Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
436/05.0TBAGN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
LIMITE DA INDEMNIZAÇÃO
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/21/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ARGANIL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 508º DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 6º DA PORTARIA 377/2008 DE 26 DE MAIO E SEU ANEXO III
Sumário:
1) A reapreciação da prova audio gravada é insusceptível de suprir pormenores que só a imediação permite captar; isto para além de haver momentos na produção de prova, v.g. de confronto da testemunha com documentos insusceptíveis de ser seguido pelo Tribunal Superior.

2) Não é possível da falta de prova a determinados factos concluir pela verificação do respectivo contrário maxime quando dessa forma se extraem conclusões jurídicas que os mesmos não comportam.

3) Havendo dúvida sobre equivalência das características de dois veículos intervenientes no acidente e subsistindo a dúvida persistente quanto à contribuição de cada um deles para o acidente, deve concluir-se pela repartição igualitária da mesma.

4) Com a alteração ao artigo 508º do Código Civil pelo DL 59/2004 de 19 de Janeiro ficou superada a divergência jurisprudencial que se verificara anteriormente quanto a saber se o artigo em análise havia sido revogado ou não pelo artigo 6º do DL nº 522/85 de 31 de Dezembro, podendo concluir-se pela positiva ao consagrar-se quanto ao nº 1 do referido normativo legal, que " A indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel".

5) É aconselhável cotejar os critérios indemnizatórios usuais com os preconizados pela aplicação dos critérios preconizados pelas fórmulas a que alude o artigo 6º da Portaria 377/2008 de 26 de Maio e seu anexo III, se bem que ainda não aplicáveis no caso concreto, por uma questão de justiça relativa e uniformidade de critérios.

Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

A... propôs a presente acção ordinária emergente de acidente de viação contra “Companhia de Seguros B...”, alegando, em síntese, que no dia 17 de Agosto de 2002, na Estrada Nacional nº 2, quando conduzia o seu motociclo de matrícula C...00-00-TE no sentido Góis - Vila Nova de Poiares e no entroncamento desta com uma estrada sita à esquerda que conduz a Serpins e Samora, para onde pretendia efectivamente seguir, foi interveniente num acidente de viação com o motociclo de matrícula D... 00-00--LL, com a responsabilidade civil transferida para a ora Ré, por contrato de seguro válido e em vigor, sendo que o dito acidente se ficou a dever a exclusiva culpa do condutor do motociclo seguro na Ré, o qual circulando a uma velocidade superior a 120/kms hora e transportando uma passageira, invadiu a faixa de rodagem dele A., aí se dando o embate entre ambos, embate esse de que lhe resultaram extensos e graves danos, nomeadamente fractura do fémur e perna direita, para além de total paralisia do braço direito, para cujo tratamento foi submetido a uma grave e dolorosa intervenção cirúrgica, sem que a recuperação até hoje fosse satisfatória, antes daí lhe resultou uma I.P.P. de 65%, pelo que, porque tinha apenas então 36 anos de idade e gozava de boa saúde, auferindo montante mensal não inferior a € 1.250,00, com o que perdeu o montante mensal de € 812,50 (€ 9.750,00 por ano), o que se irá prolongar pelos seus 29 anos de previsível vida activa, resultando-lhe um prejuízo de € 282.750,00, acrescendo ter direito a € 17.500,00 a título de I.T.A. (pois esteve de baixa desde o dia do acidente até ao dia 21 de Outubro de 2003 em que lhe foi dada a incapacidade antes referida, nada auferindo), a € 10.955,58 que já despendeu em assistência médica e medicamentosa, a € 8.378,15 que lhe foi já reclamado pelo H.D. de Águeda, a € 300,00 que despendeu em transportes, a € 150,00 que despendeu em alimentação, a € 1.025,00 do valor da roupa que se rasgou no dia do acidente e a € 8.000,00 pelo valor do motociclo que não teve reparação, a que tudo acrescerá o montante de € 25.000,00 pelos danos não patrimoniais derivados das dores, tormentos e infelicidade que o acompanhará doravante, termos em que conclui no sentido de que, na procedência da acção, por provada, seja a Ré condenada a pagar-lhe a quantia total de € 354.058,93, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento.

Contestou a Ré começando por sustentar que deve ter lugar à sua absolvição da instância, dado correr termos paralelamente um processo crime no qual deveria ter sido reclamada a pretensão indemnizatória do Autor, prosseguindo por, em via de impugnação, invocar que o acidente ajuizado se ficou antes a dever à actuação do A., enquanto condutor do motociclo TE nele interveniente, pois que o mesmo é que cortou a linha de marcha do seu segurado, sem o sinalizar e a grande velocidade, tomando inevitável o embate entre ambos os motociclos, sendo que, em todo o caso, as indemnizações reclamadas pelo A, são exageradíssimas e desconformes com os critérios legais e jurisprudenciais, termos em que conclui no sentido da improcedência da acção.

Respondeu o A. pugnando no sentido da improcedência da contestação e excepções deduzidas pela Ré, concluindo no demais como o havia feito na p.i..

Elaborou-se oportunamente despacho saneador, através do qual se começou por julgar improcedente a referenciada excepção, prosseguindo-se com a afirmação tabelar dos demais pressupostos processuais, e com a selecção da matéria de facto, mediante especificação dos factos assentes e quesitação em base instrutória dos factos controvertidos, o que não foi alvo de qualquer reclamação.

Procedeu-se, de seguida, à realização do requerido exame médico-legal do A. cujo relatório consta de fls. 257 a 265, na sequência do qual o A. apresentou um articulado de ampliação do pedido a fls. 373, em mais € 244,000,00 sobre o montante peticionado de início, particularmente com referência ao que terá que despender com a terceira pessoa de cujo acompanhamento carece diariamente, donde um total indemnizatório de €   598.058,93 que reclama da Ré, ampliação do pedido esta que foi oportunamente admitida nos autos.

Procedeu-se a julgamento e acabou por ser proferida sentença que julgou a parcialmente procedente por provada e assim condenou a Ré Seguradora Companhia de Seguros B... a pagar ao Autor A... a quantia global de € 225.000,00, do demais peticionado indo a dita Ré expressamente absolvida.

Daí o presente recurso de apelação interposto por Companhia de Seguros B... e A..., os quais pediram na sequência da exposição das respectivas teses a revogação da sentença em análise.

Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

Apelação da Companhia de Seguros B...

1) Dos factos dados por provados pelo Tribunal a quo quanto ao circunstancialismo dinâmico do acidente dos autos não é possível extrair que o condutor do motociclo TE tenha sinalizado a sua manobra de mudança de direcção; que estivesse a realizar a tal manobra assegurando-se que da mesma não resultava perigo ou embaraço para o trânsito; que antes de mudar de direcção se aproximou com a devida antecedência do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta; e muito menos que tenha parado em obrigação ao sinal de STOP demarcado no pavimento;

2) Mas já é possível concluir, sem necessidade de recurso a um método hermenêutico concretizador complexo ou a qualquer "jogo" semântico, desses mesmos factos, que o TE já tinha iniciado a mudança de direcção sem imobilizar a sua marcha; sem efectuar a perpendicular na execução de tal manobra; sem cuidar que em sentido contrário circulava outro motociclo; bem como que o LL seguia a sua normal linha de marcha, embora próximo do eixo de via, o que não pode ser considerado causal do acidente, pois o Tribunal recorrido considerou que o no momento do acidente o TE “circulava” (conceito dinâmico) e que o embate se dá entre a parte frontal do LL e a lateral direita mais sobre a traseira pela frente do TE;

3) Assim, em rigor, só ao condutor do motociclo LL é que não pode ser assacada qualquer conduta ilícita ou contravencional;

4) Donde, não tendo o Autor logrado afastar as presunções legais de culpa que sobre si impendiam e que se encontram previstas nos artsº 21º, 35º, 44º do Código da Estrada, nunca poderia beneficiar de uma divisão igualitária de responsabilidades alicerçada na responsabilidade objectiva ou pelo risco a que dá cobertura o artº 506º do Código Civil.

5) A sentença recorrida indemnizou o Autor pela incapacidade parcial permanente de que padece em € 200.000, depois de equacionada uma repartição igualitária de responsabilidade, por aplicação, ao caso concreto, do artº 506º do Código Civil;

6) Esta é uma decisão incompreensível e fundamentada de modo muito deficiente, uma vez que o tribunal a quo não teve em consideração dados objectivos como a idade da vítima (36 anos), o grau de incapacidade de que padece (60% + 5%), o salário mensal à data do acidente (€ 800,00), as incidências fiscais sobre os rendimentos auferidos, o remanescente do seu tempo de vida laboral activo, as taxas de juro praticadas, os factores de correcção, tudo aliado ao facto de o Autor ir receber de uma só vez a indemnização arbitrada a este título com a qual se devem cobrir estes danos mas que tem de se extinguir no fim da sua vida activa, mas sempre garantindo, durante esta, a prestação periódica correspondente à sua virtual perda de ganho. Logo, ao errar a matemática, o Tribunal está a permitir o enriquecimento ilegítimo;

7) Donde, mesmo aplicando as fórmulas matemáticas e tabelas financeiras mais severas utilizadas pelos Tribunais Superiores chegamos a € 159.879.89 como valor de indemnização global pelo dano sofrido, o que reduzido a metade e arredondado, dá € 80.000;

8) Diga-se ainda em abono da verdade que se já fosse aplicável ao caso concreto a Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio, que estabeleceu critérios indemnizatórios objectivos e razoáveis, o valor da indemnização a título de danos patrimoniais na vertente de eventual perda de capacidade de ganho resultante da incapacidade parcial permanente que foi fixada ao A. deveria ter sido ainda menor do que aquele pelo qual a recorrente pugna neste seu recurso.

9) Apesar de serem já os nossos Tribunais Superiores que se querem orientar pela referida portaria, uma vez que visam evitar decisões marcadas por um subjectivismo marcante e que, necessariamente conduz a decisões injustas e dispares para situações análogas (vide, a título de exemplo, o Ac. do STJ de 23JUN2008. proferido no âmbito do Proc. 2152/08-5, ainda não publicado)

10) Deste modo, não se pode afirmar sequer que, com recurso ao instituto da equidade, que é o “tempero” dos tribunais, poderíamos chegar ao alto montante arbitrado pelo Tribunal a quo, pois a equidade deve reger-se por critérios objectivos, dependendo dos limites que tiverem sido provados e que, como não foram atendidos nem ponderados, conduziram a uma decisão desprovida de razão.

11) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou por erro de interpretação e inaplicação o disposto nos artigos artº. 342º e 506º do Código Civil, o que prevêem os artsº. 21º, 35º, 44º, todos do Código da Estrada, bem como desobedeceu ao imposto nos artsº 29º e 61º do Dec. Reg. nº. 22-A/98, de 1 de Outubro, quanto à dinâmica do acidente, e ainda, quanto à valoração do dano futuro, o plasmado nos artsº 483º, 496º nº. 1 e 3, 562º, 563º 564º nº. 1 e 2, 566º e 570º do Código Civil e o que nos diz a Portaria nº. 377/2008, de 26 de Maio.

Apelação do Autor A....

1) O Apelante aceita o que vem dito e justificado a fls. 459, 460 e 461 da sentença, no que diz respeita ao raciocínio jurídico efectuado pelo Julgador acerca dos danos indemnizáveis do Apelante e o valor total alcançado; devendo a decisão nesta parte manter-se.

2) Sendo que com o presente recurso pretende, também, o Apelante que seja reapreciada a resposta restritiva dada aos quesitos 5º, 6º, 7º e 8º da base instrutória, que face à prova testemunhal – designadamente através da audição dos depoimentos das testemunhas E... , cujo depoimento se encontra gravado na cassete 1, lado B, de 000 até 1108, F... , cujo depoimento se encontra gravado na cassete 1, lado A, de 000 até final e na cassete 1, lado B, de 1140 até final e na cassete 2ª, lado A, de 000 até 856 e G... , cujo depoimento se encontra gravado na cassete 2, lado A, de 859 até final e cassete 4, lado B, de 1171 até final e cassete 5, lado A, de 000 a 447 – e documental – croqui e fotografias juntas pelo Apelante a fls. dos autos – produzida nos autos deveriam ter sido considerados provados na sua totalidade.

3) Pelo que o presente recurso, para além de ter por objecto a reapreciação da matéria de facto quanto aos factos acima mencionados, também – por força da alteração que resultar – visa pôr em crise a parte da   sentença que considerou, passando a transcrever-se, "(...) diremos agora que, a nosso ver, da matéria apurada não resultou que o acidente em referência tivesse sido causado por culpa exclusiva do condutor do motociclo LL, nem tão simplesmente ou pelo menos que o mesmo tivesse contribuído em alguma medida ou em qualquer grau para a verificação do embate."

4) Em relação à matéria de facto que foi considerada pelo Tribunal e acima impugnada, entende o Apelante que o Tribunal a quo errou na apreciação crítica e global da mesma, já que não teve em consideração o depoimento das testemunhas arroladas pelo Apelante, no que diz respeito à descrição de como se deu o acidente, havendo, desse modo, erro notório na apreciação e valoração probatória, bem como se encontra violado o princípio da livre apreciação da prova.

5) Com efeito, a testemunha E... referiu que circulava imediatamente atrás do Apelante, acompanhado também pela testemunha F... e que o Apelante, que pretendia mudar de direcção, fez o respectivo sinal de mudança de direcção para a esquerda, entrou na zona de abrandamento, quando estava a parar para se certificar se vinha qualquer veículo em sentido contrário, quando surge repentinamente o veículo conduzido pelo condutor segurado da Apelada, a uma velocidade excessiva para o local, saindo totalmente da sua faixa de rodagem e invadindo o local onde estava o veiculo conduzido pelo Apelante.

6) Tendo tirado as fotografias que foram juntas em audiência de discussão e julgamento, o que só demonstra que a mencionada testemunha estava presente na hora e local onde ocorreu o acidente sub iudice, pelo que o seu depoimento foi isento, coerente e credível.

7) Já a testemunha F..., que circulava atrás do Apelante juntamente com a testemunha referida supra, também veio confirmar a versão de como ocorreu o acidente, objecto dos presentes autos e descrita pelo Apelante no seu petitório, ou seja, também veio confirmar que o condutor do veículo seguro na Apelada, porque imprimia uma velocidade excessiva, saiu da sua faixa de rodagem, invadindo o local onde estava o Apelante, ou seja, dentro da zona de abrandamento e atrás do sinal de STOP, colhendo-o de imediato.

8) Por fim a testemunha G..., também veio corroborar, no que diz respeito à dinâmica do acidente, o que as demais testemunhas acima mencionadas vieram confirmar aos autos, sendo que o seu depoimento foi credível e coerente.

9) Por outro lado, da análise atenta, cuidada e rigorosa, designadamente, à luz das regras físicas e mecânicas, do croqui do acidente junto aos autos, infere-se que o motociclo segurado na Apelada, após o embate, ficou dentro da zona de abrandamento onde estava o veículo do Apelante quando pretendia mudar de direcção e,

10) Tendo o veículo seguro na Apelada batido com a sua frente na parte lateral direita do veículo do Apelante, fazendo com que este caísse e fosse arrastado pelo seu motociclo e ficando o mesmo naquela posição, tal assim se deveu ao facto de o veículo do Apelante ter servido como obstáculo físico para que aquele parasse.

11) Deste modo, atento o lado com que o veículo seguro na Apelada embateu no veículo conduzido pelo Apelante e aplicando-se as leis da física, o local onde ficou imobilizado o motociclo seguro na Apelada foi exactamente o local onde se deu o embate e, como tal, o embate ocorreu na faixa de rodagem por onde seguia o Apelante.

12) Pelo que nunca poderia ter havido concorrência de culpa na produção do acidente por parte do Apelante, já que este em nada contribuiu para o acidente objecto dos presentes autos, até porque, ao contrário do que é dito no último parágrafo de fls. 157 da sentença, os motociclos intervenientes no acidente não têm características iguais, porquanto,

13) O motociclo conduzido pelo Apelante é um veículo de passeio que não atinge velocidades elevadas; já no que respeita ao motociclo seguro na Apelada, o mesmo é considerado na gíria “uma moto de pista” e dada a sua concepção aerodinâmica atinge velocidades bastantes elevadas, o que se pode comprovar diariamente, infelizmente, nas estradas portuguesas quando nos cruzamos por um motociclo desse tipo,

14) Pelo que até atendendo às regras da experiência comum o Tribunal a quo deveria ter considerada como potencialmente mais perigosa para a produção de acidentes a moto segurada na Apelada.

15) Pelo exposto, o Tribunal a quo dando como provados, na totalidade, os quesitos 5º a 8º da base instrutória deveria ter condenado a Apelada a pagar a indemnização global de 450.000,00 € (quatrocentos e cinquenta mil euros) a que chegou após os cálculos realizados tendo em conta os danos que o Apelante sofreu e a incapacidade com que ficou e os prejuízos que daí advieram e que foram causa directa e necessária do acidente motivado única e exclusivamente pelo condutor do veiculo seguro na Apelada.

16) Mas ainda que não seja alterada a matéria de facto impugnada por via do presente recurso, o que só por mera hipótese académica se coloca, sempre o Tribunal a quo face aos factos já dados como provados, mormente, a alínea D) dos factos assentes e a reposta dada aos quesitos 2º e 5º da base instrutória, deveria ter considerado que a contribuição do veículo seguro na Apelada praticamente exclusiva para a ocorrência do acidente e, consequentemente, para os danos que dele advieram ao Apelante.

17) O condutor do veículo seguro na Apelante circulava junto ao eixo da via, quando deveria circular o mais à direita possível, até porque a faixa de rodagem é bem larga, o que contraria o disposto no artigo 13º nº 1 do Código da Estrada; veja-se o que se encontra escrito na decisão instrutória junta aos autos a fls. “o condutor do motociclo podia e devia seguir peio lado direito da sua hemifaixa de rodagem porque a estrada tem uma largura de 10.30 m” e se seguisse, como devia, junto à berma nunca teria embatido no Apelante que estava no eixo da via.

18) Por outro lado estando a aproximar-se de um entroncamento, nunca poderia o veículo seguro na Apelante circular à velocidade que foi considerada pelo Tribunal a quo, ou seja, entre os 70/80 km/hora, mas sim, deveria tal condutor reduzir a marcha para os 50 km/h, o que não fez.

19) Pelo que perante o que se acaba de alegar o único culpado pela ocorrência do acidente foi o condutor do veículo segurado na Apelada

20) Deste modo, o Tribunal a quo ao decidir que não houve culpa no acidente de nenhum dos condutores, designadamente, do condutor do veículo seguro na Apelada, violou o disposto nos artigos 483º e 506º do Código Civil.

Contra-alegaram os apelados pugnando reciprocamente pelo não fundado das posições adversas.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                        *

2. FUNDAMENTOS.

2.1. Questão prévia; reapreciação da matéria de facto.

Pretende o Autor que seja reapreciada a prova produzida. Como é sabido esta pretensão, para que possa ser satisfeita, terá respeitar um determinado ritualismo processual 690º-A nº 1 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil. "1 – Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida".  

Cotejando as alegações do Autor com as exigências do aludido preceito legal, conclui-se que tais ónus se encontram preenchidos de um modo muito deficiente. Todavia sempre se dirá que se encontra cumprido aquele mínimo de requisitos em ordem a permitir apreender o essencial sobre as questões controvertidas, pelo chamando ainda à colação a prevalência das questões de índole substancial sobre as de natureza formal iremos proceder à reapreciação que se requer.

                     

Insurge-se a Ré B... Seguros quanto às respostas à matéria dos quesitos 5º, 6º, 7º e 8º Da Base Instrutória.

Perguntava-se nos quesitos em análise respectivamente o seguinte:

Quesito 5º: Devido à velocidade a que seguia, o LL saiu totalmente da sua faixa de rodagem atento o sentido Vila Nova de Poiares – Góis e ultrapassou a hemi-faixa de rodagem e também as placas separadoras e de abrandamento que existem no local?

Quesito 6º: Depois de ultrapassar tais placas separadoras devidamente marcadas e identificadas à data do acidente no piso da via, o LL acabou por embater violentamente com toda a sua parte da frente na parte lateral direita entre o meio e a parte traseira do motociclo 00-00- TE?

Quesito 7º: O facto referido em 6º ocorreu quando o veículo TE se encontrava na zona do abrandamento para virar à esquerda e antes de chegar ao traço de Stop mais concretamente a 9,40 m de distância deste?

Quesito 8º: Aliás ao ver o TE o condutor do LL não travou nem reduziu a sua velocidade?

O Tribunal respondeu aos quesitos em análise pela seguinte forma:

Quesito 5º: Provado apenas que por circunstâncias não concretamente apuradas o LL circulava no sentido Vila Nova de Poiares – Góis, próximo do eixo da via.

Quesito 6º: Provado apenas que nessa sequência quase imediata dá-se o embate entre ambos os motociclos, apesar das manobras que cada um deles ainda intentou fazer na iminência do embate, sendo que este se dá violentamente entre a parte da frente do LL e a parte lateral direita, entre o meio e a parte traseira do motociclo00-00- TE.

Quesito 7º: provado apenas que o facto vindo de referir ocorreu quando ambos os veículos se encontravam em zona da faixa de rodagem não concretamente apurada, mas próxima do eixo da via e traço de Stop aí marcado.

Quesito 8º: Provado apenas o que consta da resposta ao quesito 6º.

                     

Pretende o Apelante que seja conferida resposta inteiramente positiva aos quesitos em análise.

Procedendo à reapreciação da prova quer documental quer testemunhal proveniente da audição do suporte magnético, diremos desde já que não é possível ir mais longe na resposta aos quesitos em análise para além da conclusão a que se chegou em 1ª instância. E isto desde logo, através do depoimento das testemunhas E..., F...     e G..., todos  motards     que integravam o mês­mo grupo de passeio do Autor.

Porém se é certo que o depoimento de todas as aludidas testemunhas parecia encaminhar-se no sentido de que teria o condutor do LL, vindo embater no Autor, a verdade é que interrogadas em pormenor quanto à dinâmica do acidente todas elas acabam por falhar no fundamental, evidenciando não serem capazes de concretizar o desencadear do acidente preenchendo factualmente os momentos (segundos) que imediatamente o precederam. Ao fim e ao cabo ficamos com a convicção idêntica à da 1ª instância sob este particular: na mente destes condutores o acidente apenas colhe visibilidade após a respectiva ocorrência, sendo que só ganha contornos a partir do momento em que o estrondo captou a sua atenção. Aliás a testemunha F... acaba por admitir expressamente esta conclusão e o G... que a determinada altura estava já a depor baseado mais em presunções do que em factos, acabou por ter que reduzir o seu conhecimento ao simples deflagrar do sinistro. Esta conclusão a que chegámos através da audição das cassetes, confirmou-a o Tribunal a quo quando confrontou as testemunhas com as fotografias e croqui constates dos autos, diligência que obviamente já não pudemos acompanhar devido ao facto de o suporte magnético não nos permitir visualizar imagens, mas apenas e exclusivamente captar o som.

Nesta conformidade e independentemente do depoimento do condutor da viatura LL e sua mulher Isabel Maria de Almeida Henriques, o certo é que do conjunto dos depoimentos prestados e mesmo já cada um de per si, não é possível colher elementos do cerne da questão que permitam chegar a outro entendimento que não seja o de que se deu a colisão, mau grado não tenha sido possível apurar em concreto o "quantum de responsabilidade" de cada um dos intervenientes no deflagrar o mesmo.

Pelo exposto nada há a alterar à matéria de facto fixada na resposta aos quesitos em análise.

Assim sendo, entende esta Relação que com interesse para a decisão da causa se encontram provados os seguintes:

2.2. Factos.

2.2.1. No dia 17 de Agosto de 2002, pelas 19H15, na Estrada Nacional nº 2 ao ao km 268,4, no concelho de Góis, área desta comarca, onde a estrada é ligeiramente a subir, no sentido de marcha Góis - Vila Nova de Poiares, ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes o motociclo de marca Suzuki, com a matrícula00-00--TE e 800 cm3 de cilindrada, pertença do A., e o motociclo também de marca Suzuki, com a matrícula 00-00--LL e 600 cm3, propriedade de H... . (al. A) dos Factos Assentes);

2.2.2. No local, a via tem bom piso em asfalto, fazendo uma curva para o lado direito, atendendo ao sentido de trânsito Góis - Vila Nova de Poiares. (al. B);

2.2.3. E possui uma largura de 10,30 metros e bermas com cerca de 1,50 metros de largura. (al. C));

2.2.4. O A. conduzia o seu motociclo00-00--TE no sentido de marcha Góis - Vila Nova de Poiares. (al. D));

2.2.5. Enquanto H... conduzia o motociclo 00-00--LL no sentido de trânsito Vila Nova de Poiares - Góis. (al. E));

2.2.6. No local do acidente, no sentido de marcha Góis - Vila Nova de Poiares, há um entroncamento à esquerda que dá acesso a Serpins e Samora. (al. F));

2.2.7. Nesse entroncamento, o A. pretendia mudar de direcção para a esquerda. (al.G));

2.2.8. À data do acidente, o proprietário do veículo LL havia transferido a responsabilidade civil emergente dos acidentes de viação em que aquela viatura interviesse, para a R., mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº 5070/675085/50 (v. Doc. nº 9, junto a fls. 150). (al. H));

2.2.9. Nas circunstâncias de tempo e lugar acima referidas, o A. conduzia o 00-00--TE a uma velocidade não concretamente apurada. (resposta ao quesito 1º da Base Instrutória);

2.2.10. Por sua vez, o condutor do veículo LL, H..., transportava consigo, como passageira, a sua mulher, seguindo a uma velocidade não concretamente apurada mas não inferior a 70/80 Km/hora. (resposta ao quesito 2º);

2.2.11. Na altura em que o A. se preparava para virar à esquerda, conforme referido na al.G), circulando em local não concretamente apurado da zona de abrandamento que existia no local e próximo do eixo da via. (resposta ao quesito 3º);

2.2.12. Surge-lhe o veículo LL de forma inesperada, circulando nos moldes referidos na resposta ao quesito 2º, no sentido de trânsito Vila Nova de Poiares - Góis. (resposta ao quesito 4º);

2.2.13. Por circunstâncias não concretamente apuradas, o LL circulava no sentido Vila Nova de Poiares - Góis, próximo do eixo da via. (resposta ao quesito 5º);

2.2.14. Nessa sequência quase imediata dá-se o embate entre ambos os motociclos, apesar das manobras que cada um deles ainda intentou fazer na iminência do embate, sendo que este se dá violentamente entre a parte da frente do LL e a parte lateral direita entre o meio e a parte traseira do motociclo 00-00--TE. (resposta ao quesito 6º);

2.2.15. O facto vindo de referir ocorreu quando ambos os veículos se encontravam em zona da faixa de rodagem não concretamente apurada mas próxima do eixo da via e traço de STOP aí marcado. (resposta ao quesito 7º);

2.2.16. Dada a violência do embate, o A. perdeu o integral controle e equilíbrio do seu motociclo, o qual se veio a imobilizar a uma distância de 27,00 metros em linha recta entre o topo lateral esquerdo do sinal de STOP marcado na via e um local da faixa de rodagem da E.M. sita à esquerda aludida na al. F) contrário ao seu sentido de trânsito. (resposta aos quesitos 9º e 10º);

2.2.17. Por sua vez, o veículo LL, tendo embatido com toda a parte da frente na parte central lateral direita do 00-00--TE, ficou imobilizado próximo do local do embate, mais concretamente numa posição central na zona de abrandamento supra referida, tendo sido o H... e mulher projectados para o solo, imobilizando-se a uma curta distância de tal viatura. (resposta aos quesitos 11º e 51º);

2.2.18. Em consequência do acidente resultaram para o A diversas lesões corporais, muitíssimos graves. (quesito 12º);

2.2.19. Nomeadamente, sofreu o A lesão plerobraquial direita fractura exposta grau II do fémur direito, fractura exposta grau I da perna direita, tendo ficado com total paralisia do braço direito e de todo o plexo braquial direito (raízes de C5, C6, C7 e C8), lesões estas que foram causadas pela frente do LL quando embateu na parte central lateral direita do TE, mais concretamente na perna do A.. (quesito 13º);

2.2.20. Dada a gravidade de tais lesões, o A. foi socorrido nos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde aí permaneceu em estado gravíssimo até ao dia 20 de Agosto de 2002. (quesito 14º);

2.2.21. E nos H.U.C. foi sujeito a uma muito grave e dolorosa intervenção cirúrgica, e daí foi enviado para o Hospital Distrital de Águeda onde esteve internado 2 meses, tendo neste também sido operado duas vezes, daí tendo alta em 19.10.2002 e, por fim, voltou a ser operado ainda por duas novas vezes ao braço direito na clínica de Montes Claros, em Coimbra. (resposta ao quesito 15º);

2.2.22. Não tendo recuperado de imediato, já que actualmente ainda o A. continua a ser seguido pelos serviços médicos do Sr. Professor I... , em Coimbra. (quesito 16º);

2.2.23. Tendo o A., após ter saído do H.D.Águeda, andado mais de um ano de cadeira de rodas, já que não conseguia locomover-se. (quesito 17º);

2.2.24. Só graças às intervenções cirúrgicas, efectuadas e supra referidas, se evitou que ficasse paraplégico. (quesito 18º);

2.2.25. Em termos médico-legais é de fixar ao A. uma I.P,G.G. de 65% (I.P.P. de 60%, à qual acresce a título de dano futuro mais 5%). (resposta ao quesito 19º);

2.2.26. As sequelas resultantes são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual do A., bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional. (resposta ao quesito 20º);

2.2.27. À data do acidente o A. exercia a profissão de marceneiro e comerciante do ramo de snack-bar e cafetaria, auferindo mensalmente a quantia de cerca de € 800,00. (resposta ao quesito 21º);

2.2.28. À data do acidente, o A era um jovem de 36 anos de idade, muito dinâmico, robusto, trabalhador incansável e cheio de vida e com bastantes planos para o futuro. (quesito 22º);

2.2.29. O A. tinha condições de vida activa iguais à dos homens da sociedade portuguesa actual. (resposta ao quesito 25º);

2.2.30. O A. nunca mais retomou a actividade profissional, também nada lhe tendo sido pago até hoje por incapacidade a esse nível. (resposta ao quesito 26º);

2.2.31. O A. teve despesas em assistência médica e medicamentosa de montante total não concretamente apurado. (resposta ao quesito 27º);

2.2.32. Em consequência do acidente, o A. rasgou toda a roupa que trazia vestida, ou seja, calças, camisola, blusão e sapatos. (resposta ao quesito 30º);

2.2.33. O A. tem sofrido dores fixáveis no grau 6/7 (numa escala de sete graus de gravidade crescente), e bem assim alterações afectivas sociais que resultaram de tais lesões que se traduzem no grau 5/7 (na mesma escala crescente antes referida), dados o aspecto, localização e as dimensões das cicatrizes descritas no exame objectivo, a paralisia e a acentuada amiotrofia do membro superior direito, a amiotrofia da coxa homolateral e a claudicação da marcha, tudo em termos de dano estético. (resposta ao quesito 33º);

2.2.34. Desde o acidente, o A nunca mais teve uma vida normal, vivendo com grande ansiedade e traumatizado. (quesito 34º);

2.2.35. A situação actual do A. requer acompanhamento de terceira pessoa ao A., para as necessidades básicas diárias deste. (resposta ao quesito 35º);

2.2.36. A declaração amigável de acidente de viação, documento junto a fls. 140, apenas se mostra subscrita pelo condutor do LL. (resposta ao quesito 37º);

2.2.37. O veículo LL está concebido para atingir uma velocidade superior à do veículo TE. (resposta ao quesito 39º, sendo que se corrigiu o manifesto lapso de escrita na resposta dada quanto à matrícula deste último veículo, o que se nos afigura ser inquestionável até pela fundamentação dada a esta concreta matéria);

2.2.38. Nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas em A), o veículo LL, conduzido pelo seu proprietário, transportava como passageira a mulher do mesmo. (quesito 40º);

2.2.39. Quando ia a chegar ao dito entroncamento, o condutor do LL avistou o veículo TE, o qual circulava no sentido de marcha referido em D). (quesito 42º);

2.2.40. Na EN 2, antes da curva e entroncamento em questão, atento o sentido Góis - Vila Nova de Poiares, existe um sinal vertical bem visível de piso escorregadio. (quesito 52º);

2.2.41. E também em relação a esse mesmo sentido de marcha, existe outro sinal vertical de aproximação de entroncamento à esquerda, sem prioridade. (quesito 53º);

2.2.42. Os dois ocupantes do veículo LL sofreram extensos ferimentos. (quesito 54º);

2.2.43. A Ré procedeu à peritagem do TE, apurando o valor venal de 6 7.867,80. (quesito 55º);

2.2.44. O veículo TE, modelo VL 800, é a gasolina e foi matriculado em 2002/3. (quesito 56º);

2.2.45. A Ré comunicou ao A. a sua posição de “perda total” do veículo TE. (resposta aos quesitos 57º e 58º):

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2.3. O Direito.

Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

- Valoração jurídica à face da dinâmica do acidente emergente dos factos provados.

- Do "quantum indemnizatório".

2.3.1. Valoração jurídica à face da dinâmica do acidente emergente dos factos provados.

Através da presente acção pretende o Autor A... efectivar a responsabilidade da Seguradora B... em virtude da alegada culpa do seu segurado na eclosão do sinistro que o vitimou.

Nos termos do preceituado no artº 483º nº 1 do Código Civil, — Diploma a que pertencerão os restan­tes normativos a citar sem menção de origem — "aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

Ali se estabelece pois o princípio geral da respon­sabilidade civil, fundada em facto que seja objectivamente controlável ou dominável pelo agente, isto é uma conduta humana, que tanto pode consistir num facto positivo, uma acção, como num negativo (omissão ou abstenção), violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios — comportamento ilícito.

Para que desse facto irrompa a consequente respon­sabilidade, necessário se torna à partida que o agente possa ser censurado pelo direito, em razão precisamente de não ter agido como podia e devia de outro modo; isto é que tenha agido com culpa.

A ilicitude e a culpa são elementos distintos; aquela, virada para a conduta objectivamente conside­rada, enquanto negação de valores tutelados pelo direito; esta, olhando sobretudo para o lado subjectivo do facto jurídico.

A responsabilidade civil assenta em princípio na culpa e só nos casos previstos na lei; mas em certos casos, obrigatoriamente previstos, aquela efectiva-se independentemente da culpa do agente; é que para além desta existe ainda um factor de responsabilização e por isso gerador de responsabilidade, o risco; imperativo da vida hodierna em sociedade, cobre uma vasta área de actividade humana em que há lugar a indemnização sem culpa, sendo um desses campos de eleição, a circulação rodoviária, potenciadora de acidentes devidos tão somente ao facto de a mesma se verificar. Os veículos automóveis são máquinas susceptíveis de gerar perigo e assim se compreende que quem deles tira vantagens tenha geralmente que suportar os inerentes riscos que a respectiva utilização comporta, de harmonia com o brocardo ubi commoda ibi incommoda. Nem é outro o pensamento ínsito no artigo 502º onde se lê que "1. Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação", esclarecendo o artigo 505º que "Sem prejuízo do disposto no artigo 570º, a responsabilidade fixada pelo nº 1 do artigo 503º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo".

Revertendo ao caso em análise e no que toca à dinâmica do acidente, foi unicamente possível apurar que no dia 17 de Agosto, pelas 19H15, na Estrada Nacional nº 2 ao Km nº 2, ao km 268,4 no concelho de Góis, comarca de Arganil, onde a estrada é ligeiramente a subir, no sentido de marcha Góis - Vila Nova de Poiares, ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes o motociclo de marca Suzuki, com a matrícula 00-00--TE de 800 cm3 de cilindrada, pertença do A., e o motociclo também de marca Suzuki, com a matrícula 00-00--LL e 600 cm3, propriedade de H.... No local, a via tem bom piso em asfalto, fazendo uma curva para o lado direito, atendendo ao sentido de trânsito Góis - Vila Nova de Poiares. (al.B); e possui uma largura de 10,30 metros e bermas com cerca de 1,50 metros de largura.

O A. conduzia o seu motociclo 00-00--TE no sentido de marcha Góis - Vila Nova de Poiares; enquanto H... conduzia o motociclo 00-00--LL no sentido de trânsito Vila Nova de Poiares - Góis.

No local do acidente e no sentido de marcha Góis - Vila Nova de Poiares, há um entroncamento à esquerda que dá acesso a Serpins e Samora. Nesse entroncamento, o A. pretendia mudar de direcção para a esquerda.

Nas circunstâncias de tempo e lugar acima referidas, o A conduzia o 00-00--TE a uma velocidade não concretamente apurada. (resposta ao quesito 1º da Base Instrutória);

Por sua vez, o condutor do veículo LL, H..., transportava consigo, como passageira, a sua mulher, seguindo a uma velocidade não concretamente apurada, mas não inferior a 70/80 Km/hora. Na altura em que o A. se preparava para virar à esquerda, conforme referido na al.G), circulando em local não concretamente apurado da zona de abrandamento que existia no local e próximo do eixo da via, surge-lhe o veículo LL de forma inesperada, circulando nos moldes referidos na resposta ao quesito 2º, no sentido de trânsito Vila Nova de Poiares - Góis.

Por circunstâncias não concretamente apuradas, o LL circulava no sentido Vila Nova de Poiares - Góis, próximo do eixo da via.

Nessa sequência quase imediata dá-se o embate entre ambos os motociclos apesar das manobras que cada um deles ainda intentou fazer na iminência do embate, sendo que este se dá violentamente entre a parte da frente do LL e a parte lateral direita entre o meio e a parte traseira do motociclo 00-00--TE.

O facto vindo de referir ocorreu quando ambos os veículos se encontravam em zona da faixa de rodagem não concretamente apurada, mas próxima do eixo da via e traço de STOP aí marcado.

Dada a violência do embate, o A. perdeu o integral controle e equilíbrio do seu motociclo, o qual se veio a imobilizar a uma distância de 27,00 metros em linha recta entre o topo lateral esquerdo do sinal de STOP marcado na via e um local da faixa de rodagem da E.M. sita à esquerda aludida na al. F) contrário ao seu sentido de trânsito.

Por sua vez, o veículo LL tendo embatido com toda a parte da frente na parte central lateral direita do 00-00--TE, ficou imobilizado próximo do local do embate, mais concretamente numa posição central na zona de abrandamento supra referida, tendo sido o H... e mulher projectados para o solo, imobilizando-se a uma curta distância de tal viatura.

Resulta assim do exposto que em concreto sabe-se apenas que os dois motociclos chocaram; todavia dos factos apurados não é possível concluir em concreto pela culpa de qualquer dos intervenientes no sinistro na respectiva eclosão.

Defendendo tese diametralmente oposta à do Autor devolve a Ré ao mesmo a culpa na ocorrência do acidente; é que segundo esta última o Autor não fez a prova de que:

- Com antecedência tivesse sinalizado a sua manobra de mudança de direcção para a esquerda, só a efectuando após se assegurar que da mesma não adviria perigo ao embaraço para o trânsito;

- Que antes de mudar de direcção se tivesse aproximado também com a devida antecedência do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo da via;

- E muito menos tivesse parado em obrigação ao sinal de Stop demarcado no pavimento.

Daqui pretende concluir que o Autor infringiu os deveres que não provou ter observado. Trata-se de uma falácia argumentativa conhecida por argumento quase lógico, falácia que omite etapas de raciocínio para chegar a uma conclusão que pretende sustentar[1] e que tem sido rejeitada pela Jurisprudência ao decidir com uniformidade que o facto de não se dar como provados determinados factos não implica que se possam dar como assentes o respectivo inverso. E na mesma senda temerária argumentativa continua a Ré quando partindo do facto assente que o embate se dá na lateral direita mais sobre a traseira pela frente do LL, daí pretende inferir que o TE:

- já tinha iniciado a mudança de direcção

- Sem efectuar a perpendicular na execução de tal manobra;

- Sem cuidar que em sentido contrário circulava outro motociclo;

- Bem como que o LL seguia a usa normal linha de marcha embora próximo do eixo da via, o que não pode ser causa do acidente.

São conclusões não permitidas pelo facto que lhes é apontado como subjacente; Com efeito cabe observar que os elementos disponíveis, nomeadamente o croqui e as fotografias juntas tanto suportam a prova de que o Autor se tivesse atravessado à frente o LL como a de que este circulando próximo do eixo da via tivesse embatido com a traseira no motociclo do Autor quando este se encontrava na zona de abrandamento e com o intuito de virar à sua esquerda; tudo cenários possíveis que poderão levar a juízos de culpa de sinal divergentes; é contudo impossível perante os dados em presença, sem dar um salto no escuro, superar as aporias hermenêuticas descritas e assim a incógnita do dinamismo do acidente.

É bem certo que sobre o condutor que pretende efectuar a mudança de direcção recai o cumprimento de deveres específicos só que da ausência da respectiva comprovação não é possível inferir aqui outras consequências que não seja o non liquet. Dir-se-á assim e no mais que à falta de prova quanto à causa do acidente, a lei atribui-lhe determinado efeito jurídico que in casu é a de imputar o acidente à circulação dos aludidos veículos, caindo-se assim na responsabilidade pelo risco com sede de regulamentação no artigo 506º " 1. Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar.

2. Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores.

Assim sendo a equivalência entre os dois veículos intervenientes no acidente e a dúvida persistente quanto à contribuição de cada um deles para o acidente motiva a nossa aquiescência ao decidido em 1ª instância quanto se entendeu igual a respectiva contribuição para o mesmo.

                        +

2.3.2. Do "quantum indemnizatório".

A responsabilidade traduz-se na obrigação de indemnizar, de reparar os danos sofridos pelo lesado.

Este dever de indemnizar compreende não só os pre­juízos causados, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão — artº 564º do Código Civil.

O prejuízo surge pois como um elemento novo a acrescer ao facto ilícito e à culpa, sem o qual o agente não se constituiria na obrigação de indemnizar.

Os danos podem ter um conteúdo económico (danos patrimoniais) abrangendo os danos emergentes, efectiva diminuição do património do lesado, o prejuízo causado nos seus bens, e o lucro cessante, os ganhos que se frustraram por causa do facto ilícito, ou imaterial (danos não patrimoniais ou morais, que resultam da ofensa de bens de carácter espiritual ou morais, e que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem todavia ser compensados pelo sacrifício imposto no património do lesante).

A reparação dos danos deve efectuar se em princí­pio mediante uma reconstituição natural, isto é repondo-se a situação anterior à lesão; mas quando isso não for possível, ou não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, então haverá que subsidiariamente fixar‑se a indemnização em dinheiro. Cfr. artsº 562º e 566º do Código Civil. Nesta hipótese, o dano real ou concreto é expresso pecunia­riamente, reflectindo-se sobre a situação patrimonial do lesado (dano patrimonial ou abstracto)[2].

                        +

Como ponto prévio à fixação do montante indemnizatório, diremos que com a alteração ao artigo 508º do Código Civil pelo DL 59/2004 de 19 de Janeiro ficou superada a divergência jurisprudencial que se verificara anteriormente quanto a saber se o normativo em análise havia sido revogado ou não pelo artigo 6º do DL nº 522/85 de 31 de Dezembro, podendo concluir-se pela positiva ao consagrar-se quanto ao nº 1 do referido normativo legal, que " A indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel".

Nesta conformidade e sendo o limite máximo aplicável de € 600.000,00 à data do acidente, por força da redacção conferida ao artigo 6º do DL 522/95 de 31 de Dezembro pelo artigo 1º do DL 301/2001 de 23 de Novembro, não existe à partida qualquer óbice de base à procedência do pedido do Autor.

Revertendo ao caso concreto foi a Ré B... Seguros condenada a pagar ao Autor a importância de € 225.000,00 correspondente a ½ do somatório das várias parcelas indemnizatórias encontradas.

Insurge-se a apelante quanto à importância fixada na sentença a título de incapacidade permanente parcial IPP sustentando que a mesma não deverá ser superior a € 159.879,89 ou por arredondamento € 160.000,00 de harmonia com a fórmula frequentemente usada nos Tribunais:

     C = {(1/j)-[(1+j)n×j] + (P ×(+j)-n ]

 

                      C = Capital a determinar

P = Valor anual

J = Taxa de juro (3%)

N = Número de anos

Factor de correcção  

Nomeadamente se tivermos em consideração a idade da Vítima (36 anos à data do acidente; o grau de incapacidade de que padece (60% + 5%); o salário mensal auferido (€ 800,00): as incidências fiscais sobre os rendimentos; o remanescente do tempo de vida activa laboral do lesado; as taxas de juros praticadas (3%) o coeficiente de correcção (1%), e finalmente o facto de receber de uma só vez a indemnização arbitrada a título de virtual diminuição da sua capacidade aquisitiva.

     É bem certo que a fórmula em causa aplicada na sua rigidez daria efectivamente o resultado em análise. Só que primeiro que tudo devemos considerar que as fórmulas matemáticas de possível aplicação à data do acidente são meros auxiliares na busca de uma indemnização que acima de tudo tem como critério de aferição fundamental a equidade. Por outro lado a rigidez das fórmulas matemáticas são insusceptíveis de contar, nomeadamente na fase de crise económica que vivemos um leque de cenários possíveis susceptíveis gravosos para os rendimentos fixos, nomeadamente a prazo a inflação. Por outro lado a sentença apelada tomou em consideração e bem, que o termo da vida activa não coincide necessariamente com termo da vida física e o cálculo da pensão com base na fórmula supra-referida tomou a linha de conta a idade de 65 anos e a esperança média de vida situa-se hoje e com tendência para aumentar nos 72 anos de idade. Aliás o avançar da idade do Autor mais irá acentuar as suas necessidades pessoais já tão evidentes e que o colocam em situação de quase total dependência dos cuidados de outrem. Também relevante é o facto de mau grado a IPP do Autor se fixar em 65%, não é menos verdade que o mesmo está praticamente inutilizado para o exercício da profissão que exercia de marceneiro e comerciante do ramo de snack Bar e cafetaria. Contudo   isto não pode justificar que o valor encontrado a título daquela incapacidade ascenda a mais do que o dobro do que tem sido fixado pelos Tribunais Superiores nomeadamente o STJ e esta Relação mesmo considerando as fórmulas de cálculo como princípio orientador se bem que corrigido pela equidade[3]. Por outro lado não devemos, se bem que aqui não aplicáveis, ignorar o resultado a que chegaríamos pela aplicação da fórmula para que remete disposto no artigo 6º da Portaria 377/2008 de 26 de Maio e seu anexo III na base de cuja elaboração tem que presumir-se um Legislador sensato e a par da prática dos Tribunais nestas matérias. Ora partindo da aludida fórmula não seria muito diferente o resultado a que se chegaria daquele que se tem chegado pela utilização da fórmula matemática supracitada. É sensivelmente este, o valor que doravante a lei, pronunciando-se pela primeira vez de forma expressa sobre os quantitativos indemnizatórios entende razoável em casos como os que apreciamos. Todavia e considerando a peculiaridade do caso concreto de incapacidade de facto total, entendemos que a indemnização por incapacidade permanente parcial possa ser aumentada para o valor de € 250.000,00.

     Adicionando ao valor ora corrigido duas verbas de € 40.000 e € 10.000, que se mantêm inalteráveis, chegamos ao montante de 300.000,00 reduzido na proporção de 50% considerando a repartição de risco supra-apontada.

     Nesta conformidade improcedendo a apelação do Autor terá a da Ré proceder parcialmente com a redução do montante indemnizatório a € 150.000,00.

     Poderá assim concluir-se o seguinte:

     1) A reapreciação da prova audio gravada é insusceptível de suprir pormenores que só a imediação permite captar; isto para além de haver momentos na produção de prova, v.g. de confronto da testemunha com documentos insusceptíveis de ser seguido pelo Tribunal Superior.

     2) Não é possível da falta de prova a determinados factos concluir pela verificação do respectivo contrário maxime quando dessa forma se extraem conclusões jurídicas que os mesmos não comportam.

     3) Havendo dúvida sobre equivalência das características de dois veículos intervenientes no acidente e subsistindo a dúvida persistente quanto à contribuição de cada um deles para o acidente, deve concluir-se pela repartição igualitária da mesma.

     4) Com a alteração ao artigo 508º do Código Civil pelo DL 59/2004 de 19 de Janeiro ficou superada a divergência jurisprudencial que se verificara anteriormente quanto a saber se o artigo em análise havia sido revogado ou não pelo artigo 6º do DL nº 522/85 de 31 de Dezembro, podendo concluir-se pela positiva ao consagrar-se quanto ao nº 1 do referido normativo legal, que " A indemnização fundada em acidente de viação, quando

não haja culpa do responsável, tem como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel".

     5) É aconselhável cotejar os critérios indemnizatórios usuais com os preconizados pela aplicação dos critérios preconizados pelas fórmulas a que alude o artigo 6º da Portaria 377/2008 de 26 de Maio e seu anexo III, se bem que ainda não aplicáveis no caso concreto, por uma questão de justiça relativa e uniformidade de critérios.

                           *

     3. DECISÃO.

     Pelo exposto acorda-se:

     - Em julgar improcedente a Apelação do Autor.

     - Por outro lado julga-se a apelação da Ré B... Seguros parcialmente procedente e assim condena-se a mesma a pagar ao Autor a importância de € 150.000,00 já considerada em termos actualistas.

     Custas do recurso do Autor a cargo deste e da Ré por esta última e aquele na proporção do vencimento.

[1] Cfr. Chaïm Perelman e Olbrechts Tyteca "Traité de L'Argumentation" Edition de L'Université de Bruxelles, 1988 pags. 259 ss.

[2] Cfr. por todos Pessoa Jorge "Ensaio dos Pressupostos da Responsabilidade Civil" pags. 61 ss e 371 ss e Dario Martins de Almeida "Manual de Acidentes de Viação", 3ª Edição pags. 39 ss e 76.

[3] Cfr. Acs. STJ 27-01-2009 SJ200901270000167 (Salvador da Costa); 13-01-2009 SJ20090113038231 (Helder Roque). Trata-se de Acórdãos recentes que ilustram o que vem dito muito embora para conseguir chegar a uma equivalência de valores é necessário cotejar e considerar as premissas de que partem.