Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6005/05.8TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: COSTA FERNANDES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PARAGEM DE VEÍCULO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 02/12/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 566º, 3, 1305º, 483º, 1, 562º, 564º E 566º DO CÓDIGO CIVIL
Legislação Comunitária:
Sumário: 1. Constitui dano indemnizável a simples impossibilidade de usar o veículo sinistrado que antes do acidente era utilizado diariamente.
2. A disponibilidade de um veículo tem um valor em si mesma, que será, em princípio, equivalente ao aluguer de um veículo da mesma marca e modelo, deduzidos a taxa de lucro praticadas pelas entidades que exercem essa actividade e as despesas operacionais por elas suportadas.
3. É ajustado fixar a indemnização em 30,00 €/dia, segundo juízos de equidade, considerando-se o uso diário e a probabilidade de o proprietário do veículo não o utilizar em todos os dias do fim de semana ou em todos os fins de semana.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório:
A...., divorciada, contribuinte fiscal nº 166 606 677, empregada de escritório, residente na Travessa Engenheiro João M. Belo Rodeia, 30, 4º Esqº, Lote 3, Vale Sepal, Marinheiros, Marrazes, Leiria, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra:
Companhia de Seguros Açoreana, S. A., pessoa colectiva nº 512 004 048, com sede no Largo da Matriz, nºs 45 / 52, Apartado 186, 9501-903 Ponta Delgada; e
SAGRES – Companhia de Seguros, S. A., pessoa colectiva nº 503 640 549, com sede na Praça da Alegria, nº 22, 1250-004 Lisboa,
Pretendendo que as rés sejam condenadas a pagar-lhe a quantia de 5.300,00 €, a título de indemnização por danos decorrentes da paralisação do veículo de matrícula 42-25-OR de sua propriedade, durante 107 dias, acrescida de juros de mora, a contar desde a citação.
Fundamentou a sua pretensão num sinistro rodoviário, ocorrido a 27-04-2004,
pelas 10H10m, no IC2, ao km 122,800, na cidade de Leiria, em que, por culpa dos respectivos condutores, a referida viatura 42-25-OR foi embatida pelos veículos de matrícula 22-16-GG e 00-48-NU, segurados na 1ª e a 2ª rés, respectivamente, tendo desse embate resultado estragos, cuja reparação foi paga por estas, e a paralisação daquela durante 107 dias, entre 27-04-2004 e 11-08-2004, sucedendo que a utilizava diariamente nas suas deslocações profissionais e pessoais, não dispondo de veículo de substituição, sendo, por isso, forçada a recorrer a boleias de amigos e a usar viaturas emprestadas, para além de ter ficado impedida de desfrutar ou retirar rendimentos do seu automóvel.
A primeira ré contestou, sustentando que a viatura da autora poderia circular com os estragos que tinha na traseira e que o tempo de reparação acordado foi de cinco dias, não podendo ser responsabilizada pelas danificações verificadas na frente da mesma.
A segunda ré contestou, aceitando o tempo de paralisação do veículo, mas impugnando os transtornos alegados pela autora e a utilização que a mesma sustentou dar-lhe. Mais alegou que a autora não sofreu qualquer prejuízo com a paralisação, nada tendo despendido por isso, designadamente com o aluguer de outra viatura, e reputando de exagerado o montante peticionado.
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Por sentença de fls. 149 a 167, a acção veio a ser jugada parcialmente procedente, sendo as rés condenadas a, solidariaremente, a pagarem à autora a quantia de 1.000,00 €, a título de indemnização por danos patrimoniais decorrentes da paralisação do veículo, acrescida de juros, contados sobre esse montante, a partir da citação, à taxa de 4% ao ano.
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A autora recorreu da sentença, pretendendo que a indemnização seja calculada à razão de 40,00 €/dia, ou seja, no total de 4.280,00 euros.
A recorrente alegou, tendo retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª Em consequência de ambos os embates sofridos pelo veículo OR, viu-se privada da sua utilização durante 107 dias, entre 27-04-2004 e 11-08-2004;
2ª Situação que lhe causou incómodos, nomeadamente obrigando-a a recorrer a boleias de amigos, uma vez que não possui outra viatura;
3ª Para ressarcir o prejuízo provocado pela paralisação, a Mmª Juiz a quo atribuiu, com recurso à equidade, a quantia de 1.000,00 €;
4ª Ora, tal corresponde a uma indemnização de 9,43 €/dia;
5ª Esta indemnização, atentos os valores que usualmente são praticados pelas sociedades de «rent-a-car», parece exígua, nomeadamente por se encontrar muito afastada do valor real necessário no mercado para substituir o veículo embatido, durante o tempo em que se encontrou paralisado;
6ª Aliás, tem sido aceite jurisprudencialmente, para o cálculo equitativo do valor a atribuir para compensar a paralisação de um automóvel, partir do preço de aluguer praticado pelas sociedades de «rent-a-car»;
7ª A esse valor retirar-se-á uma percentagem correspondente ao lucro e demais custos operativos, adequando-o ao valor real do dano;
8ª Das tabelas juntas com a p. i., bem como da experiência comum de qual -quer cidadão, infere-se que será muito difícil encontrar um aluguer diário com um valor inferior a 60/50 euros;
9ª Assim, será mais consentâneo com a real dimensão do dano sofrido pela A. o seu ressarcimento com a quantia de 40 €/dia;
10ª A sentença recorrida violou, entre outras, as disposições dos arts. 562º, 564º e 566º, 3, d Código Civil.
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A primeira recorrida contra-alegou, propugnando pela manutenção da sentença e formulando as seguintes conclusões úteis:
1ª Foi dado como provado que o veículo QR esteve paralisado desde 27-04-
-2004 até 11-08-2004, e que, durante este período, a apelante teve de recorrer a boleias de amigos para se deslocar;
2ª Contudo, a apelante não conseguiu provar que teve, efectivamente, prejuízos monetários específicos, em virtude da paralisação do veículo;
3ª Perante os factos dados como provados, para o tribunal a quo tornou-se extremamente difícil quantificar o prejuízo sofrido pela apelante, tendo, por isso, recorrido à equidade;
4ª Fixando a indemnização a título de paralisação do veículo em 1.000,00 €;
5ª A apelada entende que esta decisão é justa, devendo ser mantida;
6ª Não entende a apelada como pode a apelante considerar aquele valor exíguo, quando a própria admite que as deslocações que efectuou, durante o período de paralisação do veículo, não criaram uma obrigação pecuniária;
7ª Nestes termos e tendo em conta o decidido, no acórdão de 12-01-2006, pelo Supremo Tribunal de Justiça, não pode a apelada deixar de considerar a decisão do tribunal a quo uma decisão justa, não devendo a indemnização ser alterada pela Relação.
A segunda recorrida fez suas as contra-alegações da primeira.
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O recurso foi admitido como apelação, com efeito devolutivo.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decididir:
II. Questões a equacionar:
Uma vez que o âmbito dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 690º, 1, e 684º, 3, do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Dec.-Lei nº303/207, de 24/VIII), importa apreciar as questões que delas fluem. Assim, «in casu», há apenas que equacionar a questão do quantum indemnizatório devido pela paralisação do veículo.
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III. Fundamentação:
A) Factos provados:
1. No dia 27 de Abril de 2004, pelas 10 horas e 10 minutos, no IC 2, ao quilometro 122,800, na cidade de Leiria, ocorreu um acidente de viação - alínea A) dos factos assentes;
2. Nele foram intervenientes os veículos: 22-16-GG, ligeiro de passageiros, o qual se passará a designar apenas por GG; 00-48-NU, ligeiro de mercadorias, o qual se passará a designar apenas por NU; e 42-25-OR, ligeiro de passageiros, o qual se passará a designar apenas por OR - alínea B) dos factos assentes;
3. O GG era, à data do acidente, propriedade de A Tabanca, Exportação e Importação de Artesanato Ldª, sendo conduzido por sua conta e no seu interesse pelo seu empregado de escritório, …… - alínea C) dos factos assentes;
4. Por sua vez, o NU era propriedade de B….., sendo por este conduzido - alínea D) dos factos assentes;
5. Por fim, o OR era propriedade da autora, sendo por esta conduzido - alínea E) dos factos assentes;
6. À data do acidente, o veículo GG encontrava-se segurado na ré Açoreana, através da apólice nº 90.50428902 - alínea F) dos factos assentes;
7. Enquanto que o NU se encontrava segurado na ré Sagres, através da apólice nº 90.234906 - alínea G) dos factos assentes;
8. O acidente ocorreu junto da intersecção que o acesso proveniente da E.N. 242, no sentido Leiria/Marinha Grande, faz com o IC 2, imediatamente antes do viadu- to dessa mesma E.N. 242, atento o sentido de trânsito Porto/Lisboa - alínea H) dos factos assentes;
9. No momento imediatamente anterior ao acidente, os veículos OR e NU circulavam pelo IC 2, no sentido Porto/Lisboa, sendo que o OR precedia o NU - alínea I) dos factos assentes;
10. Por sua vez, o GG provinha da E.N. 242, circulando pelo acesso da mesma ao IC 2, e pretendendo posteriormente prosseguir pelo IC 2, sentido Porto/Lisboa - alínea J) dos factos assentes;
11. Atento o sentido de circulação do GG, e junto ao ponto de intersecção entre o acesso por onde este seguia e o IC 2, encontra-se colocado, ainda no próprio acesso, orientado para o trânsito que aí circula, o sinal vertical denominado por B1, ou seja, “aproximação de estrada com prioridade” - alínea L) dos factos assentes;
12. Assim, este sinal aplicava-se no momento do acidente ao GG - alínea M) dos factos assentes;
13. O acidente ocorreu quando, chegado o GG ao ponto de intersecção do acesso da E.N. 242 com o IC 2 - alínea N) dos factos assentes;
14. Apesar de por esta última via transitar o OR, o qual se encontrava também junto ao ponto de intersecção entre as duas vias - alínea O) dos factos assentes;
15. O condutor do GG não abrandou a sua velocidade, tendo forçado a sua entrada no IC 2 - alínea P) dos factos assentes;
16. Cortando a trajectória ao OR e colocando-se à sua frente - alínea Q) dos factos assentes;
17. Obrigando a condutora do OR a travar de forma brusca, mas não tendo a mesma logrado evitar embater com a frente direita do OR na traseira esquerda do GG - alínea R) dos factos assentes;
18. No momento da entrada do GG no IC 2, o OR encontrava-se já também no ponto de intersecção entre ambas as vias - alínea S) dos factos assentes;
19. A distância muito curta relativamente àquele, inferior a cinco metros - alínea T) dos factos assentes;
20. Sendo que o OR era perfeitamente visível para o condutor do GG, no momento em que este entrou no IC 2 - alínea U) dos factos assentes;
21. Após o embate entre GG e OR, ficaram ambos os veículos de imediato imobilizados na via de trânsito - alínea V) dos factos assentes;
22. Ficando o GG à frente do OR - alínea X) dos factos assentes;
23. Logo de seguida, já após a imobilização do OR, foi o mesmo embatido pelo NU - alínea Z) dos factos assentes;
24. Cujo condutor, não tendo logrado travar o NU no espaço livre visível à sua frente - alínea A’) dos factos assentes;
25. Acabou por embater com a frente do NU na traseira do OR - alínea B’) dos factos assentes;
26. O local do embate entre o GG e o OR situou-se no IC 2 e ficou a distar 1,20 metros da linha de intersecção entre o IC 2 e o acesso proveniente da E.N. 242 -alínea C’) dos factos assentes;
27. O IC 2, no local do embate, tem a largura da via de trânsito sentido Norte/ /Sul de 3 metros, sendo o seu limite esquerdo efectuado por separador em betão - alínea D’) dos factos assentes;
28. O acesso de onde provinha o GG tem, no local onde ocorreu o embate, uma largura de via de aproximadamente 2,30 metros - alínea E’) dos factos assentes;
29. O entroncamento tem boa visibilidade - alínea F’) dos factos assentes;
30. Tendo ambas as vias o piso bem asfaltado - alínea G’) dos factos assentes;
31. E existindo, no momento, boas condições climatéricas - alínea H’) dos factos assentes;
32. Em consequência do embate entre o GG e o OR, resultaram para este estragos avaliados pela 1ª ré, em 02/08/2004, no montante de 1.285,60 €, referentes a «capot», cava da roda frente direita, guarda-lamas frente direito, pára-choques frontal, resguardos de plástico da cava da roda, farol frontal direito e seus acessórios - resposta ao art. 1º da base instrutória;
33. Em consequência do embate entre o NU e o OR, resultaram para este estragos avaliados pela 2ª ré, em 02/08/2004, no montante de 1.576,31 €, referentes a pára-choques traseiro e seus acessórios, farolim traseiro direito e acessórios, legendas e emblemas de marca e material de pintura - resposta ao art. 2º da base instrutória;
34. Do primeiro embate resultaram, entre outros, a quebra do farol da frente direito, guarda-lamas e pára-choques danificados - resposta ao art. 3º da base instrutória;
35. Do segundo embate resultaram, entre outros, a quebra do farolim traseiro direito e soltou-se a iluminação da chapa de matrícula e ainda outros estragos na traseira do OR - resposta ao art. 4º da base instrutória;
36. O veículo OR, devido a ambos os embates, esteve parado desde 27-04-
-2004 até 11-08-2004 - resposta ao art. 6º da base instrutória;
37. O veículo OR era utilizado pela autora, diariamente, para se deslocar de casa para o seu local de trabalho e para outras deslocações, não dispondo de outra viatura - resposta ao art. 8º da base instrutória;
38. A paralisação do seu veículo provocou transtornos à autora - resposta ao art. 9º da base instrutória;
39. A Autora recorreu a boleias de amigos - resposta ao art. 10º da base instrutória;
40. O tempo de reparação acordado entre a 2ª ré e a oficina foi de cinco dias, desde a ordem de reparação - resposta ao art. 14º da base instrutória.
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B) Enquadramento jurídico:
Por via da paralisação da viatura, durante 107 dias, no período de 27-04-2004 a 11-08-2004, em consequência dos estragos decorrentes do sinistro, a autora alegou ter sofrido «um sério transtorno», tendo-se visto obrigada a aproveitar boleias de amigos e a socorrer-se de veículos emprestados, para além de ter ficado impedida de «desfrutar ou tirar rendimento» dela, acabando por peticionar a condenação das rés a pagarem-lhe, a título de indemnização, um montante não inferior a 50,00 €/dia, calculado a partir das tarifas (tabelas) utilizadas pelas empresas de aluguer de automóveis sem condutor – nas alegações de recurso admitiu que esse valor diário fosse fixado em 40,00 €.
É assim evidente que a autora peticionou apenas indemnização por danos patrimoniais, como foi entendido na sentença recorrida, apesar de haver alegado o tal «sério transtorno» que, eventualmente, poderia integrar dano não patrimonial.
Nas contra-alegações, as rés vincaram que a autora não conseguiu provar que teve efectivamente «prejuízos monetários específicos» - a este propósito, cabe referir que a apelante nem sequer alegou isso. Com efeito, em termos de danos emergentes que hajam implicado desembolso monetário, a autora nada alegou.
Assim, a questão está, antes de mais, em saber se a simples impossibilidade de usar o veículo que diariamente utilizava constitui dano indemnizável e, na afirmativa, qual o valor do mesmo.
É evidente que a simples privação do uso, decorrente da paralisação, implica a não fruição do veículo, o que constitui, sem mais, um dano. Na verdade, um automóvel está, em regra e por sua natureza, destinado a proporcionar ao seu proprietário ou legítimo detentor utilidades (designadamente a possibilidade de se deslocar para onde quiser e quando quiser) que só podem ser fruídas por via do uso. Ora, impedido este, há um prejuízo que se traduz na impossibilidade de fruir essas utilidades, situação que pode ou não implicar lucros cessantes e/ou danos emergentes com tradução monetária imediata, mas que, em regra, importa a frustração do gozo. Esta, mesmo quando não conduz a qualquer dispêndio, poderá induzir a necessidade de recorrer a favores de terceiros (como sucedeu, in casu) ou a renúncia às comodidades que a viatura proporcionava.
Assim, impõe-se concluir que a disponibilidade do veículo tem um valor em si. E, no caso dos autos, a apelante precisou de usar a viatura, vendo-se, por causa da paralisação da mesma, forçada a aceitar favores de pessoas amigas, donde flui que estamos numa situação que vai muito para além do possível uso, desembocando na necessidade de utilização concreta. Ora, sendo certo que nada despendeu com isso, a verdade é que ficou adstrita à obrigação moral e social de poder ter de retribuir esses favores, o que pode motivar gastos futuros – costuma-se dizer que «favores com favores se pagam» e que se fica a «dever favores». Apenas nos casos em que se comprove que, no período da paralisação, o proprietário ou legítimo detentor do veículo não iria usá-lo ou ceder o seu gozo a terceiro é que poderá defender-se que não há fundamento para a indemnização.
Aliás, as próprias rés aceitam que há dano indemnizável.
E, importa vincar, que uma boa parte da jurisprudência tem vindo a entender que a privação do uso de um veículo automóvel decorrente de sinistro rodoviário implica, para o seu proprietário (ou legítimo fruidor), a perda da utilidade que o mesmo proporciona, designadamente a possibilidade de o utilizar quando e como lhe aprou- ver, a qual tem, em si mesma, valor pecuniário. Assim, constituindo o simples uso (ou possibilidade de uso) uma vantagem patrimonial susceptível de avaliação pecuniária, a sua privação constitui dano patrimonial merecedor de indemnização, a fixar, se necessário, segundo juízos de equidade, de harmonia com o estatuído no art. 566º, 3, do Cód. Civil - cfr., neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ, de 05-07-2007, Proc. 07B1849; da RL, de 04-10-2007, Proc. 3077/2007-6, e de 18-09-2007, Proc. 6066/ 2007-1, este com um voto de vencido; da RC, de 20-03-2007, Proc. 226/04.8 TBFN D.C1, de 25-01-2005, Proc. 3498/04, de 26-11-2002, Recurso nº 2688/02, e de 06-06--2006, Proc. 1605/06, in www.dgsi.pt, à excepção deste último que se encontra publicado in www.trc.pt, e do penúltimo que está inserto na CJ, Ano XXVII, 2002, T. V, p. 19. Seguindo o entendimento de que a mera privação do uso, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, ou seja, se dela não resultar um dano específico, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização, podem ver-se, entre outros, os Acs. do STJ, de 12-01-2006, Proc. 05B4176, e de 04-10-2007, Proc. 07B1961, este com dois votos de vencido; da RL, de 22-06-2006, Proc. 4334/2006-6; e da RC, de 13-03-2007, Proc. 667/05.3TBGRD.C1, todos in www.dgsi.pt.
Como muito bem se refere no Ac. da RL, de, de 04-10-2007, Proc. 3077/2007-6, acima referido, ocorrendo um acidente de viação, causalmente imputável a terceiro, de que resultem danos no veículo sinistrado que obriguem à sua paralisação, o sistema legal confere ao lesado o direito à reconstituição natural que pode fazer-se através da entrega ao lesado de uma viatura de substituição, para que a utilize no período de carência, ou por via da atribuição de uma quantia suficiente para contratar o aluguer de um veículo com características semelhantes. E, o facto de o lesado não ter utilizado essa faculdade ou, mais do que isso, o facto de lhe ter sido recusada a substituição do veículo sinistrado não pode desembocar, sem mais, na total liberação do responsável. Na verdade, nos quadros da vida moderna em que nada (ou quase nada) é gratuito, não faz sentido que as normas legais pertinentes sejam interpretadas com um sentido que conduza a que o lesado haja de suportar, mesmo que apenas em parte, os danos decorrentes da lesão. E, sem grande esforço, é possível estribar o entendimento que se perfilha nas disposições conjugadas dos arts. 1305º, 483º, 1, 562º, 564º e 566º do Código Civil. Com efeito, se o proprietário tem o direito de usar e fruir as coisas que lhe pertencem, a privação dessa possibilidade de uso e fruição importa, por via de regra, um dano, quando mais não seja, traduzido na frustração das utilidades que o bem em causa pode proporcionar. Conforme se diz no Ac. do STJ, de 05-07-2007, Proc. 07B1849, já referido, citando o Prof. Gomes da Silva (in O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, Vol. I, p. 78), o dano consiste na privação ou na deterioração de um bem, ou, ainda, na frustração de um fim; o bem só interessa, quer económica quer juridicamente pela utilidade, isto é, pela aptidão para realizar fins humanos; e, nos casos de perda ou deterioração, o dano consiste no malogro dos fins realizáveis por meio do bem perdido ou deteriorado, ou seja, na privação da utilidade que ele proporcionava.
Aliás, in casu, as próprias rés aceitam que há dano indemnizável, restringindo-se, o litígio à quantificação do mesmo.
Tendo a autora direito, em termos de reconstituição in natura, a que lhe fosse entregue uma viatura de substituição, para utilizar durante o período de paralisação do seu veículo, e sendo certo que está provado que ela o usava diariamente (não se tratava, portanto, de um uso ocasional ou eventual) e que satisfez as suas necessidades de transporte socorrendo-se de boleias de pessoas amigas, o valor do dano seria igual ao custo do respectivo aluguer. Mas, como assim não sucedeu, haverá que prefigurar uma situação próxima da que ocorreria se continuasse a utilizar o seu automóvel. Ora, o valor de uso deste será, em princípio, equivalente ao aluguer de um veículo da mesma marca e modelo, deduzidos a taxa de lucro praticada pelas entidades que exercem essa actividade e as despesas operacionais por elas suportadas. De outro modo, poderia haver locupletamento injustificado.
A autora alegou que o veículo sinistrado era da marca Opel, modelo Astra, TD , isso mesmo parecendo resultar do documento de fls. 31.
Da tabela de fls. 34, verifica-se que, em Setembro de 2005 (é de presumir que a tabela seja do Verão de 2005, uma vez que foi junta com a p. i. e esta deu entrada no Tribunal a 26-09-2005), o aluguer de um veículo de gama equivalente ao da autora, por mais de 7 dias, custava 57,80 €/dia. Considerando os aludidos custos operacionais e a taxa de lucro (a deduzir) e ponderando também a probabilidade de a autora não utilizar o seu veículo em todos os dias do fim de semana ou em todos os fins de semana, entende-se ajustado fixar, segundo juízos de equidade, a indemnização em 30,00 €/dia, perfazendo o total de 3.210,00 € (107 dias x 30,00 €/dia = 3.210,00 €) – foi este o valor diário considerado no Ac. desta Relação (3ª Secção), de 20-03-2007, Proc. 226/04.8TBFND.C1, acima referido, em que estava em causa um período de paralisação ocorrido entre Dezembro de 2003 e 5 de Março de 2004, tendo-se provado (apenas) que o lesado utilizou veículos emprestados. No Ac. da RL, de 18-09--2007, Proc. 6066/2007-1, supra mencionado, estando em causa um longo período de paralisação (entre Janeiro de 2003 e Outubro de 2005) de um veículo da marca Ford, modelo Fiesta, tendo o lesado recorrido a ajuda de amigos e familiares, considerou-se um valor de 20,00 €/dia, sendo certo que, segundo a tabela acima referida, no Verão de 2005, o aluguer de uma viatura semelhante custava 32,40 €/dia.
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IV. Decisão:
Pelo exposto, decide-se julgar a apelação procedente, mas apenas em parte, e, em consequência:
1. Condenar as rés a, solidariamente, pagarem à autora:
a) O montante de 3.210,00 € (três mil, duzentos e dez euros), a título de in- demnização pelos danos patrimoniais decorrentes da privação do uso do veículo sinistrado, durante um período de 107 dias que mediou entre a data do acidente e o termo da sua reparação;
b) Juros de mora, vencidos e vincendos, à taxas legais sucessivamente apli- cáveis (juros civis), a contar da citação e até integral cumprimento;
2. Absolver as rés do demais peticionado.
Custas pelas rés e pela autora, em ambas as instâncias, na proporção do de-caimento, ou seja 60,57% por aquelas e 39,43% por esta.