios da legalidade, da oficialidade e da verdade material, para só citar aqueles que mais poderão atinar com o caso, ficará inane a qualquer atropelo que possa ser feito, pois que poderia sempre ser reaberto um procedimento criminal, com os custos e gravames pessoais que tal pode acarretar. Concedemos, só que também não nos parece que se cumpra o princípio da verdade material, se se deixa de realizar justiça, e com isso ficar alguém impune, porque ocorre uma deficiência num auto estandardizando que é utilizado pelas forças de segurança. Repontar-se-á, ainda, no atinente a este argumento, sibi imputat. Se as forças de segurança agem desatinadamente com o formalismo legal não deverão ser os cidadãos a pagar pelas suas falhas e pelos erros grosseiros que cometem na transmissão das notícias de crimes que lhes está cometido reprimirem e/ou prevenirem.

Seja, porém, como for, o facto é que, em nosso juízo, a figura de absolvição de instância tem cabimento, doutrinalmente, e revela-se como forma ajustada a evitar absolvições injustas e decorrentes tão só de falhas processuais, que verificadas impedem a realização da justiça material. E este é um princípio cardeal do direito e da justiça penal que deverá sobrelevar e conlevar aos demais.

Ainda que, concedemos, seja discutida a figura de absolvição da instância, o nº3, al.b) do art. 374º, nem o art. 376º do CPP, não excluem a figura da absolvição da instância, dado que com a absolvição da instância o arguido é desonerado deste processo, isto é fica extinta a sua responsabilidade neste processo. A partir daqui, o Ministério Público, deverá organizar um outro procedimento que, tendo por base certidão da participação inicial e outros elementos que forem achados pertinentes, indague da, eventual, responsabilidade criminal do arguido.

Neste processo o arguido não terá que prestar mais contas. Se alguma responsabilidade lhe vir a ser assacada só poderá decorrer da averiguação que venha apurar a eventual responsabilidade criminal pelos factos noticiados pela autoridade policial.

Este processo não deixou de ter o seu ocaso e o seu fim, com a decisão de absolvição da instância, cumprindo-se assim o determinado na al.b) do nº3 do art. 374º do CPP, só que a partir de agora, se o Ministério Publico assim o entender, poderá iniciar outro procedimento.

Com este procedimento que não é ilegal, nem acarreta a nulidade da decisão proferida, se cumpre o princípio da justiça material, trave mestra da Justiça e do Direito material penal.

III.- Decisão.

Na defluência do expendido, decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, em:

- Desatender a invocada nulidade do acórdão prolatado a fls. 61 a 68, e, com a correcção apontada – em vez da referência ao art. 359º, nº2 deve ser entendida como sendo feita ao art. 359, nº1, parte final, do CPP –, manter a decisão.

- Pelo incidente a que deu causa condenar o arguido em três (3) UCs.