Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1007/06.0TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
TRABALHADOR
FALTAS INJUSTIFICADAS
COMPORTAMENTO DO TRABALHADOR
GRAVIDADE
CONSEQUÊNCIAS
SUBSISTÊNCIA DA RELAÇÃO DE TRABALHO
Data do Acordão: 05/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA - º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 396º, NºS 1 E 3, AL. G), DO CÓDIGO DO TRABALHO.
Sumário: I – Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, nomeadamente as… faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas – artº 396º, nºs 1 e 3, al. g), do Código do Trabalho.

II – Numa primeira leitura dessa norma é-se tentado a admitir que, ante a literalidade da dita, o legislador se ficou pela exigência da simples materialidade do comportamento do trabalhador para integrar a noção de justa causa de despedimento, nos casos de as faltas injustificadas atingirem, em cada ano civil, as 5 seguidas ou as 10 interpoladas (prescindindo da existência/demonstração de qualquer prejuízo ou risco para a empresa).

III –Porém, quer a doutrina quer a jurisprudência vêm entendendo que assim não é, tornando-se também necessário demonstrar que o comportamento do trabalhador, pela sua gravidade e consequências, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (nº 1).

IV – No caso específico da al. g) do nº 3 do artº 396º, haverá mera desvalorização do elemento prejuízo (real ou potencial) na apreciação da gravidade dos factos; mas não se exclui a relevância do grau de culpa nem o alcance de outros factores de gravidade, como os respeitantes à prevenção especial e geral.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I – A CAUSA

1 – A..., casada, com os demais sinais dos Autos, demandou no Tribunal do Trabalho de Coimbra a R. «B...», com sede em Serzedo, Arganil, pedindo, a final, a sua condenação a ver declarado ilícito o despedimento de que foi alvo e a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, pagando-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, ou, caso a A. venha a fazer essa opção, a indemnizá-la em função doa anos de serviço.

2 – Frustrada a tentativa de conciliação a que se procedeu na Audiência de Partes, a R. veio contestar, alegando basicamente que a A. foi despedida por ter dado 12 faltas seguidas injustificadas.

3 – Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção procedente, porque provada, e, declarando ilícito o despedimento da A., condenou-se a R. a reintegrar aquela no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, bem como a pagar-lhe ainda a quantia de € 5.018,00, a título de compensação /retribuições que deixou de auferir, com juros de mora, tudo conforme consta do dispositivo, a fls. 87v.º, a que nos reportamos.

4 – A R. veio apelar.
Alegando, concluiu assim:
1. Como a A. faltou ao serviço de 9 a 30 de Junho de 2006, inclusive, foram-lhe justificados os primeiros 5 dias e injustificados os restantes;
2. O facto 18. da matéria de facto provada deverá ser corrigido em conformidade, de forma a considerarem-se 12 faltas injustificadas;
3. O comportamento faltoso da A. dispensa a R. de alegar e provar que aquela lhe causou prejuízo;
4. A A. ausentou-se durante mais de 5 dias úteis seguidos, para tratar de assuntos de herança;
5. Tal não preenche o conceito de obrigação legal;
6. A A. faltou por culpa sua;
7. A gravidade e consequências do comportamento da A. residem nos prejuízos óbvios à empresa e no péssimo exemplo dado aos demais trabalhadores, criando precedentes graves para situações similares;
8. Alegar como motivo o ‘tratar de assuntos de herança’ reveste-se da mesma gravidade que ter decidido unilateralmente antecipar as suas férias nos dias em que faltou, para além das faltas dadas por falecimento de parente;
9. No despedimento por faltas, a entidade empregadora só tem que provar o número de faltas, recaindo sobre o trabalhador o ónus de provar o motivo legal e a comunicação nos termos da Lei;
10. A A. não fez prova do motivo legal para faltar nos aludidos 12 dias (art. 799.º do C.C.);
11. Outro entendimento poderia levar ao alastramento de comportamentos semelhantes ao da A. no seio dos trabalhadores da R., com inerente desestabilização, perturbação e desordem;
12. A A. decidiu unilateralmente ausentar-se para tratar de assuntos de herança sem recolher a autorização da entidade empregadora;
13. No caso das faltas, como é o dos Autos, o preenchimento da cl.ª geral do art. 396.º/1 do C.T. está assegurado à partida e só a A. dele poderia lançar mão para afastar a justa causa de despedimento;
14. Na apreciação da justa causa atende-se ao comportamento do trabalhador no quadro de gestão da empresa, tendo em conta os danos resultantes da conduta nos seus companheiros;
15. No caso, será de concluir pela impossibilidade prática de manutenção da relação de trabalho;
16. De facto, ocorre uma situação de quebra absoluta e abalo profundo na relação de confiança entre a trabalhadora e o empregador;
17. O que torna inexigível à R. a continuação do vínculo;
18. A A. não provou que as faltas em causa mereciam justificação, como era seu ónus;
19. A A. violou gravemente o dever de assiduidade e quebrou irremediavelmente a confiança que deve existir entre trabalhador e empregador;
20. A conduta da A. é, em concreto, susceptível de abalar ou destruir a confiança;
21. Existe, pois, justa causa para o despedimento da A.;
22. A falta de suspensão preventiva da A. não deve ser aqui valorada, porquanto é uma faculdade do empregador, nos termos do art. 417.º do C.T.;
23. A sentença violou, entre outras, as normas dos arts. 396.º/1 e 3, alínea g), do C.T. e do art. 799.º do C.C.

Deve ser revogada a decisão e substituída por outra que declare a acção totalmente improcedente, lícito o despedimento da A., com a absolvição da R. do pedido.
Não foi oferecida resposta.
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Recebidos os Autos e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a pronunciar-se no sentido do improvimento do recurso, a que não houve reacção – vamos apreciar e decidir.
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II –

A – DOS FACTOS.
Vem assente a seguinte factualidade:
· A R. é uma sociedade comercial que se dedica, habitual e lucrativamente, à produção e comercialização de produtos alimentares congelados;
· No dia 1.10.1997 a A. foi admitida ao serviço dar., por contrato de trabalho, para desempenhar as funções de operária fabril, sendo o trabalho desempenhado sob as ordens, direcção e fiscalização dos gerentes da R.;
· Actualmente a A. exercia as suas funções por um período de 40 horas semanais, auferindo um vencimento base de € 386,00;
· No dia 9.6.2006 a mãe da A. faleceu em Joanesburgo, África do Sul;
· A A. enviou à R. a carta junta a fls. 8-10, cujo teor se tem aqui por integralmente reproduzido;
· Em 15.7.2006 a A. recebeu da R. uma carta na qual a sua entidade empregadora lhe comunicava a instauração de um processo disciplinar contra si, juntamente com a nota de culpa;
· A R. enviou à A. a nota de culpa junta a fls. 12, cujo conteúdo se tem aqui por reproduzido;
· A A. respondeu à nota de culpa nos termos constantes de fls. 13-16, cujo teor se tem aqui igualmente por reproduzido;
· A R. enviou à A. a decisão junta a fls. 17-18, cujo conteúdo se tem aqui por vertido;
· A A. teve que solicitar a emissão do passaporte, tendo este sido emitido somente no dia 12 de Junho;
· O embarque no avião para Joanesburgo teve lugar no dia 13 de Junho de 2006, ausentando-se a A. do serviço para a África do Sul neste dia, após ter obtido o passaporte;
· A A. apenas conseguiu voo de regresso a Portugal no dia 29.6.2006;
· O tempo que a A. esteve em Joanesburgo foi para deixar todos os documentos e problemas relativos à herança da sua mãe resolvidos;
· No dia 3.7.2006 a A. apresentou-se ao serviço da R. para exercer a sua função como trabalhadora da fábrica e a R. nunca levantou objecção ou fez alguma advertência, não se opondo àquela prestação de trabalho;
· A A. só tomou conhecimento das intenções da R., de despedimento, quando recebeu a nota de culpa, em 15.7.2006;
· Desde o dia 3 de Julho até ao dia 15 de Julho de 2006 não existiu qualquer conflito entre as partes e a relação laboral manteve-se inalterada como vinha acontecendo desde o momento em que a A. foi contratada ao serviço da R.;
· A R., após a instauração do processo disciplinar, não suspendeu a actividade laboral da A., continuando a aceitá-la até ao dia 21.8.2006;
· A A. faltou ao serviço entre os dias 12 e 30 de Junho de 2006;
· A R. considerou justificadas à A. as faltas dos dias 9 a 13 de Junho.


B – O DIREITO.
Como se vê da leitura do acervo conclusivo com que a Recorrente remata as suas alegações – por onde se afere e delimita, por via de regra, como é sabido, o objecto e âmbito da impugnação – é apenas uma a questão substantiva a resolver: a da justa causa de despedimento com base nas faltas injustificadas ao trabalho.

- Antes porém, importa que nos detenhamos na pretendida correcção do item 18. do alinhamento de facto, a que se reportam as duas primeiras conclusões.
Pretexta a Apelante que, ante a comunicação feita por carta de 12.6.2006 – onde expressamente a A. fez constar que ‘conforme vos comuniquei no passado dia 9.6.2006, faleceu nesse dia a minha mãe’ – a informação foi feita no próprio dia e não apenas a 13 de Junho, como é dito na fundamentação da decisão.
Assim – porque …logicamente a A. faltou ao serviço a partir desse dia 9, inclusive foram justificadas as faltas de 9 a 13 de Junho e os 12 dias úteis seguintes foram de faltas injustificadas.
Deve o facto 18. ser corrigido, de modo a constar que a A. faltou nos dias 9 a 30 de Junho de 2006.

Tudo visto e analisado, podemos adiantar desde já que a Recorrente não tem razão neste ponto, com o devido respeito.
Com efeito:
Como bem percepcionou o Exm.º P.G.A. na sua douta intervenção, não consta dos articulados, em parte alguma, que a A. tenha faltado ao serviço a partir do dia do óbito da sua mãe.
A A. alegou oportunamente (cfr. items 7, 8, 17, 18 e 37 do petitório) que a mãe faleceu no dia 9.6.2006, (facto que comunicou à R. em 12.6.2006, por carta registada com A/R), e que, tendo solicitado a emissão de passaporte, este só lhe foi concedido no dia 12 desse mês, pelo que apenas embarcou no avião para Joanesburgo no dia seguinte, 13, nesse dia se ausentando do serviço.
A R., na sua defesa, limitou-se a contrapor que a A. deu 12 faltas injustificadas seguidas, (items 2.º e 7.º da contestação), sem alegar especificadamente quaisquer factos que, em sede de produção de prova, pudessem vir a contrariar/infirmar a circunstanciada alegação da A. sobre tal ponto.

Considerando os factos assentes nos pontos 4., 5. e 10.-12. do alinhamento constante da fundamentação de facto da sentença, maxime no ponto 11. (O embarque no avião para Joanesburgo teve lugar no dia 13 de Junho de 2006…ausentando-se a A. do serviço, para a África do Sul, neste dia’…), o facto plasmado no ponto 18. não poderia logicamente ter outra redacção.

Em síntese:
Não pode acolher-se esta pretensão da R./Recorrente, soçobrando consequentemente as duas primeiras conclusões alegatórias.
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- Não se discutindo, ‘in casu’, a legalidade formal do cominado despedimento (a existência de um processo disciplinar válido), enfrentemos então a questão substantiva que nos toma, já acima enfocada.
Contrariamente ao ajuizado, pretexta a Apelante que o comportamento faltoso da A. dispensa a R. de alegar e provar que aquela lhe causou prejuízo.
Assim, faltando a trabalhadora, por mais de cinco dias úteis seguidos, para tratar de assuntos de uma herança, faltou por culpa sua.
No despedimento por faltas, a entidade empregadora só tem que provar o número de faltas, recaindo sobre o trabalhador o ónus de provar o motivo legal e a comunicação, nos termos da Lei.
Existe, pois – conclui – justa causa para o despedimento da A., porque, além do mais, a mesma violou gravemente o dever de assiduidade, ocorrendo uma situação de quebra absoluta da relação de confiança entre empregador e trabalhador.

Ora bem.
Busquemos então a solução devida, começando por lembrar o quadro normativo de subsunção essencial.
Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, nomeadamente as…faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas – art. 396.º, n.º1 e n.º3, g), do Código do Trabalho.

O caso sujeito insere-se perfeitamente na problemática que constituiu controvérsia, num passado relativamente recente, e alimentou posições diferentes na Jurisprudência, tendo merecido inclusivamente do Prof. Menezes Cordeiro um tratamento pontual, estampado a fls. 833 e seguintes do seu ‘Manual de Direito do Trabalho’, reflexão essa que acompanhamos e a que aludiremos adiante.
Sobre esta matéria, (o efeito das faltas injustificadas/justa causa de despedimento), tomou também posição, assumidamente sem grandes desenvolvimentos, Albino Mendes Baptista (‘Estudos Sobre o Código do Trabalho’, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2006, 190).

Importará, além disso, ter presente o entendimento preconizado na Jurisprudência, nomeadamente a predominante do S.T.J.

Numa primeira leitura é-se tentado a admitir que, ante a literalidade da norma interpretanda, o legislador se ficou pela exigência da simples materialidade do comportamento.
Prescindindo expressamente da existência/demonstração de qualquer prejuízo ou risco para a empresa sempre que o número de faltas injustificadas atinja, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas, poderia ser-se levado a pensar que a ocorrência dessa situação integraria, objectiva e imediatamente, a noção de justa causa de despedimento.

Este entendimento não foi porém acolhido nesta Relação, como se constata pelo teor das decisões adrede produzidas.
Prevaleceu, ao tempo, a tese de que se torna necessário demonstrar que o comportamento do trabalhador, pela sua gravidade e consequências, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
(Veja-se, v.g., o Acórdão de 7 de Julho de 1994, in C.J., Ano XIX, Tomo IV, pg. 63 e seguintes, onde se dá conta de parte da doutrina que acima referimos e se invoca a já então tida por pacífica jurisprudência do S.T.J. no mesmo sentido).

Sem nos alongarmos desnecessariamente, diremos, (com respaldo na recensão doutrinária de que damos nota e na abundante Jurisprudência identificada), que a tese da ‘justa causa objectiva’, propugnada pela Apelante, (e que foi sustentada por Bernardo Lobo Xavier, na perspectiva de que o legislador se teria preocupado apenas, nestes casos, com a ‘expressão numérica das faltas’…), não logrou convencimento geral.

São absolutamente pertinentes e elucidativas as considerações de Menezes Cordeiro que, (apesar de não deixar de manifestar a sua preocupação relativamente ao fenómeno do absentismo), regista a fls. 838:
‘…A falta injustificada, porque injustificada, já é, por si, ilícita e culposa, donde a sua relativa concretização.
Só falta ver a sua projecção da relação de trabalho’.Sublinhámos.
Sempre que ocorram faltas injustificadas seguidas, em número superior a cinco e interpoladas, em número superior a dez, desaparece o requisito dos prejuízos ou riscos graves.
Temos pois de admitir faltas que, não obstante não causarem riscos ou prejuízos graves, tornem impossível a manutenção da relação de trabalho.
Este último ponto levantou dúvidas: poderia entender-se que, havendo cinco faltas seguidas ou dez interpoladas, não seria necessária a sindicância do n.º1.
Houve mesmo algumas flutuações jurisprudenciais que, pelo menos aparentemente, se aproximaram dessa fórmula objectiva.
Chegou mesmo a ser pedido um Assento sobre a matéria, o qual foi recusado – e julga-se que bem – porque não havia contradição de julgados, uma vez que os diversos Arestos, apesar de certas flutuações da linguagem, sempre exigem a ponderação das faltas injustificadas à luz da cláusula geral do n.º1’.

E também Monteiro Fernandes, em idêntico contexto expositivo – e referindo-se concretamente à previsão da alínea g) do n.º3 do art. 396.º do C.T. – manifesta a sua esperança de que a Jurisprudência mantenha o rumo seguido, que é sugerido pela noção constante do n.º1 da norma: o de não se bastar com a simples materialidade do comportamento…ainda que literalmente subsumível num pretenso ‘tipo legal’ de justa causa…o de enfim requerer o preenchimento de condições de culpa e de gravidade objectiva…
No caso específico da citada alínea g) haverá mera desvalorização do elemento prejuízo (real ou potencial) na apreciação da gravidade dos factos; mas não se exclui a relevância do grau de culpa nem o alcance de outros factores de gravidade, como os respeitantes à prevenção especial e geral’ – citámos.


O S.T.J., (Acórdão de 15.2.2006, ‘inter alia’, in www.dgsi.pt/jstj, n.º doc. SJ200602150028444), proclama actualmente o mesmo entendimento das coisas, como tem sido jurisprudência praticamente uniforme: o preenchimento do comportamento previsto na alínea g) – previsão praticamente textual ora no n.º3 do art. 396.º do C.T. – não implica a verificação automática da justa causa de despedimento.
A cláusula geral contida no n.º1 da norma também cobre esta situação.
Simplesmente, como no caso dos Autos, em que há mais de cinco faltas seguidas injustificadas, a Lei prescinde da existência de ‘qualquer prejuízo ou risco’.
Sendo necessário demonstrar o preenchimento do conceito de justa causa, (concretamente saber se se verifica um dos elementos em que a noção se analisa, como é corrente e pacificamente entendido, ou seja, se existe a necessária relação de causa-efeito entre o comportamento do trabalhador e a impossibilidade de subsistência da relação laboral), o sentido da solução começa a não oferecer dúvidas relevantes.

Como bem se expendeu na decisão 'sub judicio', a A. faltou injustificadamente ao trabalho durante nove dias, sendo cinco deles seguidos.
Não tendo a R. que demonstrar que dessa ausência ao serviço tenha resultado qualquer prejuízo ou risco para a empresa, resta saber se o sindicado comportamento da A., culposo embora, foi de gravidade e consequências tais que tenha tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Ora, dos factos provado – únicos aqui relevantes e por isso ponderáveis – nada resulta que nos induza ou aproxime dessa conclusão.
Na verdade, nada foi oportunamente alegado, sequer, susceptível de factualizar essa hipótese.
A A., num contexto pessoal/familiar de excepção, (e não há indicação de quaisquer antecedentes disciplinares, nomeadamente relativos a faltas ao serviço…), ante o sabido óbito da mãe em Joanesburgo, África do Sul, acontecido a 9.6.2006, comunicou à R. tal ocorrência e ausentou-se do serviço a 13 desse mês, depois de a 12, ter obtido o necessário passaporte.
No dia 3-7-2006 apresentou-se ao serviço da R. para exercer as suas funções, com trabalhadora da fábrica, não lhe tendo a R. levantado qualquer objecção ou feito qualquer advertência, não se opondo por qualquer modo a que prestasse o seu trabalho.
Só a 15-7-2006, quando recebeu a nota de culpa, é que a A. tomou conhecimento das intenções da R. de a despedir.
Desde que retomou o trabalho (3.7.2006) até ao dia 15.7.2006 a relação laboral manteve-se inalterada, como sempre acontecera desde que foi contratada, não tendo existido qualquer conflito entre as partes, continuando a A. a trabalhar normalmente até 21.8.2006, data em que lhe foi comunicada a decisão de despedimento.

Independentemente da censura disciplinar devida à actuação da A., (as faltas injustificadas, porque injustificadas, já são em si ilícitas e culposas, como diz Menezes Cordeiro, ob.loc.cit., no que convimos absolutamente), impõe-se naturalmente perguntar:
Em que se consubstanciou a gravidade e consequências de tal comportamento para que se possa concluir, como se pretenderia, que se tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho?
Não temos um único facto nesse sentido…
…E se nos é permitido tirar alguma ilação dos que vêm assentes, é a de que a ausência do trabalho durante aquele período, (em que a A. estava obrigada a comparecer e faltou), não terá afectado significativamente o ritmo da produção e a organização do ciclo produtivo, não agastando a gerência da R., que a deixou retomar normalmente a sua actividade logo que regressou ao serviço, sem qualquer conflito, advertência ou objecção, até à comunicação da decisão de a despedir, ou seja, de 3 de Julho a 21 de Agosto de 2006!

Bem se percepcionou, ponderou e decidiu, pois, na sentença sob protesto.
Nada prefigura uma relação de causa-efeito entre a sindicada conduta da A. (as faladas faltas injustificadas) e um putativo cenário de imediata impossibilidade da subsistência da relação de trabalho.

Com o devido respeito diremos – refutando, a finalizar, os argumentos mais relevantes da impetrante – que alegar-se, v.g., que a gravidade do comportamento da A. reside precisamente na sua ausência, causando óbvios prejuízos à empresa, ou que a sua ausência é um mau exemplo dado aos restantes trabalhadores, é, no mínimo tautológico e/ou meramente especulativo, de nada servindo ante o contexto de significação que a dimensão da norma básica de subsunção pressupõe.
…Como inconsequente é invocar, no caso, a quebra da relação fiduciária, enquanto suporte psicológico do vínculo.
…É diverso o recorte e densidade do valor da confiança ainda assim relevante, mas em diferente contexto.

Uma nota final relativamente à invocada falta de prova por banda da A. do motivo legal para faltar durante os referidos dias, (art. 799.º do C.C.), embora esse aspecto do problema não contenda propriamente com a gravidade de conduta que releva para o efeito do preenchimento/concretização da cláusula geral do n.º1 do art. 396.º do C.T.:
Encontrámo-la, expressa de uma forma superior, a outro propósito, no comentário de Pedro Romano Martinez ao art. 396.º do C.T., 5.ª Edição, 2007, que reproduzimos a seguir, por ter alguma pertinência.
…’Como é normalmente admitido, a presunção do n.º1 do art. 799.º do C.C. é de negligência e não de culpa grave: o incumprimento de deveres contratuais por parte do devedor/trabalhador presume-se culposo…mas a presunção não abrange o comportamento culposo grave – a que alude o n.º1 do art. 396.º – que tem de ser provado pelo credor/empregador’.

Crendo ter dito o essencial, vamos terminar.
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III – DECISÃO.
Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se julgar improcedente a Apelação, confirmando inteiramente a sentença impugnada.
Custas pela Recorrente.
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Coimbra,