Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
666/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE POR FACTO ILÍCITO
DANO CAUSADO POR EDIFÍCIOS OU OUTRAS OBRAS
PRESUNÇÃO LEGAL DE CULPA
ÓNUS DA PROVA DO FACTO ILÍCITO PELO LESADO
CASO FORTUITO
FORÇA MAIOR
Data do Acordão: 07/18/2006
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: COMARCA DE ÍLHAVO - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 492º NºS 1 E 2 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. Pelo art. 492º do CC a responsabilidade é agravada em razão da presunção de culpa, agravamento compensado com a atribuição de relevância negativa à causa virtual.

II. A referência do preceito a “ruir…por vício de construção ou defeito de conservação implica não só a ocorrência da ruína geradora dos danos, mas também que então exista tal vício ou defeito e que deste tenha derivado tal ruína.

III. A existência desse defeito é atinente à ilicitude, enquanto denunciador de conduta contrária ao dever de boa conservação.

IV. A existência do vício ou defeito e a sua causação da ruína lesiva traduzem factos da base da presunção de culpa.

V. O “excepcional volume de água que se abateu sobre a caleira por tromba de água, derivada de tempestade imprevista”, provocando a ruptura da caleira e a invasão da fracção dum condómino pelas águas, é caso fortuito.

VI. A mera oxidação dos suportes (de ferro) da caleira não significa defeito de conservação.

VII. Para que à face do art. 492º se presumisse a culpa do condomínio a quem pertence a caleira, competia ao condómino lesado (cuja fracção foi invadida pelas águas) provar a base da presunção de culpa, ou seja, a existência do alegado defeito de conservação e que deste resultou a ruína lesiva, ainda que ruína desencadeada concorrentemente pelo facto fortuito.

VIII. Provado apenas que a ruína lesiva foi causada pelo facto fortuito da tromba de água e que os suportes da caleira estavam oxidados, o condomínio não é responsável pelos danos.

IX. A circunstância de a prova de um facto ter resultado de confissão expressa em articulado não lhe confere menos aptidão para aplicação do direito do que teria se resultasse provado mediante audiência de julgamento.

Decisão Texto Integral: Acordam, na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra,

I – Relatório:
1. Autora: A..., separada judicialmente, residente na Av. B...
2. Réu: Condomínio do Prédio Urbano Constituído em propriedade horizontal, sito na Av. C.....
3. Pedido: condenação do réu a pagar à autora, pelos condónimos A, B,C,D,E,F,G,H,I,J,L,N,O e P, na proporção do valor das mesmas, expresso em permilagem, a quantia de € 4.590,85, acrescido de juros vencidos calculados à taxa legal, desde a citação até ao pagamento e ainda em custas.
3. Para o efeito a A. alegou, em resumo:
Que é um dos condóminos do dito prédio urbano, dona da fracção M;
Que no prédio há uma caleira que por se ter deteriorado foi substituída em 1990 (art. 5º). Os suportes da caleira eram os originais instalados há mais de 13 anos aquando da construção do prédio, encontrando-se deteriorados pela corrosão/oxidação (art 6º--sic). Em 12-11-2000 choveu bastante na localidade da Praia da Barra (art.7º). A referida caleira, constituída por vários tramos, rompeu-se na união de dois deles, por se terem quebrado os respectivos suportes, que se encontravam corroídos como se diz em 6º (art. 8º--sic). O que levou à necessidade de escorá-la—Doc.4 (art.9º--sic) Não sem que antes, e por via do referido rompimento, as águas pluviais tenham sido encaminhadas para o terraço/varanda do 6º piso (art.10º--sic),onde se acumularam por o respectivo ralo de escoamento não estar dimensionado para tanta quantidade (art.11º) e de onde extravasaram para o interior das fracções M e I (art.12º).
Que da inundação resultaram danos nos móveis que tinha no interior da sua fracção, que especifica, e, descontando o que lhe caberia suportar como condómina face à permilagem, indica o montante pedido.
Que tais danos resultaram directa e necessariamente da entrada das águas que se acumularam no terraço/varanda do 6º piso, em razão de a caleira se ter rompido, ter cedido na união entre dois dos seus tramos, por se terem quebrado os respectivos suportes, em suma por ter ruído (art.34º).
Que a caleira e seus suportes, implantados no telhado, são parte comum.
A A. baseou a sua pretensão no disposto nos art.1424º nº 1 e 492º nº 1 do CC que invocou.

4. O réu contestou, pugnando pela improcedência da acção. Alegou, em resumo:
No dia 12-11-2000 a localidade da Barra foi fustigada por chuva intensa, com volume de precipitação muito superior ao normal (art. 2º).
Ocorreu uma quebra na união de dois dos pratos (ou tramos) da caleira, motivada pelo excepcional volume da água que nela se abateu em virtude da tromba de água referida (art. 3º).
A caleira não estava corroída ou em situação de não poder cumprir a função normal.
O terraço em causa dispõe de suficiente saída para escoamento das águas para o solo, mas a falta de escoamento das águas da varanda onde caíram e respectiva acumulação aconteceram por incúria da A. que mantinha suja e impedida tal saída (art. 7º e 16º).
A entrada da água no apartamento da A. ocorreu por força da tempestade imprevista, com volume de precipitação muito superior ao normal (art. 15º).
A caleira só é acessível pela varanda da fracção da A. e esta nunca comunicou anomalia ou falta de conservação da caleira.
5. A autora respondeu, dizendo, além do mais, que o ralo na varanda foi objecto de obras pelo condomínio em 95/96 e também se pode aceder à caleira pelo telhado. E no art. 10º acrescentou:
«Daí que, e como muito bem diz a ré nos art. 3º e 15º da contestação, o evento ficou a dever-se: “... quebra [que ocorreu] na união de dois dos pratos da caleira, motivada pelo excepcional volume de água que nela se abateu, em virtude da tromba de água referida” e “ocorreu por força de tempestade imprevista, com volume de precipitação muito superior ao normal”.
E concluiu como na petição.
6. No saneador de fls. 113 a 117 foram redigidos os “factos assentes” a) a i), com reclamação parcialmente atendida a fl. 135 e vº e rectificação decidida a fl. 213, e elaborada a base instrutória com 26 quesitos.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença que condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 3.733,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4% desde a citação até efectivo pagamento, tendo relegado para execução de sentença os prejuízos causados na alcatifa colocada no compartimento do sexto piso e as despesas de limpeza das infiltrações e humidade do 5.º piso.
7. Desta decisão, recorreu o réu, pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que absolva o recorrente do pedido. Concluiu as suas Alegações pela forma seguinte:
«i) A mera produção de danos por edifício, designadamente pela sua ruína, não determina, por si só, a responsabilidade do proprietário ou possuidor: tal apenas sucederá se verificada culpa do agente;
ii) A norma do art. 492º, nº 1 do C. Civil estabelece uma presunção de culpa do proprietário ou possuidor, que não exime o autor de provar em julgamento que a ruína se deveu a “vício de construção” ou a “defeito de conservação” do edifício,
iii) Sendo que sem a prova de que a ruína do prédio se deveu a “vício de construção” ou a “defeito de conservação” do edifício, não deve ser aplicada a referida norma do art. 492º, nº 1 do Código civil e a presunção de culpa nela prevista, como o fez a douta sentença recorrida.
iv) No caso em apreço, a recorrida não fez prova de que a ruína da caleira se devesse a vício de construção ou a defeito de conservação.
v) A motivação da douta sentença assenta em factos que não foram julgados como provados, já que o seu juízo de responsabilização civil do recorrente tem como pressuposto de facto que a caleira se rompeu pela quebra dos seus suportes, quando tal facto não foi dado como provado;
vi) Por isso, a aplicação do direito efectuada pela douta sentença em crise assente em pressupostos de facto que não podem relevar na decisão, com o que não fez aplicação da norma do art. 659º, nº 2 do C. P. Civil., quando a devia ter aplicado, mediante a aplicação das normas jurídicas aos factos julgados como provados.
vii) O dano da recorrida foi causado por facto natural, não controlável ou previsível pelo recorrido, pelo que não existe um nexo de causalidade adequada entre qualquer acção ou omissão do recorrente e o dano cujo ressarcimento é pretendido na acção.
viii) Não se verificam provados os factos que permitam o preenchimento dos elementos objectivos da hipótese da norma do art. 483º, nº 1 do C. Civil, nomeadamente no que toca a acção ou omissão do recorrente; a violação de direito da recorrida ou de norma para protecção de direitos de terceiro em função de tal acção ou omissão; do nexo de causalidade entre a acção ou omissão do recorrente e a produção do dano; e à sua culpa pela produção do dano;
ix) Não devia, por isso, ter sido aplicada a norma do art. 483º do C. Civil como fundamento da condenação do recorrente».
A recorrida defendeu a posição da sentença.
Correram os vistos. Nada obsta ao conhecimento do recurso.
II – Fundamentação:
Factos provados que constam da sentença, mas acrescentando-se a referência da peça donde provêm, para clareza:
«1 - O prédio sito na Avenida C...., Gafanha da Nazaré, Ílhavo, é composto por rés-do-chão, 1º, 2º e 3º andares, para habitação, com a área de 386 m2, foi constituído em propriedade horizontal e compreende as seguintes fracções, com as seguintes permilagens: A – 0,096, B-0,118, C e K-0,058; D e M- 0,070; E-0,031; F-0,056; G e H-0,069; I-0,043; J-0,045; L-0,089; N-0,104; O-0,011; P-0,012—al. a) da esp.
2 - A Autora é dona e possuidora da fracção M do referido prédio, duplex T1 recuado superior, com a área total de 97,46 m2, sendo 62,56m2 de habitação e 11,5 m2 de um terraço ao nível do 5º piso sobre a alçada posterior, 7,20 m2 de terraço no 6.º piso, também sobre o alçado posterior e 16,20 m2 de uma garagem na cave, e que se compõe, de sala comum, cozinha, casa de banho e caixa de escada ao nível do piso e de quarto e casa de banho ao nível do 6º piso—al. b) da esp.
3 - Ao longo da beira do telhado do alçado posterior, sobreposto ao 6º piso, está colocada uma caleira, apoiada em suportes de ferro cravados na parede, que se destina a recolher as águas pluviais e a encaminhá-las para a respectiva rede—al. c) da esp.
4 - Esta caleira e suportes, integrando-se naquele telhado, são partes comuns do prédio—al. d) da esp.
5 - A referida caleira é constituída por vários tramos e, por se ter deteriorado, foi substituída em 1990—al. e) e f) da esp.
5 - Os suportes referidos em 3 encontravam-se oxidados—resp. ao ques.2º.
6 - A caleira em causa é acessível pela varanda da Autora, sendo dai perfeitamente visível--resp.ao ques. 24º.
7 - A Autora nunca comunicou ao Réu qualquer anomalia ou falta de conservação da caleira em causa--resp. ao ques. 25º.
8 - No dia 12 de Novembro de 2000 a caleira acabou por se romper, quebrando na união de dois pratos, o que levou à necessidade de escorá-la—al. e)-1 da esp.
9 - Tal foi motivado pelo excepcional volume de água que nela se abateu, em virtude da tromba de água derivada da tempestade imprevista, com volume de precipitação muito superior ao normal—al. f)-1 da esp.
10 - Devido ao facto descrito em 7 e 8, as águas pluviais foram encaminhadas para o terraço / varanda do 6º piso, de onde extravasaram para o interior das fracções M e I—al. g) da esp. rectificada a fl.213.
11 - O terraço existente no sexto andar dispõe de saída para escoamento de água--resp. ao ques. 19º.
12 - As águas pluviais acumularam-se no terraço referido em g) por o respectivo ralo de escoamento não estar dimensionado para tanta quantidade de água--resp. ao ques. 4º.
13 - Na fracção M a água entrou no quarto e casa de banho, sitos no 6º piso e no pavimento deste, e no tecto dos compartimentos sitos no 5º piso--resp. ao ques. 5º.
14 - A Autora foi ao seu apartamento no próprio dia em que os factos ocorreram—resp. ao ques. 26º.
15 - Em consequência directa e necessária do facto descrito em 5º, ficou deteriorada a alcatifa colocada nos compartimentos do sexto piso—resp. ao ques. 6º.
16 - Ainda no mesmo piso deterioraram-se a mobília de quarto, constituída por cama, cómoda e duas mesinhas de cabeceira, em cerejeira--resp.ao ques.8º.
17 - A recuperação ou restauração da mobília referida em 16º é inviável por a substituição das partes danificadas ficarem diferentes das restantes—resp. ao ques. 9º.
18 - Para recuperação da mobília de quarto, que primeiro se supôs viável, era necessário 400.000$00; tendo-se concluído que a reparação dos móveis não era viável, a Autora terá de despender 748.400$00 para a sua substituição—resp.aos ques. 12º e 16º.
19 - No 5º piso ocorreram infiltrações e humidade—resp. ao ques. 10º.
20 - A Companhia de Seguros Europeia Seguros /Winterthur, a quem o sinistro foi participado e de quem havia sido reclamado o pagamento dos danos, que inicialmente se computaram em 585.250$00, fixou os prejuízo da Autora em 100.000$00, sendo 55.000$00 para substituição da alcatifa e 45.000$00 pela reparação do armário embutido, não considerando os outros valores por se reportarem ao recheio da casa e este não ser objecto da apólice--al.h) da esp.
21 - A mando da autora foi informado quer a Companhia de Seguros, quer a administração do prédio, da sua discordância quanto ao valor da indemnização e o administrador recebeu 90.000$00, depois de deduzida a franquia de 10.000$00—resp. ao ques. 17º.,
22 – O Administrador do prédio deu quitação de todos os danos sofridos na fracção da Autora bem como ao quadro geral da instalação eléctrica--resp.ao ques. 18º.
23 - A Autora recusa-se a receber os 90.000$00 que a Companhia de Seguros entregou para ressarcimento dos danos sofridos—al. i) da esp.
A redacção dos factos provados na sentença enferma de 3 lapsos evidentes que se rectificam:
- No facto nº 10 onde se diz “devido ao facto descrito em 7 e 8” deve ler-se “devido aos factos descritos em e)-1 e f)-1”, ou seja, acima descritos em 8 e 9, em consequência do despacho de rectificação a fl. 213;
- No facto nº 12 onde se diz “referido em g)” deve ler-se “acima referido em 10”, sendo certo que a sentença não refere alguma al. g), pois não indicou a proveniência do provado;
- No facto nº 15 onde se diz “facto descrito em 5º”, aludindo ao quesito 5º, deve ler-se “facto acima descrito em 13”.
Há que ter-se atenção aos factos provados e à sua redacção, pois que é a eles e não a outros, não provados, que se deve aplicar o direito, por força do disposto no art.659º nº 3 do CPC.

O Direito:
a) A A. funda o seu pedido na responsabilidade do réu por danos nos termos do disposto no art. 492º do Código Civil, que preceitua:
«1. O proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.
«2. A pessoa obrigada, por lei ou negócio, a conservar o edifício ou obra responde, em lugar do proprietário ou possuidor, quando os danos forem devidos exclusivamente a defeito de conservação».
O artigo não consagra um caso de responsabilidade objectiva ou por risco, mas sim por culpa, embora se trate de responsabilidade agravada em razão da presunção de culpa, agravamento compensado com a atribuição de relevância negativa da causa virtual [Cfr.A.Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed.,p.589 ss, Almeida Costa, Dir. das Obrig., 9ª ed.,2003, p.536 ss, Luís Menezes Leitão, Dir. das Obrig., I, 4ª ed., Pg.307.].
Em razão da presunção legal de culpa, ocorre uma excepção à regra geral do art. 487º nº 1 do CC segundo a qual é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, sendo certo que de harmonia com o preceituado no art. 483º do CC a culpa é um dos elementos que, por regra geral, se devem verificar para que alguém responda civilmente pelos danos causados a outrem (os outros elementos são por regra geral o facto voluntário, a ilicitude, a imputação objectiva ao agente ou nexo de causalidade adequada entre o facto voluntário e o dano). Por regra geral, na responsabilidade subjectiva, caberia ao lesado (no caso a autora) alegar e provar os factos subsumíveis a todos os elementos da responsabilidade de outrem até por força da regra geral da distribuição do ónus da prova segundo a qual àquele que invocar um direito cabe a prova dos factos constitutivos do direito alegado (art. 342º nº 1 do CC e que a regra do art. 487º nº 1 reafirma quanto à culpa).
O art. 492º do CC consagra uma excepção quanto ao ónus da prova de um dos elementos da responsabilidade civil subjectiva—a culpa—e não quanto aos restantes elementos, designadamente a ilicitude [Cfr.A.Varela, op. cit., p.588.]. Competia à A.provar os elementos de facto que interessam à ilicitude.
Os suportes de ferro constituem parte integrante do prédio, ao qual se ligam materialmente com carácter de permanência. A caleira rompeu-se. Para os efeitos legais, houve ruína parcial do edifício, ou seja, ruína duma sua parte integrante. Para que haja responsabilidade do condomínio é necessário, além do mais, que tal ruína derive de vício de construção ou de defeito de conservação.
A causa de pedir não se reporta claramente a vício de construção da caleira e suportes, antes se entende referir-se a defeito de conservação, ao vir alegado na petição: Os suportes da caleira eram os originais instalados há mais de 13 anos aquando da construção do prédio, encontrando-se deteriorados pela corrosão/oxidação (art 6º); A referida caleira, constituída por vários tramos, rompeu-se na união de dois deles, por se terem quebrado os respectivos suportes, que se encontravam corroídos como se diz em 6º (art. 8º).
Desta matéria apenas se provou que os suportes (de ferro e cravados na parede) se encontravam oxidados e que a caleira se quebrou na união de dois tramos por motivo do excepcional volume de água que se abateu em tempestade imprevista—tromba-d’água. Não se provaram a quebra dos suportes e/ou a sua deterioração por corrosão.
A lei refere-se, na previsão do dito preceito legal, a “...ruir...por vício de construção ou defeito de conservação”, o que implica necessariamente não só a ocorrência da ruína geradora dos danos, mas também a existência do vício ou defeito e que deste tenha derivado a ruína, gerando os danos. A responsabilidade advirá da verificação desses factos lesivos, enquanto ilícitos, e mediante presunção de culpa que recairá sobre o proprietário ou possuidor cuja construção devia estar isenta de vício ou sobre quem tinha o dever de boa conservação da coisa.
O vício de construção ou o defeito de conservação aqui relevantes são apenas os existentes à data da ruína. Evidentemente, uma ruína parcial da caleira ocorrida com a chuva que se abateu aos 12-11-00 há-de ter implicado a necessidade de reparação, ou até antes a medida provisória de escoramento da caleira com os dois paus como o doc. nº 4 a fl.16 revela e ao qual o art. 9º da petição se refere, mas o defeito proveniente da tempestade é aqui de todo irrelevante. O que importa apreciar, fundamentalmente, é se o provado revela algum vício ou defeito de conservação da caleira ou suportes, por virtude do qual, ainda que não exclusivamente, tenha ocorrido a ruína.
Perguntava-se no quesito 2º se os suportes estavam deteriorados pela corrosão/oxidação e apenas se provou que estavam oxidados. Perguntava-se no quesito 3ºse o evento (a ruína, entende-se) ocorreu por se terem quebrado os suportes que se encontravam corroídos e nada se provou. Em face do provado, o único facto que temos sobre eventual defeito é o de que os suportes da caleira estavam oxidados. Eram suportes de ferro cravados na parede (facto nº 3).
Ora, a oxidação dos suportes de ferro é facto natural e inevitável a partir do momento em que o ferro esteve em contacto com o oxigénio, atmosférico ou presente na água, pois que se não trata de ferro galvanizado (este sim naturalmente inoxidável) [Cfr. Nova Enciclopédia Larousse, nas entradas “oxidar”, “oxigénio”, “ferro”, “corroer”.]. Também é notório que a oxidação dum metal implica forçosamente a sua corrosão progressiva, a partir da exposição ao oxigénio, mas não sabemos se os suportes estariam deteriorados em algum grau apreciável ou não, pois que nada disto se provou.
A oxidação dum objecto de ferro não implica, só por si, defeito de conservação face ao objecto de que se trata (não é talher ou piercing, são suportes duma caleira). Cabia à A.provar o defeito, susceptível de reparação que se impusesse.
Todo o defeito duma coisa pressupõe uma divergência entre a “qualidade que é” e a “qualidade que deve ser”. Não há defeito sem comparação entre o que é e o que deve ser [Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in AB UNO AD OMNES, Coi. Ed., 1998, p. 575, e Rui Sá Gomes, ibidem, p.592.]. Porém, o provado não mostra tal divergência.
Atento o dever de conservação aludido no citado art. 492º nºs 1 e 2, pode entender-se o vício ou defeito como anomalia, estado patológico da coisa, reduzindo ou eliminando a utilidade que se traduz na sua aptidão para desempenhar a função a que se destina, de modo que a anomalia demande reparação ou substituição da coisa. Mas o provado não mostra a existência de qualquer anomalia pela qual a caleira ou seus suportes vissem diminuída a sua aptidão para desempenhar a sua função normal. A oxidação não é em si anómala, mas normal, no ferro comum.
A violação das regras técnicas é um dos critérios possíveis para se aferir a existência de defeito: se são meramente indicativas, a violação pode funcionar apenas como um índice dessa existência; se são injuntivas, a violação conduz automaticamente à existência de defeito. No caso, o provado não mostra que a caleira ou os suportes, designadamente por avançado estado de corrosão, se mantivessem pelo réu em situação de contrariedade (ilicitude objectiva) às regras técnicas, por exemplo, tendo o condomínio omitido realizar obras de conservação como o exigisse o RGEU ou o DL. nº 555/99 de 16-12.
Também não se provou que os suportes se tivessem quebrado. Aliás, uma das fotografias juntas pela A., como doc-nº4, e posteriores ao evento lesivo, mostra parte da caleira e, a sustentá-la, um suporte metálico (além das escoras entretanto colocadas), não se vendo em qualquer das fotografias (juntas aliás pela A.) algum suporte quebrado.
De resto, a existir algum vício ou defeito, tal não seria suficiente para a responsabilização por culpa do condomínio. Seria ainda necessário que a ruína lesiva derivasse desse vício ou defeito (“ruir...por vício...”), ainda que juntamente com outra causa externa (vento, chuva, etc). Ora, a oxidação dos suportes não constitui só por si condição ou causa da ruptura da caleira na união de dois tramos, nem sequer em termos puramente naturalísticos.
Poderia objectar-se que, provada a ruína lesiva, incumbia ao réu alegar e provar que tal não se deveu a algum defeito de conservação. Mas claramente não é assim. Tal matéria não está abrangida pela presunção legal de culpa, precisamente porque a existência de defeito é atinente à ilicitude (objectiva), enquanto denunciador de conduta contrária ao dever de conservação, e não se insere no conceito de culpa (subjectiva): a ilicitude é tão só antecedente lógico da culpa e não elemento desta.
No citado art. 492º, o regime de presunção da culpa só actua quando «a derrocada ou queda do edifício provenha comprovadamente de vício de construção ou defeito de conservação»--A. Varela, Das Obrigações...,I,10ª ed., p.592. E, como refere este autor, nos casos de presunção legal de culpa (art.491º a 493º e 503º nº3), o demandante de indemnização terá de provar os elementos de facto que interessam à ilicitude, embora não os que se referem à culpa (ibidem, p.588).
A existência de vício ou defeito e a sua causação da ruína lesiva são factos da base da presunção de culpa. A prova daqueles factos cabe ao lesado, no caso a A.—neste sentido, cfr. acórdãos do Supremo de 17-3-77 (BMJ nº 265/143), de 28-4-77 (BMJ nº 266/161) e de 6-2-96 (na CJ/STJ 1996, t.1,p.77 e BMJ nº 454/697), da Rel. de Lx. De 6-6-83 (CJ 1983,t.3,p.143) e de 30-5-96 (BMJ nº 457/427) e desta Relação de 1-3-94 (CJ 1994, t.2, p.7), bem como RLJ 122º/123s.[Nas presunções “supõe-se a prova dum facto conhecido (BASE DA PRESUNÇÃO), do qual, depois, se infere o facto desconhecido” (o qual se presume) —cfr. P. Lima e A.Varela, CC Anot.,I, nota ao artº 349º. A presunção legal de culpa dispensa o seu beneficiário de provar os factos que traduzem a culpa ou juízo de censura (vd. art. 350º do CC) e implica recair sobre o presumivelmente culpado a prova de que não teve culpa (vd art. 344º do CC), mas tal presunção não dispensa o beneficiário (da presunção) de provar o facto-base da presunção, facto que deve ser conhecido, provado, de modo que, se não se conhece o facto-base da presunção, a presunção não pode funcionar.]
E, como acrescentou o citado acórdão de 6-2-1996: Não é suficiente dizer-se que o próprio evento demonstra inadequada conservação. Importaria saber qual a causa da ruptura. “Tribunal não é oráculo ou órgão de adivinhação; é órgão de aplicação do direito aos factos provados”.

Em suma:
-Para aplicação do preceituado no art. 492º do CC, competia à A. lesada provar a base da presunção de culpa do condomínio, ou seja, a existência do defeito de conservação e que deste resultou a ruína lesiva [Em sentido contrário ao que se perfilha, vd. Luís Menezes Leitão, Dir. das Obrig., I, 4ª ed., p. 307, onde se omite a consideração da diferença entre base da presunção de culpa e culpa presumida e se omite a referência ao nexo causal entre o vício/defeito e a ruína lesiva.];
-A simples oxidação dos suportes de ferro da caleira não constitui defeito de conservação;
-Falta pois a prova da base da presunção da culpa, não podendo tal presunção funcionar.
Tal é suficiente para que o recurso deva proceder. Com efeito, e se é certo que a não aplicação do citado artº 492º não afasta a aplicabilidade do preceito geral do artº 483º nº1 do CC, não menos certo é que do provado não se pode concluir pela existência de facto ilícito e culposo do réu, a provar pela A.: o que afasta a responsabilidade mesmo fundada nesse artº 483º nº1.

b) Em termos de desencadeamento do processo causal provou-se apenas que “a caleira acabou por se romper, quebrando na união de dois pratos” e “tal foi motivado pelo excepcional volume de água que nela se abateu, em virtude da tromba de água derivada da tempestade imprevista, com volume de precipitação muito superior ao normal” (factos 8 e 9).
Donde se conclui que a causa da ruína da caleira consistiu tão só no excepcional volume de água que nela se abateu, por força de uma tromba-d’água [ É assim que a expressão consta do referido Dicionário da Academia.] derivada de tempestade imprevista, não constando do provado outra causa efectiva da ruína. Esse “excepcional volume de água que nela se abateu, por tromba-d’água derivada de tempestade imprevista”, constitui caso fortuito ou de força maior e, como causa única provada, afasta qualquer responsabilidade civil do réu, pois que significa faltar desde logo o primeiro elemento desta—o facto voluntário [Cfr.A.Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., p.956 e 10ª ed., p.593 ; Almeida Costa, Dir. das Obrig., 9ª ed., 2003, p.510, 586 ss e 999 ss; Pessoa Jorge, Dir. das Obrig., I, ed.AAFDL, 1975/76, p.534 a 539. A imprevisibilidade, ancilar da inevitabilidade, há-de aferir-se em relação ao tempo da conduta devida e segundo um juízo de normalidade.].
Poderá objectar-se que esse facto nº 9 se provou apenas formalmente, mercê da posição assumida pela autora no artº 10º da resposta, não devendo ser relevado para afastar a aplicação do citado artº 492º.
Com o devido respeito por entendimento diferente, a objecção refuta-se com um duplo fundamento jurídico.
Em primeiro lugar, a falta de prova dos factos da base da presunção legal de culpa conduz só por si ao naufrágio desta acção, como referimos na anterior al. a).
Em segundo lugar, ninguém defende que o facto nº 9 deveria ser eliminado do elenco dos factos provados e sucede que todos os factos provados podem relevar para a aplicação efectiva do Direito, independentemente da fonte probatória, quer provenham de admissão por acordo, quer advenham do julgamento de facto mediante audiência.
Tanto é assim que as afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo se rectificadas ou retiradas (artº 38º do CPC), e não houve rectificação ou retirada. E, para aplicação do Direito na sentença, o artº 659º nº3 do CPC manda tomar em consideração tanto os factos provados por admissão por acordo ou confessados, como os provados pelos outros meios aí referidos, não estabelecendo escalas de dignidade ou irrelevando alguns conforme a sua proveniência probatória. E a sua aptidão para efeitos substantivos de aplicação do Direito no respectivo processo, como a de quaisquer outros factos provados, confirma-se face ao disposto no artº356º nº1 do Código Civil.
Provado o facto nº9 e mantido como tal, não se pode irrelevá-lo como se fosse não provado. De modo que, com o devido respeito por opinião diferente, não podemos defender que a precipitação excepcional ocorrida não levou à ruína da caleira, pois tal juízo contradiz abertamente o provado.
Tal como não podemos subscrever a opinião de que, se a caleira se rompeu na junção de dois tramos, é porque há vício ou defeito e a opinião de que se pode deduzir que os dois tramos não caem se o respectivo suporte não cair ou não ceder visto que estão suportados por ele, de modo que o provado “tal foi motivado pelo excepcional volume de água” só se poderia entender como causalidade meramente cronológica e precipitadora de outra causa.
Ora, não está provada a actuação de outra causa (controlável pela vontade humana?) precipitada pelo excepcional volume de água que se abateu sobre a caleira. E a oxidação não pode ser essa outra causa porque: 1)- a oxidação dos suportes começa com a exposição do ferro ao ar, logo a tromba-d’água não pode precipitar a oxidação causante da ruína (da caleira) ocorrida por motivo da tromba-d’água (é patente a falta da necessária sucessão temporal para funcionar essa cadeia causal—tromba d’água-oxidação-ruína); 2)- Provado que à data os suportes estavam oxidados, mas tendo resultado não provado existir deterioração relevante, e sabido, como é da experiência comum, que o ferro exposto ao ar oxida e que nem toda a oxidação dum material resistente implica perda apreciável de resistência, o juízo de que a oxidação constitui no caso um defeito de conservação exorbita do provado. O problema da oxidação não está assim na falta de conservação, poderia quiçá estar na própria aquisição dos suportes em ferro oxidável, problema este que não vem colocado na acção, designadamente em termos de causa de pedir; 3)- A mera oxidação dos suportes de ferro oxidável não pode ser causa naturalística da queda dos suportes (queda que não está provada) nem da queda da caleira, segundo um juízo de experiência comum e perante o provado. Uma deterioração apreciável dos suportes, que fosse causada por adiantada oxidação ou corrosão, concebe-se que reduzisse a resistência do material de modo tal que cedessem ou se quebrassem, fazendo ruir a caleira perante a chuva duma tromba-d’água como, eventualmente ou não, perante uma ordinária precipitação pluvial: mas nada disso foi alegado ou provado!
Por outro lado, naturalmente toda a causalidade implica anterioridade cronológica da causa em relação ao efeito, o que nada de útil acrescenta para a solução.
Acresce não constar do provado que os suportes de ferro estavam sob a zona em que os tramos da caleira se uniam, de modo a poder-se ajuizar que os dois tramos não podiam cair se o respectivo suporte não caísse ou não cedesse. Nem consta do provado que os dois tramos tenham caído. A caleira acabou por se romper, quebrando na união de dois pratos (ou tramos)—facto 8. Mas ninguém alegou, nem está provado, que havia algum suporte junto à união dos dois tramos ou que a caleira ou algum dos seus tramos tenha caído. Para melhor compreensão, o doc nº 4 citado mostra num extremo da caleira um suporte cravado na parede (suporte que não está quebrado) e mostra, a meio da caleira, a união dos dois tramos sem nesta zona se ver algum suporte e sem haver sinais de alguma vez ter existido algum suporte junto dessa união antes da tromba-d’água. No doc.vêem-se dois troncos de madeira a escorar a caleira, junto dessa união dos tramos, mas segundo a petição esse escoramento foi feito depois de a tromba-d’água ter arruinado a caleira na zona dessa união.
Deste modo, as deduções de que os suportes caíram ou cederam ou de que os dois tramos da caleira caíram ou de que a caleira ruíu no ponto de junção onde exactamente estavam os suportes extravasam e não se colimam ao provado. Não está provada essa localização dos suportes. Não estão provadas tais quedas ou a cedência dos suportes. A ruptura da caleira e a quebra na união dos dois tramos, embora signifiquem ruína (total ou parcial), são perfeitamente compatíveis com a não queda, bastando que a união dos tramos se quebre mas estes fiquem suspensos por a caleira estar presa nos extremos pelos suportes de ferro cravados na parede, situação em que os tramos cederiam na união sem que os suportes tivessem de cair.
Nesta situação possível (aliás confortada pelo dito doc), a questão da mera oxidação dos suportes é perfeitamente inócua, como foi inócua a referência da A.ao posterior escoramento.
De entre as várias situações factuais possíveis, competia à A.alegar e provar aquela que, por entender verificada, lhe aproveitaria. Mas o provado não conduz ao reconhecimento do seu invocado direito.
A única explicação disponibilizada pelo provado para ter ocorrido a ruína lesiva reside no excepcional volume de água que se abateu em virtude da tromba-d’água (dito caso fortuito ou de força maior), o que basta para excluir a responsabilidade, perante a falta de prova, pela A., do defeito de construção ou de conservação como tendo sido o causador ou concausador dos danos.

c) Vejamos sucintamente onde falhou a sentença para chegar à decisão da qual discordamos:
De permeio com a exposição das regras legais sobre o condomínio de propriedade horizontal e sobre os pressupostos legais da responsabilidade extracontratual, vem ali referido: «No caso em apreço verifica-se que por um facto voluntário, ainda que traduzido numa omissão—não reparação das caleiras e suportes—estes ruíram e as caleiras cederam»(fl.236 supra) e, a fl.238: “o evento traduziu-se na queda dos suportes das caleiras, vindo estas a ruir, claramente adveniente da oxidação dos suportes» e, a fl.240: “nada se apurou quanto aos suportes, e pelo facto destes se encontrarem oxidados não se pode concluir pela urgência da sua reparação”.
A contradição entre esses passos é evidente, em pelo menos dois aspectos: o réu devia ter reparado? Ou não havia urgência?; os suportes caíram ou nada se apurou?
Além disso, começa por falar-se em não reparação mas sem se identificar previamente o defeito da caleira ou suportes. Da ruptura da caleira não se deduz inequivocamente o defeito. E a oxidação de metais como o ferro é fenómeno natural de exposição ao ar ou à água e não um vício de construção ou defeito de conservação.
Por outro lado, a sentença não se ateve ao provado (não se provaram a existência de várias caleiras [Segundo o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, caleira é um cano aberto na parte de cima que recebe as águas pluviais dos telhados. É uma caleira o que consta do provado e a mesma é visível através da fotografia do já citado DOC nº 4.], a ruína dos suportes, a causação da ruína da caleira pela oxidação dos suportes, a não reparação), radicou a ilicitude na existência de danos (fl.236-§ 6º) [Ver, porém, A.Varela, Das Obrigações..., cit.,I: nem toda a lesão de interesses alheios reveste a forma de violação ou ofensa do direito de outrem (pág. 530); a ilicitude reporta-se à conduta do agente e não ao efeito danoso (p. 532), embora não tenha sentido discutir-se a ilicitude duma conduta se não há dano.], considerou não ilidida a presunção de culpa sem estar provada a base dessa presunção (base que não se resume ao facto da ruína como acima vimos em a)), considerou que uma causa virtual poderia ilidir a presunção de culpa conforme fl.238-§5º e fl.239-§5º a 7º(a causa virtual afastaria sim, ou atenuaria, a obrigação de indemnizar [ Cf. Almeida Costa, op. cit., p.714.].
Convenhamos que, por hipótese, poderia verificar-se um concurso de causas do dano, actuando conjuntamente enquanto causas reais: não só o defeito de conservação dos suportes idóneo para que, caindo ou cedendo estes, desencadeasse a ruptura da caleira, como também o facto fortuito (tromba de água), precipitando a cedência dos suportes em razão de defeito destes. Podia então defender-se, por acréscimo, que, não estando ilidida a presunção legal de culpa nem apurada alguma causa virtual dos mesmos danos, a existência do facto fortuito não obstava à responsabilização do réu à face do artº 492º porque ao réu era imputável o defeito de conservação, co-gerador dos danos, ainda que tal concurso pudesse conduzir à atenuação da obrigação de indemnizar. Pois como refere A.Varela, a explicação para admissão da relevância negativa da causa virtual nos art.491º a 493º nº1 “parece arrancar do carácter acidental do dano posto a cargo do responsável (dano não nascido apenas do facto culposo do responsável, mas de um misto de culpa dele com o facto fortuito ou de 3º): o dano nascerá directamente (...) de facto fortuito ou de 3º (no caso do artº492º)”—op. cit., p.932. Mas, acrescentamos nós, o vício/defeito há-de existir e ter propiciado a ruína desencadeada pelo facto fortuito, o que, como vimos acima, o mesmo Prof.defende noutro local da obra.
Porém, no caso só se provou uma causa real, a do facto 9º, caso fortuito, única causa operante da ruína danosa. Não se provou que a caleira ruíu ...“por defeito de conservação”. Assim, os danos ocorreram apenas por caso fortuito.
d)- As conclusões da alegação do recurso em geral estão correctas e procedem.

e)- Em conclusão:
1-Para aplicação do preceituado no art. 492º do CC, competia à A. lesada provar a base da presunção de culpa do condomínio, ou seja, a existência do alegado defeito de conservação e que deste resultou a ruína lesiva ;
2-A simples oxidação dos suportes de ferro da caleira não constitui defeito de conservação;
3-Falta pois a prova da base da presunção da culpa, não podendo tal presunção funcionar e operar-se a responsabilidade com fundamento naquele preceito legal.
4-Provado que a ruína da caleira, com a subsequente inundação do interior da fracção do condómino e danificação de recheio, foi devida tão só ao facto de sobre a caleira se ter abatido excepcional volume de água em virtude de tromba de água derivada de tempestade imprevista, verifica-se a causação do dano apenas por caso fortuito ou de força maior.
5-A circunstância de a prova do facto ter resultado de confissão expressa em articulado não lhe confere menos aptidão para aplicação do direito do que teria se resultasse provado mediante audiência de julgamento.

III- DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e revoga-se a decisão impugnada, absolvendo-se o réu do pedido.
Custas da acção e do recurso pela autora.