Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1152/18.9T8LMG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: NULIDADE DOS ACTOS
FALTA DE REGISTO DA ACÇÃO
TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
Data do Acordão: 07/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 195.º E 531.º, AMBOS DO CPC E ARTIGO 27.º, N.º 4, DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Sumário: I - A preterição de registo da ação, se obrigatório, não constitui nulidade processual – artº 195º do CPC – pois que a omissão não influi no exame ou decisão da causa.

II - Se se assaca à ata de audiência a omissão de um facto que nela deveria constar, o meio de insurgimento contra tal realidade é a invocação da falsidade da ata.

III - Assim, não se provando que a pretensão de invocação de nulidade foi manifestada em tal ata, o dies ad quem do prazo da sua invocação não é a data da mesma, mas a data posterior em que, adrede, foi formalizada; e, assim, revelando-se extemporânea se decorrido o prazo do artº 199º do CPC.

V - A Taxa sancionatória excecional prevista no artº 531º do CPC não visa, primacialmente, sancionar erros técnicos,  antes pretende punir uma conduta ético juridicamente censurável que não atinja o patamar da má fé, mas que seja patentemente imprudente ou negligente.

VI - Pode ser sancionada a tal título a parte que invoca a aludida nulidade do artigo 195º do CPC, com base na falta de registo da ação e, acima de tudo, que aduz argumentos, não provados e antes infirmados, que significam falsidade da ata de audiência e parcialidade do juiz.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA  RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

No processo em epígrafe em que  são autores AA e    BB, e réus CC e DD

foi proferido o seguinte despacho, aqui reproduzido na sua essencialidade relevante:

«Após a realização da audiência prévia, vieram os réus, …requerer a declaração de nulidade de todo o processado posterior, nos termos do disposto no artigo 195º do Código de Processo Civil, invocando que a ação não foi registada nos termos do disposto nos artigos 2º e 3º do Código do Registo Predial.

De acordo com os elementos constantes dos autos, a ação encontra-se registada provisoriamente, (Ap. ...06 de 15.07.2020), sendo que o registo, tal como o estabelece o artigo 1º do Código do Registo Predial, destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário, encontrando-se sujeitas a registos, nos termos do disposto no artigo 3º do citado diploma legal e com referência ao artigo 2º, as ações que tenham por fim principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, modificação ou extinção do direito de propriedade.

De acordo com o disposto no artigo 8ºB do código do Registo Predial, o Tribunal diligenciou pelo pedido do registo da ação (por despacho de 10.07.2020), tendo sido junto aos autos o ofício de 31.07.2020 da Conservatória do Registo Predial ..., de acordo com a qual foi o Registo Recusado “sobre o prédio ...81 dos demandados, porquanto o pedido na ação, na parte que lhe respeita não está sujeito a registo (servidão de vistas e estilicídio)” – Artigo 69º, n.º 1, al. c), 2ª parte e artigo 3º, todos do Código do Registo Predial.

Por despacho de 02.11.2020 foi, pelo Tribunal, em face do aperfeiçoamento da PI apresentado, solicitado o registo da ação quanto ao pedido de reconhecimento da propriedade ali formulado.

Por ofício de 06.01.2021, pela Conservatória do Registo Predial foi comunicada aos autos o despacho de recusa do registo, com o fundamento de o mesmo já se encontrar efetuado pela A. 2406, de 15.07.2020.

Compulsadas as certidões permanentes da Conservatória do Registo Predial, juntas aos autos com as Referências ...36, ...37, ...38, de 29.04.2021, referentes aos Prédios n.º ...81, ...14, ...15, da freguesia ..., constata-se o registo da ação quanto aos factos sujeitos a registo e a recusa do registo dos demais, facto esse que é obrigatoriamente do conhecimento dos réus.

Assim, não se compreende a nulidade arguida pelos réus, por total falta de fundamento, sendo que, além do mais, mesmo que tenha omitido o pedido do registo, tal facto nunca consubstancia uma nulidade, nos termos em que a mesma é “genericamente” invocada pelos Réus, e, quanto à recusa de registo pela conservatória, da mesma poderiam apenas os Réus recorrer nos termos do Código do Registo Predial, e nunca invocar tal facto na presente ação.

De referir ainda que, e de acordo com o disposto no artigo 195º do Código de Processo Civil, fora dos casos previstos nos artigos 186º, 187º, 188º, 191º, 193º, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

Já quanto ao regime de arguição das nulidades, quanto às nulidade não previstas nos artigos vindo de referir, se a parte estiver presente, por si ou por mandatrário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificadas para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.

Os réus foram notificados do Ofício da conservatória do Registo Predial de 28.04.2021 e dos documentos referentes à certidão predial em 29.04.2021, tendo a nulidade sido arguida por requerimento de 13.05.2021.

Conclui-se assim pela inexistência de qualquer nulidade, por a mesma não se verificar, sendo que a sua arguição se revelou manifestamente extemporânea, não se compreendendo a arguição apresentada, a qual se revelou apenas como meramente dilatória, com vista a obstar ao normal andamento dos autos.

…taxa sancionatória excepcional…Visa, essencialmente, penalizar o uso manifestamente desnecessário do processo, pelas partes, em quadro de falta de prudência ou diligência, censurável do ponto de vista ético-jurídico. … O segmento normativo fundamental desta solução legislativa está na manifesta improcedência das aludidas pretensões processuais, alicerçada em censura ético-jurídica na sua formulação.

Deve, pois, tratar-se de pretensões manifestamente improcedentes em que se não vislumbra algum interesse razoável de formulação, que só foram formuladas por défice de prudência ou diligência média, ou seja, com falta do mínimo de diligência que teria permitido facilmente ao seu autor dar-se conta da falta de fundamento do que requereu”.

Assim, e por todo o exposto, improcede a arguição da nulidade pelos réus, sendo que, considerando-se que os mesmos não poderiam desconhecer a falta de pretensão da mesma, tendo atuado de forma censurável, com propósitos manifestamente dilatórios, que não poderiam desconhecer, condenam-se os réus, pelo incidente a que deram azo, ao abrigo do disposto no artigo 513º do Código de Processo, em duas UC.»

2.

Inconformados recorreram os réus.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

a) Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou improcedente, o requerimento pelo qual os RR peticionaram que fosse declarada a nulidade de todo o processado após recusa da Conservatória do Registo Predial ... em promover o registo da presente acção sobre o prédio propriedade dos RR

b) Decisão onde se sustentou, além da extemporaneidade do requerimento, ser o mesmo incompreensível, destituído de qualquer fundamento e com o propósito de obstar ao normal andamento dos autos, tendo aplicado a penalidade de 2 UCS que fundamentou pela aplicação do regime previsto no art.º 531 do CPC. Ora

c) Apenas a 03/05/2021, tomaram os RR conhecimento da recusa da Conservatória do Registo Predial ..., em dar cumprimento ao pedido de registo da acção, efectuado pelo tribunal por despacho de 10.07.2020, reiterado a 02.11.2020.

d) Os RR nunca foram notificados do ofício da Conservatória de 30/07/2021 conforme atesta o histórico do processo disponível no portal citius;

e) No decurso da audiência Prévia os RR, através do seu mandatário, arguiram oralmente a obrigatoriedade de registo da acção sobre o prédios dos RR e a nulidade dos actos praticados, posteriormente à decisão de recusa da Conservatória, o que fizeram no intuito de obter um efeito processual que impunha a respectiva transcrição na acta nos termos do art. 98º, nº 3 CPC

f) impunha-se que o Tribunal tivesse acautelado que a decisão sobre a pretensão dos RR ficasse desde logo consignada na acta respectiva, por se tratar de questão incidental potencialmente impeditiva da apreciação do mérito da causa, nos termos do disposto nos arts. 423º, nº 5 e 338º, nº 2., o que não aconteceu

g) Tendo sido omitida a intervenção do mandatário dos RR, de forma consciente e intencional de modo a fundamentar a extemporaneidade do Requerimento impedindo os RR de reagir à recusa da Meritíssima Juiz decidir a questão, considerando-a irrelevante, o que não se pode aceitar

h) Conduta intencional porque bem sabe o tribunal que o despacho de insistência em que a Conservatória registasse a acção não foi determinado pelo aperfeiçoamento da PI, que não alterou a causa de pedir ou os pedidos que já constavam da PI

i) E que, os RR não tem legitimidade para recorrer da decisão de recusa desde a entrada em vigor do Decreto-Lei 116/2008 de 4 de Julho, pois foi solicitado oficiosamente, porque obrigatório, pelo Tribunal

j) Que aparentemente alterou a sua posição já que foi acolhida a decisão de recusa de registo sem que tivessem sido devidamente ponderados os efeitos de uma eventual decisão de procedência dos pedidos formulados pelos AA, no que respeita ao direito de propriedade dos RR sobre o prédio, que não se esgotam na constituição da servidão de vistas e estilicídio.

k) O pedido de reconhecimento do direito de propriedade dos AA, tal como estes o configuram na acção, a ser procedente, irá determinar que os RR percam o direito de propriedade que se arrogam e que entendem ter sido violado por via da implantação do imóvel dos AA “em cima” do seu prédio, cujo direito de propriedade também pretendem seja reconhecido pelos AA

l) Para além de contestarem a servidão de vistas e estilicídio que sobre o seu prédio os AA pretendem constituir.

m) O que justifica que a acção tenha de ser registada igualmente sobre o prédio dos RR, conforme disposições constantes dos art.º 1º, 2º, 5º, 8º-A e B do CRP

n) Sendo certo que a contestação onde tais factos são alegados bem como a pretensão dos RR onde seria possível ter a perceção da natureza do litigio, não acompanhou o despacho a promover o registo da acção, o que pode ter justificado a decisão da Conservatória

o) Omissão que podia e devia ser corrigida pelo Tribunal, de modo a permitir que a decisão da conservatória fosse tomada com integral conhecimento dos factos alegados pelas partes;

p) Acresce que, o requerimento apresentado pelos RR e que fundamentou a aplicação da taxa sancionatória excecional não é manifestamente improcedente, e os RR agiram com a prudência e diligência devidas,

q) Sendo certo que cabe ao juiz limitar a aplicação de multas e penalidades ás partes, de modo a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual,

r) Cabendo ao Tribunal da Relação assegurar que a conduta das partes que levou o tribunal a socorrer-se da aplicação de qualquer das penalidades legalmente previstas, foi efectivamente reprovável, intencional, e teve o propósito evidente de obstar à normal tramitação do processo judicial, controlo que parte desde logo, da análise do especial dever de fundamentar a aplicação de tal medida que é exigida ao julgador .

s) Tal fundamentação não pode sustentar-se em imprecisões, omissões e, sobretudo, inverdades, como as que constam do despacho recorrido.

t) Devendo a decisão ser revogada no que concerne à extemporaneidade do requerimento, ser determinado o registo da acção sobre o prédio dos RR, face aos direitos em conflito nos autos e os RR absolvidos da penalidade aplicada

u) Pretendendo os RR que este Venerando Tribunal adopte as medidas que entender necessárias para apurar a veracidade do alegado pelo RR quanto à conduta da meritíssima juíz, de modo a assegurar que o respeito pelos princípios da legalidade, isenção, imparcialidade, respeito pela verdade material e boa aplicação da justiça, continuam a ser os pilares que regem a administração da justiça.

Tendo o despacho recorrido violado as disposições constantes dos art.º98º, nº 3, 423, nº 5, 338, nº 2, e 521º, todos do CPC bem como os art.º 2, 3º, 4º, 8 A e 8 B, nº 3 a) do CRP., deve o mesmo ser revogado, e , em conformidade, ser determinado o registo da presente acção sobre o prédio dos RR, , nos termos do disposto no art.º 2, a)e art.º 3 nº 1 a), do CRP, registo esse que o Tribunal está obrigado a promover , por força do disposto no art. 8.º-B, n.º 3, al.a), do CRP, e os RR absolvidos da penalização que lhes foi aplicada.

Inexistiram contra alegações.

3.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção -, o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são  as seguintes:

1ª- Nulidade processual por preterição do registo da ação sobre o prédio dos réus e tempestividade na sua apreciação.

2ª- Não condenação a título de taxa de justiça excecional.

4.

Apreciando.

4.1.

Primeira questão.

Os recorrentes pugnam que existe nulidade processual ao abrigo do artº 195º do CPC e que a mesma foi tempestivamente arguida, pois que a invocaram em sede de audiência prévia.

Porém,  alegam, foi omitida pelo tribunal, na ata respetiva, a intervenção do mandatário dos RR  neste sentido, o que foi feito de forma consciente e intencional de modo a fundamentar a extemporaneidade do requerimento.

Perscrutemos.

Estatui o artº 195º do CPC:

«1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.».

Temos assim que a omissão de um ato legalmente devido ou a prática de um ato proibido apenas podem ser taxados de nulidades procedimentais se tal conduta puder influenciar o objeto da ação, o pedido, inicial ou reconvencional, configurados e impetrados pelas partes.

 Ou seja, e em suma:  se puder contender com o, material e substantivo,  thema decidendum introduzido em juízo.

Ora o registo da ação, ou a falta dele, pelo menos por via de regra, de que o presente caso não constitui exceção, em nada afeta ou prejudica a apreciação e decisão sobre o mérito da causa.

O objeto desta pode ser apreciado e decidido independentemente do não registo da ação,  no caso em que ele é obrigatório.

E os direitos e obrigações das partes em nada ficam afetados ou  prejudicados pelo não registo da ação.

Na verdade, e salvo quanto à hipoteca, «Os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros.» - artº 4º do CRPredial

Esta regra é o corolário de que o registo não constitui ou cria direitos, nem a sua falta, quando obrigatório, os retira.

O registo tem apenas uma função publicista e de proteção de terceiros.

Tanto assim que, ao menos por via de regra, e, mais uma vez, sem que o presente caso a ela constitua exceção: «Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo.» - artº 5º do CRPredial.

Por conseguinte, o não registo da ação -, ademais apenas sobre o prédio dos réus como eles pretendem, pois que sobre o prédio dos autores ele já foi efetivado -,  e mesmo que fosse obrigatório, não pode ser qualificado de omissão de ato com influência no exame e decisão da causa, com  a consequente anulação dos atos processuais posteriores.

 Acresce que como bem se afirma na decisão, os recorrentes, para consubstanciar o seu inconformismo quanto ao não registo  da ação sobre o seu prédio,  não deveriam dirigir-se ao tribunal, ademais invocando uma figura processual, a nulidade procedimental, a qual, como vimos inexiste.

 Mas, antes, socorrer-se da via hierárquica ou do recurso judicial previstos no artº 140º e segs. do CRPredial.

Efetivamente, e versus o por eles defendido, estas vias não lhe estavam vedadas pelo facto de o registo ter de ser «promovido» pelo tribunal, nos termos do artº 8º-B nº3 do CRPredial

Na verdade, o registo é apenas «promovido» pelo tribunal.

Mas, naturalmente, não é promovido no seu interesse.

Obviamente que interessados no registo são as partes e os terceiros, nos termos, vg., supra expostos.

A lei confere os poderes ao tribunal para promover o registo por razões de eficácia e celeridade.

Mas são as partes e os terceiros os verdadeiros beneficiários de tal registo.

Assim sendo, o tribunal age apenas em substituição ou em  representação destes beneficiários

Ora nos termos do artº 141º nº4 do CRPredial: «Tem legitimidade para interpor recurso hierárquico ou impugnação judicial o apresentante do registo ou a pessoa que por ele tenha sido representada.»

Nesta conformidade, os recorrentes tinham legitimidade para, eles próprios e em sede própria, poderem insurgir-se, por vias até plurais, quanto ao não registo ora pretendido.

Pelo que, outrossim por preterição de modo e via legais e utilização de modo e via inadequado, como o presente, também a sua preensão de registo sucumbiria.

Finalmente, e ainda que, perante o já dito, este argumento se mostre irrelevante, apreciemos a alegada inexistência de extemporaneidade.

Para fundamentar esta pretensão, os recorrentes assacam à atuação da julgadora e à ata da audiência prévia vicio grave: a omissão deliberada do seu insurgimento contra o não registo da ação sobre o seu prédio, na audiência prévia,  com o fito de, depois, o tribunal invocar a extemporaneidade desta sua pretensão.

Há que convir que é uma posição temerária e até inverosímil, pois que o tribunal nem sequer sabia se eles, posteriormente, viriam a invocar – no seu entendimento seria até reiterar – a nulidade.

Destarte, e em todo o caso, perante a gravidade desta asserção e entendimento, deveriam prová-los.

E o meio normal de se insurgirem  e convencerem  era invocarem e provarem a falsidade da ata, nos termos e com as legais consequências.

Pois que esta é documento autêntico que, até prova em contrário sobre a sua veracidade, faz prova do nela plasmado.

Não o tendo feito soçobra, no rigor dos princípios, este seu argumento.

Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda, dir-se-á ainda o seguinte.

Admitindo que os recorrentes alertaram na audiência para a necessidade de registo da ação sobre o seu prédio e, até, invocaram a nulidade que ora invocam, e que  o tribunal tivesse considerado tal registo irrelevante, impunha-se-lhe, perante esta postura da julgadora,  requererem, adrede e inequivocamente, que tal sua posição e pretensão, bem como o  entendimento e/ou decisão da julgadora, ficassem a constar por escrito na ata.

É que, posições ou pretensões manifestadas verbal e mais ou menos informalmente, não são o bastante para vincular e responsabilizar quem quer que seja: partes ou juiz.

Ademais, este seu argumento, assume-se, pelo menos numa certa perspetiva e em certa medida, contrariado pelo que, a final, ficou a constar, expressamente, na ata da audiência, a saber:

«Questionados os Réus neste momento, sobre se pretende consignar neste momento em Ata algum requerimento, pelo ilustre Mandatário dos mesmos foi dito nada ter a consignar. »

Ou seja, foi dada a oportunidade aos réus - quiçá precisamente na sequência de troca de impressões mais ou menos informal entre eles e a Julgadora acerca qualquer tema, p.ex., o que ora nos ocupa -, sobre se pretendiam formalizar alguma posição ou pretensão.

E pelos mesmos foi dito que não!

Há que convir, perante esta indesmentível realidade, que este seu argumento de escamoteamento em ata da invocação da nulidade, se revela, no mínimo, incongruente.

 E, ademais, e outrossim quiçá indiciador de alguma inépcia, a qual agora, como se viu, por razões formais e substantivas, não pode ser suprida, a todo o transe, em sede recursiva.

E, assim, atentos os factos e datas alegados no despacho, os quais não foram contrariados, se concluindo que, mesmo que  o seu chamamento fosse admissível, que não é, como se viu, a invocação da nulidade se revelaria extemporânea.

4.2.

Segunda questão.

No despacho discorreu-se, em tese, adequadamente, quanto à natureza, finalidade e pressupostos de aplicação da taxa sancionatória excecional prevista no artº 531º do CPC e no artº 27º nº4 do RCP.

Reiterando-se tal entendimento, chama-se à colação o Acordão desta Relação de 09.11.2021, p. 2466/20.3T8VIS-F.C1 in dgsi.pt, o qual o presente relator subscreveu como 2º adjunto, e onde se expende sinóticamente:

«I - Constituem pressupostos da aplicação da taxa sancionatória excecional (art.531º do Código de Processo Civil), a natureza manifestamente improcedente de certo pedido e uma atuação processual imprudente, reveladora de violação do dever de diligência.

II - A taxa será aplicada em situações excecionais, ou seja, quando o sujeito tenta contrariar ostensivamente a legalidade da marcha do processo, provocando um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo.

III - A justificação da norma permite verificar que a mesma tem proximidade com o instituto da litigância de má fé, na medida em que ambos surgem como institutos processuais, de tipo público e que visam o policiamento do processo.

IV - Sendo assim, fazem sentido os critérios previstos no art.27º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais, ao preceituar que a fixação da sanção é feita “tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste”.»

No caso vertente.

Como supra expendido os recorrentes invocaram uma nulidade processual, qual seja, a falta de registo da ação sobre o seu prédio, a qual, patentemente, não colhe respaldo na previsão do artº 195º do CPC.

Por outro lado, invocaram tal nulidade nos presentes autos quando era-lhes exigível,– até porque estão assessorados por ilustres causídicos – uma leitura da lei mais atenta  no sentido de  se darem conta que o insurgimento contra a falta de registo deveria ter sido despoletado no âmbito e âmago do CRPredial e através dos meios especificamente neste consagrados.

Finalmente, the last but not the least, passe o anglicismo, invocam como argumento fulcral, o facto de  ter sido omitida a intervenção do mandatário dos RR na arguição da nulidade logo na audiência prévia, o que foi feito «de forma consciente e intencional de modo a fundamentar a extemporaneidade do Requerimento…».

Ora concluiu-se que esta grave acusação não colhe respaldo na análise dos contornos do caso.

Antes pelo contrário.

Do acervo ou núcleo fáctico circunstancial relevante que se apura, ou fortemente indicia, - máxime do facto de ficar a constar no final da ata que foi dada a oportunidade aos réus e seu mandatário para requererem formalmente o que lhes aprouvesse, e que este declarou nada ter a manifestar -, dimana que nenhum direito foi cerceado aos recorrentes nem nada foi omitido na ata que eles não pudessem desde logo alegar e, assim, impedir tal omissão.

Por conseguinte, a final conclusão a retirar é que os réus violaram manifestamente os seus deveres de prudência e diligência, pois que assumiram uma conduta meandrosa e temerária, e, inclusive, lançaram sobre o tribunal um labéu de parcialidade que não lograram provar.

E, assim, originaram tramitação desnecessária e indevida, a qual, naturalmente, descambou em trabalho e despesa inúteis e evitáveis.

Note-se que este sancionamento do artº 531º do CPC, mais do que punir erros técnicos -  pois que o sancionamento dos mesmos e da consequente improcedência dos atinentes pedidos sempre é sancionada com o pagamento das custas inerentes -, visa, ao menos essencial e primacialmente, censurar uma conduta que possa ser taxada, ético-juridicamente, como patentemente desadequada.

No caso vertente assim é.

Mais do que a razão ou sem razão jurídica da pretensão formulada, releva o modo, que pode ser classificado de menos leal, como os réus atuaram e os argumentos, graves e não provados, esgrimidos.

Destarte, conclui-se que, também neste conspeto, a sentença se situa, na apreciação dos contornos do caso e  na respetiva subsunção legal à previsão do aludido artigo, ao menos, dentro de limites aceitáveis e, assim, admissíveis, pelo que também aqui não merece censura.

Improcede o recurso.

5.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - A preterição de registo da ação, se obrigatório, não constitui nulidade processual – artº 195º do CPC – pois que a omissão não influi no exame ou decisão da causa.

II - Se se assaca à ata de audiência a omissão de um facto que nela deveria constar, o meio de insurgimento contra tal realidade é a invocação da falsidade da ata.

III - Assim, não se provando que a pretensão de invocação de nulidade foi manifestada em tal ata, o dies ad quem do prazo da sua invocação não é a data da mesma, mas a data posterior em que, adrede, foi formalizada; e, assim, revelando-se extemporânea se decorrido o prazo do artº 199º do CPC.

V - A Taxa sancionatória excecional prevista no artº 531º do CPC não visa, primacialmente, sancionar erros técnicos,  antes pretende punir uma conduta ético juridicamente censurável que não atinja o patamar da má fé, mas que seja patentemente imprudente ou negligente.

VI - Pode ser sancionada a tal título a parte que invoca a aludida nulidade do artigo 195º do CPC, com base na falta de registo da ação e, acima de tudo, que aduz argumentos, não provados e antes infirmados, que significam falsidade da ata de audiência e parcialidade do juiz.

6.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão.

Custas pelos recorrentes.

Coimbra, 2022.07.12.